Beto Gomes, 01/08/2008
Durante uma reunião com os membros da Stavka, Stálin argumentou: “Os alemães estão agora envolvidos em extrema confusão, em virtude da derrota sofrida em Moscou. Além disso, não estão preparados para enfrentar os rigores do inverno. É esta, portanto, a ocasião mais vantajosa para o início de uma ofensiva geral”. Suas palavras, como sempre, soaram como uma ordem. Mas Zhukov ponderou. Para ele, o Exército não tinha recursos para iniciar um ataque de tal amplitude. Faltavam armas, munições e as tropas estavam exaustas. Colocação feita – e ignorada –, o general concluiu que Stálin não estava ali para discutir com seus líderes militares, mas para “brincar de soldadinho”, como dizia.
Assim, a contra-ofensiva soviética começou naquele mesmo janeiro de 1942 e não durou três meses. Serviu para os russos avançarem suas frentes entre 60 e 90 quilômetros, variando de acordo com o setor, mas logo as previsões de Zhukov confirmaram-se. Dos 316 vagões de munições que deveriam ser entregues às unidades em fevereiro, nenhum havia chegado até o décimo dia do mês. “Tivemos de estabelecer limites de um ou dois tiros diários por canhão, e isso durante uma ofensiva. É difícil de acreditar”, lembraria mais tarde o comandante. Do outro lado, os alemães reagrupavam-se e reforçavam suas unidades. Começavam a infligir grandes castigos aos russos em diferentes partes do front.
Zhukov, que agora acumulava o cargo de comandante-em-chefe do Comando do Ocidente, lamentou a impossibilidade de capitalizar o sucesso da vitória em Moscou, quando poderia ter concentrado mais forças na região e garantido um ataque bem-sucedido. A sangrenta batalha pela capital fez as tropas de Guderian recuarem cerca de 250 quilômetros, mas a intempestividade de Stálin jogou água nos planos do general. Zhukov, por sua vez, acreditava que o principal motivo para o fracasso da contra-ofensiva soviética havia sido a falta de blindados. “Somente com tanques poderosos e formações mecanizadas é possível flanquear o inimigo com rapidez, penetrar em sua retaguarda e, depois, cercar e dizimar suas tropas”, escreveria em suas memórias. Ele saía vitorioso das campanhas de 1941 e do início de 1942, mas novas crises já apareciam no horizonte. E Stálin, mais uma vez, acabaria chamando-o, às pressas, para tentar resolvê-las.
Por uma vitória moral
Stalingrado foi um exemplo. Em meados de julho, as tropas de Hitler já haviam tomado Kharkov e davam início a uma grande ofensiva para o leste. No mapa, apareciam Rostov e, depois, a cidade que levava o nome do ditador soviético – o que certamente influenciou Hitler a investir naquele sentido, já que a conquista de Stalingrado representaria, também, uma vitória moral. Naquela ocasião, as forças do Eixo, que incluíam combatentes italianos e romenos, somavam cerca de 30 divisões. A principal frente estava nas mãos do 6º Exército alemão, comandado pelo general Friedrich von Paulus, que avançava rapidamente em direção ao rio Volga. No lado soviético, a movimentação também era intensa. Duas grandes unidades deslocaram-se para a região e, junto com divisões blindadas e aéreas, formaram a Frente de Stalingrado, com o marechal Semion Konstantinovich Timoshenko no comando.
A batalha que se seguiria nos meses seguintes pode ser dividida em duas fases: a defesa da cidade e a contra-ofensiva soviética. A primeira foi marcada por um dos embates mais violentos de toda a guerra. A exemplo do que acontecia em Leningrado, o cerco promovido pelos alemães cortou praticamente todos os canais de abastecimento de Stalingrado, e a população não teve outra saída senão se entregar à luta e contribuir com os soldados soviéticos da forma que podiam. Mulheres e crianças, mais uma vez, seriam destinadas à construção de barricadas e trincheiras para dificultar o acesso inevitável dos inimigos. Mas a fome e o cansaço fustigavam os civis com a mesma força das bombas despejadas pela Luftwaffe. Quando os alemães entraram, pelo sul e pelo norte da cidade, as batalhas ganharam as ruas e prédios em ruínas, que se transformaram em perigosas zonas de combate. Muitos foram morar em pequenos abrigos antibomba cavados no chão. Era o lugar mais seguro de uma cidade onde a morte rondava as esquinas.
De julho a novembro de 1942, foi esse o cotidiano de Stalingrado. Em apenas um dia, os aviões da Luftwaffe chegaram a fazer 3 mil incursões sobre a cidade. As baixas decorrentes dos ataques aéreos eram imensas. O cerco à fábrica de tratores Dzerzhinsky, por exemplo, deixou 3 mil mortos ao redor do prédio. Alguns batalhões do Exército Vermelho foram atacados com tanta violência que, a 15 de outubro, duas divisões comandadas pelo general-tenente Vassili Chuikov já haviam perdido mais de 75% de seu efetivo. Mas os russos deram mais uma impressionante demonstração de resistência. Defendiam ferozmente e, com incrível rapidez, organizaram companhias de combatentes formadas por alfaiates, carpinteiros, mecânicos e outros residentes. Com isso, conseguiram frear o ímpeto inicial das tropas de Hitler. Por volta de 20 de outubro, o exausto exército de Von Paulus já não agüentava atacar em larga escala. Era a hora do contragolpe.
O plano do contra-ataque
Nesse período, Zhukov foi para Stalingrado várias vezes e acompanhou de perto toda a operação que se desenrolava na região. Mas seu papel seria mesmo fundamental na segunda fase do conflito, quando os russos deram início ao contra-ataque que expulsaria os invasores da cidade. O general foi chamado por Stálin para elaborar os planos de uma grande ofensiva, que teria início em novembro. A ação foi planejada minuciosamente. De acordo com os planos, a contra-ofensiva iria se desenvolver ao longo de uma frente de cerca de 300 quilômetros, e o movimento de pinças para envolver o inimigo deveria cobrir um raio de 90 quilômetros. Depois que as defesas do Eixo fossem rompidas, as forças russas avançariam em duas linhas convergentes. Dessa forma, as comunicações inimigas seriam cortadas, e os alemães ficariam isolados de suas reservas e bases de suprimento. A investida principal, por sua vez, seria contra os romenos, mais vulneráveis e despreparados.
Em quatro dias, 330 mil soviéticos fecharam o anel em torno da 4ª Divisão Panzer e do 6º Exército de Von Paulus. A vitória em Stalingrado estava tão certa que, naqueles dias, o marechal alemão Von Manstein declarou que os russos poderiam ter destruído as tropas do 6º Exército. Mas seu comandante optou por se render. Feito prisioneiro, Von Paulus foi levado diante do general Konstantin Rokossovsky para interrogatório. A guerra, para ele, havia acabado. Mais de 90 mil homens tiveram o mesmo fim, incluindo um marechal-de-campo e 24 generais alemães.
Em 18 de janeiro de 1943, Zhukov foi nomeado marechal da União Soviética, tornando-se o primeiro dos grandes comandantes soviéticos da Segunda Guerra a ascender ao posto. Porém, depois que foi afastado por Stálin, anos mais tarde, seu papel na batalha de Stalingrado seria minimizado. A literatura russa deixou de lado o principal cérebro da operação.
A Batalha de Kursk
As dificuldades das tropas de Hitler aumentavam na mesma velocidade que os tanques soviéticos ganhavam as estepes da Rússia. Encarregado agora de coordenar um ataque fulminante contra os invasores, Zhukov concentrou forças e reuniu o máximo de blindados em suas guarnições. Quando as frentes alemãs do centro e do sul se estabilizaram, a vanguarda soviética estava solidamente estabelecida num bolsão na área de Kursk. Os estrategistas do Führer recomendaram a retirada ao norte e ao sul, para que pudessem recompor a frente e enfrentar os russos em melhores condições, mas Hitler estava obcecado pela idéia de não recuar um passo sequer.
Assim, criaram-se as condições perfeitas para o início da maior batalha de blindados que o mundo já conheceu. O conflito começou em 4 de julho de 1943, e no mesmo dia os alemães logo descobririam que os russos eram mais fortes do que imaginavam. A luta na área de Kursk foi dura e sem interrupções. Depois de uma semana de combates, as perdas de blindados alemães eram impressionantes. Seus novos modelos de tanques, os Panthers, eram difíceis de manobrar e seus condutores, extremamente inexperientes. A saída era abrir caminho pelo ar. Os ataques da Luftwaffe mostraram-se impiedosos, mas o fogo defensivo russo não perdia a intensidade. As tropas do Exército Vermelho pareciam invulneráveis.
Bolsão de Kursk
Hitler enviou reforços aéreos e terrestres de várias partes da Europa para Kursk, incluindo suas novas armas (como o próprio Panther, entre outras) que pretendia lançar contra os russos. A batalha foi sangrenta. E as perdas alemãs, assustadoras. Em apenas um dia de combate nas imediações de Prokhorovka, as perdas do Reich somaram 350 tanques e mais de 10 mil combatentes. Em outras frentes de batalha, não foi muito diferente. O conflito iria se arrastar por mais alguns dias e, em 16 de julho, quase duas semanas depois de lutas, os alemães iniciaram a retirada.
Imediatamente, Zhukov, comandante-geral da frente, ordenou um rápido contragolpe, com ataques continuados às tropas que batiam em retirada. Três dias depois, os soviéticos haviam recuperado todas as posições no setor. Moscou estava em festa. Os conflitos de Stalingrado e Kursk representavam a virada de jogo dos russos, e agora a chance de vencer a guerra aumentara consideravelmente. Ou, nas palavras de Stálin: “Se a batalha de Stalingrado assinalou o declínio do Exército alemão, a de Kursk colocou-o diante do desastre”.
Tanque Tiger - Alemanha
O tanque T-34 russo em Kursk
A derrota que ninguém viu
Soviéticos passaram borracha no grande fiasco da região de Rzhev
A Operação Marte foi a melhor prova de que nem só de glórias vive um general. A primeira e grande derrota de Zhukov na Segunda Guerra Mundial é um episódio esquecido pela literatura russa e censurado pelo Partido Comunista. Pouco conhecida, a operação foi uma tentativa dos soviéticos de tomar o saliente de Rzhev, logo após a vitória em Stalingrado. Esse local estratégico para as pretensões das duas forças representava uma ameaça a mais para os russos, em função de sua proximidade com Moscou.
Os planos do comandante previam ataques simultâneos em todos os setores, com a ajuda de unidades blindadas e divisões de cavalaria. Em maior número e com armamentos mais poderosos, os soviéticos iniciaram o ataque em 25 de novembro de 1942. Mas as defesas alemãs souberam usar muito bem o terreno acidentado da região a seu favor. Os obstáculos que construíram ao longo das estradas foram fundamentais para conter o avanço soviético, e garantiram um tempo precioso para as tropas do Reich receberem reforços. Em 15 de dezembro, uma contra-ofensiva abriu as linhas do Exército Vermelho e obrigou-o a recuar. O conflito terminou de forma desastrosa para os russos. Estima-se que eles tenham perdido 350 mil homens, entre mortos, feridos e desaparecidos, e 1,6 mil tanques.
Amor e ódio
O general colecionou legião de admiradores e desafetos
Como a maioria das pessoas que atinge altos cargos na hierarquia política ou militar, Zhukov colecionou uma legião de admiradores e desafetos. No primeiro grupo, a Batalha de Stalingrado serviu para o general estabelecer uma relação muito próxima com Nikita Kruschev, então comissário-chefe do Partido Comunista de todo o teatro de operações, que via no militar um aliado imprescindível para suas pretensões de chegar ao poder.
Do outro lado, estavam figuras como o general-tenente Vassili Chuikov, que, muitos anos depois do conflito, contestaria a importância de seu comandante em Stalingrado. Inteligente, mordaz e intempestivo, Chuikov foi o líder de uma das divisões mais aguerridas que combateram na cidade. Por causa de seu temperamento, no entanto, ele chegou ao fim da guerra ocupando o mesmo posto – e foi duramente criticado por não reconhecer o valor estratégico de Zhukov. O desafeto mais célebre, no entanto, era Ivan Stepanovich Konev, também um dos militares russos mais notáveis da Segunda Guerra. Konev participou de diversas batalhas, incluindo Stalingrado, e comandou a Frente Ucraniana na batalha decisiva de Berlim. Foi quando ele e Zhukov travaram sua disputa mais acirrada: a corrida para ver quem tomaria primeiro a capital do Reich.
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