terça-feira, 30 de junho de 2015

[POL] A Noite das Longas Facas

Elizabeth Wiskemann

History Today, Vol. 14, Nº 6, junho 1964



Em 30 de janeiro de 1933, Franz Von Papen e o general Von Blomberg convenceram o presidente Hindenburg a aceitar Adolf Hitler como Chanceler, com Papen como seu vice, mas com somente dois colegas nazistas.

Os líderes do Reichswehr estavam divididos, mas eles e Papen e seus outros amigos do Herrenklub acreditavam que poderiam manobrar os líderes nazistas enquanto faturavam em cima de seu apoio popular: alguns deles esperavam em breve restaurar a monarquia.

Hitler, porém, não pretendia ser usado, mas usá-los, como ele manipulou o incêndio do Reichstag um mês mais tarde, e qualquer outra oportunidade, para ficar com o poder para si. Ele pretendia assumir o comando para voltar seiscentos anos atrás, como ele disse no Mein Kampf, e restaurar a colonização alemã da Europa Oriental.

Ele estava preocupado em preparar tal ação e, consequentemente, para a guerra. Isto, e eliminar os judeus, eram seus principais interesses. Ele não tinha nenhuma simpatia pelo socialismo, exceto quando os capitalistas eram judeus, apesar de ter feito uso hábil uso do sentimento popular socialista quando ele se dirigia às grandes massas. Após um ano como Chanceler, ele deu grandes passos para atingir o poder absoluto.

Ele suprimiu toda crítica aberta e todos os outros partidos, exceto o nazista; todo aparato policial estava sob seu comando, inicialmente através da indicação de Göring como ministro prussiano do interior, e depois por meio da acumulação do controle policial e de outras forças paramilitares (Länder) nas mãos de Heinrich Himmler, o Reichsführer da SS.

Havia, contudo, certos empecilhos na situação como Hitler a encarava. O julgamento em Leipzig de Marinus van der Lubbe e dos búlgaros pelo incêndio do Reichstag mostrou que o sistema judiciário ainda não estava totalmente nazificado; Göring fez estardalhaço à toa na Corte para que os búlgaros fossem condenados. Além disso, tanto a Igreja Protestante quanto a Católica não estavam totalmente submissas.

Ademais, após a absorção de corpos como os “Capacetes de Aço” (Stahlhelm), havia agora mais de 4 milhões de tropas paramilitares cujos líderes exigiam a conflagração da tão sonhada revolução social e do Estado SA (Sturmabteilungen, ou tropa de assalto). Isto, Hitler estava determinado a prevenir a qualquer custo. Para as tropas de assalto, a revolução social deveria incluir a absorção do Reichswehr e a dominação do Estado por esta massa armada permanente.
   
Isto envolveria atrasos e riscos que Hitler não pretendia enfrentar; ele desejava recrutar o expertise do Reichswehr para remilitarizar a Alemanha e tornar a guerra o mais rápido possível; quando isto estivesse feito, seria hora de encerrar sua dependência invisível, porém necessária, da Reichswehr e humilhar e degradar seus líderes como ele fez em 1938.

Vindo da “Divisão de Defesa” (Wehrverbände) que ele controlava, Ernst Rohm forneceu originalmente a Hitler a S.A. em cuja intimidação da mente popular Hitler havia baseado seu poder. Agora, se Rohm seguia seu próprio caminho, ele, o Chefe de Estafe da S.A., dominaria o novo exército e, através do Exército, o Estado.

Rohm esperava suceder Blomberg como Ministro da Defesa Nacional, mas Hitler temia, de maneira correta, que, se os planos de Rohm fossem colocados em prática, a S.A. colocaria na sombra o Partido Nacional Socialista e o Chefe de Estafe da S.A. eclipsaria o Führer do partido. Rohm não compreendia o quão perigoso era ser alguém no qual Hitler uma vez havia dependido e que poderia depender novamente se ele, Rohm, fosse bem sucedido.
Esta criatura áspera e viciosa era menos servil a Hitler do que os outros líderes nazistas; de fato, ele tentou honestamente converter Hitler ao seu próprio credo e, falhando, não abandonou sua agenda, mas buscou abertamente outros aliados.

Ele não aprovava o clamor de Hitler pela tirania total, condenando por exemplo a destruição dos sindicatos; pela mesma razão, ele se aproximou de Gregor Strasser – afastado de Hitler porque ele não havia rejeitado os avanços de Schleicher – e manteve contato com ele.

Várias vezes Rohm entreteve o embaixador italiano naquele inverno, e viu o francês no final de fevereiro: ele não hesitou em explicar a François-Poncet que a S.A. não constituía nenhuma violação do Tratado de Versalhes.

Durante aquele mês, contudo, Hitler e Blomberg raramente poderiam ser vistos – apesar de que como muitas outras coisas, estava longe de estar claro para as pessoas na época – conseguindo uma barganha. Em 2 de fevereiro, o Reichswehr excluiu seus oficiais judeus utilizando os mesmos expedientes adotados pelo Serviço Público, e a suástica tornou-se parte de sua insígnia. Em 28 de fevereiro, veio a resposta de Hitler.

Em um encontro no Departamento de Guerra, na Bendlerstrasse em Berlim, entre os líderes do Reichswehr e da S.A., ele declarou que o novo exército popular deveria ser baseado no Reichswehr, que no futuro deveria supervisionar todas as atividades da S.A.; o Reichswehr teria, então, o monopólio de portar armas na Alemanha. Blomberg e o maior admirador de Hitler entre os generais, Reichenau, podem muito bem ter acordado antes da sucessão de Hitler a Hindenburg.

Não há realmente evidência autêntica; mas após 28 de fevereiro, Rohm foi supostamente ouvido dizer por testemunhas que Hitler era um asno, e que a S.A. ignoraria sua decisão. Uma das testemunhas era Viktor Lutze, um líder da S.A. que odiava Rohm; Hitler, entretanto, disse a Lutze que as coisas deveriam se acalmar. Assim, em 5 de junho, Hitler teve uma longa conversa com Rohm que o deixou “satisfeito” – Hitler assim o viu.

O desgosto evidente de Hitler pelo programa da S.A., que foi chamado por seus oponentes de revolução permanente, encorajou alguns dos mais conservadores escrupulosos a preparar um protesto contra os métodos da S.A. que Hitler também havia condenado.

Hindenburg estava agora em seu octogésimo sétimo aniversário e no início de maio ele ficou doente, partindo para Neudeck em 4 de junho, no caso de uma última vez. Sua morte era esperada a qualquer momento, e isto forneceria a oportunidade para a restauração monárquica; um dos netos do Kaiser era visto como possível sucessor.

Junto com a monarquia, a supressão do terrorismo, um judiciário independente e certamente uma liberdade de expressão tal como existia antes de 1914 poderiam ser assegurados.

Muitos jovens, assim como a geração mais velha, condenaram o liberalismo do período Weimar, mas sem nenhuma intenção de abandonar o Estado de Direito (Rechsstaaf), e muita opinião educada em relação ao lado “nacional” das coisas foi genuinamente constrangida pelo terrorismo da S.A. – a SS, sendo até o momento uma subsidiária da S.A., não atraíra muita atenção.

Vários representantes destes conservadores sensatos – alguns dos quais sobreviveram em 1934, mas foram executados após o atentado contra Hitler em julho de 1944 – trabalharam na vice-chancelaria de Papen, notavelmente um jovem escritor protestante chamado Edgar Jung e um católico, Herbert Von Bose. Jung certamente tinha inteligência e eloquência. Ele esboçou um discurso, que Papen então proferiu na Universidade de Marburg no domingo, em 17 de junho.

O discurso foi interrompido com a necessária ovação a Hitler; mas ele francamente deplorava a condição sufocada da imprensa alemã, a qual, ele manteve, deveria existir para informar e criticar.

“O Estadista ou político,” continuou Papen, “pode reformar o Estado, mas não a vida... O Estado pode favorecer uma interpretação da história, mas não pode sujeitá-la, já que a história depende de pesquisa precisa que não pode ser desprezada... Estamos ameaçados por permanente revolução...

Assim, me parece que o Estado alemão deveria logo ser governado por um chefe de estado que está acima da batalha política... A ditadura de um único partido... parece-me uma condição transitória somente justificável tanto quanto o novo regime exigir e até que novos compromissos estejam em operação.”

Papen continuou com o lamento pela retirada da Alemanha da comunidade dos outros países cristãos da Europa.

“Não devemos nos fechar intelectualmente dentro de nossas fronteiras e nos aposentar em nosso próprio gueto... Inteligência inferior ou primitiva não justifica uma batalha contra o intelectualismo. E se resmungamos contra os nacionais socialistas radicais, estamos pensando naqueles que, sem raízes próprias, desejam privar os intelectuais do mundo conhecido dos meios de existência porque os intelectuais não são membros do partido... E não deixe ninguém discordar que intelectuais são desprovidos de vitalidade... para confundir vitalidade com brutalidade é curvar-se à força de uma maneira perigosa...”

É impossível estar certo se Papen compreendeu o discurso que Jung redigiu para ele; mas ele o leu completamente. Aqueles presentes mal podiam acreditar em seus ouvidos. A edição seguinte do Frankfurter Zeitung publicou o texto; mas após isso, Goebbels tratou de suprimi-lo completamente na Alemanha.

A imprensa do jornal católico Germania imprimiu o texto e distribuiu algumas cópias; e o discurso foi espalhado através de rumores com a ajuda no sul de um bom resumo que apareceu no Neue Freie Presse de Viena em 19 de junho. Quando, em 24 de junho, Papen apareceu em Hamburgo para um encontro sobre raça, pessoas de todos os lugares e o saudaram com um Heil Marburg!

Jung e Bose deviam estar esperando que esta situação encorajasse opinião moderada no Reichswehr – ainda a mais poderosa instituição na Alemanha – para decidir-se em favor da restauração da monarquia. Um punhado de homens resolutos e implacáveis, contudo, estavam preparando um caminho diferente, e o discurso em Marburg e as notícias de Neudeck mostraram-lhes que eles não tinham mais tempo a perder.

O melhor aliado nesta conjuntura era o próprio Papen. Jung e Bose induziram-no a fazer o discurso em Marburg; mas eles não puderam persuadi-lo a viver de acordo com ele. Quando ele foi a Hitler para protestar contra sua supressão e demitir-se da posição de vice-chanceler, Hitler foi capaz de mudar sua cabeça. O Führer tinha, de fato, acabado de voltar de seu primeiro encontro com Mussolini em Veneza em 15 e 15 de junho, um encontro que Papen ajudou a acontecer.

Hitler, que deveria reportar-se ao presidente sobre sua visita à Itália em Neudeck em 21 de junho, sugeriu primeiramente que Papen deveria ir com ele. Ao ler as memórias de Papen, ficamos surpreendidos no modo no qual ele permitiu a Hitler jogar areia em seus olhos. Pelo fato do Führer em visitar Hindenburg sozinho e Papen ter-se permitido permanecer afastado.

Em 21 de junho, Hitler não tinha dúvidas que Hindenburg estava acabado – ele ostentou uma vez antes que, sendo quarenta anos mais novo, ele poderia dar-se ao luxo de esperar – e poderia ser isolado de outros “reacionários”; a partir de agora, Papen era informado que Hindenburg estava muito doente para vê-lo, apesar dele estar bem o suficiente para aprovar o que Hitler fazia.

Agora, desde que foi decretado por Hitler com a aprovação de Rohm que a S.A. deveria ser entrar em um mês de férias a partir do domingo, 1º de julho, as últimas medidas para organizar e justificar a destruição de seus líderes deve ser tomada.

Parece claro que virtualmente toda evidência direta em relação aos dias que conduzem a 30 de junho foi sistematicamente destruída; isto por si só tende a lançar suspeita sobre aqueles que estavam no topo. Por outro lado, há somente indicações deste ponto na mesma direção.

Em abril de 1934 o chefe da Polícia Secreta do Estado da Prússia (Gestapo), Diels, sob o comando de Göring, foi substituído por Himmler; assim, o controle deste último sobre toda maquinaria da polícia foi completa: seu mão direita era Reinhard Heydrich, o chefe do S.D. (Sicherheitsdienst ou serviço de segurança do NSDAP), que sucedeu Göring como chefe da Gestapo em Berlim.

Todos os relatórios enviados a Hitler e ao Reichswehr seriam avaliados, portanto, por Himmler e Heydrich, e todas as atividades de Rohm eram retratadas como perigosas. Mais surpreendente foi o comportamento do general Von Reichenau, chefe do Wehrmachtsamt e a força propulsora por trás do Ministério da Guerra.

Por que era necessário a Reichenau ter uma série de encontros com o novo chefe da Polícia Secreta e pelo menos um com Lutze? De onde os boatos de que a S.A. planejava um golpe vieram? Muitos membros da força podem ter dito coisas precipitadas, entre eles o próprio Ernst Rohm. Mesmo assim, nenhuma evidência de quaisquer preparações sérias jamais foi encontrada, apesar de ser útil a Hitler e a Himmler fornecê-la. Em 27 ou 28 de junho, Sepp Dietrich, chefe da guarda pessoal de Hitler, pediu ao Reichswehr ajuda para fornecer armas para uma tarefa secreta e importante de Hitler, e produziu simultaneamente uma lista supostamente compilada pela S.A. de pessoas que seriam provavelmente executadas pelos membros da força; no topo da lista estavam os nomes dos generais Fritsch e Beck, para os quais Sepp Dietrich estava respondendo.

Logo após isso, o chefe da S.A. na Silésia, Heines, foi capaz de convencer o comandante do Reichswehr da área, general Von Kleist, que ele, Heines, não sabia de nenhum plano de golpe, mas tinha informação de que o Reichswehr estava planejando uma ação contra a S.A. Kleist, portanto, voou para Berlim em 29 de junho para relatar a Fritsch e Beck, significando, quando ele o fez, o que era praticamente certo, que uma terceira parte – a SS, de fato – estava jogando o Reichwehr e a S.A. um contra o outro. Reichenau foi chamado.

Três dias antes ele teria dito que era o momento; mas em 29 de junho, ele lembrou que o que Kleist tinha dito estava tudo bem, mas agora era tarde demais. Naquela noite, Hitler, já a caminho, partiu para a ação. Caracteristicamente, após o que pareceu aos outros como um período de incerteza, mas na realidade uma de gestação, ele repentinamente compreendeu o massacre de todos aqueles que lhes pareciam obstrutivos ou irritantes.

No sentido de desviar a atenção, Hitler fez algumas visitas na Renânia em 28 de junho. O plano para combater o desemprego (Arbeitsbeschaffung) ainda não dera seus primeiros passos e, quando Hitler viu Krupp em Essen naquele dia, o último enfatizou a necessidade da ditadura econômica para evitar o caos – este foi sem dúvida um encorajamento bem vindo.

Na mesma noite, Hitler havia, de fato, telefonado para Rohm; e eles concordaram que uma reunião dos líderes da S.A., para a qual Hitler iria, seria realizada em Wiessee, próximo de Munique, onde Rohm estava de férias desde 7 de junho.

Rohm parecia contente com este acordo, que concentraria seus comandados em um local bem remoto à mercê de Hitler. Após semanas das injúrias de Goebbels contra os “censuradores e críticos” e o fluxo fresco de boatos desde o discurso de Papen em Margburg, e então no último dia ou próximo a ele a respeito das preparações do Reichswehr, um punhado de líderes da S.A. organizaram marchas e discursos em Munique por sua própria conta, ou mais provavelmente em resposta a ordens falsificadas por Heydrich.

Hitler chegou em Munique por avião às 4 horas da manhã de 30 de junho; e, enquanto ele rodava a cidade, sua raiva foi alimentada pela visão de alguns grupos remanescentes da S.A. na rua, que foram citados como representando a intenção da rebelião das Tropas de Assalto.

Cruzando com um par de oficiais da S.A. que vieram encontrá-lo, Hitler, com seu habitual charme barato, lembrou a dois oficiais da Reichswehr que este era o seu dia mais negro na vida, e que somente a lealdade de seu chefe, o general Von Blomberg, o sustentava naquela crise. Ele imediatamente prendeu e humilhou dois líderes proeminentes da S.A., Schneid-Huber e Schmid – isto aconteceu no Ministério do Interior da Baviera.

Hitler, então, rapidamente se dirigiu a Wiessee, onde Sepp Dietrich e seus homens haviam chegado com a ajuda do transporte do Reichswehr e se reuniram a membros da SS do campo de concentração de Dachau próximo. Às 6:45 da manhã, Rohm e aqueles que o acompanhavam foram retirados de suas camas e levados à prisão de Stadelheim nos arredores de Munique: aqui, muitos líderes da S.A., presos quando chegaram à estação de Munique para a conferência de Wiessee, se juntaram a eles.

No final da manhã, Hitler pronunciou um discurso furioso na Casa Marrom contra os vícios perigosos de Rohm e seus associados; nunca houve segredo sobre a homossexualidade de Rohm, mas de repente ela se tornou um crime. Havia aqueles que, nas próximas semanas, refletiram que, na SS triunfante, os homossexuais não eram de forma alguma desconhecidos. Após sua preleção, Hitler voou para Berlim.

Aqui, às 10 horas da manhã, Goebbels é conhecido por ter dado o “sinal” para Göring ir adiante. Uma reconciliação vazia entre Goebbels e Papen foi armada para o benefício dos jornalistas estrangeiros em 21 de junho; mas em 26 de junho, Edgard Jung, como eles iriam descobrir rapidamente, foi preso pela Gestapo.

Na manhã de 30 de junho, Papen foi proibido de deixar sua casa, enquanto que seu escritório foi vasculhado. Lá, Bose e três outros em seu estafe foram presos; e Bose e Jung foram fuzilados no mesmo dia. Entre outros assassinatos em Berlim estavam os de Gregor Strasser, de Klausener, uma figura de liderança da Ação Católica e um alto funcionário do Ministério dos Transportes, que foi morto em seu escritório, e do general Kurt Von Bredow, um amigo de Schleicher.

Vários dias na quinzena anterior, como uma testemunha mais tarde informou, um carro marrom-avermelhado conduziu seis homens, provavelmente com idades entre 25 e 30 anos, para a Pensão Lippmann, uma casa próxima da de Schleicher em Neubabelsberg, próximo a Postdam.

Ao meio-dia e meia de 30 de junho, o carro apareceu novamente; e dois de seus ocupantes – eles jamais foram identificados – abriram caminho pelo cozinheiro, que involuntariamente abriu a porta, em direção da sala onde Schleicher estava sentado numa cadeira, lendo: eles o executaram lá. Sua esposa estava repousando em uma sala adjacente, mas evidentemente tentou alcançá-lo e também foi executada. O carro marrom-avermelhado fugiu rapidamente.

A governanta dos Schleicher, Ottilie, deve então ter telefonado para alguns primos em Postdam, que enviaram a polícia. A Sra. Schleicher ainda estava viva quando a polícia chegou, e foi levada ao hospital, onde morreu. Um funcionário da justiça, o Dr. Grützner, chegou às 13:50 e examinou algumas testemunhas, incluindo o cozinheiro dos Schleicher. Indiscretamente, Grützner telefonou a um superior às 15:00 que o general Von Schleicher foi assassinado por motivos políticos.

Após isto, Himmler bloqueou quaisquer passos legais adicionais, reclamando que um advogado novamente havia interferido com a SS. Às 23:30, uma equipe da Gestapo, liderada por Freissler e Dohnanvi, visitou Grützner e obteve dele segredo.

Seis dos líderes da S.A. na prisão de Stadelheim foram executados na manhã de 30 de junho. Um número de outras pessoas foram mortas em Munique nos dias seguintes, a maioria por um grupo de membros da Legião Austríaca, liderada por um homem do S.D.; eles pareciam ter recebido ordens precisas da Gestapo em Berlim, isto é, de Heydrich.

Algumas das vítimas foram mortas em Dachau, ou no caminho até lá; e algumas, por nenhuma razão aparente, foram levadas a Berlim e fuziladas na escola de Cadetes no subúrbio de Lichterfelde, onde os executores de Göring estavam trabalhando.

Gustav Von Kahr, que, na visão de Hitler, o traiu em novembro de 1923, ouviu os rumores do fuzilamento dos primeiros seis líderes da S.A. e expressou satisfação, como muitos outros, já que a ordem havia sido restaurada. Entretanto, quase ao mesmo tempo, ele próprio foi preso e levado a Dachau, onde dois membros da SS se aproximaram dele e o lembraram de sua “traição” e o mataram.

Não foi até as 18:00 do domingo, 1º de julho, que Rohm, tendo recusado a se suicidar, teve a distinção de ser fuzilado em sua cela pelos dois chefes de Dachau, Lippert e Eicke, com Eicke lembrando “Camaradas importantes que arriscam suas cabeças têm que ser executados por camaradas importantes.”

Após alguns assassinatos na Silésia, que não foram autorizados por Hitler, o Führer declarou o fim da operação no início da manhã de segunda-feira, 2 de julho de 1934. Agora era possível rastrear os nomes das 83 pessoas mortas durante o final de semana, um número curiosamente próximo das 74 vítimas admitidas por Hitler diante do Reichstag em 13 de julho.

Na época, aqueles que não foram afetados, notaram com interesse que Goebbels ainda estava vivo; ele tinha sido, após tudo, um dos maiores detratores dos reacionários do reichswehr. Olhando para trás, é fácil ver por que Goebbels não estava em perigo. Ele havia subido ao poder às expensas de Gregor Strasser e não tinha boa relação com Rohm.

Mais tarde, ele tornou-se indispensável a Hitler e, embora não sem o espírito, estava pronto para toda bajulação do Führer. Talvez, também, ele melhor do que ninguém entendeu que a concentração de poder que estava acontecendo e estava satisfeito em se identificar com ela.

Na terça, 3 de julho, a edição setentrional do Völkischer Beobachter publicou uma declaração, escrita por Reichenau, de acordo com a qual Rohm e Schleicher conspiraram juntos e com um Estado estrangeiro, e Schleicher foi morto porque havia resistido à prisão.

É claro que o ódio eterno de Hitler estava direcionado contra Schleicher, que havia concebido a ideia de cooperação entre o Reichswehr, os sindicatos e os nazistas moderados liderados por Gregor Strasser, uma ideia que ele, Schleicher, foi incapaz de realizar. Desde que Hitler o sucedeu como Chanceler, Schleicher foi altamente indiscreto, enquanto que sua reputação para a intriga tinha, de qualquer forma, encorajado a Gestapo a ficar de olho nele.

Mas eles não tinham nenhuma evidência de qualquer tipo de cooperação entre Schleicher e Rohm; de fato, eles estavam provavelmente cientes de que Rohm condenava as atividades “reacionárias” de Schleicher. Apesar de ambos terem visitado o embaixador francês, não havia nada a respeito de seus encontros que pudesse ser classificado como “conspiração”. Quanto ao assassinato de Schleicher, vimos que ele foi deliberado.

Assim, ao escrever o anúncio no Völkischer Beobachter, Reichenau tornou a si mesmo e ao Reichswehr responsáveis, não somente pelo fornecimento das armas, barracas e transporte para os assassinos de 30 de junho, mas também por falsificar a justificação para seus crimes. Reichenau pensava que isso valia a pena no sentido de ter o monopólio militar para o Reichswehr, como Hitler havia antecipado em 28 de fevereiro.

Na mesma terça-feira, 3 de julho, cerca de duzentos homens que conduziram os assassinatos foram homenageados na presença de Himmler em Berlim, agradecidos por seus serviços, presenteados com adagas gravadas com o nome de Himmler e com juramento de segredo (sob a pena de morte) mesmo entre eles; aqueles que pertenciam ao SD foram promovidos. Himmler tinha todos os motivos para celebrar a ocasião.

“A Noite das Longas Facas” garantiu o controle complete da SS sobre todos os órgãos policiais na Alemanha; a rivalidade da S.A. foi eliminada; quanto a Lutze, que sucedeu Rohm, estava preparado para pegar um lugar secundário e obedecer Himmler. A SS agora estabeleceu seu próprio Estado dentro do Estado. Além disso, apesar de sua promessa ao Reichswehr, Hitler permitiu a formação de uma divisão armada da SS obediente a Himmler, não a Blomberg: este foi o início da Waffen SS.

O mais significativo de tudo, talvez, tenha sido o decreto publicado no mesmo dia por Hitler e seus ministros, de acordo com o qual “as medidas tomadas para suprimir os atos traiçoeiros e sediciosos em 30 de junho e 1º e 2 de julho de 1934, tornam-se leis para a defesa do Estado em uma emergência.”

Quando Hindenburg morreu em 2 de agosto, o Führer automaticamente tornou-se presidente do Reich, assim como seu Chanceler, e cada membro do Reichswehr fez um juramento de lealdade pessoal a ele. Além do assassinato de dois generais, ato impensável na Alemanha, Hitler quebrou sua promessa de que o Exército manteria o monopólio militar.

As tropas de assalto foram as ferramentas que ele precisava para chegar ao poder. Em 1934, ele usou a destruição de seu poder para enganar e domesticar o Reichswehr, enquanto ao mesmo tempo a SS tomava todo controle político, fornecendo os meios para a tirania total de Hitler.



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sábado, 6 de junho de 2015

[POL] O Incêndio do Reichstag: A História de uma Lenda

A.J.P. Taylor

History Today, Vol. 10, Nº 8, agosto 1960


Na noite de 27 de fevereiro de 1933, o prédio do Reichstag em Berlim foi incendiado e consumido pelas chamas. Isto foi um golpe de sorte para os nazistas. Apesar de Hitler ter sido apontado Chanceler pelo presidente Hindenburg em 30 de janeiro, os nazistas não tinham uma maioria parlamentar, mesmo com seus aliados nacionalistas.

O Reichstag foi dissolvido; e os nazistas começaram uma campanha eleitoral raivosa. Eles ainda estavam em dúvida sobre o sucesso. Eles mal precisaram usar o perigo vermelho. Em 24 de fevereiro, a polícia invadiu a sede do partido comunista. Foi anunciado que eles descobriram planos para uma revolução comunista. Evidentemente, eles não descobriram muita coisa: os alegados documentos subversivos nunca foram publicados.

Então veio o incêndio do Reichstag. Aqui foi onde o medo vermelho realmente aconteceu. No dia seguinte, Hindenburg promulgou um decreto emergencial “para a proteção do Povo e do Estado”. As garantias constitucionais de liberdade individual foram suspensas. Os nazistas foram autorizados a estabelecer um reino legal de terror.

Graças largamente a isto, eles e os nacionalistas fizeram uma grande maioria nas eleições gerais de 5 de março; e, em seguida, primeiro o Partido Comunista, e então todos os partidos exceto o Nacional Socialista foram tornados ilegais. O incêndio do Reichstag foi o prelúdio essencial para a ditadura de Hitler.

Quem cometeu o ato decisivo? Quem na verdade começou o incêndio do Reichstag? Os nazistas disseram que foi trabalho dos comunistas. Eles tentaram estabelecer este veredicto no julgamento dos supostos incendiários diante da Corte Suprema em Leipzig. Eles falharam. Dificilmente qualquer um acreditaria que foi obra dos comunistas.

Se não foram os comunistas, então quem foi? As pessoas fora da Alemanha, e muitos dentro dela, pensaram numa resposta simples: os próprios nazistas. Esta versão foi geralmente aceita. Ela aprece nos livros de história. Os historiadores mais respeitados, como Allan Bullock, a repetem. Eu mesmo a aceitei inquestionavelmente, sem olhar para a evidência.

Um servidor público aposentado, Fritz Tobias – um antinazista – recentemente olhou a evidência. Ele publicou seus resultados no semanário alemão Der Spiegel, de onde eu tirei a informação. Eles são surpreendentes. Aqui está a história.

Pouco antes das vinte e uma horas de 27 de fevereiro, um estudante de teologia chamado Hans Floter, agora um professor universitário em Bremen, estava indo para casa após um dia na biblioteca. Quando ele atravessou o espaço aberto em frente ao Reichstag, ele ouviu o som de vidro quebrado. Ele olhou para o alto, e viu alguém escalando o Reichstag através de uma janela no primeiro andar. Caso contrário, o local estava deserto.

Floter correu para o canto e encontrou um policial. “Alguém está invadindo o Reichstag.” Os dois homens voltaram correndo. Através da janela, eles viram não somente uma figura, mas também chamas. Era 21:03. Floter cumpriu sua missão. Ele voltou para casa para a janta e deixou a história. Outro transeunte juntou-se ao policial: um jovem tipógrafo chamado Thaler, que coincidentemente foi um social-democrata. Ele morreu em 1943.

Thaler gritou: “Atire, homem, atire!” O policial ergueu seu revólver e disparou. A figura desapareceu. O policial correu para o posto policial mais próximo e acionou o alarme. O horário foi registrado como 21:15. Em minutos a polícia invadiu o Reichstag. Às 21:22, um policial tentou entrar na Câmara de Debates. Ele foi afastado pelo calor das chamas. Às 21:27, a polícia descobriu e prendeu um jovem seminu. Ele era holandês e se chamava Marinus van der Lubbe.
Enquanto isso, a brigada de incêndio também foi acionada. O primeiro relatório alcançou-os às 21:13. O primeiro caminhão chegou ao Reichstag às 21:18. Houve atrasos inevitáveis. Somente uma porta lateral foi mantida destrancada após às 20:00.

Os bombeiros, que não sabiam disso, foram à porta errada. Então, eles perderam tempo apagando pequenos incêndios nas passagens. Houve confusão quando um alarme tocava após o outro. A força total da brigada de incêndio de Berlim – cerca de sessenta caminhões – foi mobilizada somente às 21:42. Naquele momento, o prédio inteiro estava irreparavelmente perdido. Ele permanecia em pé, mas como uma casca vazia.

Houve um alarme de outro tipo. Transversalmente à rua do Reichstag estava a casa de seu presidente, o líder nazista Göring. Mas este não havia ainda se mudado para lá. A casa, ou palácio, estava desocupada exceto por um flat no topo que Göring havia emprestado para Putzi Hanftstängel, um alpinista social ligado aos nazistas. Hanftstängel olhou por sua janela e viu o Reichstag queimando. Ele sabia que Hitler e Goebbels estavam em uma festa próxima do local. Ele ligou para Goebbels.

Goebbels achou que era mais uma das piadas de Hanftstängel e desligou o telefone. Hanftstängel ligou novamente. Goebbels checou com o Reichstag e descobriu que a notícia era verdadeira. Em poucos minutos, ele e Hitler e uma multidão de funcionários nazistas também estavam no Reichstag.

Um jornalista inglês, Sefton Delmer, conseguiu se misturar a eles. Hitler estava ao seu lado todo frenético: “Isto é um complô comunista, o sinal de uma rebelião. Todo comunista será fuzilado. Os parlamentares comunistas serão enforcados!”

Talvez ele já estivesse antevendo as vantagens. Se for assim, aqueles ao seu lado foram todos enganados. Para eles, Hitler parecia surpreso, ultrajado e mesmo temente.

Van der Lubbe foi levado à delegacia mais próxima. Ele foi interrogado até as três da manhã. Então, ele dormiu, recebeu um café da manhã e às 08:00 interrogado novamente. Ele deu respostas claras e coerentes. Ele descreveu como ele entrou no Reichstag; onde ele iniciou o incêndio, primeiro com a ajuda de quatro isqueiros, então tirando suas roupas e colocando fogo nelas.

A polícia verificou sua estória indo ao Reichstag de acordo com sua declaração portando um cronômetro. Eles descobriram que ela se encaixava precisamente com o momento de sua prisão.

Van der Lubbe estava convicto sobre seu motivo. Ele esperava que todo povo alemão protestaria contra o governo nazista. Quando isto não aconteceu, ele percebeu que somente um indivíduo deveria fazer seu protesto.

Apesar de o incêndio do Reichstag ter sido certamente um sinal de protesto objetivando uma revolta – um “farol” como ele o chamou – este se restringiu a uma pessoa. Ele negou veementemente que tivesse quaisquer associados. Ele não conhecia nenhum nazista. Ele não era comunista – isto é, ele não era membro do partido comunista. Ele era, de fato, um socialista com pontos de vista vagamente de esquerda.

Van der Lubbe também descreveu seus movimentos durante as semanas anteriores, deslocando-se através da Alemanha de uma pensão para outra; ele mesmo descreveu as lojas onde ele adquiriu os isqueiros e fósforos. Aqui, também, a polícia checou sua estória. Todo detalhe estava correto. Os oficiais de polícia concluíram que ele tinha algum problema mental, mas era inteligente, com um senso preciso de local e direção.

Seus interrogadores eram profissionais experientes, sem qualquer comprometimento político. Eles se convenceram que ele falava a verdade e que havia posto fogo no Reichstag sozinho. Os oficiais da brigada de incêndio também concordaram com isso, pois na medida em que poderiam dizer o Reichstag queimou exatamente com van der Lubbe o disse.

Isto não se aplica a Hitler e a outros líderes nazistas. Eles se comprometeram desde o primeiro momento com o ponto de vista de que o incêndio do Reichstag foi um plano comunista. Independentemente de acreditarem ou não nisto, isto deveria ser mantido para o público alemão.

Quando van der Lubbe foi a júri, quatro outros o acompanharam: Torgler, líder do grupo comunista no reichstag, e três comunistas búlgaros que viviam na Alemanha, um deles o famoso Dimitrov.

O julgamento diante da Suprema Corte em Leipzig teve pouco a ver com van der Lubbe. Ele foi encontrado no Reichstag; ele começou o incêndio; as evidências contra ele estavam tão claras que valia pouco a pena prosseguir. O promotor público e o governo nazista por trás dele estavam preocupados em colocar a culpa em quatro comunistas. Eles falharam completamente.

Torgler esteve em seu escritório mo Reichstag até as 20:00. Então, ele foi embora; testemunhas o viram ir. Tudo então ficou quieto no Reichstag. Não houve evidência ligando-o a van der Lubbe. Quanto a Dimitrov e os outros dois búlgaros, não havia nenhuma evidência para ligá-los tanto a van der Lubbe quanto ao fogo. Isto foi embaraçoso aos juízes da Suprema Corte. Eles eram advogados conscientes, não nazistas. Eles não condenariam indivíduos sem evidência. Mas eles desejavam agradar ao governo nazista onde nenhuma injustiça flagrante a indivíduos parecia estar envolvida.

A Suprema Corte, assim, escutou complacentemente enquanto os supostos especialistas demonstraram que o incêndio não poderia ter começado por somente um homem. Talvez a Suprema Corte mesmo acreditasse nos especialistas, como algumas vezes os juízes acreditam. Estes especialistas não eram bombeiros, policiais ou cientistas forenses. Eles eram professores de química e criminologia, que teorizaram a respeito do incêndio, sem mesmo visitar o Reichstag.

Van der Lubbe estava desesperado. Ele queria abalar o governo nazista. Ao invés disso, ele consolidou sua ditadura e, também, envolveu pessoas inocentes. Pela maior parte do tempo, ele permaneceu em arrasado, com sua cabeça afundada em seu peito. Algumas pessoas associaram isso ao uso de drogas. Fisiologistas independentes que o examinaram acharam que não havia nada de errado com ele, exceto desespero.

Uma vez ele se manifestou. Por seis horas, ele tentou convencer os juízes que ele havia iniciado o incêndio sozinho. Ele falou de forma clara, coerente e precisa. Um observador holandês – ele próprio um juiz criminal experiente – ficou convencido de que van der Lubbe estava falando a verdade.

Os juízes alemães pensaram o contrário. Com um preconceito inabalável, eles partiram para a intimidação. Como, eles perguntaram, ele podia se opor à evidência das testemunhas especialistas? Van der Lubbe respondeu: “Eu estava lá, e não eles. Eu sei como pôde ter acontecido porque eu o fiz.”

A Corte Suprema chegou a um veredicto estranho. Van der Lubbe foi considerado culpado, e, apesar de o incêndio culposo não ser um crime capital quando ele cometeu sua transgressão, Hitler o tornou pela retroatividade da lei. Van der Lubbe foi assim sentenciado à morte e executado por decapitação.

Os quatro comunistas foram absolvidos, mas os juízes lembraram que van der Lubbe deve ter tido assistentes. O Reichstag, portanto, foi queimado por pessoas desconhecidas; e os nazistas tiveram que se satisfazer com a implicação de que estas pessoas misteriosas, nunca vistas e sem deixar nenhum rastro, eram comunistas.

Tem havido uma reclamação na Alemanha, e principalmente nos países comunistas, que o Sr. Tobias, ao ressuscitar o caso, limpou a barra dos nazistas. Mesmo que isso fosse verdade, isto é culpa daqueles que produziram o Livro Marrom[1], e não o Sr. Tobias. Este é o pior tipo de falsificação.
Mas a nova versão não absolve, de fato, os nazistas. Mesmo que eles não tenham tido nada a ver com o incêndio, mesmo que eles acreditassem verdadeiramente que foi trabalho dos comunistas, isto não justifica suas subsequentes ilegalidades e reino do terror. Eles continuam sendo maus como sempre foram.

Mas o caso deveria mudar nosso pensamento sobre os métodos de Hitler. Ele estava longe de ser o planejador detalhista que geralmente é pensado ser. Ele tinha um gênio para a improvisação; e seu comportamento em relação ao incêndio do Reichstag foi um exemplo maravilhoso disto. Quando tornou-se Chanceler, ele não tinha nenhuma ideia como transformaria sai posição constitucional em uma ditadura. A solução apareceu diante dele como um raio quando ele olhou as ruínas chamuscadas do Reichstag naquela noite de fevereiro.

O incêndio foi, em suas próprias palavras, “uma oportunidade caída dos céus”; e podemos concordar com ele que chegou-lhe nas mãos por um evento externo, apesar de dificilmente ser dos céus. Este é o modo como a história trabalha. Os eventos acontecem aleatoriamente; e os homens então os moldam segundo um padão. Van der Lubbe ateou fogo no Reichstag; mas a lenda de que os nazistas o fizeram provavelmente continuará indestrutível.

Nota:

[1] O Livro Marrom do Terror Nazista foi escrito pelo chefe de propaganda do Partido Comunista Alemão (KPD) Willy Münzenberg em conjunto com o comunista e agente soviético tcheco Otto Katz.


quinta-feira, 4 de junho de 2015

[HOL] O Plano Madagáscar da Alemanha Nazista, há 75 anos atrás

Evan Andrews

History in the Headlines, 03/06/2015




No verão de 1940, a Alemanha Nazista arquitetou um esquema aparentemente estranho: exilar a população judaica da Europa na ilha africana de Madagáscar. Apoio à proposta surgiu após a emissão de um memorando de 3 de junho do Departamento do Exterior Alemão e foi colocado quase imediatamente em ação antes de as vitórias aliadas na Segunda Guerra Mundial o tornassem inviável. Setenta e cinco anos após ter sido proposto, é interessante relembrar o plano de deportação brutal que precedeu os horrores do Holocausto.

“A vitória próxima dá a Alemanha a possibilidade, e sob muitos aspectos também a obrigação, de resolver a Questão Judaica na Europa. A solução desejada é: todos os judeus fora da Europa.” Assim foi como Franz Rademacher, chefe do “Setor Judaico” do Departamento do Exterior Alemão iniciou o memorando para o Alto Comando Nazista no verão de 1940. No documento que se seguiu, ele desenvolveu um audacioso plano para banir milhões de judeus europeus para a ilha africana de Madagáscar. O esquema previa que a cidadania europeia dos judeus fosse revogada e sua propriedade e riquezas pessoais fossem confiscadas para ajudar no estabelecimento do novo “superguetto” no Oceano Índico. Uma vez reassentados, seriam governados por uma força policial da SS. Rademacher argumentou que a escolha da ilha poderia ser vendida como propaganda para mostrar ao mundo a “generosidade” do povo alemão. Em uma nota mais sinistra, ele acrescentou que “os judeus permanecerão sob jugo alemão como uma promessa de bom comportamento para os membros de sua raça na América.” Os judeus de Madagáscar não seriam apenas exilados – eles também seriam reféns.

A proposta de Rademacher foi a mais ambiciosa das várias tentativas do Terceiro Reich de Hitler de expulsar os judeus. Assim que assumiram o poder no início dos anos 1930, os nazistas implementaram uma série de políticas repressivas antissemitas que retirou dos judeus seus direitos e forçou muitos deles a deixar o país. A perseguição piorou após o início da Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas começaram a obrigar os judeus a viver em campos e guetos. Seguindo o plano abortado de transformar o distrito polonês de Lublin em uma reserva gigante judaica, os alemães desviaram seu foco em direção de remover os judeus de todo o continente. Em uma carta de maio de 1940 para Hitler, o chefe da SS Heinrich Himmler expressou seu desejo “... que o conceito de judeu será completamente extinto por meio da possibilidade da emigração em larga escala de todos os judeus para a África ou qualquer outra colônia.”

Madagáscar apresentava-se como um destino possível em maio e junho de 1940, quando as forces alemãs começaram a avançar pela Europa Ocidental. A vitória sobre a França parecia iminente, e com ela veio a dominação sobre seu vasto império colonial, que incluía Madagáscar e outras partes da África. Franz Rademacher enviou o primeiro de vários memorandos sobre o “Projeto Madagáscar” em 3 de junho, e a ideia rapidamente se espalhou entre os vários níveis da hierarquia nazista. A aprovação de Adolf Eichmann e do Ministro do Exterior Joachim Von Ribbentrop e a menção dele por Hitler num encontro com Benito Mussolini ajudaram a divulgá-lo ainda mais. Na Polônia, a construção de guetos foi temporariamente interrompida em antecipação ao plano, já que eles não seriam mais necessários. Os líderes judeus foram informados sobre o plano num encontro secreto no começo de julho, e não demorou muito para alcançar as ruas. Adam Czerniakow, um funcionário judeu em Varsóvia, notou que um burocrata alemão lhe disse que “a guerra estaria terminada em um mês e que todos nós estaríamos sendo enviados para Madagáscar.”

Por incrível que pareça, a ideia de colocar os judeus em Madagáscar não era nova. O plano foi originalmente proposto em 1885 pelo acadêmico alemão Paul de Lagarde, cujos escritos tiveram uma grande influência em Hitler. Ele foi mais tarde adotado por uma grande variedade de políticos e figuras antissemitas na Europa, algumas das quais acreditavam erroneamente que os judeus eram ancestrais dos nativos malgaxes da ilha. Em 1937, o governo polonês chegou a enviar uma missão a Madagáscar para investigar a possibilidade para um novo lar judeu. A delegação formada por judeus voltou convencida de que as temperaturas sufocantes e a infraestrutura quase inexistente a tornava uma péssima escolha, e eles estimaram que ela seria capaz de abrigar somente poucas centenas de famílias.

Se Madagáscar poderia manter de forma segura um fluxo maciço de imigrantes era de pouca importância para os nazistas no verão de 1940. Em agosto, Rademacher, Eichmann e outros submeteram várias propostas revisadas ao Alto Comando nazista. Seus planos solicitavam provisões para uma colônia judaica em Madagáscar como parte de um tratado de paz com os franceses. Os alemães reassentariam e compensariam os colonos franceses que viviam lá, e então começariam a mover os judeus para a ilha após a guerra a uma taxa de 1 milhão por ano. Para dar uma ilusão de propriedade, os judeus assentados em Madagáscar teriam direito a ter seu próprio prefeito, agência de correios e força policial, ainda que o poder real estivesse nas mãos de um governador indicado pelos nazistas. Grandes partes da ilha também receberiam bases militares alemãs.

Muitos líderes alemães viam o Plano Madagáscar como uma resposta ideal à assim chamada “Questão Judaica”, mas em setembro de 1940, seu futuro parecia incerto. O esquema dependia essencialmente da rapidez com que os nazistas conquistavam a Europa, e seu progresso empacou junto com seus exércitos. O principal problema era a Grã-Bretanha, que suportou teimosamente o ataque aéreo durante a Batalha da Inglaterra. Os nazistas esperavam se apropriar da Marinha Real para transportar os judeus para Madagáscar, mas com a Grã-Bretanha ainda de pé, a logística de repente tornou-se impossível. A Alemanha não tinha navios suficientes para forçar a deportação por sua própria conta, e os navios de guerra aliados tornavam os caminhos marítimos intransponíveis. No final de 1940, o plano foi interrompido, porém não esquecido. O tiro de misericórdia foi dado em maio de 1942, quando forças britânicas desembarcaram em Madagáscar em uma invasão anfíbia chamada “Operação Ironclad” A ilha caiu em mãos aliadas no final do ano.

No final, nenhum judeu foi enviado à África como parte do Plano Madagáscar. Historiadores ainda debatem o que teria acontecido se os judeus tivessem sido levados para lá, mas não há dúvidas de que teria sido brutal. Muitas pessoas teriam sucumbido diante das doenças tropicais ou fome devido à falta de recursos e aqueles que sobrevivessem teriam sido sujeitos a abuso ou morte nas mãos da SS. Com isto em mente, muitos estudiosos argumentam que o reassentamento era uma sentença de morte. Outros ponderam que era um subterfúgio para mascarar as reais intenções de Hitler em exterminar os judeus[1]. Pelo menos, foi uma ação em direção da infame “Solução Final” que logo se seguiria. Menos de um ano após o Plano Madagáscar ter sido abandonado, os campos de extermínio foram criados e o Holocausto começou.

Nota:

[1] Se o objetivo era exterminar os judeus, por que todo o trabalho de transportá-los para uma ilha distante? Será que os líderes poloneses também pensavam assim quando elaboraram seu próprio “Plano Madagáscar”? Este plano deveria resolver definitivamente a “Questão Judaica”. Fico imaginando quantas vidas teriam sido salvas com esse reassentamento e como seria hoje o Oriente Médio se Israel não existisse.


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