sábado, 21 de julho de 2012

[HOL] O Relato do Holocausto de um Historiador Polonês divide seus Compatriotas

Marc Parry

The Chronicle, 25 de junho de 2012

 
Na área do antigo campo de extermínio de Treblinka, membros da milícia polonesa junto com populares vasculham uma cova em busca de pertences de judeus mortos.
 
 
A maioria dos historiadores acadêmicos trabalha na obscuridade. Mas na Polônia ano passado, um pequeno volume de um professor de Princeton sobre a história do Holocausto tornou-se um Best seller controvertido. A editora, Znak, viu sua caixa de correio eletrônico bombardeada, seus negócios ameaçados por boicote e a área de seu escritório pichada. Em uma coletiva de imprensa, a diretora executiva da editora se opôs ao livro e pediu desculpas aos leitores ofendidos.

Tal é a personalidade magnética de Jan T. Gross, de quem um crítico polonês chamou de “um vampiro da historiografia.” O último livro do Sr. Gross, publicado em inglês pela Oxford University Press, investiga um assunto sensível: como os poloneses participaram da pilhagem e assassinato dos judeus “na periferia do Holocausto.”

Seu título, Colheita de Ouro (Golden Harvest, em tradução livre), parte de uma fotografia de capa supostamente mostrando camponeses poloneses escavando uma cova contendo os restos de vítimas mortas em Treblinka, onde 800.000 judeus foram gaseados e cremados, procurando por ouro ou outros objetos de valor desprezados pelos nazistas.

De lá, o sr. Gross narra eventos além do arame farpado dos campos de extermínio nazistas. Ele descreve os poloneses caçando judeus, extorquindo dinheiro deles, massacrando-os e lucrando ao roubar-lhes seus empregos e propriedade. Cerca de 3,3 milhões de judeus viviam na Polônia antes da guerra começar, e cerca de 90% deles pereceram ao seu final.

“Havia um sentimento de satisfação que era muito disseminado que eles estavam sendo eliminados da economia e vida social polonesa,” diz o Sr. Gross em uma entrevista por telefone da Cracóvia, onde ele está dando um curso de férias para estudantes de Princeton. “Quando aparecia uma oportunidade, um grande número de poloneses participava da vitimização de judeus.”

A Colheita de Ouro, escrito com Irena Grudzinka Gross, a ex-esposa do autor, aborda um tema familiar. O livro de 2001 do Sr. Gross, Vizinhos (Neighbors, Princeton University Press), obrigou os poloneses a reconhecer sua história pela reconstrução de um massacre em 1941 na pequena cidade de Jedwabne. Quase todos os seus judeus foram mortos em apenas um dia – cerca de 1.600 pessoas esfaqueadas, surradas e queimadas vivas em um celeiro. O Sr. Gross descobriu que foram poloneses que cometeram este crime contra seus vizinhos e não os nazistas, que foram responsabilizados na história oficial polonesa.

A controvérsia tornou “Jedwabne” em uma palavra comum na Polônia. Lech Walesa, ícone anti-soviético e mais tarde presidente da Polônia, disseminou que o Sr. Gross era “um escritor medíocre... um judeu que tenta ganhar dinheiro.”

Notoriedade em Casa

O sr. Gross nasceu na Polônia, em 1947, de mãe cristã e pai judeu. Como estudante universitário em 1968, ele protestou contra os comunistas e acabou na prisão. Ele conseguiu fugir da Polônia, conseguindo seu Ph.D. em sociologia na Universidade de Yale e mais tarde transferiu-se para os departamentos de ciência política e história.

O escritor nova-iorquino de cabelos grisalhos, 64, aproveita um nível de notoriedade em seu país natal que nenhum historiador americano possui. Quando boatos saem que ele está escrevendo um novo livro, ansiedade espalha-se sobre qual lavação de roupa suja ele fará desta vez. Seus escritos são discutidos na TV.

O Sr. Gross “polariza a opinião pública provavelmente mais do que qualquer outra pessoa fora do mundo político,” diz Jan Grabowski, um historiador do Holocausto que divide seu tempo entre a Universidade de Ottawa e a Polônia.

Seus livros causam alvoroço porque questionam a narrativa nacional de que a Polônia é exclusivamente uma vítima da história, e não participante dos crimes.

O presidente Obama recentemente experimentou a sensibilidade deste tópico em primeira mão quando sua referência a “um campo de extermínio polonês” causou uma confusão diplomática, com os irados poloneses protestando de que foram os nazistas que ergueram os campos em suas terras.

O povo polonês experimentou a Segunda Guerra Mundial como uma tragédia ao trazer os horrores das ocupações nazista e soviética. Em 1940, a polícia secreta soviética executou pelo menos 25.000 poloneses e os enterrou em covas coletivas nas florestas próximas a Katyn e arredores. Enquanto isso, pelo menos 1,9 milhões de civis poloneses não-judeus morreram nas mãos alemãs durante a Segunda Guerra Mundial . Os nazistas invasores aterrorizaram as esferas intelectual e política polonesas, matando aquelas elites e enviando-as para os campos de concentração. Quando rebeldes se revoltaram no Levante de Varsóvia de 1944, as forças alemãs transformaram em pó a capital polonesa.

“E de repente, eis que surge Gross, que diz... não caminhamos na água,” explica o sr. Grabowski (N.do.T: referência a Jesus) . “E havia três milhões de nossos cocidadãos que foram mortos em nosso solo – e vamos ver quais as reações polonesas. Qual foi a participação, ou o papel, de nossos pais, mães e avós? Isto é algo que atinge no coração a crença nacional na inocência... Ele foi o único que liberou esta bagunça fedorenta no ar.”

Depois que Vizinhos apareceu, uma investigação governamental de dois anos praticamente confirmou o relato do Sr. Gross. Mas ele continuou enfiando seu dedo nos olhos poloneses. Em 2006, ele publicou Medo: Anti-Semitismo na Polônia após Auschwitz (Fear: Anti-Semitism in Poland After Auschwitz ). O livro acusa os poloneses de perseguir os judeus que sobreviveram ao Holocausto, focando em um pogrom de 1946 em Kielce que foi realizado após o desaparecimento de um menino de 8 anos.

Em resposta, o arcebispo da Cracóvia culpou a editora do Sr. Gross de acordar “os demônios do anti-polonismo e do anti-semitismo,” de acordo com o The Washington Post. Promotores poloneses anunciaram que eles estavam considerando acusações contra o Sr. Gross por “castigar a nação polonesa,” uma ofensa que acarreta na sentença de prisão máxima por três anos. Eles jamais levaram o caso adiante, mas durante este período, o Sr. Gross teve que se disfarçar na rua para esconder sua identidade.

Estória em uma Fotografia

A fotografia que inspirou o novo livro do Sr. Gross foi um resultado acidental daquela controvérsia. Após ele lembrar da prática de escavar por objetos valiosos nos restos em Treblinka, jornalistas poloneses viajaram para a área entrevistar os locais na vizinhança do campo. Em 2008, a Gazeta Wyborcza, o maior jornal da Polônia, publicou um artigo sobre a escavação, ilustrado por uma foto incrível adquirida de um habitante que costumava administrar o museu de Treblinka.

“Fiquei absolutamente atordoado com esta foto,” diz Sr. Gross. “Ela exemplifica uma combinação de assassinatos e pilhagem que caracteriza a atitude das sociedades europeias em relação aos judeus durante a época da guerra.”

(N. do T.: o escritor Elie Wiesel comentou sobre a pilhagem dos pertences dos judeus húngaros em seu livro A Noite: “A cidade parecia deserta. Mas, por detrás de suas persianas, nossos amigos de ontem esperavam, sem dúvida, o momento de pilhar nossas casas.” (pág. 29, Ediouro, 2001)

A fotografia fora de foco, aparentemente tirada na metade dos anos 1940, evoca uma clássica cena: “um grupo de camponeses na época da colheita após o trabalho, descansando contentes com suas ferramentas diante de uma pilha de corpos,” citando a abertura de Colheita de Ouro. Um olhar mais próximo revela o que repousa diante deles: “crânios e ossos.” Significa que eles estavam escavando por objetos valiosos entre os restos das vítimas do Holocausto.

Isto, de qualquer forma, é como o Sr. Gross interpreta. Outros levantam dúvidas. Konstanty Gebert, um colunista da Gazeta Wyborcza, chama a imagem de controversa. “A foto representa escavadores ou pessoas que estavam coletando restos humanos para arranjo futuro,” ele disse para o The Jewish Daily Forward ano passado. Martyna Rusiniak-Karwat, uma historiadora da Universidade de Varsóvia, disse ao jornal, “Jan Gross usou a foto como evidência primária. Sabemos pouco sobre sua origem.”

(N. do T.: de fato, não se pode tirar conclusões definitivas a partir de uma foto.)

O Sr. Gross tem consciência de que muito é desconhecido sobre a fotografia. Mas ele descreve que tais escavações no pós-guerra eram comuns, e amplamente documentadas. Em Colheita de Ouro, ele cita um escritor que visitou Treblinka em 1945 com uma delegação organizada para investigar os crimes nazistas. Ela descreve saqueadores carregando pás em todos os lugares e se refere à “Corrida ao Ouro de Treblinka.”

A afirmação de que as pessoas da foto estariam simplesmente limpando a área não tem fundamento, para o sr. Gross. Por anos ninguém tentou preservar Treblinka, uma atitude que foi parte de um abandono generalizado no pós-guerra deste sítios, o que faz o Sr. Gross chamá-lo de “escandaloso”. Não foi somente no final dos anos 1950 e 1960 que esforços foram feitos para preservar os antigos campos de concentração, ele diz.

De qualquer forma, o conto do Sr. Gross espalha mais terra ao invés de escavar.

Ele descreve como as vilas próximas dos campos de concentração lucravam com negócios com os guardas do campo, que estavam com os bolsos cheios de dinheiro e objetos valiosos.

Ele fala como judeus tentando escapar da deportação das cidades foram saqueados por schmaltzowniks onipresentes, chantagistas que extorquiam dinheiro deles em troca do silêncio sobre seus esconderijos.

Ele escreve como os judeus escondendo-se no interior foram denunciados e assassinados porque cidadãos locais queriam saquear suas coisas. Ele compara esses assassinatos – feitos abertamente, com a participação das elites locais – a linchamentos.

Colheita de Ouro vai muito além de Vizinhos, relatando que crimes como o massacre de Jedwabne ocorreram em cerca de duas dezenas de vilas e cidades de apenas uma região. No total, talvez “muitas centenas de milhares” de judeus tenham sido mortos por seus compatriotas no território da Polônia, de acordo com o livro.

Como seus predecessores, Colheita de Ouro provocou a ira das principais figuras públicas na Polônia. Os críticos dizem que ele apresenta um quadro incompleto e exagerado. E quanto ao perigo que os poloneses enfrentaram ao ajudar judeus? E sobre o heroísmo de 6.000 poloneses honrados por salvar judeus? Como pode o Sr. Gross – educado como sociólogo, não historiador – justificar tais declarações radicais?

“Gross apresenta comportamento extremo de algumas pessoas desmoralizadas como comportamento de toda uma comunidade,” argumenta Tomasz Nalecz, um historiador e conselheiro do presidente da Polônia, Bronislaw Komorowski, na revista Time. “Hienas existem em todos os lugares. Mas a sociedade polonesa passou muito bem pelo teste, que foi a guerra. Não tenho vergonha dos poloneses.”

Uma diferença distingue o debate sobre Colheita de Ouro dos primeiros tempos do Sr. Gross sob o holofote. Agora, ele não está sozinho.

Após Vizinhos, outros historiadores investigaram as relações judaico-polonesas. Umas puçás semanas antes de Colheita de Ouro aparecer, o Sr. Grabowski publicou Judenjagd: Caçando os Judeus, 1942 – 1945, que corrobora largamente as descobertas do Sr. Gross. O livro, fora da Polônia e agora sob contrato da Indiana University Press, foca em um condado onde muitas centenas de judeus foram para o subterrâneo após as deportações de 1942. Ele conclui que, na vasta maioria dos casos, os judeus foram presos ou denunciados por habitantes locais. A ajuda, se oferecida, “era baseada frequentemente em pagamento polpudo.”

O trabalho trouxe ao Sr. Grabowski uma honra duvidosa. Ele também encontrou seu nome em uma lista de e-mail concorrida. Poloneses ultrajados entupiram sua conta na universidade, ele diz, com “arquivos enormes me dizendo o quão filho da puta sou.”

http://chronicle.com/article/A-Polish-Historians/132499/


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