sábado, 28 de junho de 2014

As 10 principais razões para não considerar a Idade das Trevas tão sombria

Jamie Frater

 


Acredito que possamos seguramente dizer que o período da história humana de 476 a 1.000 d.C. é o mais maligno de todos. Este período, conhecido dos historiadores como Idade Média, é ainda conhecido pela maioria dos leigos como Idade das Trevas. De fato, o termo “idade das trevas” é quase tão velho quanto o próprio período – ele foi cunhado em 1330 por Petrarca, o erudito italiano, para se referir ao declínio da literatura latina. Mais tarde, ele foi usado pelos reformistas protestantes (século XVI) e então pelos membros do Iluminismo (século XVIII) como um termo depreciativo com implicações muito maiores, pois eles viam seu próprio “iluminismo” como ausente do período anterior. Dificilmente um julgamento justo do passado. Felizmente, para os modernos estudantes de história, o termo é agora oficialmente conhecido como Alta Idade Média – um nome que não tem nenhuma conotação. Assim, tendo dado a vocês um histórico dos termos empregados, aqui estão dez razões porque a idade das trevas foi, de fato, um período de grande progresso e conhecimento.

10 – As Universidades foram criadas

A Educação Clássica (ainda hoje utilizada em algumas escolas) foi o sistema usado pelas Universidades que foram criadas na Alta Idade Média (as primeiras na história). As universidades ensinavam artes, direito, medicina e teologia (o estudo da religião). A Universidade de Bolonha (fundada em 1088) foi a primeira a conceder títulos. Além da estrutura clássica (baseada na educação grega clássica), estas universidades medievais foram fortemente influenciadas pela educação islâmica que era próspera na época. Enquanto as mulheres não eram admitidas nas universidades no início, a educação feminina existia. Os conventos da época educavam as garotas que frequentemente entravam na escola com pouca idade. Uma delas, chamada Hildegard Von Bingen, é uma das mulheres mais celebradas da era medieval e que teve grande influência no poder.

9 – Estabelecimento das Fundações da Ciência

Enquanto o progresso da ciência era lento durante este período no Ocidente, o progresso era uniforme e de alta qualidade. A fundação foi estabelecida aqui para o maravilhoso florescimento da ciência que ocorreria na Baixa Idade Média. Pode ser dito seguramente que, sem o estudo de ciência da Alta Idade Média, estaríamos consideravelmente atrasados em nosso conhecimento científico hoje.  O professor Ronald Numbers, da Universidade de Cambridge, diz:  “Noções como ‘o surgimento do Cristianismo matou a ciência’, ‘a Igreja Católica medieval criou obstáculos para o crescimento das ciências naturais’, ‘os cristãos medievais achavam que o mundo era plano’ e que ‘a Igreja proibiu autópsias e dissecações durante a Idade Média’ são exemplos de mitos populares ainda vendidos como verdade histórica, mesmo que eles não sejam apoiados por pesquisa histórica.”

8 – Renascimento Carolíngio

O renascimento carolíngio foi o período de avanços na literatura, escrita, artes, arquitetura, jurisprudência, estudos litúrgicos e das Escrituras que ocorreram no final dos séculos oitavo e nono. Os carolíngios eram francos[1] e o mais conhecido deles foi Carlos Magno. O império carolíngio foi considerado um renascimento da cultura do Império Romano. Na época, o latim vulgar estava começando a ser substituído pelos vários dialetos como línguas faladas principais na Europa, de modo que a criação de escolas foi vital para espalhar conhecimento adiante entre o povo. Foi também o período que nos deu a fundação da Música Clássica Ocidental.

7 – Era de Ouro Bizântina

Sob Justiniano, este período nos deu o Corpo de Lei Civil (Corpus Juris Civilis) – um enorme compêndio de Lei Romana.  A alfabetização era alta, a educação elementar era comum (mesmo no interior do país), o ensino básico estava disponível a muitas pessoas e a educação superior (como discutida acima) era também ltamente acessível. No império bizantino durante este período assistimos a uma maciça efusão de livros – enciclopédias, dicionários e antologias. Apesar de não terem criado uma grande nova quantidade de informações, eles solidificaram e protegeram para o futuro muito do que já era conhecido.

6 – Unidade Religiosa

Este é um assunto  controverso, mas o fato é que, durante a Idade Média, a Europa tinha uma única Igreja e concordava com o cânone da Bíblia, e tinha uma tradição filosófica bem desenvolvida. Isto levou (como podemos imaginar) a um grande período de paz dentro das nações ocidentais. Enquanto o Islã não estava de acordo com as doutrinas ocidentais, muito compartilhamento de informações ocorreu e a contribuição islâmica no Ocidente ainda hoje é sentida. Esta união de crenças permitiu um progresso intelectual não visto desde a época do Império Romano em seu auge. De uma certa forma, podemos considerar este período como a calmaria antes da tempestade, já que apenas cem anos depois a Primeira Cruzada haveria de ser convocada para tomar Jerusalém dos mulçumanos – um evento que terminou o compartilhamento de conhecimento entre os dois grupos.

5 – A Chegada da Álgebra

Graças ao aprendizado do povo islâmico no oriente, o mundo recebeu seu primeiro livro de álgebra. O Compêndio sobre Cálculo por Conclusão e Balanceamento foi escrito por Al-Khwarizmi (790-840) e o título árabe do livro nos deu a palavra “álgebra”. Ela vem do nome de Al-Khwarizmi . Este livro nos deu a primeira solução sistemática de equações lineares (de primeiro grau) e quadráticas (de segundo grau). Traduções posteriores de seus livros nos deram o sistema numérico posicional que ainda hoje utilizamos. Al-Khwarizmi, junto com Diofanto de Alexandria, é considerado o Pai da Álgebra.

4 – Arte e Arquitetura

Durante a Alta Idade Média, a arquitetura era eclética e inovadora. Ela introduziu ideia de imagens realistas na arte e preparou o terreno para o período romanesco que viria na Baixa Idade Média. O período também incluiu a introdução e absorção de formas e conceitos clássicos na arquitetura. Pode seguramente ser dito que este período foi o primeiro de alta arte – com estilos prévios (período migratório) sendo muito mais funcional e menos “artístico”. Na Alta Idade Média presenciamos o nascimento de uma incrível e bonita história da arte e engenharia civil.

3 – Clima fantástico

Trivial quanto pareça ser, o clima teve um papel importante nas vidas das pessoas durante a Idade Média e além. Pensamos em “Idade das Trevas” como tempestades de neve, chuvas, trovões e escuridão – tal como vimos em filmes como “O Nome da Rosa”. O fato é que, na Alta Idade Média, a região do Atlântico norte estava aquecendo -  tanto que no início da Baixa Idade Média (1100), a região estava há 100 anos em um evento conhecido como Período de Aquecimento Medieval. Este aquecimento derreteu muito gelo e permitiu aos vikings começar a colonização da Groenlândia e outras nações nórdicas. Ironicamente, da Reforma Protestante (século XVI) até o século XIX, a Europa passou por uma pequena era glacial – o período do Iluminismo era literalmente sombrio e mais frio que a idade das “trevas”. Durante este período, reformas e melhor conhecimento da agricultura forneceram um melhoramento no armazenamento de comida.

2 – A Lei se torna Justa

A Alta Idade Média tinha um sistema complexo de leis que não eram frequentemente relacionadas entre si, mas elas eram eficientes e justas para a maioria. Para os mercadores viajando ao redor do mundo, havia a Lei Mercante (Lex Mercatoria) que evoluiu com o tempo, ao invés de ser criada. Esta lei incluía a arbitragem e promovia as boas práticas entre os negociantes. Simultaneamente, a Lei Anglo-Saxônica foi criada com foco em manter a paz na terra. Enquanto isto eventualmente levou a leis muito duras, viver sob o sistema legal na Alta Idade Média foi provavelmente a melhor época para viver – já que ele era ainda flexível e justo com a maioria. O terceiro sistema legal importante era a Lei Germânica que permitia que cada pessoa fosse julgada pelo seu próprio povo – de modo a não ser uma desvantagem pela ignorância ou diferenças culturais marcantes.

1 – Explosão Agrícola

Se quiséssemos matar um mártir pela fome, a Alta Idade Média não era a época de fazê-lo! Como resultado do clima excelente e grande conhecimento agrícola, o Ocidente estava muito bem na foto. Ferramentas de ferro foram extensamente usadas no império bizantino, o feudalismo em outras partes do mundo introduziu um eficiente gerenciamento da terra e excedentes maciços foram criados de modo que os animais eram alimentados com grãos e não grama. A segurança pública também era garantida sob o sistema feudal e assim a paz e a prosperidade atingiu a maioria das pessoas.  


Nota:

[1] Os francos formavam uma das tribos germânicas que adentraram o espaço do Império Romano a partir da Frísia como federados e estabeleceram um reino duradouro na área que cobre a maior parte da França dos dias de hoje e na região da Francônia na Alemanha, formando a semente histórica de ambos esses países modernos.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

[POL] O Cristianismo no Terceiro Reich: A Busca pelo Jesus Ariano

André dos Santos Falcão Nascimento

 



O estudo sobre a pessoa de Jesus Cristo remonta aos primórdios da igreja. Ao longo da história, inúmeros questionamentos foram levantados a respeito de quem foi o carpinteiro de Nazaré, sempre buscando responder a demandas levantadas pelos fieis em suas épocas. No processo, várias ideias foram apresentadas, com algumas perdurando até os dias de hoje e outras tantas sendo apagadas pela força do tempo.

Uma dessas ideias, levantada a partir do final do séc. XIX e fundamental para a divisão da igreja alemã durante o governo nazista na década de 1930, foi a visão de que Jesus Cristo não poderia ter sangue judeu. Tal interpretação foi motivada pelo profundo sentimento de repúdio e medo que os europeus, em especial os alemães na época pré-Segunda Guerra Mundial, sentiam do povo judeu, além da visão de que a raça ariana seria superior à raça judaica.

Uma das iniciativas tomadas para realizar este intento foi reinterpretar a figura de Jesus Cristo, analisando sua vida e ministério, separando-os do panorama judaico que a Bíblia apresenta no relato de sua vida. Para chegar à conclusão de que Jesus não poderia ser judeu, os estudiosos analisaram o relato de seu nascimento, seu local de origem, seu ministério duplo de ensino e sinais, seu relacionamento com a liderança judaica e sua constituição divina. Em todos os casos, tais estudiosos buscaram filtrar qualquer traço judaico e místico da figura de Jesus, desta forma “purificando” o pilar sobre o qual o Cristianismo foi construído.

Desconstruindo o nascimento de Jesus

A teoria de que Jesus seria de origem ariana foi difundida no final do séc. XIX pelo escritor Houston Stewart Chamberlain, porém foi a influência de Wagner que motivou as crenças de Hitler. Antissemita radical, Wagner afirmava que Jesus Cristo nascera com sangue ariano, conforme uma revelação que tivera, e que não se tratava do Cristo judeu do Novo Testamento, mas “de um Cristo que derramara sangue ariano e que lideraria a Alemanha de volta à grandeza que era sua por direito”. Paul de Lagarde, um dos grandes acadêmicos semitas, também rejeitou a visão cristã tradicional de que Jesus era judeu, afirmando que isso era uma “distorção intolerável”.

Para se chegar a esta conclusão, os estudiosos e teólogos da época se apoiaram em duas teorias a respeito da origem de Jesus: A primeira, de que Jesus não teria nascido de uma virgem, e a segunda, de que a região da Galileia possuía quase nenhum vínculo sanguíneo em relação a região da Judeia.

Para eliminar totalmente a possibilidade de origem judaica de Jesus, os estudiosos alemães precisavam determinar que ele não tinha sangue judeu em suas veias. Relacionando a sua origem paterna a um soldado romano, eles conseguiram alcançar metade do objetivo. A outra metade, porém, precisava trabalhar a origem de Maria, mãe de Jesus. Para tal, os estudiosos afirmaram que o local de nascimento de Maria, a Galileia, não possuía traços sanguíneos judaicos.

Desconstruindo a origem de Jesus

Segundo Steigmann-Gall, o conceito de um Jesus ariano teria surgido nos escritos de Ernest Renan, francês católico estudioso de linguística e religião e na disciplina científica desenvolvida por ele, a filologia. Nas discussões desta matéria, teriam surgido os conceitos de Semita e Ariano, inicialmente para descobrir o local das línguas indo-europeias no momento originário do cristianismo, buscando estudar suas características essenciais em conjunto com as características do idioma semita judeu, e posteriormente sendo utilizados para assinalar características essenciais para as pessoas que as falavam.

Segundo Cornelia Essner, o antropólogo alemão Felix Von Luschan teria concluído, em uma assembleia de especialistas em 1892, que “o povo judeu moderno é oriundo ‘primeiramente dos Amoritas arianos, em segundo lugar de Semitas autênticos, final e principalmente dos descendentes dos antigos Hititas’”. Segundo Steigmann-Gall, o próprio conceito de Houston Stewart Chamberlain da arianidade de Jesus teria surgido com esta disciplina, da qual Renan era um dos expoentes, e segundo a própria Heschel, para Renan, durante sua carreira, “idioma, raça, cultura e religião se tornaram intercambiáveis”.

A ideia da formação racial diferenciada do povo galileu já era conhecida no séc. XIX. Friedrich Delitzsch, segundo Heschel, já havia sugerido que, após a conquista assíria, a Galileia havia sido reassentada com babilônios de origem mestiça ariana. Segundo Heschel, vários assiriólogos atestaram que a população da Galileia teria origem gentílica nos séculos imediatamente anteriores aos de Jesus, apesar de se basearem muito mais em mito do que provas.

Desconstruindo o discurso de Jesus

A questão da mensagem de Jesus Cristo como sendo opositora à mensagem do judaísmo seria muito difundida pelo Movimento Cristão Alemão. Em abril de 1939, segundo Bergen, um grupo de líderes assinou um documento, a Declaração de Godesberg, onde afirmaram categoricamente que o cristianismo era o oposto religioso irreconciliável do judaísmo. Um mês depois, um grupo de Cristãos Alemães moderados e pessoas de fora do movimento assinaram seu próprio documento em resposta, mas reafirmando que a raça era o único princípio sob o qual o Cristianismo na Alemanha poderia ser organizado e que “não há oposição maior do que a mensagem de Jesus Cristo e a religião judaica da legalidade com sua esperança por um Messias político”.

Uma obra muito popular que questionava a origem de Jesus através de seu discurso foi publicada em 1921, conforme aponta Édouard Conte, por Artur Dinter: o romance, chamado O Pecado Contra o Sangue. Nesse livro, o protagonista, Hermann Kampfer,  afirma que Jesus não poderia ser judeu, por dividir o seu pensamento do pensamento e da sensibilidade judaicos. Segundo o protagonista, por pregar interioridade, desinteresse e sinceridade, a ideia de um Jesus judeu era incoerente, já que os judeus pregavam exteriorização, egoísmo e fraude. Esse conflito de ideias só poderia ser explicado pela diferença racial entre Jesus e os judeus.

Desconstruindo o ministério de Jesus

Esta oposição de fé entre Jesus e os judeus foi muito trabalhada ao longo dos anos finais do séc. XIX e começo do séc. XX. Segundo vários estudiosos, “a originalidade da fé de Jesus” só poderia ser restaurada removendo-a do contexto do judaísmo que deturpou a sua mensagem, e apresentando a Cristo como “uma figura heroica com uma fé audaz em Deus que o levou a se posicionar descompromissadamente contra a falsa piedade do seu tempo”.

Após analisar essas questões, fica a pergunta: quais eram as influências na configuração desse novo Jesus, distinto do movimento judaico? Além da influência assíria, alguns estudiosos começaram a teorizar, ao comparar os textos sagrados de outras religiões com o cristianismo, que haveriam correlações entre ambas que provariam que o relato bíblico de um Jesus judeu não poderia ser verdadeiro. Heschel cita vários estudiosos que tentaram fazer paralelos entre a vida de Jesus e a vida de Buda, como Arthur Schopenhauer, que afirmava uma correlação entre os dois personagens porque ambos “pregavam ascetismo”. Outros estudiosos, segundo ela, teriam começado a analisar o Zoroastrismo para encontrar pontos de encontro com os ensinamentos de Jesus que demonstrassem a sua raça.

Entretanto, segundo Heschel, o povo do leste era muito remoto e efeminado, segundo alguns alemães nacionalistas, para ser aceito como total orientador da origem de Jesus Cristo. Nesse sentido, a partir dos anos 1890, Jesus começou a ser descrito como uma combinação da “imanência do Ariano do Leste com a forma e pureza racial do alemão, como exemplificado nos mitos teutônicos”. Esta teoria mostrou-se extremamente perigosa, segundo Heschel, pois, com base na teoria de um pastor da época - de que Jesus marcou a transição de um Deus transcendente para um Deus imanente dentro de nós, sendo esta presença prova da identidade germânica de Jesus – o foco da preocupação cristológica passou da incarnação de Deus para a divinização do homem, abrindo caminho para a identificação de Hitler e do povo alemão como divinos ou até mesmo como a personificação de Cristo.

A pergunta que resta, então, é sobre a teoria dos autores para o fato do cristianismo ter se rejudaizado nos anos seguintes à morte de Jesus. Legarde, segundo Heschel, joga a culpa em Paulo, judeu declarado no próprio texto bíblico, que teria reconfigurado a imagem de Cristo de um herói antissemita para um niilista, que negava a identidade racial do homem ao clamar que “não há judeu nem grego”. Já Walter Grundmann joga a culpa não em Paulo, mas nos autores judeus dos evangelhos.

A questão da origem antijudaica de Jesus, porém, não era unanimidade. Segundo Hershel, Ernest Renan, em sua famosa obra de 1863, Life of Jesus, Jesus é caracterizado como um galileu que transformou-se de judeu em cristão, descrevendo o cristianismo como uma forma religiosa purificada de qualquer judaísmo. Desta forma, Renan diverge de seus sucessores, ignorando a questão racial na origem galileia de Jesus e partindo para um viés mais religioso.

Conclusão

De qualquer forma, seja qual for o motivo, o fato é que o movimento cristão-alemão adotou como uma de suas premissas a noção de que Jesus Cristo não poderia ser judeu, adotando-o como um campeão ariano que lutou contra aquele grupo. Como a intenção do movimento era desvincular o cristianismo do judaísmo, é fácil perceber que o movimento não se deteria apenas na desjudaização de Jesus, mas sim que ele partiria para uma estratégia maior: Desjudaizar a religião cristã como um todo.


 
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quinta-feira, 19 de junho de 2014

[SGM] A Blitz esquecida da França

BBC News, 04/06/14

 
Historiadores acreditam que os bombardeios aliados mataram quase tantos franceses quanto as bombas alemãs mataram britânicos durante a Blitz.

De acordo com pesquisa conduzida por Andrew Knapp, professor de história na Universidade de Reading na Grã-Bretanha, as missões aéreas britânicas, americanas e canadenses resultaram em 57.000 baixas civis francesas na Segunda Guerra Mundial.

“Este é um número um pouco abaixo, mas comparável aos 60.500 britânicos mortos como resultado do bombardeio da Luftwaffe no mesmo período,” diz Knapp que é coautor de Blitzes Esquecidas e um livro recentemente publicado na França chamado Os Franceses sob o Bombardeio Aliado (Les francais sous les bombes alliees 1940-1945).

“Também é verdade que a França levou sete vezes mais toneladas de bombas aliadas que a Grã-Bretanha da Alemanha Nazista,” diz Knapp. “Aproximadamente 75.000 toneladas de bombas foram despejadas no Reino Unido (incluindo os mísseis V de Hitler). Na França, ficou na ordem de 518.000 toneladas,” ele diz.

Crimes de Guerra

Winston Churchill, que se dirigiu aos franceses sobre as missões aéreas com confiança, e mesmo um certo alívio, em francês, disse-lhes como aliados apesar da colaboração com os nazistas de uma parte da população francesa.

Mas a tática de bombardeio empregada nem sempre refletiu isso.

Knapp divide os bombardeios aliados em três categorias: “Alguns foram precisos e causaram perdas mínimas civis. A segunda categoria, podemos ver por que eles fizeram, mas o nível de perdas civis pode ser considerado desproporcional em relação à vantagem militar. E a terceira categoria é realmente difícil de compreender, mesmo com perspectiva, por que eles o fizeram.”

O exemplo mais perturbador é o bombardeio de Le Havre em setembro de 1944. Quase toda a cidade foi reduzida a pó e 5.000 franceses – homens, mulheres e crianças – foram mortos. A infantaria aliada tomou o porto poucos dias mais tarde mas, muitos acreditam, eles o poderiam ter feito sem o bombardeio.

“É muito claro que,” diz Knapp, “com base nos tratados que assinamos agora – não os tratados assinados na época – algumas destas missões poderiam ser classificadas como crimes de guerra.”

Silêncio “surpreendente”

Catherine Monfajon, autora de um documentário sobre o assunto que foi recentemente mostrado na TV francesa, diz que os franceses frequentemente mostravam grande espírito.

No funeral de mais de 100 estudantes franceses mortos em um bombardeio aliado em Saint Nazaire, quando um funcionário do governo Vichy falou das “aves da morte”, uma vaia de desaprovação surgiu na parte onde estavam os pais das crianças mortas.

No fim da guerra, Saint Nazaire foi classificada como 100% destruída, mas falar sobre a destruição dela e de outras 1.500 cidades era um tabu.

“O silêncio era surpreendente e me surpreendia,” diz Monfajon. “A França foi o terceiro país mais bombardeado depois da Alemanha e Japão pelos aliados e isto é raramente mencionado nos livros de história.”

Isto é devido em sua maior parte ao modo como o regime colaboracionista de Vichy usou estas baixas em sua propaganda no sentido de jogar o público contra os aliados.

Desde então, questionar o bombardeio era considerado suspeito, ela diz. “E as pessoas estavam divididas entre sua dor, sua raiva e sua gratidão a esses pilotos que lhes trouxeram a liberdade. Quem morreu por isso.”

Escombros e Cinzas

À medida que os bombardeios das cidades francesas se intensificou na proximidade do Dia D, Churchill expressou que a escala de perdas civis poderia prejudicar por longo tempo as relações anglo-francesas mesmo após a guerra ter sido ganha.

Arthur “Bombardeiro” Harris, chefe do Comando de Bombardeiros da RAF, queria todos os seus aviões atingindo a Alemanha.

Apesar de insensível à carnificina imposta aos civis alemães, ele ficou arrependido pelas perdas francesas ao ponto de fazer campanha de arrecadação de dinheiro para ajudar os órfãos do bombardeio aliado.

Quase metade das tripulações do Comando de Bombardeiros foi morta em ação. Suas ações, seus comandantes argumentavam, ajudariam a ganhar a guerra mais rapidamente.

Mas, como os franceses finalmente ousam dizer, a libertação das cidades da Normandia como Saint Lo, Caen e Le Havre transformou-as em terras desertas de escombros e pó.

No próprio Dia D, 2.500 soldados aliados foram mortos. Aproximadamente o mesmo número de civis franceses também foi morto.

Sem heróis talvez. Mas, como o presidente francês afirmará nas praias de desembarque em 6 de junho, seu sacrifício pela liberdade foi grande.


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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Veteranos nazistas criaram exército ilegal

Der Spiegel, 14/05/2014

 
Por quase seis décadas, o arquivo de 321 páginas permaneceu despercebido nos arquivos do BND, a agência de inteligência alemã – mas agora seu conteúdo revelou um novo capítulo da história alemã do pós-guerra que é tão espetacular quanto misterioso.

Os documentos previamente secretos revelam a existência de uma coalizão de aproximadamente 2.000 antigos oficiais – veteranos da Wehrmacht e da Waffen-SS – que decidiram reunir um exército na Alemanha do pós-guerra em 1949. Eles se prepararam sem o consentimento do governo alemão, sem o conhecimento do parlamento e, os documentos mostram – circunavegando as forças de ocupação aliadas.

O objetivo dos ex-oficiais: defender a nascente Alemanha Ocidental contra a agressão comunista nos estágios iniciais da Guerra Fria e, no front doméstico, mobilizar forças contra a esquerda no caso de uma guerra civil. Essa frente anticomunista juntou informação sobre políticos esquerdistas como Fritz Erler, do Partido Social Democrata (SPD), um elemento-chave na reforma do partido após a Segunda Guerra Mundial, e espionou estudantes como Joachim Peckert, que mais tarde tornou-se um funcionário de alta patente na Embaixada da Alemanha Ocidental em Moscou durante os anos 1970.

A nova descoberta foi trazida à luz por uma coincidência. O historiador Agilof Kesselring encontrou os documentos – que pertenciam à Organização Gehlen, predecessor da atual agência de inteligência estrangeira – enquanto trabalhava para uma Comissão Histórica Independente formada pelo BND par investigar sua história inicial. Comissões semelhantes têm sido constituídas por um número de autoridades alemãs nos anos recentes, incluindo os Ministérios das Finanças e do Exterior para criar um registro preciso de seus legados silenciosos.

Kesselring revelou os documentos, que receberam o estranho nome de “Seguros”, enquanto tentava determinar o número de funcionários empregados pelo BND.

Ao invés de documentos de seguros, Kesselring se deparou com o que agora pode ser considerada a descoberta mais importante da Comissão Histórica Independente. O estudo que ele escreveu sobre a descoberta foi liberado esta semana.  

Uma facilidade na democracia enfraquecida

O arquivo está incompleto e, portanto, precisa ser considerado com certa reserva. Mesmo assim, seu conteúdo testemunha a facilidade com a qual os padrões constitucionais e democráticos poderiam ter sido enfraquecidos nos primeiros anos de existência da Alemanha Ocidental.

De acordo com os documentos, o Chanceler Konrad Adenauer não descobriu sobre a existência do grupo paramilitar até 1951, quando então ele evidentemente decidiu não revelá-lo.

No caso de uma guerra, os documentos afirmam, o exército secreto poderia mobilizar 40.000 combatentes. O envolvimento de figuras importantes nas forças armadas alemãs do futuro, o Bundeswehr, são um indicativo de quão séria a empreitada teria sido.

Entre os seus atores mais importantes estava Albert Schnez. Schnez nasceu em 1911 e serviu como coronel na Segunda Guerra Mundial antes de ascender em patentes no Bundeswehr, que foi criado em 1955. No final dos anos 1950, ele era parte da equipe do então Ministro da Defesa Franz Josef Strauss (CDU) e mais tarde serviu como comandante do exército alemão no governo Willy Brandt e Ministro da Defesa no governo Helmut Schmidt (ambos do SPD).

Declarações de Schnez citadas nos documentos sugerem que o projeto para construir um exército clandestino também era apoiado por Hans Speidel – que tornar-se-ia o Comandante Supremo da OTAN do Exército Aliado na Europa Central em 1957 – e Adolf Heusinger, o primeiro inspetor geral do Bundeswehr.

Kesselring, o historiador, tem uma conexão especial com a história militar: seu avô Albert era um marechal e comandante supremo das forças meridionais no Terceiro Reich, com Schnez como seu “general de transporte” subordinado na Itália. Ambos os homens tentaram prevenir a rendição parcial da Alemanha na Itália.

Em seu estudo, Kesselring dá uma folga para Schnez: ele não menciona suas ligações com a extrema direita e ele descreve sua espionagem em supostos esquerdistas como “checagens de segurança”. Quando perguntado sobre isso, o historiador explica que ele lidará com estes aspectos do arquivo em um estudo compreensivo no próximo ano. Mas o BND recentemente liberou os arquivos de “Seguros”, tornando possível apresentar um quadro independente.

O projeto do exército começou no período pós-guerra na Suábia, a região que cerca Stuttgart, onde o então Schnez com 40 anos de idade negociava com madeira, têxteis e itens domésticos e, por outro lado, organizava eventos sociais para os veteranos da 25ª. Divisão de Infantaria, na qual ele serviu. Eles ajudavam um ao outro, apoiavam as viúvas e órfãos de colegas e conversavam sobre os velhos e novos tempos.

Medo de um Ataque vindo do Leste

Mas seus debates sempre voltavam à mesma questão: o que deveria ser feito se os russos ou seus aliados da Europa Oriental invadissem? A Alemanha Ocidental ainda estava se, um exército na época e os americanos haviam retirado muito de seus soldados da Europa em 1945.

A princípio, o grupo de Schnez considerava-se derrotado e então liderando uma guerrilha por trás da linhas, antes de realocar-se em algum lugar fora da Alemanha. No evento de um ataque do Leste, um funcionário da Organização Gehlen mais tarde escreveria, Schnez queria recuar suas tropas e conduzi-las com segurança para fora da Alemanha. Elas então promoveriam uma batalha para libertar a Alemanha a partir do exterior.

Para preparar uma resposta à ameaça potencial, Schnez, o filho de um funcionário público da Suábia, pensou em criar um exército. Mesmo ele violando a lei aliada – organizações militares ou paramilitares foram banidas e os contraventores sujeitos a prisão – a ideia tornou-se muito popular.

O exército começou a tomar forma no final de 1950. Schnez coletou doações de empresários e antigos oficiais, contatou grupos de veteranos de outras divisões, pediu a empresas de transporte quais veículos eles poderiam fornecer no pior cenário e trabalhou num plano de emergência.

Anton Grasser, um antigo general de infantaria que foi empregado pela empresa de Schnez, cuidou das armas. Em 1950, ele começou sua carreira no Ministério Federal do Interior em Bonn, onde ele tornou-se inspetor geral e cuidou da coordenação das unidades de Polícia Tática alemã nos estados alemães no caso de uma guerra. Ele queria usar seus recursos para equipar a tropa no caso de uma emergência. Não há sinais de que o Ministro do Interior Robert Lehr tivesse sido informado destes planos.

Schnez queria encontrar uma organização de unidades compostas de antigos oficiais, idealmente staffs completos de divisões de elite da Wehrmacht, que poderiam ser rapidamente mobilizadas no caso de um ataque. De acordo com listas contidas no documento, todos os homens seriam empregados: eles incluíam empresários, vendedores, advogados, instrutores técnicos e mesmo prefeitos. Presumivelmente, eles eram todos anticomunistas e, em alguns casos, motivados pelo desejo de aventura. Por exemplo, os documentos dizem que o tenente-general aposentado Herrmann Hölter “não estava contente trabalhando em um escritório.”

A maioria dos membros da reserva secreta vivia na parte meridional da Alemanha. Uma visão geral nos documentos mostra que Rudolf Von Bünau, um general de infantaria da reserva, liderava um “grupo de staff” nos arredores de Stuttgart. Havia também subunidades em Ulm (comandadas pelo tenente-general da reserva Hans Wagner), Heilbronn (tenente-general da reserva Werner Kampfhenkel), Freiburg (general de divisão da reserva Wilhelm Nagel) e muitas outras cidades.

A lista de Schnez não foi repassada, mas os documentos afirmam que ele disse ter incluído 10 mil nomes, o suficiente para constituir o núcleo de um staff para três divisões. Por motivos de segurança, ele mencionou apenas 2.000 oficiais. Mesmo assim, Schnez não tinha dúvidas que o resto se juntaria a ele. Não parecia haver qualquer escassez de candidatos para as unidades: acima de tudo, não havia falta de alemães com experiência de guerra.

Ficou para determinar onde eles poderiam se reunir no caso de uma emergência. Schnez negociou locais suíços, mas as autoridades locais reagiram de forma muito restritiva, os documentos afirmam que ele mais tarde planejou um possível deslocamento para a Espanha no sentido de usá-la como base a partir do qual ele lutaria ao lado dos americanos.

Colegas descreveram Schnez como um organizador enérgico, mas também autoconfiante e indiferente. Ele mantinha contatos com a Liga da Juventude Alemã e sua organização especializada, Serviço Técnico, a qual ela própria estava se preparando para uma guerrilha contra os soviéticos. Os dois grupos, criados secretamente pelos EUA, incluíam antigos oficiais nazistas como membros e ambos foram banidos pelo governo da Alemanha Ocidental em 1953 como organizações de extrema-direita. Schnez, parece ser, não tinha escrúpulos de qualquer natureza em se associar com ex-nazistas.

Schnez também manteve um autodenominado aparato de inteligência que avaliava candidatos para a “Companhia de Seguros”, como ele se referia ao projeto, e determinava se eles tinham qualidades suspeitas. Um criminoso chamado K. foi descrito como “inteligente, jovem e meio-judeu.”

Documentos americanos acessados pela SPIEGEL indicam que Schnez negociou com o ex-tenente-coronel da SS Otto Skorzeny. O oficial da SS tornou-se um herói nacional durante a Segunda Guerra Mundial após ele ter conduzido uma missão bem sucedida para libertar o ditador italiano deposto Benito Mussolini, que foi preso pelo rei italiano. O antigo membro da SS tinha planos similares aos de Schnez. Em fevereiro de 1951, os dois concordaram em “cooperar imediatamente na região da Suábia.” Até hoje é desconhecido o conteúdo do acordo.

Em sua busca por financiamento para uma operação contínua, Schnez pediu ajuda do service secreto alemão ocidental durante o verão de 1951. Em um encontro em 24 de julho de 1951, Schnez ofereceu os serviços de seu exército clandestino a Gehlen, o chefe do serviço de Inteligência, para “uso militar” ou “simplesmente como uma força potencial”, tanto para um governo alemão no exílio ou para os aliados ocidentais.

Uma anotação nos documentos da Organização Gehlen indica que havia “longas relações de natureza amigável” entre Schnez e Reinhard Gehlen. Os documentos também indicam que o serviço secreto tornou-se ciente da força clandestina primeiramente na primavera de 1951. A Organização Gehlen classificou Schnez como uma “conexão especial” com o desagradável codinome “narceja” (Schnepfe).

Adenauer recuou?

É provável que o entusiasmo de Gehlen com a oferta de Schnez teria sido maior se ela tivesse aparecido um ano antes, quando a Guerra da Coréia estava acontecendo. Na época, a capital da Alemanha Ocidental, Bonn e Washington estavam considerando a possibilidade de “reunir membros das antigas divisões de elite alemãs no evento de uma catástrofe, armando-os e recrutando-os para as tropas de defesa aliadas.”

Após um ano, a situação mudou completamente e Adenauer recuou da ideia. Ao invés disso, ele forçou uma integração da Alemanha Ocidental com o Ocidente e preparou o terreno para a formação do Bundeswehr. O grupo ilegal de Schnez tinha o potencial de ameaçar aquela política – se sua existência se tornasse pública, poderia ter se tornado um escândalo internacional.

Mesmo assim, Adenauer decidiu não tomar nenhuma ação contra a organização de Schnez – o que levanta várias questões: ele estava recuando de um conflito com os veteranos da Wehrmacht e da Waffen-SS?

Havia dúvidas dentro da Organização Gehlen, particularmente em relação a Skorzeny. De acordo com outro documento da BND analisado pela SPIEGEL, um chefe de divisão levantou a questão se seria possível à organização tomar uma atitude agressiva contra Skorzeny. O homem da Organização Gehlen sugeriu consultar a SS, acrescentando que “a SS é um fator e devemos ouvir opiniões antes de tomar uma decisão.” Aparentemente, redes de velhos e ex-nazistas ainda exerciam influência considerável durante os anos 1950.

Tornou-se também claro em 1951 que anos passariam antes que o Bundeswehr pudesse ser criado. Da perspectiva de Adenauer, isto significava que, por enquanto, a lealdade de Schnez e seus camaradas deveriam ser garantidas para o caso de um cenário catastrófico. Provavelmente por causa disso, Gehlen foi recrutado pela Chancelaria “para vigiar e monitorar o grupo.”

Parece que Konrad Adenauer informou tanto seus aliados americanos quanto a oposição política do plano na época. Os documentos parecem indicar que Carlo Schmid, na época membro do comitê executivo nacional do SPD estava “na jogada”.

Pouco Conhecimento sobre a dissolução do Exército

A partir deste ponto, o staff de Gehlen manteve contato frequente com Schnez. Gehlen e Schnez também fizeram um acordo para compartilhar informações resultantes dos esforços de espionagem. Schnez se gabava de ter um aparato de inteligência “particularmente bem organizado”.

A Organização Gehlen começou a receber listas de alerta, incluindo nomes de ex-soldados alemães que haviam supostamente se comportado de maneira “indigna” enquanto prisioneiros de guerra dos soviéticos, a insinuação sendo de que os homens haviam desertado para apoiar a União Soviética. Em outros relatórios, eles relatavam “pessoas suspeitas de ser comunistas na área de Stuttgart.”

Mas Schnez nunca foi agraciado com o dinheiro que ele esperava. Gehlen somente permitiu que ele recebesse pequenas quantias, que acabaram no outono de 1953. Dois anos depois, o Bundeswehr nasceu com seus primeiros 101 voluntários. Com o rearmamento da Alemanha Ocidental, a força de Schnez tornou-se redundante.

Atualmente é desconhecido quando exatamente o exército secreto foi dissolvido, já que nõ houve nenhum comentário na época. Schnez morreu em 2007 sem mencionar nada publicamente sobre estes eventos. Seus registros da “Companhia de Seguros” desapareceram. O que é sabido baseia-se largamente nos documentos relacionados à Organização Gehlen que acabaram como arquivo secreto do seu sucessor, o BND.

Parece que eles foram deliberadamente denominados sob o título enganador de “seguros” na esperança que ninguém jamais ficasse interessado neles.

domingo, 15 de junho de 2014

Vitória épica da armada brasileira na Guerra do Paraguai completou 149 anos

Defesanet, 12 de Junho, 2014

Há 149 anos, no dia 11 de junho de 1865, a Marinha Imperial Brasileira vencia a Batalha Naval do Riachuelo – mais importante conflito da armada nacional durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). A vitória foi decisiva para assegurar ao Brasil e aos aliados da Tríplice Aliança (Uruguai e Argentina) a supremacia na bacia do Rio da Prata, caminho estratégico para o envio de tropas e suprimentos na luta contra os invasores da província de Corrientes, na Argentina.

A Batalha do Riachuelo ainda é considerada por militares e historiadores como uma das mais importantes da história do Brasil, não só pelo tamanho da tropa envolvida, mas também pela atuação marcante do almirante Francisco Manoel Barroso, comandante da esquadra brasileira e que, mesmo tendo perdido a primeira fase do embate, conseguiu reverter a adversidade e vencer a batalha.

“Essa batalha é emblemática por ter sido, desde a Guerra da Cisplatina e depois da Guerra do Paraguai, a maior batalha naval em que se envolveu a Marinha de Guerra brasileira. Posteriormente, na I e na II Guerra Mundial, nossa Marinha não teve operação de guerra dessa envergadura”, avaliou o professor de História Francisco Doratioto, da Universidade de Brasília (UnB).

Na decisiva manhã de 11 de junho, a esquadra brasileira se encontrava em território inimigo, perto da cidade de Corrientes, na Argentina – que estava ocupada por tropas paraguais. O plano idealizado pelo ditador Francisco Solano López era fazer um ataque surpresa contra os brasileiros e tomar seus navios.

Ao todo, eram nove as embarcações brasileiras - Amazonas, Belmonte, Beberibe, Jequitinhonha, Parnaíba, Mearim, Araguaí, Iguatemi e Ipiranga -, todas elas projetadas para lutas em mar aberto, o que representava uma desvantagem para o Brasil, uma vez que a batalha se desenrolou num rio e, por vezes, em águas rasas.

A esquadra paraguaia – sob o comando do oficial Pedro Inácio Mezza – também dispunha de nove navios, a grande maioria mercantes, improvisados em embarcações de guerra.

Os inimigos também contavam com seis ‘chatas’, que eram barcos sem propulsão, rebocados pelas outras embarcações. Como tinham fundo raso, eram de difícil visualização para o inimigo, deixando à mostra somente seus canhões com seis polegadas de calibre.

 


A Batalha

Quando o Paraguai foi iniciar a ofensiva, um dos navios teve problemas em sua hélice, o que atrasou o ataque e retirou o fator surpresa da estratégia de López.

Apesar do contratempo, os paraguaios insistiram com o confronto e, por volta das 9h, desceram o Rio Paraná para iniciar o ataque.

Ao flagrar a movimentação inimiga, Barroso determinou que parte de seus homens, que estava em terra em busca de lenha, reembarcassem e se preparassem para a luta.

Enquanto as embarcações brasileiras se organizavam, os paraguaios desceram o rio e iniciaram o ataque com seus canhões. Após os disparos, seguiram em frente e foram se abrigar junto a Foz do Riachuelo, onde, em terra, estava parte de sua artilharia.

Em formação, a esquadra brasileira desceu o rio em direção aos paraguaios e um novo combate foi iniciado. Os navios conseguiram passar pelas embarcações paraguaias, mas apenas seis concluíram o translado. Dois deles –Jequitinhonha e Belmonte – encalharam. Parnaíba, por sua vez, foi atacado por três navios paraguaios.

Com os brasileiros em clara desvantagem, a batalha poderia ter chegado ao fim. O comandante Barroso, entretanto, decidiu retornar e subir o rio novamente. Ao se aproximar dos navios paraguaios, aproveitou o porte das embarcações imperiais, especialmente da fragata Amazonas, e abalroou as embarcações paraguaias, o que acabou levando a esquadra brasileira à vitória.

O diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, almirante Armando de Senna Bittencourt, explica que essa decisão do comandante Barroso foi a responsável pela mudança de rumo na Batalha.

“Barroso teve a coragem de voltar e, numa manobra tática e decisiva, usou a proa do navio dele como aríete e abalroou pelo menos dois navios”, avalia.

Para o historiador Francisco Doratioto, a manobra empregada por Barroso foi essencial para assegurar o sucesso brasileiro no confronto.

“Barroso teve grande presença no combate. A frota brasileira foi atacada quando amanhecia e as caldeiras dos navios ainda estavam sendo aquecidas. Ainda assim, ele teve êxito em posicionar os navios para a batalha e, nesta, manteve uma interpretação correta do seu desenrolar e tomou as iniciativas necessárias para vencer as embarcações atacantes”, explicou.

O almirante Bittencourt acredita que a vitória de Riachuelo levantou o moral das tropas e foi essencial para assegurar não só o desfecho favorável ao Brasil na Guerra do Paraguai, mas também para fortalecer o país como uma nação.

“A guerra foi longa, difícil e causou muitas mortes e sacrifícios. Foi nela que brasileiros de todas as regiões do país foram mobilizados e trabalharam juntos para a defesa da Pátria. Consolidou-se, assim, nossa nacionalidade”, concluiu o almirante.

 
http://www.defesanet.com.br/ecos/noticia/15659/Vitoria-epica-da-armada-brasileira-na-Guerra-do-Paraguai-completou-149-anos/

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sábado, 14 de junho de 2014

[HOL] A verdade por trás do Dossiê Odessa e a fuga dos nazistas

Guy Walters

 


Vejo que os jornais de hoje estão repletos de relatos sobre Gudrun Burwitz, a filha de Heinrich Himmler, e sua organização Stille Hilfe (Ajuda Silenciosa), que é acusada de ajudar nazistas no exílio. Presumivelmente, as reportagens mencionam como a Stille Hilfe coopera com a Odessa, a rede clandestina nazista de fuga. Não estou qualificado para discutir as atividades da Stille Hilfe, mas sei uma coisa ou duas sobre a “Odessa”, e acredito que esta organização é mais o produto de fantasia do que realidade. Peço desculpas pela postagem longa, mas é um assunto próximo da minha vida profissional, e nada me deixa mais furioso do que ver pessoas que falam sem conhecimento algum sobre a “Odessa”.

O problema mais óbvio com a Odessa é o próprio nome. Se você está organizando uma rede super secreta de fuga para membros da SS, você realmente a nomearia com um acrônimo que significa Organização de Ex-Membros da SS (Organisation der ehemaligen SS-Angehörigen)? Acho que não.

A verdade sobre as organizações de fuga nazistas, sob nuvens de cogumelos de fumaça, é que elas eram muito semelhantes à uma organização filantrópica, ou talvez mesmo a uma rede de células terroristas chamada Al-Qaeda. Após a guerra, havia incontáveis organizações que ajudavam na fuga de nazistas, e alguns destes grupos tinham nomes – tais como “Konsul”, “Scharnhorst”, “Sechsgestirn”, “Leibwache”, “Lustige Brüder” – e outros não. Ao invés de um grande incêndio sob a fumaça, havia vários pequenos, a combinação de suas emissões múltiplas e tóxicas sugerindo um único grande incêndio. Assistência também seria fornecida em uma base específica, algumas vezes por um único indivíduo ou por um grupo de pessoas ao invés de um único grupo coordenado.

Contudo, os registros mostram que havia algo chamado “Odessa”. Longe de ser o monstro de tentáculos globalizado da imaginação popular, pareceu começar como pouco mais que uma palavra de ordem, e tornar-se-ia um termo vagamente atribuído ao grupo que levou fugitivos da Alemanha e Áustria para Roma e Genova, e de lá para a Espanha e Argentina. Uma das primeiras menções documentadas da “Odessa” está num memorando do Corpo de Contrainteligência dos EUA (CIC) datado de 31 de julho de 1946, no qual uma organização clandestina em um campo de prisioneiros da SS em Auerbach foi identificada. Ela não era chamada “Odessa”, mas a palavra era empregada como uma senha na ordem para ganhar privilégios e considerações especiais de alimentação da Cruz Vermelha em Augsburg.    

O termo também valia em outros lugares, em cidades como Kempten, Rosenheim, Mannheim e Berchtesgaden, onde foi aplicado a pequenas células de membros impenitentes da SSno sentido de dar-lhes um sentimento de solidariedade. Como estes grupos careciam de qualquer forma de organização e liderança, o CIC não se preocupou com eles.

Entretanto, em novembro, os tchecos informaram aos americanos que eles souberam de rumores sobre uma organização chamada “ODESSA” que estava operando na zona britânica de ocupação, e que ela teve seu primeiro encontro em Hamburgo em setembro. Em janeiro do ano seguinte, o CIC enviou um agente a um campo de internamento em Dachau, que relatou que havia uma organização de fuga operando lá sob o nome de “ODESSA” e organizada pelo tenente-coronel da SS Otto Skorzeny, ele próprio um prisioneiro.

“Isto é feito com a ajuda de guardas poloneses,” relatou o agente, “que os estão ajudando a receber ordens de Skorzeny para escapar.” O informante revelou que a organização era “mundial” e que ela fornecia documentos portugueses para aqueles que queriam viajar para a Argentina. Para aqueles que decidiram permanecer na Alemanha, o grupo forneceria emprego e documentação. Entretanto, nem os americanos nem os britânicos foram capazes de verificar quaisquer das afirmações do informante. “Personagens-chaves têm sido vigiadas atentamente,” relatou o CIC, “mas nenhuma de suas atividades tem se estendido além do estabelecimento de contato com antigos membros da SS em seus locais.” O CIC também achava que o nome de Skorzeny era usado apenas como “suporte e prestígio”.

A ideia de que Otto Skorzeny bolou uma sociedade secreta é fantasiosa, até porque quase todo movimento que ele fazia era monitorado pelos americanos, e provavelmente, por outras nações. Skorzeny também não era, sendo franco, inteligente ou discreto o suficiente para gerenciar uma rede clandestina de fuga.

Ao longo dos meados dos anos 1940, os serviços de inteligência aliados receberiam uns poucos relatórios sobre a “Odessa”, mas eles sugeriam que a organização era um pouco mais do que um bote salva-vidas para antigos nazistas que queriam continuar lutando. Além disso, a natureza da Odessa parecia mudar dependendo de quem estava sendo interrogado. Em dezembro de 1947, o CIC em Donauwörth interrogou um antigo oficial da SS chamado Robert Markworth, que foi preso por uma tentativa de suborno. Markworth afirmou que ele estava em uma missão secreta para a Odessa, missão que era infiltrar-se no governo militar russo e não tinha nada a ver com fuga.

No começo daquele ano, os americanos ficaram sabendo por um informante que o modo de contatar a organização era simplesmente se misturar com a multidão em estações ferroviárias principais até que alguém fosse abordado por uma pessoa dizendo a palavra ODESSA. O informante, que os americanos não conheciam e que havia se apresentado como voluntário, tentou a sorteem Hanover, onde ele encontrou um tal de “Herbert Ringel”, que afirmou que o objetivo da Odessa era o planejamento de uma “eventual revolução”. A informação atravessou o grupo e foi espalhada por uma rede de contatos, nenhum dos quais conhecia o nome da próxima pessoa na cadeia. O método de identificação era a presença de três pequenas marcas na forma de um triângulo na base do polegar e do dedo indicador da mão direita. “Ringel” também mostrou ao informante sua carteira de identificação (Odessa Ausweis), que mostrava o suposto símbolo da Odessa em sua frente: duas flechas cruzadas sobre as letras “ODESSA”. Os americanos classificaram o informante como F3, que indicava que sua falta de fiabilidade não poderia ser julgada e que a informação era possivelmente verdade.

De fato, o que ele havia relatado tinha todo jeito de desinformação, e uma tentativa amadora de fazer isso. A noção de que a Odessa forneceria aos seus membros documentos de identificação era absurda, e a presença das três marcas era igualmente improvável. Também parecia improvável que um membro da Odessa ofereceria tais segredos a um estranho em uma estação ferroviária em Hanover.

No mesmo ano, outra organização se autodenominando Odessa foi descoberta em Rosenheim pelo CIC, apesar de parecer consistir de pouco mais de uma dúzia de homens, alguns dos quais tendo sido aprisionados previamente por roubo e possessão de armas. O CIC relatou que tinha se infiltrado no grupo e notou que a palavra Odessa era usada como uma espécie de senha. O líder do grupo, Hans Schuchert, foi descrito como um “soldado SS fanático que sempre saudava seus colegas com um ‘Hail Odessa’.” Em um baile dançante no Gasthaus Plestkeller em Ziegelberg nos arredores de Rosenheim, Schuchert reuniu um número de membros da SS. “Agora vem a dança pela Odessa,” disse ele. “Isto significa muito para a SS.” Apesar de alguns convidados ficarem chocados, ninguém – incluindo alguns policiais presentes – registraram qualquer queixa.

Uma pessoa que ficou interessada na Odessa foi Simon Wiesenthal. Em 3 de abril de 1952, Wiesenthal escreveu uma longa carta ao jornalista alemão Ottmar Katz sobre  ouro nazista e como o tesouro estava sendo supostamente usado para financiar a fuga dos nazistas. Na carta, uma cópia vagabunda da qual está guardada nos Arquivos Nacionais em Washington, Wiesenthal diz a Katz sobre várias sociedades secretas nazistas, tais como a Scharnhorst, Sechsgestirn, Edelweiss, Spinne e PAX. Wiesenthal também escreve sobre a Odessa, a qual, ele informa Katz, é uma organização de fuga que transportava fugitivos para Bispo Hudal em Roma e de lá eles partiam para Madri e América do Sul.

A fonte de Wiesenthal para seu conhecimento sobre a Odessa era Wilhelm Hoettl, um antigo membro da SD que estava administrando redes altamente duvidoss para os americanos até que eles o dispensaram em setembro de 1949[1]. A informação que ele reuniu tinha sido avaliada como pobre e o CIC o considerou desonesto. Também havia uma suspeita que ele leiloava informação a quem pagasse mais alto, não importando de que lado da Cortina de Ferro o dinheiro viesse.

Também não deve haver dúvidas de que muito do que Wiesenthal disse a Katz em sua carta era ainda mais idiotice fornecida a ele por Hoettl. É interessante que a carta para Katz tenha terminado no arquivo de Hoettl nos Arquivos Nacionais dos EUA. Consequentemente, é extremamente difícil confiar em qualquer coisa que o ingênuo Wiesenthal apresentaria mais tarde ao mundo relativo à Odessa e como os nazistas escaparam.

Mesmo nazistas como Reinhold Kops, que escreveu um conjunto de memórias sinceras em 1987, negaram a existência de tal organização chamada Odessa. Alfred Jarschel, cujo livro fantasioso Fugindo de Nuremberg está repleto das estórias mais ultrajantes dobre as fugas nazistas – incluindo a “escapada” de Martin Bormann – era cético em relação a Odessa, e a via mais como uma forma de Wiesenthal vender material a jornalistas.

Além disso, Erich Priebke, o antigo capitão da Gestapo preso em Roma, me disse que a Odessa é um mito. “Sempre digo que Odessa é uma invenção dos ingleses,” diz ele, se referindo a Frederick Forsyth. “Teria sido sortudo se alguém tivesse me ajudado, mas não havia tal Odessa.” Priebke citou a falta de assistência financeira que ele sofreu como evidência de que o grupo não existia.

Frederick Forsyth ouviu sobre a estória em um artigo do Sunday Times escrito por Antony Terry em julho de 1967, na qual a função da Odessa era descrita, e como seu grande golpe foi o resgate de – quem mais? – Martin Bormann. A fonte de Terry para a estória era ninguém menos que Simon Wiesenthal. Tivesse o editor de Terry sabido que a fonte principal de tal informação era um antigo membro do SD chamado Wilhelm Hoettl, então ele teria descartado o artigo.

Ou talvez não. Acima de tudo, a Odessa, como Frederick Forsyth a concebeu, é uma grande estória de ficção.            


Nota:

[1] Wilhelm Hoettl, uma fonte comprovadamente desonesta, foi usado no Julgamento de Nuremberg como testemunha de acusação, afirmando que tivera uma conversa com Adolf Eichmann, quando então o seu chefe na Questão Judaica teria confirmado que 4 milhões de judeus tinham sido mortos em vários campos de concentração e cerca de 2 milhões morreram de outras formas, totalizando o famoso número do Holocausto, 6 milhões.

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