domingo, 30 de junho de 2013

[POL] Hitler, um perfil do poder

Ian Kershaw


Como tema de um perfil de poder, Hitler é, tanto quanto seja possível conceber, um caso notável. Em seus primeiros trinta anos de vida foi um João-ninguém. Nos vinte e seis anos restantes de sua existência, deixou uma marca indelével na história, como ditador da Alemanha e instigador de uma guerra genocida. Como pôde tal figura, mesmo que por curtos anos, chegar a dirigir os destinos de uma das nações econômica e culturalmente mais desenvolvidas e avançadas do mundo?

É comum, hoje em dia, considerar-se que as abordagens se enquadram em duas categorias principais, que passaram a ser denominadas de “intencionalista” e “estruturalista” (ou funcionalista). No grupo “intencionalista” presume-se que a história do nazismo é a da implementação programada e consecutiva das intenções ideológicas de Hitler. Isto é, ele é concebido como uma clássica personificação do poder num Estado totalitário.

A abordagem contrastante, por outro lado, destacou o condicionamento das decisões políticas pelas pressões “estruturais”, tais como as limitações econômicas ou pelo “funcionamento” específico de alguns componentes-chaves do domínio nazista. À luz disso, Hitler foi retratado como preocupado com a manutenção de seu prestígio e de sua autoridade pessoal. Longe de ser um líder de poder pessoal irrestrito, Hitler poderia ser encarado como sendo um ditador fraco.

O “poder” pode ser abstratamente definido como “a probabilidade de que um ator, dentro de uma relação social, fique em condições de exercer sua própria vontade a despeito da resistência encontrada.” Uma chave para a compreensão da expansão gradativa do poder de Hitler pode ser encontrada em outro conceito de Max Weber: o de “dominação carismática”. Esse conceito se baseia nas percepções – por parte de um “séquito” de adeptos – de heroísmo, grandiosidade e de uma “missão” num “líder” proclamado. Tende a emergir em situações de crise e está sujeita a ruir em virtude da impossibilidade de atender às expectativas ou por se “rotinizar” num sistema capaz de se reproduzir somente através da eliminação da essência “carismática”.

Os aspectos específicos da variação alemã da “dominação carismática” decorrem da interação da crise generalizada que se vivenciou na Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial (e particularmente nos início dos anos trinta) com alguns traços específicos da cultura política alemã.

No início da década de trinta, estava à mão um pleiteante que era apoiado por uma organização que trazia todas as marcas de uma “comunidade carismática”. Ela abrangia o séquito imediato na elite da liderança nazista. Seu relacionamento com Hitler era determinado por vínculos de lealdade pessoal de um tipo arcaico, quase feudal. Outros defensores e exploradores cruciais do “carisma” de Hitler eram os líderes e funcionários das organizações estatais – dentro das quais a mais importante era a SS. Além deles, havia a massa de “adeptos de Hitler” na população em geral.

O “carisma” da personalidade de Hitler enraizava-se no poder que fluía – para os que lhe eram receptivos – de sua “ideia”, seu credo político, juntamente com a notável habilidade de agitar as massas.

Em termos de aparência física, Hitler era inexpressivo. Os hábitos pessoais eram rotineiros e conservadores. Embora seus conhecimentos fossem incompletos, unilaterais e dogmaticamente inflexíveis, ele era inteligente e sagaz. Gostava da companhia das mulheres, especialmente quando eram bonitas. Sabia fazer rir os que o cercavam e tinha um forte senso de lealdade. Entretanto, essas características pessoais teriam sido insuficientes para chamar a atenção para Hitler. Mas seu credo político e a convicção com que o expressava transformaram-no numa personalidade efetivamente extraordinária.

A essência da visão pessoal do mundo de Hitler compreendia a crença na história como uma luta racial, o antissemitismo radical, a conquista do “Lebensraum” (espaço vital) à custa da Rússia e uma luta de vida ou morte, até o fim, contra o marxismo – personificado, de maneira concreta, no “bolchevismo judaico” da União Soviética. Em meados da década de 1920, portanto, Hitler havia desenvolvido uma filosofia bem acabada, que lhe oferecia uma visão completa do mundo, de seus males e de como superá-los.

Hitler via a si mesmo como a mais rara das combinações: o “idealizador” e o “político” – o executor da ideia. Foi a combinação de “profeta” e propagandista que deu a vantagem de Hitler sobre todos os outros pretendentes potenciais à liderança na elite suprema do Partido Nazista. Faltavam a outros nazistas destacados a combinação do seu brilho demagógico, sua capacidade de mobilização e a unidade e “força explicativa” universal de sua visão ideológica. Rudolf Hess era introvertido. Julius Streicher não passava de um demagogo racista. Herrmann Göring era mais um homem de ação do que de ideias. Ernst Röhm era militar e organizador capaz, mas faltavam-lhe visão ideológica e talento retórico. Heinrich Himmler era um bom administrador, mas dotado de personalidade fria e desprovido de atrativos populares. Hans Frank era um tipo fraco e hesitante, emotivo e subserviente. Todos esses líderes nazistas se juntaram ao Movimento quando ele estava no ostracismo político, muito antes de chegar perto de conquistar o poder. Dificilmente se pode considerar o oportunismo político como a principal motivação de seu compromisso com a causa nazista. Na verdade, central para esse núcleo da “comunidade carismática” foi o poder da personalidade de Hitler.

A questão de como pôde um candidato tão improvável chegar ao poder tem sido formulada desde que Hitler foi nomeado Chanceler do Reich em 30 de janeiro de 1933. Foi como propagandista, agitador e demagogo incomumente talentoso que Hitler, a princípio, atraiu as atenções. Foi Hitler que anunciou o programa do Partido em 24 de fevereiro de 1920. O número de membros atingiu 2.000 no final de 1920 e 3.300 em agosto de 1921. Foram as garantias financeiras de Dietrich Eckardt, um dos mentores intelectuais de Hitler, somadas a uma contribuição de 60.000 marcos de um fundo do Reichswehr, obtida por Ernst Röhm e Karl Mayr, que permitiram ao Partido comprar seu próprio jornal, o “Völkisher Beobachter”, no início de 1921. O Partido continuou a se expandir rapidamente. Em fins de 1922, havia aproximadamente 20.000 membros e, na época do Putsch, cerca de 50.000.

Hitler roubou a cena durante seu julgamento, em fevereiro e março de 1924, dando a ele o direito de ser encarado como a nova figura de proa do movimento. Depois de sua libertação do presídio e da refundação do Partido em fevereiro de 1925, todo o poder sobre as decisões relacionadas com questões ideológicas e organizacionais residia na pessoa de Hitler. Nesse período, o culto a Hitler institucionalizou-se plenamente. Um símbolo externo expressivo da supremacia de Hitler foi a introdução da saudação “Heil Hitler” como uma forma compulsória de cumprimento entre os membros do Partido.

A força da posição de Hitler dentro do Partido remonta, principalmente, aos anos de “ostracismo” de 1925-28. Na época em que começou a onda eleitoral do nazismo no outono de 1929, a natureza do NSDAP como um “Partido do Führer”, no qual a ideia e a organização eram inseparáveis de seu líder, estava firmemente estabelecida.

O atrativo do líder “carismático” para as massas tem apenas uma relação indireta com a verdadeira personalidade e as atribuições de caráter desse líder. Provavelmente para a maioria dos que acabaram votando nos nazistas as questões prosaicas do “feijão com arroz” ou até o sentimento de que Hitler não poderia sair-se pior do que os demais predominaram sobre o fervor ideológico. Depois de 1929-30, a multiplicidade de grupos de interesse que atuavam fora do Movimento Nazista considerou o nazismo uma proposta atraente. Não obstante, uma vez expostos ao nazismo, todos os adeptos potenciais ficaram também inevitavelmente expostos à imagem “carismática” de Hitler. Este último inspirou, nos milhões que se deixaram atrair, a convicção de ele, e somente ele, apoiado por seu Partido, poderia por fim ao sofrimento vigente e conduzir a Alemanha a uma nova grandeza. O texto nu e cru de seus discursos os revela como um catálogo de banalidades e obviedades. Mas o clima, o cenário previamente montado e a aura mística de grandeza messiânica em torno de Hitler tornavam eletrizantes suas palavras para as plateias de massa.

Hitler observou a propaganda como sendo, de longe, a tarefa mais importante do Partido Nazista. Toda propaganda, de acordo com ele, tem que restringir seu nível intelectual à compressão do membro mais estúpido de sua plateia. O tema tem que ser explosivo. É agitar a raiva e a paixão e atiçar o fogo até que a multidão se enfureça.

As técnicas de propaganda de Hitler para conquistar as massas teriam pouco êxito, entretanto, sem as condições externas – Depressão, o agravamento da crise de governo e a desintegração dos partidos. Sem esse “mercado”, Hitler teria continuado a ser uma preferência minoritária insignificante. Sua plena conquista das massas veio somente após os nazistas silenciarem a opinião pública oposicionista e adquirirem controle completo dos meios de comunicação de massa. Acima de tudo, a imagem que a propaganda nazista retratava reiteradamente era a do poder, da força, do dinamismo e da juventude – uma marcha inexorável para o triunfo, um futuro a ser conquistado pela confiança no Führer.

Nota: Este texto compreende uma síntese dos capítulos 1 e 2 do livro homônimo de Kershaw. Para um entendimento mais completo do poder de Hitler sugere-se a leitura do livro.


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A Formação do Pensamento Político de Adolf Hitler  

sexta-feira, 28 de junho de 2013

[HOL] Poderia haver algo mais distorcido do que estes mentirosos do Holocausto?

Guy Walters

Daily Mail, 21/06/13

 


Apenas quatro dias antes do fim da guerra na Europa, uma unidade de soldados canadenses estava avançando por uma densa floresta a nordeste da Holanda. Acompanhando-os estava um membro da Unidade de Serviço Especial altamente secreta, um homem chamado Joe Corry.

Para todos os efeitos, Corry tinha tido uma guerra memorável. Ele havia matado um cientista nazista com uma besta, assistido ao Dia-D de uma casa nas praias de desembarque, resgatado o cientista nuclear J. Robert Oppenheimer (o conhecido pai da bomba atômica) da Holanda, instalou minas em submarinos, foi náufrago em Newfoundland e mesmo trabalhou com o futuro criador de James Bond, Ian Fleming, ele próprio um oficial da inteligência.

Mas, apesar de tudo o que ele viu, nada poderia preparar Corry para o que ele testemunharia aquele dia. Dentro da floresta havia um “campo de extermínio experimental” nazista, a visão do qual permaneceria com ele pelo resto da vida.

“A evidência viva e morta do horror e brutalidade além da imaginação de qualquer um estava lá,” escreveu Corry anos depois. “As pessoas estavam deitadas, rastejando e agonizando, numa lama que chegava aos joelhos e em excremento humano.”

Uma menina se aproximou dele, clamando por ajuda, mas não havia muita coisa que Corry pudesse fazer. Um rabino então aproximou-se e beijou a palma da mão de Corry, resmungando o que Corry supôs ser uma oração.

Enquanto Corry atravessou o campo, ele foi apresentado a visões gradativamente mais horripilantes, incluindo pilhas de corpos e colunas de “esqueletos vivos” entulhados em barracas de alvenaria.

Poucos dias depois, ele voltou e viu dois internos pegando carne da carcaça de um cavalo e “engolindo grandes pedaços”.

O que Corry viu aquele dia quase sete décadas atrás era um exemplo vívido do Holocausto, no qual seis milhões de judeus foram assassinados sob as ordens de Adolf Hitler.

Não é de estranhar que no início deste ano, a editora Simon & Schuster pegou a oportunidade para relançar esta memória extraordinária, publicada originalmente sem muito alarde em 1990.

A nova edição, para sair em 2014, foi descrita pelo editor de Corry como “tudo o que você queria ler em uma memória da Segunda Guerra Mundial – um relato emocionante como uma montanha-russa sobre bravura e voluntarismo que também inclui um golpe poderoso e emocional.”

Só tem um problema: simplesmente não é verdade.

Não havia tais “campos de extermínio experimentais” na Holanda, e os campos de concentração em solo holandês haviam sido descobertos bem antes de 4 de maio – o dia da rendição alemã na Holanda.

De fato, quase todas as afirmações de Corry sobre suas experiências de guerra são inventadas. Não havia uma “Unidade de Serviço Especial”; o professor Oppenheimer permaneceu nos EUA durante toda a guerra; não havia soldados britânicos escondidos em casas na orla das praias do Dia-D.

A lista de mentiras é atordoante e espalhafatosa. Sem surpresa que Mike Jones, diretor editorial da Simon & Schuster, agora diz: “Publicamos uma vasta lista de não-ficção, e adquirimos o livro com base no que nos foi dito. Não há nada neste mundo que nos faça publicar um livro que é inexato e fabricado. Agora que isto nos foi trazido à atenção por um especialista, devemos analisar estes fatos e conversar com o autor e o seu agente.”

Infelizmente, o conto de Corry é parte de um problema crescente dentro da indústria editorial, que é a venda ao público de um número crescente de “memórias” do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial que deveriam estar na verdade sendo vendidas na seção de “ficção”.

Este assunto foi abordado novamente por uma publicação recente da memória do Holocausto emocionante – e genuína – “Garoto 30529: Uma Memória”.

Infelizmente, o professor Weinberg, que ensinou por muitos anos no Imperial College em Londres, morreu antes que seu livro chegasse às livrarias em abril, mas ele deixou não apenas um grande número de documentos, mas também um ataque contra os inescrupulosos “sobreviventes” e seus editores. “Sempre evitei a literatura do Holocausto,” ele escreveu, “e achei alguns dos recentes relatos ficcionais, mascarados como estórias reais, algo profundamente perturbador.”

“Isto é equivalente a profanar os túmulos de guerra. Devemos pelo menos mostrar (aos mortos) respeito suficiente para abster-se das falsas estórias sobre como suas vidas terminaram.”

Um dos primeiros exemplos de uma falsa estória sobre o Holocausto foi um livro chamado “Fragmentos: Memórias de uma Criança durante a Guerra”, publicada por um músico chamado Binjamin Wilkomirski na Alemanha em 1995. (N do T.: dois após o filme “A Lista de Schindler” fazer sucesso nos cinemas.)

Como muitos de seus amigos mentirosos, Wilkomirski manteve seu relato de vida em campos como Auschwitz e Majdanek de maneira vaga e apresentou suas experiências – como o título do livro sugere – de uma maneira fragmentária.

Chocantes e poderosas, como as memórias do Holocausto tendem a ser, o livro foi aclamado criticamente por especialistas e público e vendeu em pelo menos 11 países.

Entretanto, em 1998, Wilkomirski foi exposto como sendo um mentiroso por um jornalista suíço, que revelou que o autor nunca esteve nos campos nazistas; ele era de fato chamado Bruno Gosjean e havia sido criado num orfanato.

Após a revelação de “Fragmentos”, poderíamos pensar que os editores teriam mais cuidado em analisar os manuscritos, mas isto não foi o caso.

Acima de tudo, os anos 1990 foram a década na qual as “memórias da miséria” tornaram-se moda e um conto do Holocausto é a memória da miséria por excelência.

Em 1996, Herman Rosenblat apareceu no programa de Oprah Winfrey com uma estória inacreditável para contar.

Quando menino, Rosenblat foi encarcerado em um campo de concentração chamado Schlieben, que era um sub-campo do infame Buchenwald.

Todos os dias, por sete meses, Rosenblat recebia maças e pão pela cerca do campo jogadas por uma menina judia chamada Roma – comida que o manteve vivo.

Então, Rosenblat foi enviado para outro campo, e ele achou que jamais veria Roma novamente.

Nos anos 1950, Rosenblat estava vivendo no Brooklyn nos estados Unidos, e um dia em 1957, ele começou a namorar uma jovem atraente. Surpreendentemente, a namorada era Roma e – como acontece em Hollywood – eles se casaram.

Curiosamente, levou muito tempo para a estória de Rosenblat atrair a atenção dos editores, mas finalmente, em 2008, ela foi vendida por uma soma desconhecida à Berkley Books, uma filial da Penguin, recebendo o título de “Um Anjo na Cerca” e programada para ser publicada no ano seguinte.

Além disso, um filme com orçamento de U$20 milhões foi planejado para iniciar as filmagens em março. Rosenblat estava a ponto de ficar milionário.

Mas então o livro chamou a atenção de pesquisadores do Holocausto e dos sobreviventes de Schlieben.

Eles não acreditavam que fosse possível para Roma e Rosenblat terem se encontrado na cerca do campo.

A estrada próxima do campo estava fechada e os prisioneiros só poderiam se aproximar dela com risco de morte. Não havia simplesmente nenhum modo da estória do anjo ter acontecido.

Em dezembro de 2008, o livro foi retirado do planejamento de publicação.

“Queria levar felicidade às pessoas,” disse Rosenblat de maneira pouco convincente. “Levei esperança a uma porção de pessoas. Minha motivação era fazer o bem para o mundo.”

Infelizmente, falsificar memórias do Holocausto para ganhar dinheiro faz tudo menos o bem.

Ainda em dezembro de 2007, a conhecida historiadora americana Deborah Lipstadt, doutora em Estudos Modernos Judeus e Holocausto na Universidade Emory em Atlanta, disse que a estória de Rosenblat “tem tantos furos que sequer sabemos por onde começar.”

Tais memórias, ao distorcer o registro histórico, têm um efeito reverso perverso. “Não somente precisamos ser exatos historicamente pelo simples bem da história,” ela disse, “mas acima de tudo, este tipo de material é combustível para os negadores do Holocausto.”

Este é um ponto-chave. Os negadores do Holocausto amam as memórias falsas, já que eles podem usá-las como “prova” de que a maioria das memórias do Holocausto é falsa.

Quando Misha Defonseca publicou em 1997 sua totalmente falsa “Misha: Uma memória dos Anos do Holocausto”, na qual ela afirmava ter sobrevivido o gueto de Varsóvia e ter sido criada por lobos, os negadores tiveram sua vez.

Dificilmente ajudou quando Defonseca embelezou sua justificativa burlesca para suas ações de que “não é a realidade verdadeira, mas é a minha realidade.”

Infelizmente, apesar de todos estes exemplos, os editores ainda estão ansiosos em vender memórias suspeitas baseadas no Holocausto e na guerra.

Em 2011, mostrei como as afirmações de Denis Avey de ter entrado em Auschwitz em seu livro “O Homem que venceu Auschwitz” eram baseadas em tantas discrepâncias que perguntas sérias foram levantadas sobre sua estória.

O que tornou particularmente suspeito foi uma entrevista que ele deu na qual ele lembrou tentando encontrar um australiano que trabalhava no crematório onde os corpos dos judeus mortos eram colocados. Aquela lembrança parece falsa, já que o australiano se chamava Donald Watt, que publicou um livro de memórias em 1995 sobre suas experiências do Holocausto que foram reveladas totalmente mentirosas.

Para os historiadores, livros como os de Avey e Watt parecem ser “lixo histórico” – páginas que saciam o apetite, mas não fornecem qualquer alimentação histórica.

Toda vez que eu leio uma memória escrita por um ex-combatente em seus anos de crepúsculo, encontro passagens que me fazem desconfiar.

Consideremos o exemplo do recente “Sobrevivente da Longa Marcha: Cinco anos como PdG, 1940-1945” por Charles Waite. Em um ponto, Waite lembra como ele presenciou um bebê judeu sendo arrancado de sua mãe por um guarda. “O bebê começou a chorar,” escreve Waite, “e ele jogou-o no chão e começou a chutá-lo como se fosse uma bola de futebol ao longo do trajeto.” A mãe histérica levou então um tiro na nuca, e o beb~e deixado morto no chão.

Esta estória pode ser verdadeira? É possível, mas somente temos a palavra de Waite para ela, e ele morreu ano passado.

Há tantas estórias sobre guardas matando bebês (geralmente, como no caso do livro de Avey, suas cabeças são esmagadas), e indubitavelmente algumas são reais.

Infelizmente, estamos agora entrando em uma situação onde quase toda memória do Holocausto apresenta tal cena. É quase uma mania compulsória – apesar de que, na verdade, tais eventos eram extremamente raros, pelo simples motivo de que matar bebês na frente de seus pais não é a melhor maneira de pacificar um trem cheio de prisioneiros.

Além disso, a maioria dos guardas não deseja matar crianças – uma das razões pelas quais as câmaras de gás foram criadas era para poupar os carrascos de presenciar a realidade do assassinato.

Entretanto, a frequência gradativamente maior na qual tais estórias terríveis de infanticídio estão começando a aparecer, após muitas décadas depois da guerra, sugere que alguns relatos são invenções, ou falsas memórias geradas por aqueles que estiveram submetidos a uma sobrecarga da literatura do Holocausto.

Outra mania nas memórias do Holocausto é a figura sinistra do doutor da SS Josef Mengele. Novamente, quase toda memória escrita por um sobrevivente de Auschwitz lembrará de Mengele durante uma “seleção”, determinando quem será enviado para as câmaras de gás. Geralmente, ele está cantarolando uma ária wagneriana e usando uma capa perfeitamente branca.

Na verdade, Mengele era apenas um dos muitos “médicos” empregados no campo, e ele não estava presente em todas as seleções.

Mês passado, uma outra memória levanta muitas questões. O livro “Os pássaros ainda cantam no Inferno?” conta a estória de um soldado britânico chamado Horace Greasley, que “escapou mais de 200 vezes de uma prisão alemã para ver a garota que ele amava.”

Assim como muitos outros destes relatos, o livro pode se tornar um filme.

Misteriosamente, o registro de PdG de Greasley mantido nos Arquivos Nacionais não faz nenhuma menção a essas 200 “fugas”.      

Campos de trabalho para soldados como Greasley não eram locais rigidamente vigiados evocados pela nossa imaginação coletiva, que está desacostumada a imagens de Colditz e de “Fugindo do Inferno” (The Great Escape, título do filme em inglês). De fato, dormir fora do campo para confraternizar com garotas locais não era incomum, e certamente não “escapar” no sentido que a maioria de nós o entende.

Sem dúvida, haverá mais livros deste tipo. Com as editoras lutando para vender o último conto de bravura da Segunda Guerra Mundial, ou da miséria do Holocausto, parece ser difícil que esse gênero morrerá.

Mesmo assim, existe algo de profundamente repugnante sobre esta distorção e exploração das memórias vacilantes de idosos para conseguir alguns tostões.

Alguém lendo estes livros poderia parar e perguntar-se se o que ele tem em suas mãos é, de fato, verdade.


 
Alguns livros do Holocausto publicados no Brasil nos últimos anos
  • Paisagens da Memória. Ruth Klüger.
  • O Filho do Holocausto. Jorge Mautner.
  • Holocausto, uma História. Deborah Dwork
  • Os Desaparecidos. Daniel Mendelsohn.
  • Holocausto: crime contra a humanidade. Maria Luiza Tucci Carneiro.
  • Eu, filha de sobreviventes do Holocausto. Berenice Bernstein
  • Anjos e Safados no Holocausto. Roberto Lopes.
  • Nazismo – Política, Cultura e Holocausto. Maria Mansor D´Alessio.
  • O Colecionador de Lágrimas. Augusto Cury.
  • Baú de Lágrimas. Nonna Banister.
  • Holocausto. Angela Gluck Wood.
  • O Holocausto. Martin Gilbert.
  • O caso Sonderberg. Elie Wiesel.
  • Liquidação. Imre Kertesz.
  • A História de Eva. Eva Schloss
  • Sob o fantasma do Holocausto. Rebecca Boehling.
  • A Busca. Gilberto Dimenstein.
  • Comédia em tom menor. Hans Keilson.
  • Quem escreverá nossa história? Samuel Kassow.
  • A lista de Schindler. Thomas Keneally.
  • Maus. Art Spiegelman.
  • Jakob, o mentiroso. Jureck Becker.
  • O Diário de Mary Berg. Mary Berg.
  • Mestres da Morte: a invenção do Holocausto pela SS Nazista. Richard Rhodes.

sábado, 22 de junho de 2013

[HOL] Herói de guerra polonês acusado de ser colaborador

The Guardian, 1/11/2010


Wladyslaw Szpilman

Ele se tornou um herói nacional após sua estória de sobrevivência no gueto de Varsóvia ter sido imortalizada no filme ganhador do Oscar O Pianista - mas as façanhas de guerra do falecido pianista polonês Wladyslaw Szpilman estão no centro de uma linha na sequência de acusações, do além-túmulo, que ele colaborou com a Gestapo.

O filho de Szpilman, Andrej, está tomando ação legal para forçar a correção de um livro contendo alegações de Wiera Gran, uma cantora polonesa famosa por sua carreira em cabarés pré e pós-guerra, onde ela acusa que Spilzman "formou uma gangue" que tentou assassiná-la.

Gran, que morreu em 2007, também o acusou de colaborar com a Gestapo quando ambos estavam presos - junto centenas de milhares de outros judeus - no gueto de Varsóvia durante a ocupação nazista da capital polonesa.

A autobiografia de Szpilman, O Pianista, descrevendo sua sobrevivência, graças em parte ao amor por música de um oficial alemão, foi transformada no filme ganhador do Oscar pelo diretor Roman Polanski em 2002.

"Logo após a guerra meu pai publicou seus diários sob o título "Morte de uma Cidade", e ninguém que sobreviveu ao gueto como ele conseguiu, criticou sua versão dos eventos, disse Andrzej Szpilman à Der Spiegel. "Meu pai foi uma vítima dos nazistas, não um colaborador."

O livro, Acusada: Wiera Gran, pela jornalista Agata Tuszynska foi descrito pela mídia polonesa como uma tentativa de reabilitar a cantora. Seus editores fizeram propaganda sob o slogan: "O outro lado da estória de Wladyslaw Szpilman."

Tuszynska se baseia nas notas pessoais de Gran, no qual ela se refere a Szpilman como um "homem da Gestapo", e também o acusa de envolvimento como policial judeu no reassentamento dos judeus de Varsóvia. Numa nota manuscrita, ela diz que Szpilman foi um dos muitos residentes do gueto que "formaram uma gangue para me matar."


O filho de Szpilman, ele próprio um produtor e compositor, acusou Tuszynska de tentar agitar publicidade para um livro sobre uma cantora que, ao contrário de Szpilman, é agora pouco conhecida na Polônia. Ele disse que ela foi desleal, repetindo as acusações de uma mulher que já não estava mais viva para ser questionada sobre suas acusações.

"Eu não quero o nome do meu pai, que é uma figura emblemática, ser jogado no lixo," ele disse, acrescentando que as acusações espalharam-se por sites anti-semitas.

Os historiadores do gueto de Varsóvia dizem que a animosidade já existia entre Gran e Szpilman e outros artistas quando eles viviam no gueto do qual a cantora escapou.

Como punição por sua colaboração, muitos dos artistas com quem ela tocou no cabaré foram sentenciados à morte durante a guerra por membros do movimento de resistência judaico e polonês.

Em 1947, Szpilman foi a julgamento quando Gran foi julgada por colaboração na guerra com os nazistas. Mas evidência insuficiente levou o caso ao esquecimento. Gran mais tarde enfrentou acusações semelhantes após sua emigração para Israel e foi forçada a deixar seu novo país e se mover para a França onde ela trabalhou junto com Maurice Chevalier e Charles Aznavour.

Szpilman chamava Gran de Sra. K no Pianista, pintando uma figura nada lisonjeira de uma mulher fisicamente atraente, mas moralmente questionável.

Muitos sobreviventes famosos do gueto que conheceram pessoalmente Szpilman, tal como o ex-ministro do exterior polonês Wladyslaw Bartoszewski condenaram as acusações, chamndo-as de "inverídicas e vergonhosas".

http://www.guardian.co.uk/world/2010/nov/01/wladyslaw-szpilman-pianist-collaboration-claims

[HOL] Italiano salvador de judeus é agora visto como colaborador nazista

Patricia Cohen

New York Times, 19/06/2013

 
Ele foi chamado de “o Schindler italiano”, recebendo o crédito por ter ajudado a salvar 5.000 judeus durante o Holocausto. Giovanni Palatucci, um policial na guerra, recebeu honras em Israel, em Nova York e na Itália, onde praças e parques foram nomeados em sua homenagem, e no Vaticano, o Papa João Paulo II o declarou um mártir, um passo importante para a santidade.

 Giovanni Palatucci

Mas no Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, o conto de suas façanhas heroicas está sendo removido de uma exibição após funcionários descobrirem novas evidências sugerindo que, longe de ser um herói, ele era um colaborador nazista entusiasmado, envolvido na deportação de judeus para Auschwitz.

Uma carta enviada este mês ao diretor do museu pelo Centro Primo Levi no Centro para História Judaica em Nova York diz que uma pesquisa realizada por mais de uma dúzia de pesquisadores que revisaram quase 700 documentos, concluiu que por seis anos, Palatucci foi “um executor desejoso da legislação racial e – após fazer o juramento à República Social de Mussolini, colaborou com os nazistas.”

A carta dizia que registros alemães e italianos não forneceram nenhuma evidência que ele tenha ajudado os judeus durante a guerra e que a primeira menção somente apareceu anos mais tarde, em 1952. Os pesquisadores também encontraram documentos que mostram que Palatucci ajudou os alemães a identificar os judeus para a prisão.

Não existe nenhuma explicação convincente de como o relato do heroísmo de Palatucci apareceu, mas alguns especialistas dizem que sua persistência se deve muito à situação da Itália após a Segunda Guerra Mundial. Os pesquisadores dizem que a nova evidência apareceu em anos recentes à medida que eles tiveram acesso aos documentos. O objetivo de sua pesquisa, eles dizem, era compreender o papel de Fiume, a cidade onde Palatucci trabalhava, como terreno fértil para o fascismo; os documentos que detonaram o relato do heroísmo abnegado de Palatucci foram um subproduto daquela investigação.

Palatucci tem recebido o crédito por ter salvado milhares de judeus entre 1940 e 1944 enquanto ele era chefe de polícia em Fiume, uma cidade portuária adriática que era considerada o primeiro símbolo do novo Império Fascista da Itália. (Ela é agora chamada de Rijeka e é parte da Croácia.) Quando os nazistas ocuparam a cidade em 1943, por exemplo, era dito que Palatucci destruiu os registros para prevenir que os alemães enviassem os judeus de Fiume para os campos de concentração. Sua própria morte aos 35 anos no campo de Dachau parecia corroborar seu valor.

Mas Natalia Indrimi, a diretora executiva do Centro Primo Levi, disse que os historiadores foram capazes de revisar aqueles supostamente registros destruídos nos Arquivos Públicos de Rijeka.

O que eles mostram, disse a Dra. Indrimi, que coordenou a pesquisa, é que Fiume tinha somente 500 judeus em 1943, e que a maioria deles – 412, ou cerca de 80% - acabou em Auschwitz, a maior porcentagem em relação a outras cidades italianas. A pesquisa sobre Palatucci descobriu que ao invés de ser chefe da polícia, ele era vice-comissário responsável por impor as leis raciais da Itália Fascista. Além disso, sua deportação para Dachau em 1944 não estava relacionada ao salvamento de judeus mas às acusações alemãs de corrupção e traição por passar planos para a independência de Fiume no pós-guerra aos britânicos.

O relatório diz que é possível que Palatucci tenha ajudado algumas pessoas, apesar de não estar certo se ele fez isso por ordens superiores.

A Dra. Indrimi disse que “o mito” acerca de Palatucci começou em 1952, quando seu tio, o Bispo Giuseppe Maria Palatucci, usou a estória para convencer o governo italiano a dar uma pensão aos pais de Palatucci. O relato, ela disse, ganhou impulso porque parecia melhorar a reputação do Papa Pio XII, que é acusado por grupos judeus de ter sido indiferente ao genocídio.

“Se ele representa alguma coisa é o silêncio, a ideologia e o cumprimento de muitos jovens italianos que abraçaram entusiasticamente Mussolini em seus últimos passos desastrosos,” escreveu a Dra. Indrimi em sua carta ao Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Alguma evidência foi apresentada em uma conferência na Universidade de Nova York ano passado.

Talvez o maior reconhecimento que Palatucci recebeu foi sua nomeação em 1990 pelo Yad Vashem, o memorial de Israel para o Holocausto, como um dos Justos entre as Nações – uma honra concedida àqueles que resgataram judeus, e que inclui Oskar Schindler, o empresário alemão que ajudou 1.200 judeus a evitar os campos de extermínio.

Após receber o relatório dos historiadores, o Yad Vashem disse que ele “começou o processo de exame profundo dos documentos,” escreveu Estee Yaari, porta-voz da mídia estrangeira, por e-mail.

A narrativa do heroísmo de palatucci tornou-se assunto de artigos, livros e um filme para televisão. No último mês, a Associação Giovanni Palatucci deu crédito à sua intervenção sobrenatural no milagroso desaparecimento do tumor de rim de um homem como parte de uma ação para promover sua santidade.

A Liga Anti-Difamação (ADL) premiou Palatucci com sua Medalha da Coragem para Cuidar em 18 de maio de 2005, o que fez com que o prefeito Michael Bloomberg declarasse, por sua vez, o Dia da Coragem para Cuidar Giovanni Palatucci. A Fundação Internacional Raoul Wallenberg criou um hino para ele em seu sítio da internet.

Cerca de 9.000 judeus foram deportados da Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os especialistas notaram que, apesar dos 45.000 judeus na Itália terem sido perseguidos, a maioria sobreviveu à guerra.

Alexander Stille, um professor da faculdade de jornalismo na Universidade de Columbia, que revisou alguns dos documentos, disse que o caso de Palatucci foi o resultado de três instituições poderosas, todas com interesse em promover o que parecia ser um conto heroico: “O governo italiano estava ansioso em se reabilitar e mostrar que eles eram melhores e mais humanos que seus aliados nazistas. A Igreja Católica estava ansiosa em contar uma estória positiva sobre o papel da Igreja durante a guerra e o Estado de Israel estava ansioso em promover a ideia de não-judeus corretos e contar estórias de pessoas comuns decentes que ajudaram a salvar judeus comuns.”  

terça-feira, 18 de junho de 2013

[POL] O Caso de Amor assustador de Hollywood com Hitler

David Mikics, 10 de junho de 2013


Adolf Hitler amava os filmes americanos. Toda noite, mais ou menos às 21:00, após o Führer ter cansado seus ouvintes com seus longos monólogos, ele conduzia seus convidados de jantar à sua sala privada de projeção. As luzes se apagavam, e Hitler ficava em silêncio, provavelmente pela primeira vez no dia. Ele ria amavelmente do Gordo e o Magro e Mickey Mouse, e ele adorava Greta Garbo: Camille o conduzia às lágrimas. Tarzan, por outro lado, era considerado idiota por ele.

Analogamente, o amor de Hitler pelos filmes americanos era correspondido por Hollywood. Um livro lançado pelo jovem historiador Ben Urwand, pela Harvard University Press em outubro, apresenta explosiva nova evidência sobre a chocante parceria entre os nazistas e os maiores produtores hollywoodianos. Urwand, um antigo músico de rock e atualmente membro da prestigiosa Sociedade de Amigos de Harvard, leva o assunto de maneira pessoal: seus pais eram judeus refugiados do Egito e Hungria. Procurando em arquivos em Berlim e Washington, ele levantou prova de que Hollywood trabalhou junto com os nazistas de forma muito mais íntima do que jamais foi imaginado.

Urwand nomeou seu livro excitante “A Colaboração: O Pacto de Hollywood com Hitler”, e à medida que você lê suas páginas, percebe com desencanto que colaboração é a única palavra capaz de representar a relação entre Hitler e Hollywood nos anos 1930. Usando novas descobertas documentais, Urwand alega que alguns dos donos de estúdio de Hollywood, quase todos judeus, estabeleceram seu vínculo com Hitler quase imediatamente assim que ele assumiu o poder, e eles o fizeram de maneira entusiasmada – não relutantemente. O que eles queriam era ter acesso ao público alemão. O que Hitler queria era a habilidade de formatar o conteúdo dos filmes de Hollywood – e ele conseguiu. Durante os anos 1930, Georg Gyssling, o cônsul de Hitler em Los Angeles, foi convidado a ver os filmes antes deles serem lançados nos cinemas. Se Gyssling se opunha a qualquer parte do filme – e ele frequentemente se opunha – as cenas ofensivas eram cortadas. Consequentemente, os nazistas tinham total poder de veto sobre o conteúdo dos filmes de Hollywood.

O que é chocante e novo no relato de Urwand é a descrição detalhada da manipulação pelos executivos de Hollywood de seu produto para se adaptar às exigências do regime nazista. Enquanto as relações de Hollywood com os nazistas não é assunto novo, a inclinação de historiadores anteriores como Thomas Doherty, autor de Hollywood e Hitler, 1933-1939, que não teve acesso aos documentos que Urwand descobriu, foi de deixar os executivos de estúdio fora da questão. Como muitos historiadores antes de Urwand, Doherty relativiza o retrato de Jack Warner como um simpatizante ardente dos nazistas, que parou de fazer negócios com a Alemanha em virtude do mau tratamento dos judeus pelos nazistas. Mas como Urwand argumenta aqui, não foi Warner que rejeitou os nazistas, e sim o contrário: Hitler descartou a Warner Bros. porque o estúdio falhou em fazer os cortes substanciais exigidos por seu cônsul Gyssling em um filme chamado Capturado!, filmado em um campo alemão de prisioneiros de guerra durante a Primeira Guerra Mundial. Em julho de 1934, a Warner Bros. foi expulsa de Berlim, e o resto dos estúdios ficaram com medo. Urwand detalha o problema das companhias de distribuição de Hollywood tendo que demitir metade de seus membros judeus na Alemanha e negociando com os nazistas de modo que pudessem manter a outra metade. EM 1936, todos os judeus associados com a indústria cinematográfica americana na Alemanha foram obrigados a deixar o país. Mesmo após isso, os estúdios entusiasticamente mantiveram seus negócios lucrativos com o regime de Hitler.

Muitas dezenas de filmes de Hollywood foram importados pela Alemanha Nazista todos os anos e eles frequentemente tinham boas arrecadações. Os filmes americanos que os nazistas gostavam eram aqueles que proclamavam a necessidade de um líder forte. Os jornais nazistas ficaram entusiasmados ao ver o “princípio do líder” ilustrado em filmes como As Vidas de um Lanceiro em Bengal, Motim no Bounty, Nosso pão de cada dia e O Sr. Smith vai a Washington. Eles viam nesses entretenimentos populares lições políticas fascistas carregadas com humor – um leve toque americano que, os críticos alemães lamentavam, os filmes alemães jamais conseguiam repetir. (Em 1939, os editores nazistas de jornais – incluindo o editor do “Observador Popular”, o jornal oficial do partido nazista – foram convidados a visitar o estúdio da MGM.) Ninguém conseguia ser mais genuinamente americano do que o amável gaguejador James Stewart; mas filmes como o Sr. Smith foram bem recebidos na Alemanha porque eles mostravam que a forma democrática de governo era ineficiente e corrupta.

Um filme que mostrasse as vantagens da democracia em relação ao fascismo jamais seria feito por Hollywood nos anos 1930 por causa da pressão política da Alemanha de Hitler, cujo mercado era muito lucrativo para os estúdios ignorarem. Em 1936, a MGM planejou adaptar para as telas o romance de Sinclair Lewis sobre o assalto fascista à América, Não pode acontecer aqui. Quando Louis B. Mayer rejeitou o projeto logo após o início da produção, os nazistas anunciaram sua satisfação com a decisão de Mayer. Mayer foi alertado primeiramente do perigo da filmagem de Não pode acontecer aqui por Will Hays. O escritório de Hays, o departamento de censura de Hollywood, fez cumprir seu Código de Produção Cinematográfica “para o objetivo que a vulgaridade e caráter sugestivo possam ser eliminados e que o bom gosto possa ser enfatizado” (como o código assim determinava). Hays admitiu que Não pode acontecer aqui não infringia qualquer padrão de decência, mas ele alertou que certos governos estrangeiros – i.e., a Alemanha – poderiam se irritar com o filme.

Mesmo antes dos nazistas tomarem o poder, Hollywood estava cedendo diante das exigências alemãs. Em 1932, uma nova regulação alemã, inspirada em parte pela agitação nazista, apareceu: os produtores cinematográficos poderiam ter seus direitos de exibição na Alemanha revogados se eles mostrassem, em qualquer parte do mundo, filmes que pudessem prejudicar a imagem da Alemanha. A intenção era interromper um gênero florescente: filmes sobre a Primeira Guerra Mundial retratando os oficiais alemães como patifes ou sádicos (e que frequentemente eram personificados por Erich Von Stroheim, o gênio judeu que fornecia suas caracterizações com maneirismos teutônicos convincentes). Quando Hitler chegou ao poder um ano mais tarde, ele usou a nova lei como uma forma de censurar os filmes hollywoodianos: controlar como eles descreveriam os alemães e judeus não somente dentro da Alemanha, mas ao redor do mundo.

Ironicamente, o homem que estabeleceu o padrão de interferência alemã na produção cinematográfica americana foi Carl Laemmle, chefe da Universal, que mais tarde ajudou heroicamente refugiados judeus de sua Alemanha natal. Em 1930, os nazistas impediram o lançamento do filme pacifista da Universal, Tudo Quieto no Front Ocidental. Liderados por Goebbels, eles lançaram bombas de mau cheiro e camundongos nas salas de exibição. Após as agitações nazistas, Laemmle, um judeu, colocou um anúncio nos jornais alemães: “Não escondo para míngüem meu amor pela pátria. O fato de eu ter ido para a América ainda menino e construído meu futuro na América jamais causou o fim do meu amor pela terra onde nasci.” Laemmle concordou em fazer cortes importantes em Tudo Quieto no Front Ocidental, não somente para exibição na Alemanha, mas mundial. O filme foi demolido – seu ataque selvagem ao militarismo alemão foi amenizado. A mesma coisa aconteceria uma década mais tarde no filme Três Camaradas, novamente em resposta às exigências alemãs. Outros chefes de estúdio foram menos simpáticos que Laemmle em relação à situação de seus colegas judeusmas eles compartilhavam de seu desejo de manter o mercado alemão a salvo para os filmes americanos. Os esforços pessoais de Laemmle para salvar judeus dos nazistas pode muito ter sido motivados pelo sentimento de culpa de atender às exigências do governo alemão como chefe de um grande estúdio de Hollywood.

A política de Hollywood de colaboração com os nazistas assumiu também formas mais ativas. À medida que os judeus eram sistematicamente excluídos da vida alemã e impedidos de freqüentar as escolas e ter acesso a profissões, a 20th Century Fox produziu A Casa dos Rothschild (1934), estrelando George Arliss, o ator britânico que havia interpretado anteriormente Disraeli*. O filme mostrava como uma única família judia, liderada pelo mesquinho e ganancioso patriarca Mayer Rotschild, conseguiu o controle sobre as finanças da Europa e mesmo capaz de influenciar as decisões governamentais de guerra e paz. Foi um filme que os nazistas gostariam eles mesmos terem produzido.

De fato, os nazistas gostaram tanto de A Casa dos Rothschild que uma cena do filme foi incorporada no mais notório filme nazista antissemita, Der Ewige Jude. A ADL ficou tão perturbada com o filme que ela convenceu os estúdios a evitar mencionar os judeus em futuras produções. E também os personagens judeus, que foram apresentados em centenas de filmes nos anos 1920, todos sumiram após a chegada de Hitler ao poder. O governo de Hitler não poderia ter ficado mais feliz: não haveria nenhuma referência à situação cada vez mais desesperadora dos judeus sob o domínio nazista em qualquer filme de Hollywood nos anos 1930.

Por incrível que pareça, a colaboração criativa entre os nazistas e Hollywood somente se aprofundou nos anos 1930, assim como a violência excludente contra os judeus aumentou e Hitler endureceu seu governo. No final desta década, Urwand argumenta, a Paramount e a 20th Century Fox produziram documentários na Alemanha descrevendo os maiores eventos nazistas. Mais chocante, Urwand explica, a MGM investiu em 1938 em fábricas de armamentos na Áustria e na região dos Sudetos. Como Urwand coloca em uma recente entrevista no Youtube, “O maior estúdio cinematográfico na América estava, na verdade, financiando a produção de armamentos alemães imediatamente antes da Segunda Guerra Mundial.” Após a Alemanha invadir a Polônia, a MGM mesmo consolidou sua aliança com os nazistas ao doar onze de seus filmes mais populares à causa de alívio de guerra alemão.

Em 1937, Urwand descobriu, Jack Warner parece ter concordado com a exigência de Gyssling de que a palavra “judeu” não fosse falada em A Vida de Emile Zola, que falava sobre o caso Dreyfus; a Warner Bros. garantiu ao cônsul alemão que Dreyfus não era um personagem principal no filme. Os estúdios chegaram mesmo a assinar seus comunicados com Berlim com a saudação “Heil Hitler!”. Eles eram leais ao Führer, mesmo quando ele não queria seus filmes e, de fato, queria vê-los mortos. Eventualmente, em 1939, a Warner Brothers produziu um filme B chamado Confissões de um Espião Nazista – a primeira e única à Alemanha de Hitler produzida em seis anos desde que os nazistas tomaram o poder. Mas o dano já havia sido feito; a covardia da indústria cinematográfica americana tornou-os de fato aliados dos nazistas.

A repressão de Hollywood aos fatos da perseguição judia continuou mesmo durante os anos de guerra, quando os estúdios foram finalmente expulsos da Alemanha (a MGM e a Paramount permaneceram lá ao longo de 1940) e a América estava em guerra com os nazistas. Apesar dos esforços corajosos do roteirista Ben Hecht para despertar o interesse público no Holocausto enquanto ele estava ocorrendo, há somente uma única referência àquilo que estava sendo feito aos judeus em um filme de Hollywood durante a guerra: uma cena de cinco minutos no drama Ninguém deve escapar (1944), no qual os nazistas fuzilam um grupo de judeus que lutam enquanto estão sendo colocados em um trem. Cinco minutos foram tudo o que todos os chefes de estúdios falaram sobre o assassinato de seu próprio povo, que era na época de conhecimento público – em parte como resultado dos anúncios de jornal de página completa de Hecht e sua apresentação pública em 1943 na Madison Square Garden, Jamais Morreremos.

Hitler via-se como um herói cinematográfico, um ídolo da matinê, que oprimia suas multidões idólatras com seu poder. Ele se envolvia e editava os documentários nazistas; ele percebeu que; ele percebeu que filmes influenciavam as massas. Hitler sabia que ele tinha que alimentar a fantasia do povo no sentido de conseguir o apoio das pessoas para seguirem sua visão maligna. Hollywood poderia ter ajudado a despertar o mundo para o perigo crescente do nazismo, mas ao invés disso, os fazedores de sonho judeus se aliaram ao maior inimigo do mundo – e dos judeus.

http://www.tabletmag.com/jewish-news-and-politics/134503/hollywood-nazi-urwand

Nota:

* Benjamin Disraeli (1804 – 1881), Primeiro Ministro britânico de origem judaica entre 1868 e 1880.

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terça-feira, 11 de junho de 2013

[POL] As Aquarelas de Hitler

Desde a infância, Hitler queria tornar-se um famoso pintor, o que o levou a criar diferenças irreconciliáveis com seu pai, Alois Hitler (que desejava que seu filho se torna-se um funcionário público como ele). Sua mãe, contudo, o encorajou a seguir o seu sonho.

No seu décimo sétimo aniversário, Hitler foi a Viena pela primeira vez (cosmopolita e multicultural), permanecendo na cidade por dois meses graças à ajuda financeira de parentes e de sua mãe. Durante sua estadia, ele visitou a Academia de Belas Artes de Viena, onde buscou ser admitido na instituição.

Em outubro de 1907, ele voltou a Viena para competir por uma vaga na Ecola Geral de Pintura, da Academia de Belas Artes. Ele levou muitos de seus desenhos, esperando que pudesse seguir a carreira de pintor. Havia 112 candidatos para o curso, dos quais somente 28 passaram pelos rigorosos exames. Um professor explicou que, apesar de seu talento notável, seus desenhos se restringiam a construções e não continham ação de pessoas e animais. O reitor da Academia sugeriu-lhe tentar o ramo da arquitetura, já que ele achava que Hitler era mais talentoso nessa área. Após este fracasso, ele se preparou para a Escola de Arquitetura, mas foi rejeitado por falta de certificado de nível médio.

Finalmente, Hitler decidiu abandonar temporariamente seus sonho de tornar-se artista para servir no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Após a guerra, eventos importantes o afastaram de vez deste sonho.

Alguns desenhos e aquarelas pintados por Hitler entre 1907 e 1929