The Independent, 03/09/2010
As narrativas populares da Segunda Guerra Mundial publicadas na Europa e
na América do Norte tendem a focar nas aventuras heroicas das nações aliadas
enquanto elas lutavam contra a ameaça do fascismo. Todos os anos, editoras
lançam dezenas de livros sobre a Batalha da Inglaterra, El-Alamein, Dia-D, Iwo
Jima e outros episódios militares dramáticos da guerra. As narrativas centradas
em batalhas tendem a diminuir, ou mesmo apagar, os efeitos duradouros da guerra
já que são vistos como acontecendo longe dos principais teatros de conflito,
especialmente nas colônias.
Muito tem sido escrito sobre a fome em Bengala na Índia e América, mas a
maioria se concentra em fatores locais. A
Guerra Secreta de Churchill, de Madhusree Mukerjee, direciona o
desastre em seu contexto imperial, mostrando como a estória da fome está
conectada com a história do movimento “Libertem a Índia” de Gandhi e com as
atitudes e prioridades de Churchill e seu gabinete de guerra. Ele mostra como
Churchill e seus associados poderiam ter facilmente impedido a fome com poucos
envios de grãos, mas se recusou, apesar dos apelos repetidos de dois vice-reis
sucessivos, do próprio Secretário de Estado de Churchill para a Índia e mesmo
do presidente dos Estados Unidos.
Epidemias de fome, que nunca foram vistas na Índia, tornaram-se gradativamente
letais durante o Raj[1] por causa da exportação de grãos e a substituição de
safras de alimentos por índigo ou juta. A Segunda Guerra tornou as coisas
piores, especialmente após as forças japonesas ocuparem a Birmânia em 1942,
cortando as importações indianas de arroz. Então, um ciclone destrutivo atingiu
a costa de Bengala justamente quando as colheitas de inverno cruciais estavam
amadurecendo e o arroz remanescente foi destruído por doença. Funcionáris do
Raj, temendo uma invasão japonesa, confiscaram tudo que poderia ajudar a força
invasora – barcos, mapas, veículos motorizados, elefantes e, mais crucial, todo
arroz disponível. Os japoneses nunca invadiram, mas um público em pânico – e muitos
empresários – imediatamente começou a estocar arroz e a comida popular
desapareceu dos mercados.
Os estoques estatais foram liberados, mas somente para o povo de
Calcutá, especialmente empresários britânicos e seus empregados, trabalhadores
de ferrovias e portos e funcionários do governo. Lojas controladas foram
abertas para cidadãos menos importantes de modo que a população urbana de
Calcutá não sofreu muito. As massas rurais, contudo, foram deixadas às moscas.
Isto aconteceu quando Churchill poderia ter feito a diferença ao enviar trigo
ou arroz para Bengala, e não seria preciso grandes quantidades. O objetivo seria
acumular produtos pouco lucrativos e, como o vice-rei Lorde Linlithgow
percebeu, “o mero conhecimento das importações iminentes” teria baixado o preço
do arroz.
Churchill e seu gabinete de guerra, entretanto, decidiram reservar o
embarque reserva disponível para levar comida à Itália no caso dela cair nas
mãos aliadas. O nacionalista indiano Shbhas Chandra Bose, então lutando ao lado
das forças do Eixo, ofereceu enviar arroz da Burma, mas os censores britânicos
sequer cogitaram relatar essa oferta. A Austrália e o Canadá estavam ansiosos
para enviar trigo, mas virtualmente todos os navios mercantes localizados no
Oceano Índico moveram-se para o Atlântico no sentido de levar comida para a
Grã-Bretanha, que já possuía uma situação confortável de estoques.
Assim, centenas de milhares morreram nas vilas de Bengala e, em meados
de 1943, hordas de pessoas famintas fluíam para Calcutá, a maioria morrendo nas
ruas, frequentemente em frente às lojas ou restaurantes servindo refeições
saborosas. O clima da metrópole, um jornalista notou, estava cheio daquele “odor
ácido característico que as vítimas exalam quando estão próximas do fim.”
Em Londres, o conselheiro adorado de Churchill, o naturalista Frederick
Alexander Lindemann (Lorde Cherwell) era impassível. Um crente convicto da
teoria malthusiana da população, ele culpava a alta taxa de nascimento indiana
pela fome – enviar mais comida pioraria a situação ao encorajar os indianos a
se reproduzir mais. O Primeiro Ministro compartilhava da mesma opinião e a
expressou de forma tão doce que Leo Amery, Secretário de Estado para a Índia, explodiu
de raiva, comparando sua atitude à de Hitler.
Os simpatizantes de Churchill sempre negaram que seu ídolo tivesse tido
condições de aliviar a fome em Bengala. O embarque, eles afirmam, era raro e
não era possível enviar comida para Bengala. Mukerjee detona esta “inexatidão
terminológica” com precisão. Havia possibilidade de embarque no verão e outono
de 1943, graças à transferência de navios cargueiros americanos para o controle
britânico. Churchill, Lindemann e seus associados próximos simplesmente não
consideraram as vidas indianas dignas de serem salvas.
Mukerjee pesquisou este holocausto esquecido com grande cuidado e rigor
forense. Pesquisando uma grande variedade de fontes, ela não somente lança luz
sobre a responsabilidade imperial na questão da fome, mas em uma série de
assuntos relacionados, tais como o florescimento do nacionalismo nos distritos
atingidos pela fome, a fúria de Churchill sobre o crédito financeiro que a
Índia estava conseguindo em Londres ou a situação terrível nas vilas mesmo após
a epidemia de fome estar tecnicamente encerrada. Seu relato emocionante da
brutalidade imperial envergonhará os admiradores do Maior dos Bretões e
assustar todos os outros.
Nota do tradutor: estima-se o
número de vítimas entre 1,4 e 4 milhões de pessoas.
Nota:
[1] período de dominação britânico, 1858 – 1947
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