domingo, 28 de dezembro de 2014

O Mito da Tradição Judaico-Cristã

Adam Zagoria-Moffet


Nos Estados Unidos, é comum escutar referências frequentes e apaixonadas ao conceito de uma cultura, ética ou valores “judaico-cristãos”.  Qualquer resenha simplista da mídia americana demonstrará que o conceito é usado em ambos os lados do corredor proverbial – este ideal nebuloso judaico-cristão é evocado na defesa tanto da agenda liberal quanto da agenda conservadora de forma rotineira. Raramente esta fusão entre Judaísmo e Cristianismo parece ser questionada. Com muita frequência, ela é vendida como sendo representante do sistema de crenças dos fundadores da América (os quais eram, de fato, totalmente idiossincráticos em suas doutrinas religiosas). Apesar de sua onipresença no discurso político, acredito que o conceito da tradição judaico-cristã é bizarro, impreciso e, o mais importante, perigoso.

Vamos começar com o bizarro: apesar de o termo ter aparecido pela primeira vez em meados do século XIX, ele somente ganhou sua implicação atual – qual seja, de um sistema de valores e moral compartilhado – nos anos 1940. O presidente Eisenhower tornou o conceito um termo comum quando ele conectou-o com os “Pais Fundadores” em um discurso de 1952:

“Todos os homens são dotados pelo seu Criador.” Em outras palavras, nossa forma de governo não tem sentido a menos que ele seja fundamentado em uma fé religiosa profunda, e não me importo qual seja ela. Entre nós, é claro, é o conceito judaico-cristão, mas pode ser uma religião onde todos os homens sejam criados iguais.

Para o astuto estudioso de História, a declaração do presidente Eisenhower parece incrivelmente bizarra sob a ótica do equilíbrio das relações judaico-cristãs. Não há praticamente nenhum precedente qualquer para o Judaísmo e o Cristianismo compartilharem um núcleo comum de crenças, práticas ou moral. Além disso, há um bom argumento a ser feito que a fundação completa da Civilização Ocidental (que é mais ou menos contérmino com a Cristandade) é baseada em oposição ao Judaísmo e aos seus valores (por exemplo, o trabalho de David Nirenberg, “Antijudaísmo: a Tradição Ocidental”). A história excessiva da violência religiosa cristã contra os judeus, da Antiguidade até os tempos atuais, incluindo libelos de sangue, as Cruzadas, pogroms, expulsões e queima de livros, todos testemunham a rejeição altamente enraizada e ódio aos judeus pelos cristãos. Mesmo proeminentes pais da Igreja João Crisóstomo e Tertuliano[1] definiram o Cristianismo como a antítese do Judaísmo. O texto infame de Crisóstomo Adversus Judaeos contém a seguinte pérola:

“O povo judeu foi movido pelo seu alcoolismo e sua obesidade à maldade suprema; eles se esquivaram, eles falharam em aceitar o comando de Cristo nem eles aceitaram seguir Seus ensinamentos. Um profeta deu a entender isto quando ele disse: “Israel é tão obstinado e teimoso quanto uma novilha.” Apesar de tais bestas serem despreparadas para o trabalho, elas são preparadas para matar. E isto é o que acontece com os judeus: enquanto eles mesmos tornam-se despreparados para o trabalho, eles se preparam gradativamente para o massacre. Por este motivo Cristo disse: “Mas quanto a meus inimigos, que não querem ver-me reinando sobre eles, traga-os aqui e matem-nos diante de mim.” (Lucas 19:27) [2].

Lendo as declamações de Adversus Judaeos, é difícil de imaginar como qualquer um pode imaginar que possa haver uma concepção preexistente de uma visão judaico-cristã compartilhada do mundo. Além da natureza bizarra de tal afirmação, ela é também chocantemente imprecisa. O sistema de valores judaico-cristãos que os comentaristas políticos americanos adoram fazer referências não tem nenhum precedente na história (de fato, o extremo oposto), mas ele também não tem fundamento nos sistemas teológicos e éticos das duas Fés. Os defensores do uso do termo “judaico-cristão” como um adjetivo aceitável falham no núcleo de seu argumento – que o Judaísmo e o Cristianismo compartilham valores comuns – é essencialmente mentiroso.

É impossível comparar adequadamente dois sistemas teológicos extremamente desenvolvidos – nem mesmo em um trabalho de muitos volumes, imaginem em uma postagem de blog. Em nome da brevidade, simplesmente considere alguns princípios básicos de cada Fé. Lei, salvação, pós-vida, pecado, hierarquia, ritual, monoteísmo – mesmo crença, fé e prática – quase todo componente de uma autêntica prática cristã e uma autêntica prática judia diferirá em um modo elementar. Se desejarmos sermos precisos (o que deveria ser), simplesmente não tem nenhum sentido considerar Judaísmo e Cristianismo como compartilhando a mesma visão sobre Deus e o mundo.

Mais importante, o conceito de um sistema de valores judaico-cristãos é perigoso. Antes que se pense que os dias da teologia supersessionista passaram[3], a fascinação contemporânea com a fusão do Judaísmo e o Cristianismo pode ser entendida como uma continuação das primeiras tentativas supersessionistas. Stephen Feldman coloca bem a questão da seguinte forma:

“Para os cristãos, o conceito de uma tradição judaico-cristã sugere confortavelmente que o Judaísmo progride em direção do Cristianismo – que o Judaísmo está de alguma forma completado no Cristianismo. O conceito de uma tradição judaico-cristã flui da teologia cristã da supersessão, onde a Aliança Cristã (ou Testamento) com Deus substitui a Aliança com o povo judeu. A Cristandade, de acordo com este mito, reforma e substitui o Judaísmo. O mito portanto implica, primeiro, que o Judaísmo precisa de reforma e substituição, e segundo, que o judaísmo moderno permanece simplesmente como uma ‘relíquia’. Mais importante ainda, o mito da tradição judaico-cristã obscurece insidiosamente as diferenças reais e significativas entre Judaísmo e Cristianismo.”

Fundir Judaísmo com Cristianismo no modo que vemos hoje na América é simplesmente o meio polêmico de eliminar o Judaísmo e definir o mundo ocidental como aquele que conquistou o Judaísmo.

Mesmo que fossemos da opinião que é produtivo e sábio falar a respeito de uma cultura interreligiosa  compartilhada, ela não seria definitivamente Cristã ou Judia. Onde tal coisa fosse um conceito útil, a única encarnação potencialmente precisa, seria uma cultura judaico-mulçumana. O Islã e o Judaísmo na verdade compartilham conceitos básicos sobre lei, comportamento, fé, natureza de Deus, obrigações das pessoas, governança da sociedade, etc. Há algumas exceções notáveis para suas tradições surpreendentemente semelhantes, mas no geral sua moral, ética e valores são consideravelmente mais semelhantes do que diferentes. E elas são certamente mais semelhantes entre si do que em relação ao Cristianismo. Mesmo Slavoj Zizek em “Uma Olhada nos Arquivos do Islã” escreve:

Falamos geralmente de uma Civilização Judaico-Cristã – talvez, já chegou a hora, especialmente em virtude do conflito no Oriente Médio, de falar de uma civilização Judaico-Mulçumana como um eixo de oposição à Cristandade.

No final, nenhuma tentativa de tratar duas culturas diferentes como uma única é produtiva ou prática – mas se o fizermos há poucos motivos (exceto do supersessionismo e antijudaísmo) de tentar fundir Cristianismo e Judaísmo. Quando falamos de uma civilização judaico-cristã, diminuímos e colocamos em risco tanto o Judaísmo quanto o Cristianismo, e não fazemos nenhum favor a elas ao continuar acreditando em tal ideia.

Notas:

[1] João Crisóstomo (c. 347 - c. 407), Patriarca de Constantinopla, é conhecido como um pregador, teólogo e liturgista. João é conhecido por ser contra o abuso da riqueza, pela defesa do auxílio aos pobres, pela veneração e sua relação com o Papa Inocêncio I é um exemplo do primado papal. Quinto Setímio Florente Tertuliano (em latim: Quintus Septimius Florens Tertullianus; c. 160 - c. 225), se converteu ao cristianismo antes de 197, foi um escritor prolífico de apologética, obras teológicas e ascéticas. Ele era filho de um centurião romano. Tertuliano era um advogado em Roma.

[2] O verso é parte de uma parábola que Jesus ensinou. A parábola parecia querer ensinar sobre o Julgamento de Deus nesta questão. Ela não sugere que o governo dos homens deveria sequer seguir este caminho.  Jesus apenas usa o que poderia e frequentemente acontecia para ilustrar um aspecto do governo supremo de Deus. Ver Lucas, Capítulo 19, versículos 11 a 27.

[3] A teologia da substituição (também conhecida como supersessionismo) essencialmente ensina que a Igreja substituiu Israel no plano de Deus. Os aderentes à teologia de substituição acreditam que os judeus não sejam mais o povo escolhido de Deus e que Deus não tenha planos futuros específicos para a nação de Israel. Todas as opiniões diferentes do relacionamento entre a Igreja e Israel podem ser divididas em duas áreas: ou a Igreja é a continuação de Israel (Teologia da Substituição / Teologia do Pacto), ou a Igreja é completamente diferente e distinta de Israel (Dispensacionalismo / Pré-milenismo).

http://www.stateofformation.org/2014/04/the-myth-of-a-judeo-christian-tradition/

O Zelo dos Cristãos

Edward Gibbon

Extraído do livro "Os Cristãos e a Queda de Roma" (Capítulos 15 e 16 de Declínio e Queda do Império Romano, 1778).

"Já tivemos ocasião de descrever a harmonia religiosa do mundo antigo e a facilidade com que as nações mais diversas, e mesmo hostis, abraçavam, ou pelo menos respeitavam, as superstições umas das outras. Um só povo se recusou a partilhar desse intercãmbio comum da humanidade. Os judeus, que durante as monarquias assíria e persa haviam definhado por longo tempo na condição de seus mais desprezíveis escravos, emergiram da obscuridade sob os sucessores de Alexandre... A casmurra obstinação com que mantinham seus ritos peculiares e suas maneiras antissociais parecia assinalá-los como uma espécie diferente de homens, que audazmente professavam ou que mal escondiam sua implacável aversão ao resto da humanidade... Embora a lei lhes tivesse sido dada entre trovões no monte Sinai, e as marés do oceano e o curso dos planetas se suspendessem para a conveniência dos israelitas, e castigos e recompensas temporais fossem consequências imediatas de sua piedade ou desobediência, eles voltavam sempre a rebelar-se contra a majestade visível de seu Rei Divino...

A religião judaica se adequava admiravelmente à defesa, mas nunca à conquista; e é provvável que o número de seus prosélitos nunca tivesse sido muito superior ao dos seus apóstatas... A conquista de Canaã se fez acompanhar de tantos acontecimentos prodigiosos e de tantas circunstâncias sangrentas que os judeus vitoriosos foram deixados num estado de irreconciliável hostilidade com todos os seus vizinhos... A religião de Moisés parece ter sido instituída para um território determinado, assim como para uma única nação... Suas peculiares regras relativas a dias, alimentos e variegadas observãncias, triviais mas trabalhosas, constituíam motivos de fastio e aversão para as demais nações, a cujos hábitos e predisposições elas se opunham diametralmente. por si só, o doloroso e até perigoso rito da circuncisão era capaz de fazer um prosélito voltar da porta da sinagoga.


Nessas circunstâncias, o cristianismo se oferecia ao mundo armado da força da lei mosaica e liberto do peso das suas cadeias... Admitia-se a divina autoridade de Moisés e dos profetas, inclusive como a mais firme base da cristandade... À lei cerimonial, que consistia apenas em símbolos e figuras, sucedeu um culto espiritual e puro igualmente adaptado a todos os climas e a todas as condições humanas; a iniciação pelo sangue foi substituída pela inofensiva iniicação pela água. A promessa do favor divino, em vez de confinar-se facciosamente à posteridade de Abraão, estendeu-se universalmente ao liberto e ao escravo, ao grego e ao bárbaro, ao judeu e ao gentio."

2 comentários:

Poshi disse...

muito interessante. Mas gera um problema grave que é a questão da miscigenação entre os judeus e não-judeus,a propaganda mesmo com todas as proibições incentiva o judeu também a se misturar e os judeus poderosos hoje em dia são brancos uma minoria branca racista e fascista.
Como irão lidar com essa questão no futuro? Será que os negros aceitarão o comando racial branco judeu ou se voltarão contra eles também?

Guia do Engenheiro Mecânica disse...

Nunca vi tanta asneira. Eu me chamo Samuel, nome judeu e meus pais são cristãos. Isso de a maioria dos nomes serem bíblicos é uma forte influência judaico-cristã. Este post quer desconstruir que Jesus era judeu? Burro, sempre haverá a cultura judaica cristã andando em harmonia, pois o messias é judeu e a Bíblia cristã é a Torá, os profetas e as escrituras.