David Boaz
Resenha do livro
Three New Deals: Reflections on
Roosevelt’s America, Mussolini’s Italy, and Hitler’s Germany, 1933 – 1939, de
Wolfgang Schivelbusch
Este
artigo não é citado em Three New Deals,
um estudo fascinante do historiador cultural alemão Wolfgang Schvielbusch. Mas
ele mantém seu argumento central: que há semelhanças surpreendentes entre os
programas de Roosevelt, Mussolini e Hitler.
Quando Roosevelt assumiu o governo em
março de 1933, ele recebeu do Congresso uma delegação de poderes extraordinária
para acabar com a Depressão. “Os poderes de longo alcance dados a Roosevelt
pelo Congresso, antes que a instituição entrasse em recesso foram sem
precedentes em épocas de paz. Por meio desta ‘delegação de poderes’, o
Congresso tinha, com efeito, se tornado o braço legislativo do governo. O único
poder de oposição remanescente ao executivo era a Suprema Corte. Na Alemanha, um
processo semelhante permitiu a Hitler assumir poder legislativo após o
Reichstag (Parlamento alemão) ter sido queimado em caso suspeito de incêndio
culposo em 28 de fevereiro de 1933.”
A imprensa nazista entusiasticamente
saudou as novas medidas do New Deal (N.
do T.: “Novo Acordo”, o programa econômico de FDR): a América, como o Reich,
havia decididamente rompido com “o delírio desinibido da especulação
financeira.” O jornal do partido nazista, o Völkisher Beobachter (N. do T.:
Observador Popular), “sublinhou a adoção por Roosevelt das linhas de pensamento
nacional-socialistas em suas políticas econômicas e sociais, elogiando o estilo
de liderança do presidente como sendo compatíveis com o Führerprinzip ditatorial de Hitler.”
Até mesmo Hitler elogiou sua
contraparte americana. “Ele disse ao embaixador Americano William Dodd que
‘estava de acordo com o presidente na visão de que a virtude da missão, a
prontidão para o sacrifício e a disciplina contaminariam o povo inteiro.’
‘Estas demandas morais que o presidente coloca diante de cada cidadão dos
Estados Unidos também são a quintessência da filosofia do estado alemão, que é
expressa no lema ‘O interesse público transcende o interesse individual.’” Uma
Nova Ordem em ambos os países havia substituído uma ênfase obsoleta nos
direitos.
Mussolini, que não permitiu que seu
trabalho como ditador interferisse em seu jornalismo prolífico, escreveu uma
crítica positiva sobre o livro de Roosevelt Looking Forward (N. do T.: Olhando Adiante). Ele o
considerou “reminiscente do fascismo... o princípio no qual o Estado não deixa
mais a economia sem regulação”; e, em outra crítica, desta vez do livro New
Frontiers (N. do T.: Novas Fronteiras) de
Henry Wallace, o Duce considerou o programa do Secretário da Agricultura semelhante
ao seu próprio Corporativismo.
Roosevelt nunca simpatizou com Hitler,
mas Mussolini era outra estória. “Não me importo em te dizer em segredo,” disse
Roosevelt a um correspondente da Casa Branca, “que estou mantendo contato com
aquele admirável cavalheiro italiano.” Rexford Tugwell, um conselheiro
experiente do presidente tinha dificuldades em conter o entusiasmo do
presidente pelo programa de Mussolini para modernizar a Itália: “É o mais
limpo... mais eficiente plano operacional de engenharia social que eu vi. Tenho inveja.”
[1]
Schivelbusch faz um paralelo nas ideias,
estilo e programas dos três regimes diferentes – e mesmo sua arquitetura.
“Monumentalismo neoclássico,” ele escreve, “é o estilo arquitetônico no qual o
estado visualmente manifesta seu poder e autoridade.” Em Berlim, Moscou e Roma,
“o inimigo que deveria ser erradicado era o legado arquitetônico do
laissez-faire do liberalismo do século XIX, uma mixórdia de estilos e
estruturas não planejada.” Washington ergueu vários monumentos neoclássicos nos
anos 1930, apesar de utilizar menos destruição como a que ocorreu nas capitais
europeias. Pense nas esculturas “O Homem controla o Comércio” em frente à
Comissão Federal do Comércio, com um homem musculoso segurando um enorme cavalo[2].
Elas teriam um lugar certo na Itália de Mussolini.
“Comparando,” esclarece Schivelbusch,
“isto não é o mesmo que igualar. A América durante o New Deal de Roosevelt não
tornou-se um estado de partido único; ela não tinha uma polícia secreta; a
Constituição permaneceu ativa e nunca houve campos de concentração[3]; o New
Deal preservou as instituições do sistema liberal democrático que o Nacional
Socialismo aboliu.” Mas durante os anos 1930, intelectuais e jornalistas
notaram “áreas de convergência entre o New Deal, Fascismo e Nacional
Socialismo.” Todos os três eram vistos como transcendendo o “liberalismo
anglo-francês clássico” – individualismo, mercados livres e poder
descentralizado.
Desde 1776, o liberalismo transformou
o mundo ocidental. Como o jornal A Nação
comentou em 1900, antes dele mesmo abandonar o velho liberalismo, “livres da
intromissão vexatória dos governos, os homens se dedicaram à sua tarefa
natural, qual seja o melhoramento de sua condição, com os resultados
maravilhosos que nos cercam.” – indústria, transporte, telefones e telégrafos,
saneamento, comida em abundância, eletricidade. Mas o editor preocupou-se que
“seu conforto material fechou os olhos da geração atual para a causa que tornou
isso possível.” Os velhos liberais morreram, e os jovens começaram a pensar se
o governo não poderia ser uma força positiva, algo a ser usado ao invés de ser
limitado.
Outros, não obstante, começaram a
rejeitar o próprio liberalismo. Em seu romance dos anos 1930, O Homem sem Qualidades, Robert Musil
escreveu, “O infortúnio decretou que... o humor dos tempos se afastariam das
velhas ideias do liberalismo que favoreceram Leo Fischel – os grandes ideais
orientadores de tolerância, dignidade do homem e mercado livre – e a razão e
progresso no mundo ocidental seria determinada por teorias raciais e lemas
urbanos.”
O sonho de uma sociedade planificada
infectou tanto a direita quanto a esquerda. Ernst Jünger, um militarista
influente de extrema direita na Alemanha, demonstrou sua reação à União
Soviética: “Disse a mim mesmo: beleza, eles não têm constituição, mas têm um
plano. Isto pode ser ótimo.” Ainda em 1912, o próprio FDR elogiou o modelo
alemão-prussiano: “Eles ultrapassaram a liberdade do indivíduo enquanto dono de
sua própria propriedade e acharam necessário comparar esta liberdade com o
benefício da liberdade do povo inteiro,” disse ele em um discurso para o Fórum
Popular de Tróia, em Nova York.
Progressistas americanos estudaram em
universidades alemãs, escreve Schivelbusch, e “chegaram a apreciar a teoria
hegeliana de um estado forte e o militarismo prussiano como o modo mais
eficiente de organizar as modernas sociedades que não podiam mais ser
governadas pelos princípios liberais anárquicos.” O ensaio influente “O
Equivalente Moral da Guerra” de 1910 do filósofo pragmático William James
sublinha a importância da ordem, disciplina e planificação.
Intelectuais preocupavam-se com a
desigualdade, a pobreza da classe trabalhadora e da cultura comercial criada
pela produção em massa. (Eles não parecem ter notado a contradição entre a
última afirmação e as duas primeiras.) O liberalismo parecia inadequado para
lidar com tais problemas. Quando a crise econômica apareceu – na Itália e na
Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, e nos EUA durante a Grande Depressão –
os anti-liberais aproveitaram a oportunidade, argumentando que o mercado tinha
falhado e que o tempo para uma experimentação firme havia chegado.
Na revista North American Review em 1934, o escritor progressista Roger Shaw
descreveu o New Deal como “meios fascistas
para atingir fins liberais.” Ele não estava enlouquecendo. O consultor de FDR
Rexford Tugwell escreveu em seu diário que Mussolini “fez muitas coisas que
para mim são necessárias.” Lorena Hickok, uma amiga íntima de Eleanor
Roosevelt, que viveu por um tempo na Casa Branca, escreveu com a aprovação de
um funcionário local que disse, “Se (o presidente) Roosevelt fosse realmente um
ditador, poderíamos chegar a algum lugar.”[4] Ela acrescentou que se fosse mais
jovem gostaria de liderar “o movimento fascista nos Estados Unidos.” Na
Administração Nacional de Reconstrução (NRA), a agência cartelista no coração
do New Deal, um relatório declarou sinceramente, “Os princípios fascistas são
muitos semelhantes àqueles que estamos implantando aqui na América.”
Em Roma, Berlim e Washington D.C.
havia uma infinidade de metáforas militares e estruturas militares. Fascistas,
nacional socialistas e new dealers
foram todos jovens durante a Primeira Guerra Mundial e olhavam com saudades as
experiências no planejamento militar. Em seu primeiro discurso oficial,
Roosevelt conclamou à nação: “Se tivermos que ir adiante, devemos nos mover
como um exército treinado e leal desejando sacrificar-se pelo bem de uma
disciplina comum. Estamos, eu sei, prontos e desejosos de submeter nossas vidas
e propriedades para tal disciplina, pois isto torna possível uma liderança que
objetiva um bem maior. Assumo sem hesitar a liderança deste grande exército...
Peço ao Congresso um instrumento antigo para enfrentar a crise – o poder
executivo estendido para empreender uma guerra contra a emergência, tão grande
quanto o poder que seria dado a mim se estivéssemos de fato sendo invadidos por
um inimigo estrangeiro.”
Isto era uma nova imagem para um
presidente da república americana. Schivelbusch argumenta que “Hitler e
Roosevelt eram ambos líderes carismáticos que faziam as massas seguir suas
ideias – e sem este tipo de liderança, nem o nacional socialismo nem o New Deal
teriam sido possíveis.” Este estilo plebiscitário estabeleceu uma conexão direta
entre o líder e as massas. Schivelbusch argumenta que os ditadores dos anos
1930 diferiam dos “déspotas da velha guarda, cujo poder era baseado grandemente
na força coerciva de sua força pretoriana.” Reuniões de multidões, conversas ao
rádio – e em nossa própria época – televisão podem levar o governante diretamente
às pessoas de um modo que nunca foi possível antes.
Para este fim, todos os novos regimes
dos anos 1930 empreenderam esforços propagandísticos. “Propaganda,” escreve Schivelbusch,
“é o meio pelo qual uma liderança carismática, circunavegando instituições
sociais e políticas intermediárias como parlamentos, partidos e grupos de
interesse, ganha controle direto sobre as massas.” A campanha Águia Azul da NRA,
na qual negócios que se submetiam ao código da agência eram permitidos mostrar
um símbolo, uma “águia azul”, que era um meio de reunir as massas e convocar
qualquer um a mostrar um símbolo visível de apoio. O chefe da NRA, Hugh
Johnson, deixou claro sua proposta: “Aqueles que não estão conosco, estão
contra nós.”
Os pesquisadores ainda estudam aquela
propaganda. No começo deste ano, um museu de Berlim montou uma exibição chamada
de “Arte e Propaganda: O Choque entre as Nações, 1939 – 1945.” De acordo com o
crítico David D´Arcy, ela mostra como os governos alemão, italiano, soviético e
americano “encomendavam e financiavam a arte quando a construção de imagem
servia à construção da nação em seu extremo... Os quatro países reuniram seus
cidadãos com imagens de renascimento e regeneração.” Um pôster americano de um
martelo trazia o lema “O trabalho te mantém livre,” que D´Arcy considerou “extraordinariamente
parecido com ‘Arbeit Macht Frei’, o slogan que saudava os prisioneiros em
Auschwitz.” Analogamente, uma reedição de um documentário clássico do New Deal,
The River (1938), levou o crítico do Washington Post, Philip Kennicott a escrever
que “assistindo-o 70 anos depois em um DVD Naxos sinto um calafrio na
espinha... Há momentos, especialmente envolvendo tratores (o grande fetiche dos
propagandistas do século XX), quando você está certo que este filme poderia ter
sido muito bem produzido por um dos estados totalitários da Europa.”
Programa e propaganda se misturaram
nos trabalhos públicos em todos os três sistemas. A Autoridade do Vale do
Tenesse, a autobahn, a reestruturação dos pântanos de Pontine nos subúrbios de
Roma foram todos projetos de exibição, outro aspecto da “arquitetura de poder”
que mostrava o vigor e a vitalidade do regime.
Você pode perguntar, “Onde está
Stalin nesta análise? Por que este livro não chama-se Quatro New Deals?” Schivelbusch
não menciona Moscou repetidamente, como McCormick em seu texto para o New York
Times. Mas Stalin tomou o poder dentro de um sistema já totalitário; ele foi o
vencedor em um golpe. Hitler, Mussolini e Roosevelt, cada qual ao seu modo,
chegaram ao poder como líderes fortes em um processo político. Eles, portanto,
compartilham a “liderança carismática” que Schivelbusch considera tão
importante.
Schivelbusch não é o primeiro a notar
tais semelhanças. B. C. Forbes, o fundador da revista homônima, denunciou o “fascismo
exagerado” em 1933. Em 1935, o antecessor de Roosevelt, Herbert Hoover, estava
usando frases como “arregimentação fascista” ao discutir o New Deal. Uma década
depois, ele escreveu em suas memórias que “o New Deal introduziu os americanos
ao espetáculo do controle fascista nos negócios, trabalho e agricultura,” e que
medidas como o Ato de Ajuste Agrícola, “em suas consequências de controle de
produtos e mercados, estabeleceu um paralelo americano estranho com o regime
agrícola de Mussolini e Hitler.” Em 1944, no livro “O Caminho para a Escravidão”,
o economista F. A. Hayek alertou que a planificação econômica poderia levar ao
totalitarismo. Ele alertou os americanos e ingleses a não pensar que havia algo
de unicamente mau na alma alemã. O nacional socialismo, ele disse, abraçou as ideias
coletivistas que permearam o mundo ocidental por uma geração ou mais.
Em 1973, um dos historiadores
americanos mais distintos, John A. Garraty, da Universidade de Columbia, causou
tumulto com seu artigo “O New Deal, o Nacional Socialismo e a Grande Depressão.”
Garraty era um admirador de Roosevelt, mas não pôde ajudar ao notar, por
exemplo, os paralelos entre o Corpo de Conservação Civil e programas similares
na Alemanha. Ambos, ele escreveu, “foram essencialmente projetados para manter
os jovens fora do mercado de trabalho. Roosevelt descreveu os campos de
trabalho como um meio de manter a juventude ‘fora das ruas,’ enquanto Hitler pensava
numa forma de afastá-la da ‘desesperança cruel das ruas.’ Em ambos os países,
muito foi feito dos resultados sociais benéficos de misturar milhares de jovens
de diferentes classes nos campos. Além disso, ambos estavam organizados em
linhas semimiltares com propostas secundárias de melhorar o condicionamento
físico de soldados em potencial e estimular o comprometimento público com o
serviço nacional no caso de uma emergência.”
E em 1976, o candidato presidencial
Ronald Reagan provocou a ira do senador Edward Kennedy (Democrata,
Massachussets), do historiador pró-Roosevelt Arthur M. Schlesinger Jr., e do
New York Times quando ele disse aos jornalistas que “o fascismo era realmente a
base do New Deal.”
Mas Schivelbusch explorou estas
conexões em grande detalhe e segundo uma distância histórica maior. À medida
que a memória viva do nacional socialismo e do Holocausto retrocedem, os
pesquisadores – talvez especialmente na Alemanha – estão gradualmente começando
a aplicar ciência política normal aos movimentos e eventos dos anos 1930. Schivelbusch
ocasionalmente especula, como quando escreve que Roosevelt certa vez se referiu
a Stalin e Mussolini como seus “irmãos de sangue.” (De fato, parece claro na
fonte de Schivelbusch – o livro “A Era de Roosevelt”, de Schlesinger – que FDR
estava dizendo que o comunismo e o fascismo eram irmãos de sangue entre si, não
com ele.) Mas, no geral, este é um trabalho de pesquisa acadêmica
formidável.[5]
Ele
conclui o livro lembrando o grande panfleto de John T. Flynn de 1944, “Enquanto
Marchamos.” Flynn, comparando o New Deal com o fascismo, anteviu um problema
que ainda nos confronta hoje. “Mas desejando ou não, Flynn argumentou, o New
Deal colocou-se na posição de precisar de um estado de crise permanente ou, de
fato, de guerra permanente para justificar suas intervenções sociais. ‘Nasceu
na crise, vive em crise e não pode sobreviver à era de crise’... a estória de
Hitler é a mesma coisa.’ O prognóstico de Flynn para o regime de seu inimigo
Roosevelt parece mais aplicável hoje do quando ele o fez em 1944... ‘Devemos
ter inimigos,’ escreveu ele em Enquanto Marchamos, ‘Eles tornar-se-ão uma
necessidade econômica para nós.’”
Os
trechos em itálico foram extraídos do texto que David Gordon escreveu para o The Mises Review, Volume 12, Número 3 (2006).
[1]
Lembrando que Churchill também era um grande fã de Mussolini. Isto
talvez explique a razão pela qual a Itália tenha sido poupada da vingança dos
Aliados após a derrota do Eixo em 1945.
Existe ainda um prédio da Marinha
americana, construído nos anos 1960, com o formato de uma suástica. Após clamor
popular, a Marinha decidiu gastar U$ 600 mil para corrigir o prédio de formato
ofensivo.
[3] Até a entrada na guerra, quando
então foram criados campos para os cidadãos americanos de ascendência japonesa.
[4] Lorena Hickok foi amante da
primeira-dama Eleanor Roosevelt, que tinha vida sexual bem ativa com homens e
mulheres. Entre seus amantes estão Harry Hopkins e Earl Miller, funcionários de
FDR. Em relação à afirmação “se Roosevelt fosse um ditador”, vale lembrar que
ele governou os EUA de 1933 a 1945, foi o único presidente a ter quatro
mandatos seguidos e, evidentemente, só largou o osso porque morreu um pouco
antes da guerra terminar.
[5] Roosevelt chamava carinhosamente
o genocida Stalin de “Tio Joe”.
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