sábado, 21 de dezembro de 2019

[POL] Os intelectuais fascistas de Mussolini

Rodrigo Constantino


Falar em “fascismo” hoje em dia é complicado, pois tudo que não é socialismo virou fascismo na boca dos socialistas. Como Churchill alertara, “os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas”, e o futuro chegou. Além disso, qualquer grupo violento, agressivo, como até mesmo uma torcida organizada de futebol, é chamado de “fascista”. Mas o que é o fascismo? Qual a sua origem?

É o que tenta responder James Gregor em Mussolini’s Intellectuals, livro fundamental para quem se interessa pelo assunto. Ele mergulha nas ideias dos principais nomes por trás do fenômeno que surgiu na Itália naquele começo do século 20, para mostrar que havia uma coerência ideológica por trás da coisa, que não se tratou apenas de brutamontes distribuindo pauladas, mas de pensadores, alguns renomados, construindo uma ideologia totalitária com resultados perversos.

A primeira coisa que chama a atenção é que quase todos os líderes intelectuais do fascismo foram marxistas. Houve uma conversão, em muitos casos após a Primeira Guerra Mundial, quando esses pensadores perceberam que o conceito universal de classe não era suficiente para atrair o proletário para a luta, uma vez que o apego à nação falava mais alto. O fascismo trocaria classe por nação, mas manteria inúmeras outras características do marxismo, a começar por seu coletivismo que ignora o indivíduo, meio sacrificável para esse “bem geral”.

Até mesmo Gramsci, um dos principais pensadores comunistas italianos, reconheceu que inicialmente o fascismo fez oposição ao socialismo não porque era antissocialista, mas porque o socialismo oficial da época foi contra a entrada da Itália na guerra. Para Mussolini, ele mesmo um jovem socialista, essa oposição surgiu pelo sentimento antinacionalista equivocado dos socialistas. Mussolini, como outros fascistas, achava que era perfeitamente possível combinar ambos – socialismo e nacionalismo.

Uma confusão comum advém do fato de que os fascistas não desejavam, como os socialistas, derrubar completamente o capitalismo. Para os marxistas, que acreditavam no determinismo histórico, qualquer um que tentasse reabilitar o capitalismo de alguma forma só podia ser um reacionário, ainda que os próprios marxistas reconhecessem a importância do capitalismo como etapa do progresso. Colocar-se contra o “curso inevitável da história” era coisa de gente irracional e contraditória, segundo os marxistas.

Já os fascistas também desejavam fins semelhantes, só que pretendiam usar o capitalismo, ainda que sob o total controle estatal, como instrumento desse progresso coletivo. Pensadores como Giovanni Gentile e Roberto Michels traçaram o arcabouço fascista antes da chegada de Mussolini ao poder, com a mistura de um nacionalismo idealista e um sindicalismo revolucionário.

O uso da violência associada ao fascismo não muda sua origem idealista, da mesma forma que o “socialismo real” também justificou a violência, mas não altera o idealismo marxista original. Tanto o fascismo como o marxismo não são somente violência pura: ela jamais teria o verniz de aceitação que teve, como um meio legítimo, sem os pilares ideológicos a sustentando, sem a utopia final vendida aos iludidos.

Os fascistas eram marxistas heréticos, pois achavam que o instrumental marxista não bastava para levar um país pouco industrializado como a Itália rumo ao progresso. Eles queriam “modernizar” a indústria italiana para executar a “revolução proletária” e um programa de distribuição de riquezas mais “justo” e igualitário. O capitalismo industrial de Estado era, portanto, apenas um meio para seu fim coletivista e socialista.

O fascismo pegou um sentimento legítimo – o patriotismo e a busca por pertencimento – e o transformou em algo totalmente diferente: um nacionalismo coletivista que buscava o “renascimento” da Itália de outrora, uma “Terceira Roma” que resgatasse a civilização decadente, a moralidade perdida num mundo cada vez mais materialista e sem propósito. O individualismo era o alvo dos fascistas e o ressentimento em relação a outras potências mais avançadas era o combustível desse nacionalismo.

A democracia representativa corrupta e ineficiente era um obstáculo a essa meta ambiciosa. Em seu lugar, era preciso colocar os mais capazes, os mais competentes. Os fascistas desprezavam os mecanismos imperfeitos e entediantes do Parlamento, preferindo colocar em seu lugar uma elite “esclarecida” que falasse diretamente em nome do Povo. Nada muito diferente do que pregavam os marxistas, com sua “ditadura do proletário” como fase intermediária até a “abolição do Estado”.

A democracia representativa e a economia liberal seriam alvos dos ataques tanto dos sindicalistas revolucionários como dos marxistas e fascistas, pois impediam “grandes feitos” e corrompiam a consciência política das massas. A democracia se mostrou incapaz de entregar o potencial da nação, descambando para o populismo, e somente uma liderança autoritária que colocasse a nação como prioridade poderia destravar todo esse potencial, para criar a “Itália proletária”.

Na economia, a influência seria de gente como o alemão Friedrich List, defensor de um nacional-desenvolvimentismo que condenava o liberalismo e pregava o protecionismo estatal como alavanca para o futuro radiante. O governo era a grande locomotiva do progresso e, por isso, Mussolini resumiu sua ideologia assim: “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado”.

Quando estudamos os intelectuais que criaram o fascismo como ideologia, fica mais claro o absurdo da acusação que a esquerda faz aos liberais e conservadores. Que uma ala minoritária da dita “direita” possa ter cores fascistas até é verdade, mas porque os extremos se tocam. São muito mais parecidos com seus “arqui-inimigos” marxistas e socialistas do que esses gostariam.

“Para qualquer um que soubesse alguma coisa sobre Mussolini, estava claro que havia muito pouco que fosse conservador, liberal ou politicamente democrático em suas convicções mais fundamentais”, afirma Gregor. Diante disso tudo, resta evidente que, quando um socialista acusa um liberal de “fascista”, está seguindo a tática de Lenin de atacar os outros na frente de um espelho.


[SGM] Hitler nunca teve condições de ganhar a guerra

Jacinto Antón


Acha mesmo que o Tigre era um tanque ruim? Diante da primeira pergunta, lançada de sopetão com ânimo combativo e que invoca nesta tarde cinza o lendário e temido carro de combate alemão, James Holland sorri e se acomoda em seu assento; está em seu terreno, seu campo de batalha: o nível operacional.

Holland (Salisbury, Reino Unido, 1970) é um popularíssimo especialista na Segunda Guerra Mundial, autor de numerosos livros sobre o conflito – entre eles o fascinante Heroes (Harper, 2006), uma apaixonante galeria de combatentes em todas as frentes e armas, e de The Rise of Germany (A Ascensão da Alemanha), primeiro volume de uma trilogia que revê, a partir de novas e “refrescantes” perspectivas, o que sabemos ou acreditamos saber sobre essa guerra. O estudioso afirma (e argumenta) que a Alemanha de Hitler não tinha condições de ganhar a Segunda Guerra Mundial, que seu exército era um gigante com pés de barro, e nem sequer tão gigante, e que a Blitzkrieg foi uma miragem. Ele investiga meticulosamente, do ponto de vista da história econômica e social além da militar, os recursos e o armamento de ambos os lados, da produção de aviões até os detalhes mais ínfimos das metralhadoras – como a aclamada MG 34, muito boa, sim, mas cujo cano precisava ser trocado constantemente porque superaquecia, incluindo a análise dos uniformes: os dos alemães eram, certamente, mais vistosos, mas o país gastou neles recursos que simplesmente não tinha. The Rise of Germany não esquece, entretanto, a dimensão humana do conflito. Suas páginas estão cheias de testemunhos de primeira mão tanto de combatentes como de civis, de um comandante de submarino e um Fallschirmjäger (paraquedista) alemães a um empresário do aço norte-americano, passando por um sapador australiano, um fazendeiro britânico e uma atriz francesa.

Voltemos ao Tigre. “Se o colocar em um campo de futebol com um Sherman do outro lado, o Tigre vai ganhar, evidentemente. Mas há um grande porém: era um tanque incrivelmente complexo. Seu sistema de transmissão, a suspensão e a tração eram muito complicados. E só foram fabricadas 1.347 unidades (às quais seria preciso somar as 492 do modelo aperfeiçoado Tigre II ou Königstiger, Tigre Rei). Os aliados fabricaram 4.900 unidades do Sherman e mais 17.000 chassis que serviram para diferentes usos militares. Além disso construíram oficinas móveis e todo o necessário para consertá-los em campo. O Shermann dispunha de um sistema estabilizador que lhe permitia efetuar disparos certeiros sobre qualquer terreno, uma tecnologia de que os alemães careciam. Tendemos a julgar os tanques pelo tamanho de seu canhão e pela espessura de sua blindagem, ignorando aspectos mais sutis, mas muito relevantes. Se a prioridade dos alemães era o canhão grande e a blindagem espessa, britânicos e norte-americanos preferiram a confiabilidade e a facilidade de manutenção. Se fosse preciso trocar a suspensão de um Sherman, o acesso é fácil, mas se houvesse problema em um Tigre, era preciso desmontar inteiramente as esteiras e as rodas. Era tudo muito sofisticado. E o que acontece quando você coloca um recruta novato de 18 anos em um veículo desses? É como dar uma Ferrari a alguém que acabou de tirar a carteira de motorista: na primeira quebra a caixa de câmbio. E a de um Tigre era algo dificílimo de consertar”.

Holland observa que, durante a Operação Goodwood em julho de 1944 na Normandia, os aliados perderam 400 tanques especialmente pela ação dos Tigre, sim, mas já tinham desembarcado 3.500 e, em três dias, 300 dos 400 avariados já estavam reparados e de volta ao combate. “Isso mostra a diferença entre aliados e alemães na forma de entender a guerra. A manutenção dos alemães era muito pobre. Mais de metade de suas perdas de tanques na Segunda Guerra Mundial se deveu a falhas mecânicas. Acrescenta que um Shermann gastava dois galões de combustível por milha. Enquanto o Tigre consumia quatro galões por milha. “E qual era o recurso de que menos dispunham os alemães? Combustível. Que sentido faz construir tanques de 56 toneladas então?”

O debate sobre o Tigre exemplifica o procedimento adotado por Holland. “Procuro olhar para o nível operacional, introduzir esse ponto de vista na narrativa da Segunda Guerra Mundial, em que predominaram as perspectivas da estratégia (os objetivos) e da tática (o combate e a forma de realizá-lo). De algum modo, o aspecto operacional – porcas, parafusos, munição, equipamento, recursos – é o que relaciona ambas. Isso foi deixado de lado, mas não se pode ler uma campanha como a da Normandia, por exemplo, contando apenas as decisões dos generais ou as experiências dos soldados, com pouca ou nenhuma explicação de como se desenvolviam operacionalmente as batalhas. É como tentar comparar o Tigre e o Sherman apenas no campo de futebol. Sempre nos concentramos na batalha, mas não em como funcionavam as armas.”

E os uniformes. “Por isso também lhes dou muita atenção. Passam muita informação sobre a atitude de um país em guerra. A jaqueta alemã chegava até a coxa, enquanto a jaqueta de combate britânica apenas até a cintura. Os alemães gastavam 30 centímetros a mais de lã que não servia para nada, exceto para fins estéticos. É a diferença entre um Estado militarista, a Alemanha, e um Estado em guerra, o Reino Unido. Para os alemães a aparência, o look, era tudo. As botas de couro de cano alto são um estorvo em combate e se desgastam, mas são estilosas, sem dúvida. Os britânicos tinham uma visão prática. Os alemães preferiam pavonear-se, isso é muito nazista.”

Holland afirma em The Rise of Germany que o exército alemão não era o prodígio que acreditávamos. Diz que estava mal preparado para uma guerra sem quartel, pouco equipado, escassamente mecanizado (ainda dependia dos cavalos e dos pés dos soldados), pouco treinado, que era inferior inclusive ao britânico. Isso sem falar da carência de recursos naturais da Alemanha. Apesar disso, começaram ganhando, e muito. Foi sorte? “Não inteiramente. Foram apostas muito arriscadas de Hitler. Mas essas vitórias não foram suficientes. A Polônia era fraca. A queda da França se deveu 50% ao brilhantismo militar alemão e 50% à incompetência francesa.” Esse parece um ponto de vista muito britânico. “Os britânicos têm muita admiração pelos alemães”, ironiza Holland, “e também pelos franceses, quase na mesma medida.”

Em todo caso, "o Estado nazista, sua construção, era muito frágil, e seu exército, apesar das aparências, também. Nada, exceto uma vitória total, servia à Alemanha. Ir para a guerra em 1939 foi um risco excessivo. Quando olhamos para os êxitos da Blitzkrieg, adotamos um ponto de vista muito terrestre. Mas, desde o início, a luta no mar e a luta no ar não eram favoráveis. A Marinha alemã já havia sido destruída pela Royal Navy desde a campanha norueguesa e pela Luftwaffe, na Batalha da Inglaterra. Nem os submarinos foram tão bem-sucedidos como se pensava. Provavelmente, a Batalha do Atlântico é a mais importante da guerra".


[POL] O fascismo no Brasil


Maurício Brum


Por muito tempo, Plínio Salgado parecia destinado a ocupar um lugar de destaque na literatura. Amigo do escritor modernista Menotti del Picchia, dedicou-se à poesia na juventude. Aos 22 anos, escreveu um dos sonetos mais citados pelos seus seguidores, a Canção das Águias, que termina com um chamado à batalha: “Grita, forceja, anseia e combate impoluta!/ Morre a lutar!/ Morre na luta!/ Mas, antes de morrer, tenta ainda voar!”

Nascido em 1895 na pequena cidade de São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo, Salgado era filho de um coronel de Exército e de uma professora primária, e publicou seus primeiros textos em um jornal semanal que ele próprio fundou – o Correio de São Bento. Sua obra de estreia foi o livro O Estrangeiro. Mas Salgado também quis, desde muito cedo, seguir uma carreira política. Em 1918, ajudou a fundar o Partido Municipalista, que reunia lideranças locais do Vale do Paraíba. As inclinações políticas o levaram à capital paulista. Lá, passou a escrever no Correio Paulistano e teve contato com as ideias do movimento modernista, em especial a vertente “verdeamarelista”, que valorizava a cultura nacional. Salgado criou então o chamado Grupo da Anta (o nome peculiar homenageava o animal que, segundo ele, era o mais importante na tradição tupi) e se dedicou cada vez mais a trabalhar em prol de uma “revolução nacionalista”.

Talvez o livro que mais bem resuma os dois interesses de Salgado seja uma coletânea de título sugestivo: Literatura e Política, lançado em 1927, reunia ensaios defendendo que as mudanças vistas ao longo da história são definidas pelas duas tradições. Ou seja, era necessário que os pensadores de um país “despertassem” para uma nova literatura e um novo pensamento político. Nessa época, Plínio já começava a se aproximar dos conceitos de unidade e valorização da raça que estavam em moda na Europa. No caso brasileiro, entendia, deveríamos exaltar os índios tupis, os autênticos representantes da identidade nacional. Se os nazistas buscavam a pureza racial, o caminho para formar um povo brasileiro “legítimo” era a miscigenação. Em 1928, foi eleito para um cargo político pela primeira vez: deputado estadual em São Paulo pelo Partido Republicano Paulista.

A guinada definitiva à direita se deu após uma visita à Itália, em 1930, quando conheceu de perto o regime de Benito Mussolini e concluiu que um sistema semelhante levaria o Brasil ao progresso. Curiosamente, Salgado regressou da Europa em 4 de outubro, um dia depois do movimento revolucionário que levaria Getúlio Vargas ao poder. Plínio havia apoiado Júlio Prestes, adversário de Vargas nas eleições.

Soldados de Deus e da Pátria

A chegada nada democrática de Vargas ao Palácio do Catete deu início a um flerte do governo federal com as ideias fascistas tão caras a Plínio Salgado. Mas ele entendia que era preciso avançar mais para se chegar a um Estado totalitário como a Itália. Por isso, em 1932, com um documento conhecido como o Manifesto de Outubro, a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi fundada por Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso. Plínio foi escolhido como chefe nacional do movimento.

O discurso exaltava o nacionalismo, atacava o comunismo, defendia a necessidade de um partido único nacional e acrescentava tons de antissemitismo à mistura. Embora eles não pregassem abertamente a perseguição aos judeus, documentos integralistas afirmavam que a ruína econômica daqueles anos que seguiram a crise da bolsa de valores de Nova York em 1929 era causada pelo “capitalismo internacional” liderado pelo judaísmo. A organização também investia pesado em uma simbologia que incluía a cor verde, saudações e braçadeiras que lembravam as dos nazistas (veja o quadro ao lado). “O integralista é o soldado de Deus e da Pátria, o homem-novo do Brasil que vai construir uma grande nação”, prometia a AIB.

Os integralistas também sonhavam com uma “democracia orgânica”, na qual o voto deixaria de ser individual e passaria a representar setores da sociedade – geralmente, organizações de classe. Os sindicatos seriam mais adequados para representar os cidadãos do que os partidos existentes, de acordo com a filosofia integralista. Em vários aspectos, a ideologia se aproximava do pensamento do Partido Nazista da Alemanha, que também tinha “sucursais” no Brasil. Em algumas cidades, as sedes de ambos chegavam a funcionar lado a lado.

Apesar dessa proximidade, a Ação Integralista tentava – ao menos publicamente – se diferenciar dos alemães. Para consolidar sua ideologia nacionalista, era fundamental que fosse vista como um movimento inteiramente nacional, e não um subproduto de ideias estrangeiras. Havia, de fato, algumas distinções entre a AIB e os nazistas, como o conceito de raça e de participação política. Enquanto os nazistas não tinham interesse em participar de eleições no Brasil, a AIB sempre lançou candidatos. No que diz respeito à raça, a política de miscigenação promovida pelos integralistas causava calafrios nos nazistas, que temiam ser forçados a abandonar a homogeneidade étnica de suas comunidades em um eventual governo de Plínio Salgado.

Os integralistas tiveram sucesso meteórico em um Brasil que mudava rapidamente. A Revolução de 1930 enterrou de vez a “política do café com leite”, a alternância de paulistas e mineiros aristocratas no poder, e deixou um vácuo ocupado por novos movimentos no País – grupos que, agora, buscavam seduzir setores tradicionalmente excluídos do jogo eleitoral. Com um discurso contrário às oligarquias e aos “coronéis”, os integralistas rapidamente conquistaram apoiadores, não apenas entre homens de classe média (como seus fundadores), mas também de grupos que até então não costumavam ter voz na política, como mulheres, negros e jovens. Numa época em que os partidos podiam existir apenas em nível estadual, os dois extremos do espectro político cresceram vertiginosamente ao apostar em campanhas de filiação nacionais. O objetivo era, mais cedo ou mais tarde, suceder Vargas. De um lado, estavam os comunistas e sua Aliança Nacional Libertadora (ANL). Do outro, como alternativa conservadora ao regime, os integralistas.

Nos anos 1970, o historiador Hélgio Trindade entrevistou ex-membros da AIB a respeito de suas motivações para se juntar ao movimento quatro décadas mais cedo: anticomunismo, admiração pelos fascismos europeus e oposição ao regime de Vargas eram as principais bandeiras. Um ano depois da fundação da AIB, mais de 40 mil pessoas marcharam nas ruas de São Paulo para apoiar a candidatura do jurista Miguel Reale, ainda pouco conhecido, à Assembleia Constituinte de 1934. Aos 24 anos, Reale não foi eleito, mas os resultados vieram. Em 1936, o sucesso eleitoral em todo o País fez com que aquele ficasse conhecido como o “ano verde”: a AIB elegeu 20 prefeitos e cerca de 500 vereadores, além de quatro deputados estaduais, obtendo 250 mil votos no País inteiro – um número importante em uma época em que o sufrágio não era universal, e apenas 2,5 milhões de eleitores votavam. Nesse período, o total de integralistas no Brasil era estimado entre 600 mil e 1 milhão.

Às vésperas das eleições presidenciais prometidas por Getúlio Vargas para 1938, Plínio Salgado despontava como um dos candidatos mais fortes. A tendência era que concorresse ao cargo com o então governador de São Paulo, Armando Sales de Oliveira, candidato de oposição, e contra o situacionista José Américo de Almeida, ex-ministro dos Transportes de Vargas. Os três já traçavam suas estratégias quando, em novembro de 1937, o golpe do Estado Novo deu fim às pretensões.

Fascista, eu?

O golpe jogou na clandestinidade todos os partidos do Brasil. Enquanto Vargas dava início à fase mais ditatorial e repressora de seu longo governo, os integralistas fizeram duas tentativas desesperadas de tomar o poder: em 11 de março de 1938, tentaram ocupar uma estação de rádio e se infiltrar na Marinha do Rio de Janeiro, conquistando oficiais para a causa, mas não tiveram sucesso. Dois meses depois, em 11 de maio, veio a ação mais cinematográfica: um ataque ao Palácio da Guanabara, residência presidencial, com o objetivo de depor Vargas. Cerca de 80 integralistas conduziram a intentona, que foi facilmente debelada pelas tropas do governo.

O fracasso do Levante Integralista foi o enterro definitivo do grupo. Os líderes foram presos – Salgado negou qualquer envolvimento, mas também foi detido. Em junho de 1939, partiu para o exílio em Portugal, de onde só voltou sete anos mais tarde, quando Vargas havia deixado o poder. No retorno, após as derrotas de Hitler e Mussolini e a condenação de suas ideologias no mundo inteiro, o grande líder da extinta Ação Integralista se esforçou para esconder seu passado fascista, mas não abandonou a política: fundou o Partido de Representação Popular e continuou presente na vida nacional por mais três décadas.

Integralistas do século 21

O integralismo renasceu no Brasil em 2004, com a formação da Frente Integralista Brasileira (FIB), em um congresso realizado com o apoio da Casa de Plínio Salgado, entidade que busca preservar a obra do político. A FIB segue a doutrina dos integralistas originais, mas afirma não ser um partido político e nem ter laços com as siglas atuais, pois “atualmente não há qualquer partido que se aproxime das ideias integralistas”, segundo afirma em seu site oficial.



Anauê!

As simbologias integralistas eram uma forma de distinguir seus membros e disciplinar a militância, além de disseminar os valores do grupo.

1- Sigma: presente na bandeira do movimento, é um símbolo matemático que representa a soma de várias partes, uma analogia aos membros da AIB e à ideia de um Estado único e integral.    


2- Lema: Deus, Pátria e Família. Representam, respectivamente, aquele que guia o destino dos povos, o nosso lar e “o início e o fim de tudo”.


3- Bandeira: seu azul simbolizava “distância”, significando que o movimento não tem as limitações políticas dos partidos tradicionais, enquanto o branco seria o somatório de todas as cores (a ideia de união) e a pureza dos integralistas.


4- Anauê: saudação com o braço direito erguido, trazendo similaridade com o “Heil” nazista. Vem do tupi e significa “você é meu irmão”.


5- Hinos: o oficial chamava-se Avante, com letra de Salgado. O refrão prometia: “Avante! Avante!/ Pelo Brasil toca marchar/ Avante! Avante!/ Nosso Brasil vai despertar”. Era considerado a segunda música mais importante, abaixo do Hino Nacional, que não era cantado inteiro pelos integralistas – o verso “deitado eternamente em berço esplêndido” era evitado, entendendo que o País deveria estar sempre em pé para encarar os desafios.

Espártaco Contra Roma



Roma estava alarmada em 72 a.C. A poderosa metrópole de 1 milhão de habitantes, que esmagava exércitos inimigos por toda a costa do Mediterrâneo, não sabia como deter uma simples revolta de escravos. O núcleo da rebelião era formado por 74 prisioneiros que haviam fugido de uma escola de gladiadores (ludus) em Cápua, no sul da Itália. E em dois anos o bando se agigantou: agora já eram uns 60 mil escravos que espalhavam o terror na península. Os revoltosos impunham derrotas humilhantes às legiões romanas, armados com espadas, lanças, adagas, arados e o que mais pilhavam pelo caminho. O líder da turba era um mestre das táticas de guerrilha, que exibia um capacete de bronze como todo gladiador de sua categoria. Seu nome: Espártaco.

Aquela não foi a única e nem mesmo a mais longa revolta de escravos da Antiguidade. Mas sem dúvida foi a mais famosa. Hoje, 2 mil anos depois, Espártaco sobrevive na cultura popular como símbolo da luta contra a opressão. Nisso ele se parece com Che Guevara - um nome que todo mundo conhece, mas que poucos realmente sabem quem foi. O fascínio pelo gladiador rebelde tem crescido desde o filme Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick e estrelado por Kirk Douglas, mas sua fama já vinha de antes. Voltaire, um dos expoentes do Iluminismo, escreveu numa carta em 1769 que sua rebelião era "uma guerra justa, de fato a única guerra justa da história".

Quem foi Espártaco? Por que ficou tão conhecido quanto Júlio César, embora não saibamos nem ao menos seu verdadeiro nome?

De soldado a gladiador

 

"Espártaco continua sendo um enigma. Não deixou nada registrado, e seus seguidores tampouco escreveram alguma coisa", diz o historiador americano Barry Strauss no livro The Spartacus War ("A Guerra de Espártaco"). As narrativas sobre ele vêm de autores gregos e romanos que deram o ponto de vista dos nobres, não dos escravos. Gente como Plutarco (c.46-120), Apiano (c.95-165) e Floro (c.74-130), cujos relatos são curtos e escritos mais de 200 anos após a revolta. "Mesmo assim, os documentos não deixam dúvida: Espártaco era real", afirma Strauss.

O termo latim Spartacus vem do grego Sparadakos (Σπάρτακος), algo como "Famoso por sua espada". As fontes concordam que nosso herói era um trácio - oriundo da Trácia, que hoje corresponderia a partes da Bulgária, Grécia e Turquia. Segundo Apiano, ele serviu no exército romano, virou prisioneiro e depois escravo. Já Floro diz que Espártaco era um soldado que desertou, tornou-se bandido e foi então vendido como gladiador. Em geral, gladiadores eram escravos que haviam cometido crimes. Ser enviado a uma ludus, portanto, era uma punição comum para um cativo. Mas Plutarco diz que Espártaco foi enviado à escola de Cápua sem ter cometido crime algum - o que teria motivado ainda mais sua revolta.

"A ideia de que Espártaco serviu no exército de Roma pode indicar uma tentativa romana de explicar por que foi tão bem-sucedido. Afinal, ele teria aprendido com as tropas suas técnicas militares", diz a historiadora Theresa Urbainczyk, professora de história clássica na University College Dublin, na Irlanda. "Mas eu diria que, se ele de fato combateu nas fileiras romanas, então Roma saberia como derrotá-lo. Foram seus planos pouco convencionais que, em boa parte, levaram ao seu sucesso."

Seja como for, o fato é que em 73 a.C. Espártaco vivia confinado naludus de Cápua, a 16 km de Nápoles. E como todo gladiador, ele pertencia ao estrato mais baixo da sociedade - comparável ao das prostitutas. "Gladiador era sinônimo de sexo, violência e morte na Roma antiga", diz Urbainczyk, lembrando que em latim gladiussignificava tanto "pênis" quanto a espada curta que esses guerreiros usavam. Os combates no anfiteatro tinham um valor simbólico: representavam a consolidação do poder romano sobre as demais nações e a natureza.

Leões, elefantes e outras feras faziam parte da exibição dos gladiadores, onde brutamontes seminus morriam para o regozijo da multidão alvoroçada. Alguns poucos se tornavam bem populares, tal qual um Messi da época. Podiam até mesmo ganhar um belo dinheiro, mas sua condição social continuava ultrajante. Arriscavam a vida em cada embate para que o público se divertisse. E não passavam de escravos como qualquer outro. Assim, ao treinar e capacitar esses combatentes sanguinários, sem vínculos com a sociedade, Roma acabou fazendo-lhes um favor. Espártaco e seus companheiros aprenderam em Cápua as melhores técnicas para o manejo de armas. E naquele 73 a.C., eles decidiram que era hora de lutar pela própria liberdade.

Facas de cozinha

 

Lentulus Batiatus quase desmaiou ao saber da notícia. Ela era o dono da escola de Cápua e não podia acreditar que seus 74 gladiadores haviam escapado da ludus munidos apenas de facas e espetos de cozinha. "Talvez o plano original fosse mais elaborado, já que utensílios domésticos não pareciam adequados para enfrentar os soldados que vigiavam esses lutadores profissionais", diz Urbainczyk. "Mas a sorte estava do lado rebelde." Uma vez fora da escola, os insurgentes confiscaram uma carroça cheia de escudos, espadas e armaduras e se dirigiram ao sul, rumo ao vulcão Vesúvio - que estava calmo naquele ano (só entraria em erupção em 79, dizimando Herculano e Pompeia). Acamparam num platô da cadeia montanhosa, a 1 100 metros de altitude, e ali escolheram três líderes: Espártaco (o principal), Crixus e Oenomaus. Segundo Plutarco, o grupo era formado sobretudo por gauleses, trácios e germanos - todos "bárbaros" aos olhos de Roma. E ali mesmo no Vesúvio eles derrotaram os soldados que chegaram de Cápua para detê-los, apoderando-se de suas armas.

Roma então colocou o pretor (magistrado) Gaio Claudio Glabro com 3 mil soldados no encalço dos rebeldes. Gaio montou guarda ao pé do Vesúvio, esperando rendê-los quando descessem para buscar água e comida. Mas eles baixaram rapidamente por uma encosta coberta de vinhedos e surpreenderam os romanos pela retaguarda, botando-os para correr. Espártaco também usou ataques-surpresa para fustigar as tropas de outro pretor, Publius Varinius, que teve o cavalo capturado e quase não saiu vivo da missão. Com a vitória sobre Varinius, a fama de Espártaco ecoou por toda a Itália.

A revolta cresceu nos meses seguintes. Espártaco libertou escravos rurais do sul da Itália, e até mesmo homens livres se uniram ao bando. Os rebeldes se equipavam com adagas e punhais que roubavam de viajantes e pilhavam as provisões dos latifúndios que invadiam. "O que começou como um motim de 74 homens armados com espeto e cutelos se transformou numa revolta de milhares. Um ano depois, a força contaria com cerca de 60 mil soldados rebeldes", diz Strauss. Era gente à beça. Segundo o autor, a tropa rebelde equivalia a 4% da população de escravos da Itália (1,5 milhão). "Para ter uma ideia, a rebelião de Nat Turner nos EUA, em 1831, só reuniu 200 dos 4 milhões de escravos americanos (ou 0,005%)", afirma.
Além das técnicas de gladiador e da provável experiência no exército romano, Espártaco levava consigo a herança da Trácia, onde a guerra era a profissão mais honrada para um homem. Os trácios eram ases da cavalaria e da guerra de guerrilhas: usavam armaduras leves e praticavam táticas de "ataque e fuja", que deixavam o pesado exército romano vulnerável. Roma se limitava à estratégia de contrainsurgência. Tentava localizar, isolar e erradicar um inimigo que evitava confrontos diretos e preferia emboscadas.

"As antigas fontes descrevem Espártaco como um homem de paixão, sedento de liberdade e vingança. No entanto, suas ações contam uma história diferente: ele não era cabeça-quente, e sim um homem de emoções controladas", diz Strauss. "Era um político que tentava manter unida uma coalizão que todo o tempo ameaçava sair de seu controle." Mais: Espártaco sempre dividia a comida e as armas de maneira equitativa, o que contribuiu para sua enorme popularidade.

Fugitivo ou revolucionário?

 

Revoltas de escravos não eram novidade na Itália, mas costumavam ser pequenas e restritas. As duas anteriores que alcançaram a dimensão de guerras - por volta de 135-132 a.C. e 104-100 a.C. - haviam se limitado à Sicília. Mas desta vez era diferente: os escravos guerreavam no coração da Itália continental e ameaçavam até mesmo atingir Roma. Além disso, eram liderados por gladiadores. Ok, mas qual era o real objetivo de Espártaco? Ele buscava acabar com a escravidão no Império Romano? Essa questão divide os especialistas. Segundo o arqueólogo americano Darius Arya, CEO do Instituto Americano para a Cultura Romana, Espártaco não queria mudar a sociedade da época. "Ele não foi um sujeito como Martin Luther King (líder do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA). Essencialmente, o que Espártaco queria era sair de Cápua e se ver livre do controle romano", diz Arya. "Mas também é certo que ele libertou muitos escravos, ficou famoso no sul da Itália e gerou medo entre os proprietários de terras."

Urbainczyk diz que nunca saberemos a real intenção de Espártaco. Portanto, seria apressado negar que ele desejava abolir a escravidão ou que fosse um revolucionário. "Ao analisar as rebeliões de escravos da Antiguidade, notamos que as visões das pessoas mudam à medida que lutam - elas começam a repensar sobre o que querem, mesmo que no início apenas desejem se vingar ou escapar. E não há nenhuma dúvida de que Espártaco conduziu uma revolta de escravos", afirma.

O trajeto dos rebeldes também intriga os estudiosos. Ao deixar o Vesúvio, eles rumaram para o sul da península, cruzaram para a costa leste e dali seguiram para o norte até os Alpes - um percurso de quase 500 km, combatendo as forças romanas. Se Espártaco desejasse apenas se ver livre dos antigos amos, teria fugido da Itália. No entanto, após atingir os Alpes ele misteriosamente deu meia-volta. Passou perto de Roma sem atacá-la (se houve um plano, foi abortado) e assentou a tropa no sul do país.

Em toda essa jornada, o apoio das províncias italianas foi fundamental para o sucesso da guerrilha. Isso porque Roma inspirava um crescente ressentimento em todas elas. Como a metrópole não podia recrutar soldados romanos suficientes para suas expedições militares, geralmente recorria a tropas aliadas. Mas os italianos, embora devessem prover soldados para lutar por Roma, não tinham voz nas decisões políticas nem desfrutavam de sua riqueza. "Os italianos ficaram felizes ao permitir que um inimigo de Roma passasse por seu território", diz Urbainczyk. "Isso ajuda a explicar por que o exército de Espártaco sobreviveu por tanto tempo."

A sociedade romana ficava numa sinuca de bico quando estourava uma rebelião de escravos, pois dependia deles para funcionar. Cada família estava rodeada de escravos em cada minuto do dia, às vezes dezenas deles. Guerras contra escravos eram diferentes: ao matá-los, os romanos destruíam sua própria riqueza e a perda era imensa. Talvez por isso Roma demorou tanto para reagir de forma contundente à revolta dos gladiadores comandados por Espártaco.

A hora da verdade

 

Depois de mais de dois anos de luta, o poder de Espártaco já representava uma grande ameaça à estabilidade de Roma. Suas tropas haviam derrotado os exércitos de dois pretores e dois cônsules com relativa facilidade. O grupo rebelde crescia a cada dia, atraía novos escravos e gerava temor dos Alpes até o sul da península. "Com medo, os proprietários de terra romanos estabeleceram uma antiga lei: se descobrissem que um escravo planejava matar a família que o possuía, dez outros escravos seriam mortos", diz Arya.

Como se não bastasse, Roma enfrentava duros combates nas fronteiras de seus domínios. Um deles era contra o rei Mitrídates VI, da Ásia Menor (atual Turquia), cujas tropas resistiam por 15 anos. Na Hispânia (Península Ibérica), o general romano Quintus Sertorius tinha trocado de lado e liderava um regime separatista com apoio dos habitantes locais. Ao mesmo tempo, nas costas da Ilha de Creta, no atual litoral grego, a marinha romana combatia piratas que saqueavam seus barcos. Roma derrotou todos esses desafios. Mas faltava dar cabo de Espártaco.

Assim, em 73 a.C., o Senado convocou o nobre Marcus Lissinius Crassus para esmagar de vez a revolta. Crassus reuniu 8 legiões romanas, quase 40 mil homens, e marchou para o sul da Itália. A missão começou mal: Crassus mandou o general Mummius com duas legiões para a retaguarda de Espártaco e ordenou que aguardasse novas ordens. Mas Mummius decidiu atacar e foi derrotado. Para evitar novas desobediências, Crassus impôs o método do decimatio: com a tropa dividida em grupos de dez, um homem era sorteado para ser espancado até a morte pelos outros nove.

Foi uma punição brutal, mas depois dela Crassus começou a ganhar as batalhas e empurrou o bando de Espártaco até a região da Lucânia, bem ao sul da Itália. Ali, parte dos rebeldes desertou e foi atacado por Crassus, mas Espártaco veio em socorro e repeliu os romanos. No entanto, a derrota da rebelião era questão de tempo. O general estava decidido a desbaratar o grupo, pois tinha um motivo pessoal para isso: a concorrência com o general romano Pompeu, que estava com o prestígio em alta após sufocar o regime separatista de Sertorius na Hispânia. Crassus precisava derrotar o gladiador antes que Pompeu retornasse à Itália, para não correr o risco de o general rival lhe roubar a vitória.

Acuado, Espártaco também aplicou métodos de punição. Segundo Apiano, ele crucificou um prisioneiro para mostrar a seus homens o destino que teriam se perdessem ou desobedecessem. Não há detalhes sobre os embates, mas sabemos que Crassus fez a tropa rebelde retroceder até o extremo sul da Itália, onde desferiu o golpe final. "Espártaco foi ferido, mas lutou até morrer. Tantos rebeldes foram mortos que não foi possível contar seus corpos", diz Urbainczyk. "Os romanos perderam cerca de mil homens - menos do que Crassus teria perdido se fizesse outro decimatio entre sua tropa."

Depois de Espártaco, os romanos tomaram precauções para evitar novas rebeliões desse tipo. Reforçaram medidas de segurança nas escolas de luta, por exemplo. Mas os gladiadores não saíram de cena. Ao contrário: na era imperial (27 a.C.-476 d.C.), os jogos se tornaram ainda mais exuberantes. Era preciso mostrar na arena que Roma ainda mantinha o maior poder militar da Terra.

Craques da arena

 

Esqueça os embates selvagens dos filmes de Hollywood. Os jogos dos gladiadores não eram um banho de sangue gratuito, e sim superproduções cuidadas nos mínimos detalhes, com direito a árbitros, aquecimento e fiscalização das armas. Pelo menos é o que afirma o historiador Alfredo Mañas, da Universidade de Granada, na Espanha, em seu recente livro Gladiadores, el Gran Espetáculo de Roma. Segundo Mañas, alguns gladiadores ganhavam fortunas - como Lionel Messi ou Mike Tyson. Os mais famosos raramente eram mortos em combate, mesmo que perdessem. "Seria como matar Messi por perder um jogo ou Tyson por cair no ringue", diz o historiador.

Mañas também afirma que houve algumas mulheres gladiadoras. Ele concluiu isso ao analisar uma estátua de bronze de 2 mil anos que integra o acervo do Museu de Artes e Ofícios de Hamburgo, na Alemanha. A estátua retrata uma mulher de peito desnudo que segura um artefato curvo. Como ela apanha o objeto com a mão levantada e olha para o chão, num típico gesto de vitória dos romanos, Mañas concluiu que não se trata de um artefato de higiene, e sim de uma arma - talvez uma sica usada por Espártaco.

A historiadora Theresa Urbainczyk concorda com Mañas, mas lembra que essas foram inovações feitas no período imperial, ou seja, a partir do ano 27. Sob o imperador, os escravos romanos podiam se tornar muito ricos e possuir escravos também. "A revolta de Espártaco ocorreu durante os anos 70 a.C., portanto ainda no final da República. E não há evidência de nenhum aspecto glamouroso dos gladiadores nessa época", diz ela. "Mesmo se usarmos a analogia dos jogadores de futebol hoje, há de fato alguns milionários como Messi, mas a imensa maioria dos atletas atuais levam uma vida sem riqueza e ostentação."

Thraex x Murmillo

 

Espártaco era provavelmente um gladiador da categoria thraex ("Trácio"), típica de homens ágeis que levavam armamento leve. Ele lutava descalço ou de sandália e com o peito descoberto, mostrando as tatuagens que trácios como ele (originários da Trácia, atual Bulgária) exibiam no corpo. Em geral, um thraex combatia um oponente de cada vez, e de outra categoria. Os adversários mais comuns eram os murmillos - lutadores pesadões que carregavam entre 16 e 18 kg de armas e apetrechos na arena. No combate entre esses gladiadores, o ruído que mais se ouvia era o dos escudos chocando-se entre si. Veja os principais equipamentos de cada um.

Thraex

• Espada curva (sica) com uma lâmina de até 45 cm.
• Capacete de bronze protegido com visor e adornado com um grifo (animal mitológico que aludia à divindade da Trácia).
• Uma espécie de tanga de lona, o subligaculum
• Braçadeira de metal ou algodão (manica) no braço que empunhava a espada
• Pequeno escudo arredondado ou quadrado (parmula)



Murmillo

• Capacete de bronze protegido com visor, adornado com uma crista.
• Escudo grande e retangular com pontas arredondadas (scutum)
• Tanga de lona (subligaculum) com cinto grosso
• Braceletes e tornozeleiras.
• Espada com uma lâmina larga e reta (gladius), com cerca de 50 cm.



Admiradores de Espártaco

 

O líder rebelde cativou revolucionários, artistas e políticos - comunistas ou não

O escritor norte-americano Howard Fast, autor do livro que deu origem ao filme Spartacus (1960), foi preso por suas ideias de esquerda em plena era de caça às bruxas nos Estados Unidos, conhecida como McCartismo. Mas Fast não foi o único socialista a admirar Espártaco. Karl Marx viu no gladiador um modelo para a revolução proletária. E, em 1916, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e outros marxistas alemães fundaram a Spartakusbund (Liga Espártaco), que se opunha à entrada da Alemanha na Primeira Guerra. Já o compositor soviético Aram Khachaturian batizou de Spartacus um de seus balés, e com ele ganhou em 1959 o Prêmio Lênin, um dos mais prestigiosos da União Soviética.

"Diversos revolucionários não comunistas também admiravam o gladiador. Foi o caso de Toussaint Louverture, o herói da Revolução Haitiana - talvez a única revolução de escravos bem-sucedida da história", diz Barry Strauss. Giuseppe Garibaldi, um dos líderes da unificação da Itália e revolucionário no Rio Grande do Sul, escreveu o prefácio do romance Spartacus, de Raffaello Giovagnoli, que foi traduzido ao hebraico pelo militante sionista Vladimir Jabotinsky. Até mesmo Ronald Reagan, o presidente conservador norte-americano, citou Espártaco como exemplo de sacrifício e de luta pela liberdade.


[POL] “Estamos ensinando mentiras a universitários”

Dr. Jordan Peterson


Meu interesse primário sempre foi a psicologia da crença. Parcialmente crença religiosa, e ideologia como uma subcategoria da crença religiosa. Em um sistema religioso sofisticado, há uma polaridade positiva e negativa. Ideologias simplificam essa polaridade e, fazendo isso, demonizam e simplificam demasiadamente. 

As pessoas dizem que o marxismo real nunca foi tentado – não na União Soviética, nem na China, em Camboja, na Coreia, aquilo não era o marxismo real. Eu acho esse argumento especioso, chocante, ignorante, e talvez também malévolo ao mesmo tempo. Especioso porque [...] os horrores [do sistema soviético] eram uma consequência lógica das doutrinas embrenhadas no pensamento marxista. 

[...]o Projeto de Lei C-16 codifica construtivismo social no tecido da lei. O construtivismo social é a doutrina de que todos os papeis humanos são socialmente construídos. Eles são desvencilhados da biologia subjacente e da realidade objetiva subjacente. [...]Ele diz que a identidade é puramente subjetiva. Então uma pessoa pode ser homem em um dia e mulher no próximo, ou homem em uma hora e mulher na próxima.

Você não sabe por que usa os pronomes que usa. Você os usa porque todos os outros os usam – isso é uma convenção social. Então outra pessoa diz ‘é um sinal de respeito usar um pronome, e é um sinal de respeito usar o pronome de escolha de alguém.’ Esses são assaltos filosóficos de ampla escala. Primeiro, “ele” e “ela” não são sinais de respeito. Eles são os termos mais casuais possíveis. Se eu me refiro a alguém como “ele” ou se eu me refiro a alguém como “ela”, isso não é um sinal de respeito, é só categorização do tipo mais simples e óbvio. Não há nada sobre isso que seja individual, ou característico de respeito. Segundo, você não tem o direito de exigir de mim que eu fale qualquer coisa com relação a você que seja respeitoso. O melhor que você pode esperar de mim é neutralidade cética e confiança corajosa.

Neutralidade cética é ‘você é um balde de cobras, assim como eu. Entretanto, se você estiver disposto a manter sua palavra, e se eu estiver disposto a manter minha palavra, então nós somos capazes de nos envolver em interações mutuamente benéficas, logo é isso que nós vamos fazer’. A razão pela qual eu disse confiança corajosa é para distingui-la de inocência. Pessoas inocentes pensam que todo mundo é bom. Isso é falso, todo mundo não é bom. Mas agir de uma forma que seja hostil e cética e antissocial é completamente contraproducente. Então o que você faz se você é uma pessoa madura é você diz ‘bem, beleza, você tem um lado sombrio, eu também. Isso não quer dizer que nós não podemos nos envolver em interações produtivas’. 

Eles dizem que sua identidade nada mais é do que seu sentimento subjetivo daquilo que você é.[...] Se sua identidade não for um híbrido daquilo que você é e daquilo que as outras pessoas esperam, então você é como a criança no parque com quem ninguém pode brincar. [...] Em sua identidade real, você é um advogado, você é um médico, você é uma mãe, você é um pai, você tem um papel que tem valor para você e outros. 

Nicholas Mack disse ‘bem, o consenso científico das últimas quatro décadas é que não há diferença biológica entre homens e mulheres’. Isso é uma proposição absurda. Há diferenças entre os sexos em todos os níveis de análise. Há diferenças enormes de personalidade entre homens e mulheres. [...]A hipótese era que se você equaliza o ambiente entre homens e mulheres, você erradica as diferenças entre eles. Em outras palavras, se você trata meninos e meninas igual, as diferenças entre eles desaparecerão. Mas não é isso que os estudos mostraram. Na realidade, elas se tornam maiores.

Há uma guerra acontecendo no coração da nossa cultura. Muitas pessoas têm falado sobre politicamente correto, e o fato do quanto isso é pernicioso. [...]As pessoas da justiça social estão sempre do lado da compaixão e dos ‘direitos das vítimas’, então objetar a qualquer coisa que eles façam lhe torna instantaneamente um perpetrador. Não há lugar onde você possa permanecer sem ser vilificado, e é por isso que isso continua rastejando adiante. [...]A coisa é que se você substitui compaixão por ressentimento, então você entende a esquerda autoritária. Eles não têm compaixão, não há compaixão ali. Não há compaixão alguma. Há ressentimento, fundamentalmente.

A filosofia antipatriarcado é predicada na ideia de que todas as estruturas sociais são opressivas, e não muito mais que isso. Então atacar a estrutura é questionar seus esquemas categóricos em todo nível possível de análise. E o nível mais fundamental que os radicais antipatriarcado elencaram é gênero. Ele é uma peça de identidade que crianças geralmente assimilam por volta dos dois anos – ele é bastante fundamental.

Se você para de falar com pessoas, ou você se submete a elas, ou vai à guerra com elas. Se você coloca restrições na expressão, então você não pode de fato falar sobre as coisas difíceis sobre as quais se precisa falar. [...] É por isso que tantos casamentos se dissolvem. [...] digamos que você tenha tido uma pequena discussão com sua esposa, [...] Você pode descobrir que ela está chateada com algo que o seu avô fez à sua avó duas gerações atrás que ainda não foi resolvido na sua família, e esse é o elemento determinante de sua atitude no momento presente. Se você desembalar isso, entretanto, então você não precisa vivê-lo de novo e de novo. 

Você escolhe seu veneno, e a liberdade de expressão é o veneno certo. Há grupos que defendem o ódio, mas essa não é a questão. A questão é se reprimi-los faz as coisas melhores ou piores. Eu diria que [os reprimir] apenas as faz piores. Existem muitas horas em que você não tem uma boa opção. As pessoas acham que se não deixarmos eles falarem, isso vai sumir. Não funciona assim de forma nenhuma. 

Quero dizer, eu acho que grandes partes da universidade estão irrevogavelmente corruptas: sociologia, perdida; antropologia, perdida; história, grandes partes dela estão perdidas, os clássicos, literatura, trabalho social, ciência política em muitos lugares, e isso não cobre estudos femininos, estudos étnicos. Eles provavelmente começaram perdidos, e as coisas ficaram muito piores. Eu acredito que agora, com a exceção do ramo das ciências, tecnologia, engenharia e matemática, universidades fazem mais mal do que bem. [...]Nós estamos ensinando mentiras a estudantes universitários, e passando a mão em sua cabeça, e eu vejo isso como contraproducente.

Os democratas decidiram na década de 1970 que eles iriam abandonar a classe trabalhadora e fazer política identitária, e a classe trabalhadora lhes tratou com descaso. [...]E todos os esquerdistas estão preocupados que Trump é um demagogo de direita. Isso é insano – ele é um liberal.[...] Trump é um moderado. Ele é um moderado barulhento, e ele é um pouco populista, mas fundamentalmente ele ainda é um moderado – e as pessoas estão reagindo como se ele fosse Hitler. 

Não há nada sobre os tipos autoritários do PC [NT: politicamente correto] que tenha qualquer gratidão para com qualquer instituição. Eles têm um termo – patriarcado. Isso engloba tudo. Isso significa que tudo que nossa sociedade é corrupta. Não há linha, eles querem dizer tudo. Vá online, vá checar dez websites de estudos femininos. Escolha-os aleatoriamente. Leia-os. Eles dizem ‘a civilização ocidental é um patriarcado corrupto até seu maldito núcleo. Nós temos que derrubá-la’.

A vida antes do século XX para muitas pessoas era brutal além de comparação. A ideia de que mulheres eram uma minoria oprimida sob aquelas condições é insana. As pessoas trabalhavam 16 horas por dia ganhando apenas para sobreviver. [...]Então, no século XX, as pessoas ficaram ricas o suficiente para que algumas mulheres pudessem trabalhar fora de casa. Isso começou na década de 1920, e acelerou de verdade durante a Segunda Guerra Mundial porque as mulheres eram puxadas para fábricas enquanto os homens partiam para a guerra. Os homens lutaram, e morreram, e isso é basicamente a história da humanidade. [...]E as feministas acham que produziram uma revolução na década de 1960 que liberou as mulheres. O que liberou as mulheres foi a pílula, e nós vamos ver onde isso vai dar. [...]Bem, todas as mulheres usando pílula agem como se não estivessem ovulando, então é possível que muito da antipatia que hoje existe entre mulheres e homens exista por causa da pílula anticoncepcional. A ideia de que as mulheres foram discriminadas através do curso da história é chocante.

Por exemplo, se nós quiséssemos predizer o sucesso na vida de longo prazo em países ocidentais, os dois melhores indicativos são inteligência e conscienciosidade. As pessoas inteligentes chegam lá antes, e as pessoas conscienciosas trabalham duro. Isso é responsável por cerca de 30 por cento da variância em sucesso de longo prazo na vida. Não há discriminação aí, só competência.

[...]Todas as grandes empresas de advocacia perdem todas suas mulheres quando elas estão em seus trinta. Você sabe por quê? É fácil. [...]Se o seu cliente japonês lhe liga às 3:00 em uma manhã de domingo, sua resposta é ‘sim, eu farei isso imediatamente’ porque eles estão lhe pagando $750 por hora. Essas mulheres têm alta conscienciosidade, são ótimas estudantes, brilhantes na escola de direito, e estelares em seu período de treinamento. Então elas encontram um parceiro, e elas pensam ‘por que diabos eu estou trabalhando 80 horas por semana?’, porque é isso que pessoas sãs pensam. Então só há homens no pináculo absoluto das profissões. Mas não são todos os homens, são essa pequena proporção de homens estranhos. Eles têm QIs de 145 ou mais, e eles são insanamente competitivos e trabalhadores. Não interessa onde você vai colocar uma pessoa assim, ela vai trabalhar 80 horas por semana. A razão pela qual homens fazem isso mais do que mulheres é que o status faz dos homens sexualmente atraentes. Homens são direcionados por status – tanto biológica quanto culturalmente – de uma forma que mulheres não são. [...]Elas querem ter uma família, e não têm tempo. E então quando têm uma família, descobrem que ter um filho – não é um bebê genérico, é uma nova pessoa na sua família. Aquela nova pessoa é A coisa mais importante para você. Ponto. Então as mulheres chegam aí, elas têm dois filhos e pensam ‘eu só vou ter filhos pequenos por cinco anos, você acha que eu vou trabalhar por oitenta horas por semana? Para ganhar um dinheiro de que não preciso? Fazendo algo de que não gosto? Ou eu vou passar tempo com meus filhos?’ [...]A ideia de que “mulheres ganham $0,70 para cada dólar que um homem ganha” é uma mentira. Pequenos negócios mantidos por homens ganham muito mais dinheiro do que pequenos negócios mantidos por mulheres. Por quê? Porque mulheres começam pequenos negócios quando elas têm filhos, quando elas estão em casa, então os negócios são apenas de meio período. Então é por isso que elas não fazem tanto dinheiro. Não tem nada a ver com preconceito, tem tudo a ver com opções. Então esses argumentos que as pessoas fazem sobre preconceito não estão nem fora da psicologia tribal ainda. [...]Todo mundo está gritando ‘preconceito’ – é o pau-para-toda-obra das explicações. Por que a sociedade é assim? Preconceito. Por que ela é assado? Preconceito. Não há nenhum raciocínio envolvido, nenhuma análise multivariada.