A
papelada tem partes do diário de guerra do ex-chefe de Operações do
Oberkommando der Wehrmacht (OKW), general Alfred Jodl, e depoimento do
ex-ministro da marinha alemã Erich Raeder na corte que julgou chefes nazistas -
Jodl foi condenado à morte e Reader, à prisão perpétua. Os afundamentos levaram
o País ao conflito.
"Em
29 de maio, o Comando de Operações Navais (SKL) propôs liberar o uso de armas
contra forças aéreas e navais brasileiras", anotou Jodl em 16 de junho.
"(O SKL) Considera apropriado um rápido golpe contra navios mercantes e de
guerra brasileiros no momento presente, no qual medidas defensivas ainda estão
incompletas e a possibilidade de surpresa existe, já que o Brasil praticamente
está guerreando no mar a Alemanha. (...) Sobre a proposta do chefe do Comando
Operacional das Forças Armadas, o führer ordenou em 30 de maio que o Comando de
Operações Navais (SKL) deveria verificar, perguntando a Roma se relatórios
brasileiros sobre a guerra, como ações contra submarinos do Eixo, estão
corretos. A investigação (...) mostrou que submarinos italianos foram atacados
em 22 e 26 de maio no canto nordeste do Brasil por aviões que fora de dúvida
decolaram de base área brasileira."
Chefe da
marinha de guerra alemã (Kriegsmarine) até 1943, Raeder se defendia em
Nuremberg da acusação de crime de guerra por ordenar ações bélicas contra um
país neutro e atacar embarcações brasileiras. Na época, os U-boats (submarinos)
alemães tentavam bloquear o envio de matérias-primas e armas aos Aliados no
Reino Unido e norte da África, atacando embarcações mercantes inimigas, o que
não era oficialmente o caso do Brasil. Sua defesa argumentou que os brasileiros
não sinalizavam corretamente seus barcos, tornando-se impossível diferenciá-los
de navios inimigos. A documentação faz parte do arquivo da Missão Militar
Brasileira na Alemanha e foi encaminhada ao País pelos Aliados em 1946.
Medo. A tensão entre Brasil e Alemanha
vinha de 1941. O primeiro incidente entre os dois países ocorreu em 22 de
março, quando o navio mercante Taubaté foi metralhado pela Luftwaffe no
Mediterrâneo, junto à costa do Egito, deixando um morto e 13 feridos. Em 13 de
junho, um submarino alemão obrigou o navio Siqueira Campos a parar junto a Cabo
Verde. A embarcação brasileira só foi liberada após ser revistada e ter
tripulantes fotografados. O Brasil aprofundava as relações com os Estados
Unidos, que, a partir de junho, passaram a usar portos de Recife e Salvador. De
Natal, americanos começaram a fazer patrulhamento aéreo. O Brasil rompera com o
Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em 28 de janeiro de 1942, no fim da 3.ª
Conferência de Chanceleres das Américas, no Rio.
"A
relação entre Brasil e Alemanha na época era assustadora", declarou
Raeder, respondendo a seu advogado, Siemers, diante dos juízes em Nuremberg .
"Alemães eram perseguidos lá, tratados muito mal. Os interesses econômicos
da Alemanha eram prejudicados pesadamente. Brasileiros já vinham dando ouvidos
aos Estados Unidos. Tinham permitido estações de rádio americanas.
Transmissores sem fio tinham sido estabelecidos ao longo da costa brasileira e
também estações de inteligência. (...) Eles mesmos confirmaram que tinham
destruído um submarino alemão."
Depois do
rompimento diplomático, recrudesceram os ataques alemães contra o País, ainda
longe de águas brasileiras. A guerra chegaria mais perto em 22 de maio, quando
o submersível italiano "Barbarigo" atacou (sem conseguir afundar) o
vapor mercante Comandante Lira, entre Fernando de Noronha e o Atol das Rocas. O
submarino foi localizado por um B-25 Mitchell da FAB, que, atacado a tiros de
metralhadora, segundo a versão brasileira, reagiu com bombas. A embarcação
italiana escapou, mas o incidente teve repercussão no comando alemão. É a esse
caso que Jodl cita em seu diário.
A
embaixada alemã temia o agravamento das relações com o Brasil, por causa da
atitude da Argentina e do Chile. Após a ação contra o Barbarigo, o Comando de
Operações Navais propôs que dez submarinos, que deveriam sair entre 22 de junho
a 4 de julho de portos na França, bloqueassem os principais portos brasileiros
de 3 a 8 de agosto. A ordem deveria ser dada aos submarinos até 15 de junho.
‘De
acordo’. Segundo Jodl, depois de o comandante da marinha relatar a situação a
Hitler em 15 de junho em Berghof, o führer "se declarou de acordo".
"Ordenou, contudo, que antes da decisão definitiva a situação política
fosse de novo examinada pelo Ministério das Relações Exteriores." A
operação, porém, acabou suspensa. Veio então nova série de ataques de navios
brasileiros, ainda longe das águas nacionais.
Em
agosto, o Eixo iniciaria outra ofensiva, agora contra a costa brasileira. Só no
dia 16 morreram 551 pessoas nos ataques aos navios Baependi (270 mortos), Araraquara
(131) e Annibal Benevolo (150). Os três foram torpedeados pelo submarino alemão
U-507 perto de Sergipe. Um dia depois, o mesmo submersível matou mais 56
pessoas, ao afundar os navios Itagiba e Arará na costa da Bahia. Em 19 de
agosto, o U-507 afundou a barcaça Jacira, perto de Ilhéus. Três dias depois, o
Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália.
Telegrama
"altamente secreto" da marinha alemã para o OKW admitia
"risco" de a força ser responsabilizada pela entrada do Brasil na
guerra. Ela sugeriu ao ministério das relações exteriores que pedisse às nações
neutras para sinalizar seus navios para não serem confundidos com inimigos. Por
fim, o documento da marinha diz: "O Ministério das Relações Exteriores
alemão, contudo, mandou tal notificação só para Argentina e Chile. Um telegrama
enviado em 10 de fevereiro de 1942. O Ministério das Relações Exteriores
permaneceu no ponto de vista de que Estados sul-americanos que tinham rompido
relações conosco não fossem informados."
Mortes. Ao todo, 35 navios brasileiros
foram atacados de 1941 a 1944 - 33 afundaram, com 1.081 mortos documentados
(mas o número pode chegar até a 1.400, pois nem toda embarcação tinha controle
do número de passageiros) e 1.686 sobreviventes. Estudioso da 2.ª Guerra
Mundial, o historiador Frank McCann, da Universidade de New Hampshire, nos
Estados Unidos, avalia que os documentos de Nuremberg trazem detalhes
importantes sobre as decisões alemãs de atacar navios brasileiros.
"Publicados, poderiam finalmente aquietar um pouco do nonsense sobre quem
afundou os navios brasileiros e por quê."
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