Falar em “fascismo” hoje em dia é
complicado, pois tudo que não é socialismo virou fascismo na boca dos
socialistas. Como Churchill alertara, “os fascistas do futuro chamarão a si
mesmos de antifascistas”, e o futuro chegou. Além disso, qualquer grupo
violento, agressivo, como até mesmo uma torcida organizada de futebol, é
chamado de “fascista”. Mas o que é o fascismo? Qual a sua origem?
É o que tenta responder James Gregor em Mussolini’s Intellectuals, livro fundamental para quem
se interessa pelo assunto. Ele mergulha nas ideias dos principais nomes por
trás do fenômeno que surgiu na Itália naquele começo do século 20, para mostrar
que havia uma coerência ideológica por trás da coisa, que não se tratou apenas
de brutamontes distribuindo pauladas, mas de pensadores, alguns renomados,
construindo uma ideologia totalitária com resultados perversos.
A primeira coisa que chama a atenção é que quase
todos os líderes intelectuais do fascismo foram marxistas. Houve uma conversão,
em muitos casos após a Primeira Guerra Mundial, quando esses pensadores
perceberam que o conceito universal de classe não era suficiente para atrair o
proletário para a luta, uma vez que o apego à nação falava mais alto. O fascismo
trocaria classe por nação, mas manteria inúmeras outras características do
marxismo, a começar por seu coletivismo que ignora o indivíduo, meio
sacrificável para esse “bem geral”.
Até mesmo Gramsci, um dos principais pensadores
comunistas italianos, reconheceu que inicialmente o fascismo fez oposição ao
socialismo não porque era antissocialista, mas porque o socialismo oficial da
época foi contra a entrada da Itália na guerra. Para Mussolini, ele mesmo um
jovem socialista, essa oposição surgiu pelo sentimento antinacionalista
equivocado dos socialistas. Mussolini, como outros fascistas, achava que era
perfeitamente possível combinar ambos – socialismo e nacionalismo.
Uma confusão comum advém do fato de que os
fascistas não desejavam, como os socialistas, derrubar completamente o
capitalismo. Para os marxistas, que acreditavam no determinismo histórico,
qualquer um que tentasse reabilitar o capitalismo de alguma forma só podia ser
um reacionário, ainda que os próprios marxistas reconhecessem a importância do
capitalismo como etapa do progresso. Colocar-se contra o “curso inevitável da
história” era coisa de gente irracional e contraditória, segundo os marxistas.
Já os fascistas também desejavam fins semelhantes,
só que pretendiam usar o capitalismo, ainda que sob o total controle estatal,
como instrumento desse progresso coletivo. Pensadores como Giovanni Gentile e
Roberto Michels traçaram o arcabouço fascista antes da chegada de Mussolini ao
poder, com a mistura de um nacionalismo idealista e um sindicalismo
revolucionário.
O uso da violência associada ao fascismo não muda
sua origem idealista, da mesma forma que o “socialismo real” também justificou
a violência, mas não altera o idealismo marxista original. Tanto o fascismo
como o marxismo não são somente violência pura: ela jamais teria o verniz de
aceitação que teve, como um meio legítimo, sem os pilares ideológicos a
sustentando, sem a utopia final vendida aos iludidos.
Os fascistas eram marxistas heréticos, pois achavam
que o instrumental marxista não bastava para levar um país pouco
industrializado como a Itália rumo ao progresso. Eles queriam “modernizar” a
indústria italiana para executar a “revolução proletária” e um programa de
distribuição de riquezas mais “justo” e igualitário. O capitalismo industrial
de Estado era, portanto, apenas um meio para seu fim coletivista e socialista.
O fascismo pegou um sentimento legítimo – o
patriotismo e a busca por pertencimento – e o transformou em algo totalmente
diferente: um nacionalismo coletivista que buscava o “renascimento” da Itália
de outrora, uma “Terceira Roma” que resgatasse a civilização decadente, a
moralidade perdida num mundo cada vez mais materialista e sem propósito. O
individualismo era o alvo dos fascistas e o ressentimento em relação a outras
potências mais avançadas era o combustível desse nacionalismo.
A democracia representativa corrupta e ineficiente
era um obstáculo a essa meta ambiciosa. Em seu lugar, era preciso colocar os
mais capazes, os mais competentes. Os fascistas desprezavam os mecanismos
imperfeitos e entediantes do Parlamento, preferindo colocar em seu lugar uma
elite “esclarecida” que falasse diretamente em nome do Povo. Nada muito
diferente do que pregavam os marxistas, com sua “ditadura do proletário” como
fase intermediária até a “abolição do Estado”.
A democracia representativa e a economia liberal
seriam alvos dos ataques tanto dos sindicalistas revolucionários como dos
marxistas e fascistas, pois impediam “grandes feitos” e corrompiam a
consciência política das massas. A democracia se mostrou incapaz de entregar o
potencial da nação, descambando para o populismo, e somente uma liderança
autoritária que colocasse a nação como prioridade poderia destravar todo esse
potencial, para criar a “Itália proletária”.
Na economia, a influência seria de gente como o
alemão Friedrich List, defensor de um nacional-desenvolvimentismo que condenava
o liberalismo e pregava o protecionismo estatal como alavanca para o futuro
radiante. O governo era a grande locomotiva do progresso e, por isso, Mussolini
resumiu sua ideologia assim: “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora
do Estado”.
Quando estudamos os intelectuais que criaram o
fascismo como ideologia, fica mais claro o absurdo da acusação que a esquerda
faz aos liberais e conservadores. Que uma ala minoritária da dita “direita”
possa ter cores fascistas até é verdade, mas porque os extremos se tocam. São
muito mais parecidos com seus “arqui-inimigos” marxistas e socialistas do que
esses gostariam.
“Para qualquer um que soubesse alguma coisa sobre
Mussolini, estava claro que havia muito pouco que fosse conservador, liberal ou
politicamente democrático em suas convicções mais fundamentais”, afirma Gregor.
Diante disso tudo, resta evidente que, quando um socialista acusa um liberal de
“fascista”, está seguindo a tática de Lenin de atacar os outros na frente de um
espelho.
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