Todo
ano, durante as primeiras duas semanas de agosto, os meios de comunicação de
massa e muitos políticos nacionais arrotam o mito político “patriota” de que o
lançamento das duas bombas atômicas sobre o Japão em agosto de 1945 provocou
sua rendição, e assim salvou a vida de 500 mil a um milhão de soldados
americanos que não invadiram a ilha. Pesquisas de opinião nos últimos cinquenta
anos mostram como os cidadãos americanos em sua esmagadora maioria (entre 80 e
90%) acreditam nesta falsa estória, que, é claro, deixa-os mais confortáveis em
acreditar que a matança de centenas de milhares de civis (a maioria mulheres e
crianças) salvou vidas americanas e ajudou a terminar a guerra.
O
melhor livro em minha opinião a explorar este mito é “A Decisão de Usar a
Bomba”, de Gar Alperovitz, pois ele não somente explica as reais razões das
bombas terem sido lançadas, mas também fornece uma história detalhada de como e
por que este mito foi criado para justificar o massacre de civis inocentes e,
portanto, ser moralmente aceitável. O problema essencial começa com a política
de rendição incondicional do Presidente Franklin Roosevelt, que foi
relutantemente adotada por Churchill e Stalin e a qual foi adotada pelo Presidente
Truman quando ele sucedeu Roosevelt em abril de 1945. Hanson Baldwin foi o
principal correspondente do New York Times durante a Segunda Guerra Mundial e
escreveu um livro importante imediatamente após a guerra intitulado “Grandes
Erros da Guerra”. Baldwin conclui que a política de rendição incondicional “...
foi talvez o maior erro político da guerra... rendição incondicional foi um
convite aberto para a resistência incondicional; ela desencorajou a oposição a
Hitler, provavelmente alongou a guerra, custou-nos vidas e ajudou a trazer o
atual estado de paz abortada.”
A
dura verdade é que os líderes japoneses, tanto militares quanto civis,
incluindo o Imperador, desejavam se render em maio de 1945 se ele pudesse
permanecer no cargo e não fosse submetido a um tribunal de crimes de guerra
após esta terminar. O fato chegou ao conhecimento do Presidente Truman ainda em
maio. A monarquia japonesa era uma das mais antigas em toda a história, datando
de 660 a.C. A religião japonesa tinha como crença que todos os imperadores eram
descendentes diretos do deus Sol, Amaterasu. O imperador
Hirohito era o 124º. Na
linha direta de descendência. Após as bombas terem sido lançadas em 6 e 9 de
agosto de 1945, e sua rendição logo após, foi permitido aos japoneses manter
seu imperador no trono e ele não foi submetido a nenhum julgamento. O imperador
Hirohito chegou ao trono em 1926 e continuou em sua posição até sua morte em
1989. Já que o presidente Truman, com efeito, aceitou a rendição condicional
oferecida pelos japoneses em maio de 1945, podemos perguntar: “Por que então as
bombas foram lançadas?”
O
autor Alperovitz nos dá uma resposta em grande detalhe que somente pode ser
resumida aqui, mas ele afirma, “Notamos uma série de japoneses ansiosos pela
paz na Suíça que o chefe do OSS William Donovan relatou a Truman em maio e
junho (de 1945). Isto sugeria, mesmo neste ponto, que a exigência americana
para rendição incondicional era o único obstáculo sério para a paz. No centro
disso, como vimos, estava Allen Dulles, chefe das operações da OSS na Suíça (e
depois diretor da CIA). Em seu livro de 1966, “A rendição secreta”, Dulles
lembrou que ‘em 20 de julho de 1945, sob ordens de Washington, fui à
Conferência de Postdam e relatei lá ao Secretário (da Guerra) Stimson o que eu havia
obtido de Tóquio – eles aceitavam a rendição desde que pudessem manter o
imperador e sua constituição como forma de manter a ordem no Japão após as
notícias devastadoras da rendição tornarem-se conhecidas do povo japonês.’” Alperovitz
mostra que Stimson relatou este fato diretamente a Truman. Alperovitz afirma
ademais que a prova documental que todo conselheiro civil e militar
presidencial, com exceção de James Byrnes e o Primeiro-Ministro Churchill e sua
liderança militar, pediu a Truman para revisar a política de rendição
incondicional de modo aos japoneses renderem-se e manter seu imperador. Todo
este conselho foi dado a Truman antes da Proclamação de Postdam, que ocorreu em
26 de julho de 1945. Esta proclamação fez uma exigência final sobre o Japão para
render-se incondicionalmente ou sofrer consequências drásticas.
Outro
fato incrível sobre a conexão militar entre o lançamento da bomba é a falta de
conhecimento por parte do general MacArthur sobre a existência da bomba e se
ela havia sido lançada. Alperovitz afirma que “MacArthur não sabia nada sobre o
plano de utilização da bomba atômica até quase o último minuto. Nem ele estava
envolvido pessoalmente na cadeia de comando com esta conexão; a ordem veio
diretamente de Washington. De fato, o Departamento de Guerra esperou até cinco
dias antes de bombardear Hiroshima mesmo para notificar MacArthur – o
comandante supremo do Exército americano no Pacífico – da existência da bomba
atômica.”
Alperovitz
deixa bem claro que a principal pessoa que aconselhava Truman, enquanto
ignorava todas as advertências de seus conselheiros civis e militares, era
James Byrnes, o homem que virtualmente controlava Truman desde o começo de sua
administração. Byrnes era uma das mais experientes figuras políticas em
Washington, tendo servido por mais de trinta anos tanto no Congresso quanto no
Senado. Ele também trabalhou no Supremo tribunal Federal e, a pedido do
presidente Roosevelt, demitiu-se de sua posição e aceitou um cargo na
administração Roosevelt na área de gestão de economia doméstica. Byrnes foi à
Conferência de Yalta com Roosevelt e então recebeu a responsabilidade de
convencer o Congresso e o povo americano a aceitar os acordos de Yalta.
Quando
Truman tornou-se senador em 1935, Byrnes imediatamente tornou-se seu amigo e
mentor e permaneceu próximo a Truman até que este tornou-se presidente. Truman
jamais esqueceu isto e imediatamente chamou Byrnes para ser seu número dois na
nova administração. Byrnes esperava ser nomeado candidato a vice-presidente
para substituir Wallace e ficou desapontado quando Truman recebeu a indicação,
ainda que os dois permanecessem próximos. Byrnes também era muito chegado a
Roosevelt, enquanto Truman foi mantido na obscuridade pelo presidente durante a
maior parte do tempo em que serviu como vice-presidente. Truman pediu a Byrnes
imediatamente em abril, para tornar-se seu Secretário de Estado, mas eles
prorrogaram o anúncio oficial até 3 de julho de 1945, de modo a não ofender o
ocupante do cargo. Byrnes também havia aceitado uma posição no comitê que
cuidava da política da bomba atômica e, assim, em abril de 1945 tornou-se o
principal conselheiro de política externa de Truman, em especial do uso da
bomba atômica. Foi Byrnes que encorajou Truman a postergar a Conferência de
Postdam e seu encontro com Stalin até que eles pudessem saber, na conferência,
se a bomba atômica havia sido testada com sucesso. Enquanto na Conferência de
Postdam, os experimentos foram realizados com sucesso e Truman alertou Stalin
de que uma nova arma de destruição em massa estava nas mãos da América, o que,
esperava Byrnes, faria com que Stalin recuasse de exigências excessivas no
período do pós-guerra.
Truman
secretamente deu as ordens em 25 de julho de 1945 de que as bombas fossem
lançadas em agosto, enquanto ele voltava para a América. Em 26 de julho, ele emitiu
a Proclamação de Postdam, ou ultimato, ao Japão para se render, deixando no
lugar a política de rendição incondicional, na certeza de que os termos não
seriam aceitos pelo Japão.
A
conclusão que podemos chegar, com a evidência apresentada, é que Byrnes é o
homem que convenceu Truman a manter a política de rendição incondicional e não
aceitar a rendição do Japão de modo a ter uma desculpa para lançar as bombas e
demonstrar aos russos que a América tinha um novo líder, um “novo xerife em
Dogde City” que, diferentemente de Roosevelt, seria duro com os russos em
termos de política externa e que estes deveriam “ficar na sua” no período que
ficou conhecido como “Guerra Fria”. Uma razão secundária foi que o Congresso
seria informado agora por que eles tornaram secreto o Projeto Manhattan e
gastaram uma fortuna mostrando que não somente as bombas funcionavam, mas
também elas trouxeram um fim para a guerra, fizeram os russos recuar e tornaram
a América a maior potência militar do mundo.
Se a
rendição japonesa tivesse sido aceita entre maio e o final de julho de 1945 e o
imperador tivesse sido mantido no cargo, como de fato ele permaneceu após o
bombardeio atômico, isto teria mantido a Rússia fora da guerra. A Rússia concordou
em Yalta a entrar em guerra contra os japoneses três meses após a rendição
alemã. De fato, a Alemanha rendeu-se em 8 de maio de 1945 e a Rússia anunciou
em 8 de agosto (exatamente três meses depois) que estava abandonando sua
política de neutralidade em relação ao Japão e entrou na guerra. A entrada na
guerra da Rússia por seis dias permitiu-lhes ganhar poder e influência
extraordinários na China, Coréia e outras áreas importantes da Ásia. Os
japoneses morriam de medo do Comunismo e se a proclamação de Postdam indicava
que a América aceitaria a rendição condicional permitindo ao imperador
permanecer no cargo e informasse os japoneses de que a Rússia entraria na
guerra se eles não se rendessem, então isto certamente apressaria a rendição
japonesa.
A segunda
questão que Alperovitz responde na segunda metade do livro é como e por que o
mito de Hiroshima foi criado. A estória do mito começa com a pessoa de James B.
Conant, o presidente da Universidade Harvard, que foi um cientista proeminente,
tendo inicialmente estabelecido sua reputação como químico criador de gás
venenoso durante a Primeira Guerra Mundial. Durante a Segunda Guerra, ele foi
chefe do Comitê de Pesquisa de Defesa nacional do verão de 1941 até o fim da
guerra e ele foi uma das figuras centrais no Projeto Manhattan. Conant começou
a se preocupar com o futuro de sua carreira acadêmica, assim como com suas
posições na indústria privada, pois várias pessoas começaram a questionar o
motivo do lançamento das bombas. Em 9 de setembro de 1945, o almirante William
F. Halsey, comandante da Terceira Frota, foi citado publicamente como dizendo
que a bomba atômica foi usada porque os cientistas tinham “um brinquedo e
queriam testá-lo...” Ele complementou, “a primeira bomba atômica foi um
experimento desnecessário... foi um erro tê-la lançado.” Albert Einstein, um
dos principais cientistas mundiais, que também teve uma conexão importante com
o desenvolvimento da bomba atômica, respondeu e suas palavras apareceram na
primeira página do New York Times: “Einstein lamenta o uso da Bomba Atômica”. A
reportagem escreveu que Einstein afirmou “a grande maioria dos cientistas se
opôs ao uso repentino da bomba atômica.” No julgamento de Einstein, o
lançamento da bomba foi político – uma decisão diplomática ao invés de uma
decisão militar ou científica.
Provavelmente,
a pessoa mais próxima de Truman do ponto de vista militar era o Chefe do Grupo
de Líderes de Staff, o almirante William Leahy e existem boatos de que ele
também lamentou o uso da bomba e havia aconselhado Truman a não usá-la,
alertando-o para revisar a política de rendição incondicional de modo que os
japoneses pudessem se render e manter o imperador. As visões de Leahy foram
mais tarde relatadas por Hanson Baldwin em uma entrevista que Leahy “achava que
o lance de reconhecer a continuação do Imperador era um detalhe que podia ter
sido resolvido facilmente.” A secretária de Leahy, Dorothy Ringquist, relatou
que Leahy lhe disse no dia em que a bomba de Hiroshima foi lançada, “Dorothy,
lamentaremos esse dia. Os Estados Unidos sofrerão, porque a guerra não deve ser
feita contra mulheres e crianças.” Outra voz naval importante, o comandante em
chefe da Frota americana e chefe das Operações Navais, Ernest J. King, afirmou
que o bloqueio naval e o bombardeio anterior do Japão em março de 1945, haviam
deixado os japoneses sem outra opção e o uso da bomba atômica foi desnecessária
e imoral. Analogamente, a opinião do Almirante Chester W. Nimitz foi relatada em
uma conferência de imprensa em 22 de setembro de 1945 como sendo “o Almirante
aproveita a oportunidade de juntar-se àquelas vozes que insistem que o Japão
fora derrotado antes do bombardeio atômico e da entrada da Rússia na guerra.”
Em um discurso subsequente no Monumento de Washington em 5 de outubro de 1945,
o Almirante Nimitz disse que “os japoneses já tinham, de fato, implorado por
paz antes da era atômica ser anunciada ao mundo com a destruição de Hiroshima e
antes da entrada russa na guerra.” Foi sabido também que em 20 de julho de
1945, o general Eisenhower havia pedido a Truman, em uma visita pessoal, para
não usar a bomba atômica. O argumento de Eisenhower foi “não é necessário
atingi-los com esta coisa terrível... usar a bomba atômica, matar e aterrorizar
civis, sem qualquer tentativa (de negociações) foi um duplo crime.” Eisenhower
também disse que não era necessário a Truman sucumbir a Byrnes.
James
Conant chegou à conclusão que alguma pessoa na administração deveria vir a
público para mostrar que o lançamento das bombas era uma necessidade militar,
assim salvando a vida de centenas de milhares de soldados americanos, de modo
que ele se aproximou de Harvey Bundy e seu filho, McGeorge Bundy. Foi acordado
por eles que a pessoa mais importante para criar este mito era o Secretário da
Guerra, Henry Stimson. Foi decidido que Stimson escreveria um longo artigo a
ser amplamente divulgado nas revistas nacionais mais conhecidas. Este artigo
foi revisado repetidamente por McGeorge Bundy e Conant antes de ser publicado
na revista Harper de fevereiro de 1947. O longo artigo tornou-se assunto de
primeira página e editorial no New York Times e no editorial estava escrito, “Não
há dúvidas que o presidente e o Sr. Stimson estão certos quando eles mencionam
que a bomba provocou a rendição japonesa.” Mais tarde, em 1949, o presidente
Truman endossou especificamente esta conclusão, incluindo a ideia de que ela
salvou a vida de um milhão de soldados. Este mito tem sido renovado anualmente
pela mídia e por vários políticos desde então (N. do T.: até para justificar as
políticas imperialistas do governo americano ao redor do globo) .
É
interessante notar que em suas memórias Henry Stimson, chamada “Em Serviço
Ativo em Paz e na Guerra”, ele escreva “infelizmente, vivi o suficiente para
saber que a história não é geralmente o que de fato aconteceu, mas o que é
registrado nela.”
Para
trazer este assunto em foco sob um ponto de vista da tragédia humana, recomendo
a leitura do livro de um sobrevivente de Hiroshima, “Diário de Hiroshima: O
Registro de um Médico Japonês”, de Michiko Hachiya, o registro diário de um
médico sobre as mulheres, crianças e idosos que ele tratou no hospital. O
médico estava muito ferido, mas se recuperou o suficiente para ajudar is outros
e seu relato das tragédias pessoais de civis inocentes que foram queimados ou
morreram como resultado da bomba coloca a questão moral em uma perspectiva
clara.
Agora
que vivemos na era nuclear e há armas nucleares suficientes espalhadas pelo
mundo para destruir a Civilização, precisamos enfrentar o fato de que a América
é o único país a ter usado esta arma terrível e que foi desnecessário fazê-lo.
Se os americanos pudessem reconhecer esta realidade, ao invés de acreditar no
mito, poderia ser motivo de uma revolta moral que poderia levar o mundo a
perceber que as guerras no futuro poderão ser nucleares, e portanto todas as
guerras devem ser evitadas a qualquer custo.
3 comentários:
E aqui no Brasil, um livro de história autointituladamente "politicamente incorreto", escrito por um jornalista (salvo engano da VEJA)bem-amado da "nova direita" vem dizer que a bomba atômica sobre Hiroshima foi um ato humanitário dos norte-americanos, com o intuito de abreviar a guerra...
É o mesmo autor que classifica o Nacional Socialismo como de esquerda no mesmo livro. O ataque atômico contra Hiroshima é amplamente reconhecido como uma imoralidade e um crime de guerra e contra a humanidade. Assim como foi o bombardeio de Dresden. Não apenas historiadores e jornalistas reconhecem isso, o ex-presidente Edgard Hoover (antecessor de Roosevelt e adepto da política de isolacionismo) considerou o lançamento da bomba atômica uma vergonha nacional.
Hebert Hoover. Edgard Hoover era chefe do FBI.
Considero o iminência parda de Truman, James Byrnes, um dos homens mais nefastos do século XX.
E olha que a concorrência é acirradíssima.
Quanto ao mito de Hiroshima, é apenas mais um. Segue-se o mito da importância desmesurada do desembarque da Normandia, a "libertação" do Vietnam, as armas de destruição em massa do Saddan, a "vitória" no Afganistão e, mais recente, o "perigo" oferecido pela Rússia.
E o diabo é que a mídia presstituta ocidental reverbera essas sandices e o povo vai, aos poucos, acreditando nelas.
Triste figura faria hoje o Goebbels frente à nossa imprensa canalha.
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