Santo para a Igreja Ortodoxa, herói para o povo,
mito para a Rússia. Protagonista central de eventos que realinharam o
equilíbrio religioso e político no Leste Europeu, na Idade Média, e grande
líder militar e político. O príncipe Alexandre Nevsky foi tudo isso. O feito
que lhe garantiu lugar na História e no imaginário mundial foi a vitória em uma
batalha decisiva para a nação russa, travada sobre um lago congelado. A Batalha
do Gelo foi um confronto modesto diante de épicos que mudaram a História, como
Waterloo e Stalingrado. Mas mudaria para sempre o destino da Rússia.
Ataques de vikings
Os antecedentes do confronto têm lugar décadas
antes. Na primeira metade do século 13, o Rus’ de Kiev – primeiro grande Estado
eslavo da História – era uma mistura de etnias e culturas e vivia um período de
prosperidade. Isso até os vikings dominarem a região. Mas Kiev entraria
definitivamente em colapso em 1240, quando o mongol Batu Khan, descendente de
Gêngis Khan, tomaria definitivamente a capital do Rus’. Os príncipes russos
sobreviventes e as cidades-estado que não foram destruídas submeteram-se ao
Khan, que fundou na região o Canato da Horda Dourada, anexando-o ao Império
Mongol.
Novgorod estava entre as poucas que escaparam.
Unindo habilidade política ao pagamento de pesados tributos aos mongóis, conseguiu
manter sua independência.
Mas na Idade Média, bonança atraía violência. Se
Novgorod escapara da ameaça dos mongóis vindos do leste, estava prestes a
enfrentar um perigo maior: os europeus, que pressionavam do oeste. Os suecos
foram os primeiros. Queriam controlar as ricas rotas fluviais entre o Báltico e
o Mar Negro. Com uma forma de governo rara para a época, Novgorod escolhia,
entre a aristocracia, o Kniaz, um príncipe com o mandato temporário de
comandante político e militar. O cargo era revogável pela assembleia do povo, a
Vetche. O Kniaz de então era Alexandre Jaruslavic, de 19 anos.
Alexandre e sua pequena armada atacaram o Exército
sueco às margens do Rio Neva, destruindo-o completamente. Foi tão definitiva a
derrota, que a vontade dos suecos em conquistar o território russo desmoronou.
A vitória mudaria o sobrenome de Alexandre para “Nevsky” (em russo, “do Neva”).
Mas faria surgir forte inveja na aristocracia, os chamados boiardos, o que
obrigaria o Kniaz a se exilar. Logo, uma ameaça bem pior do que os suecos faria
a aristocracia mudar de ideia. Uma ordem de monges guerreiros de origem alemã,
os Cavaleiros Teutônicos, invadira a vizinha Livônia, atual Letônia, que havia
se tornado o epicentro das Cruzadas do Norte.
O que os movia era o impulso de levar o
cristianismo, pela espada, aos povos pagãos da Europa do Leste. Novgorod
professava o cristianismo ortodoxo.
Mas, se algum cavaleiro teutônico foi tomado por
alguma dúvida moral sobre uma possível luta de cristãos contra cristãos, o papa
Gregório IX, não. Abençoou a expansão como forma de glorificação do
catolicismo.
Os cruzados avançavam em direção de Novgorod e os
boiardos chamaram o príncipe de volta. A ofensiva teutônica começou no inverno
de 1240. Os cruzados chegaram com sua pesada cavalaria. Devastaram e saquearam
o que encontraram pela frente e conquistaram Pskov, parceira comercial de
Novgorod. O jovem príncipe juntou à sua guarda pessoal, formada por cavaleiros
de elite, uma milícia com gente de Novgorod e dos clãs tribais. Atacou de
surpresa e reconquistou Pskov. Os prisioneiros foram libertados, mas não houve
piedade aos boiardos que colaboraram com o invasor. Foram enforcados.
A armadilha
Os teutônicos eram soldados profissionais. Passada
a surpresa, reorganizaram-se e passaram ao contra-ataque. Perto de Tartu
exterminaram parte do Exército de Nevsky em missão de observação. O revés fez o
príncipe mudar sua estratégia. Era hora de recuar para enfrentar os teutônicos
em terras conhecidas. Como local do confronto, Nevsky escolheu o Lago Peipus. O
lago era profundo, estava congelado e era cercado por pântanos que davam
passagem somente em três pontos, que Nevsky conhecia bem. O príncipe também
sabia que naquele começo de abril a superfície gelada do lago era fina. E não
aguentaria o peso da cavalaria teutônica. Era possível montar uma armadilha
para os cruzados, percebeu. Posicionou suas tropas para obrigar o inimigo a
cavalgar bem em cima do gelo e aguardou. Os alemães caíram no engodo. Mesmo em
inferioridade numérica, 800 cavaleiros contra 5 mil russos, estavam seguros de
sua superioridade bélica, com seus poderosos cavalos e pesadas armaduras.
Assim, subestimaram o inimigo, considerando-os um
bando de camponeses mal-armados e sem treinamento militar. Não deixavam de ter
razão. “Os homens de Nevsky não eram soldados. Eram camponeses tirados à força
de seus trabalhos rurais, não treinados e mal-armados”, diz Mikhail Krom,
professor de Estudos Históricos Comparados na Universidade Europeia de São
Petersburgo.
Os cruzados repetiram a clássica e bem-sucedida
tática utilizada em todos os confrontos precedentes: cavalgar compactos para o
centro do Exército inimigo, usando a força de impacto da cavalaria pesada para
dividi-lo em duas partes e enfrentá-las separadamente. Nevsky estava preparado.
Quando o inimigo estava próximo, deu a ordem de abrir a frente em duas partes, que
atacaram os invasores pelos flancos. Isso obrigou os teutônicos a permanecerem
no centro do lago. O príncipe escondia mais um trunfo: arqueiros mercenários
mongóis a cavalo. Foram decisivos. Esse detalhe tático entrou na tradição
eslava como o mito de que anjos chegaram dos céus salvando o príncipe.
Sob a água e o gelo
Cercados e ofuscados pelo sol refletido no gelo, os
cruzados foram fustigados pelas flechas e atacados pela infantaria. O confronto
foi rápido, mas sangrento. Os cruzados tentaram se retirar da superfície do
lago, mas o gelo quebrava por debaixo deles. Cavalos e cavaleiros desapareciam
nas águas geladas. O ponto de força da cavalaria teutônica, as armaduras pesadas,
se revelou sua maldição. Somente 300 cruzados se salvaram do massacre. Mais uma
vez, Nevsky voltou triunfante como gênio militar. A estratégia de amizade com
os dominadores asiáticos lhe assegurou, em 1252, a nomeação como Grão-Príncipe.
Alexandre começou uma política de acomodação com os mongóis. Não lutou contra
eles e perseguiu os rebeldes que não queriam pagar os tributos ao Canato da
Horda Dourada.
Mas, segundo uma versão aceita pelos historiadores,
os mongóis mostraram-se ingratos e o teriam envenenado, aos 43 anos, durante
uma visita oficial. “Provavelmente, ele tinha se tornado independente demais”, especula
Mari Isoaho, professora de História da Universidade de Helsinque e autora do
livro The Image of Aleksandr Nevskiy in Medieval Russia. Três séculos mais tarde, a Igreja Ortodoxa proclamou Alexandre Nevsky
santo, dedicando-lhe igrejas e monastérios em toda a Rússia.
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Um comentário:
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