Flávia Ribeiro e Fábio Varsano
Normandia, o local da invasão
O espanhol Juan Pujol García ganhou dos ingleses o codinome Garbo em homenagem a Greta Garbo, atriz que viveu, no cinema, a espiã da Primeira Guerra Mundial Mata Hari. Pujol, diziam os ingleses, era um baita ator. Tanto que enganou os alemães por anos e foi decisivo para o sucesso do Dia D. Agente duplo, trabalhava para os ingleses passando informações erradas à Alemanha. Durante os preparativos para o Dia D, o espião deu mais subsídios para que o exército de Hitler acreditasse que a invasão seria no departamento de Pas-de-Calais, e não em Calvados.
Garbo foi peça fundamental da Operação Fortitude, que visava justamente a confundir o inimigo com mensagens de rádio falsas e deslocamentos de exércitos que sequer existiam. No esquema de espionagem dos Aliados, havia ainda o sistema Ultra, desenvolvido pelo Serviço Secreto britânico, que permitiu a decodificação de mensagens militares alemãs e a descoberta de informações sigilosas inestimáveis.
Mas não precisava ser um espião experimentado para participar dos preparativos para a invasão. Pessoas comuns tiveram papel semelhante ao de Garbo em diversos momentos, especialmente na França ocupada. O historiador americano Stephen Ambrose conta o caso de um menino cego, de 9 anos, que forneceu aos Aliados as coordenadas exatas de bunkers alemães dotados de grandes canhões e construídos sobre um rochedo a oeste de Port-en-Bessin. O pai do garoto era o fazendeiro francês dono do terreno e mediu a distância de cada ponto das redondezas para cada fortificação, além da distância de uma para outra. Passou as informações ao menino, que, no início de 1944, pegou uma carona até a cidade de Bayeux e entrou em contato com André Heintz, membro da Resistência Francesa. Heintz, que tinha um radiotransmissor caseiro, enviou as coordenadas preciosas para a Inglaterra.
Resistência Francesa
Assim como o menino cego, outras pessoas acima de qualquer suspeita para os alemães repassaram dados fundamentais para os Aliados, geralmente por intermédio de membros da Resistência Francesa, que se desdobravam em serviços de espionagem e de sabotagem e estavam em comunicação direta com os ingleses. A organização colhia informações, por exemplo, diretamente de operários franceses obrigados a construir fortificações alemãs. E elas não eram poucas. O general Erwin Rommel mandou instalar minas, arames farpados e bunkers em cada pedaço de praia ocupado.
Além disso, a Resistência Francesa explodiu pontes, linhas ferroviárias e sistemas de telefonia e de telégrafo, como parte do Plan Vert (Plano Verde); resgatou pilotos aliados abatidos sobre a França; e, por estar atrás das linhas inimigas, foi capaz de uma série de ações para atrasar as tropas do Eixo, especialmente com táticas de guerrilha, como parte do Plan Tortue (Plano Tartaruga).
Na Inglaterra, a participação da população também foi intensa. O exemplo mais claro do engajamento dos cidadãos na guerra foi dado por uma campanha iniciada pela BBC. A rádio pediu que cada família que tivesse passado férias nas praias francesas antes de sua ocupação mandasse cartõe-postais com fotos dos locais visitados. Em alguns meses, mais de dez milhões de imagens foram armazenadas, formando, com as fotografias panorâmicas tiradas de aviões pelos militares, um grande e detalhado painel da topografia da costa ocupada.
Até estúdios cinematográficos entraram no esforço, construindo grandes galpões cenográficos para abrigar divisões armadas inexistentes. O 1º Grupo do Exército dos EUA chegou a ficar baseado em Dover, ameaçando Pas-de-Calais, comandado pelo já legendário general George Patton, o que dava credibilidade à farsa. Funcionou. Quando o Dia D chegou, os alemães não faziam a mais remota idéia de que os inimigos estavam prestes a desembarcar. E vinham em números impressionantes. Para tentar tomar um pedaço de 80 quilômetros de praias francesas, foram mobilizados cerca de 175 mil soldados americanos, britânicos, canadenses, franceses, noruegueses, poloneses e de outras nacionalidades, 50 mil veículos de diversos tipos, quase 11 mil aeronaves e 5 333 embarcações.
Já os Aliados tinham uma boa idéia do que esperar. Sabiam de cada obstáculo topográfico, cada bunker, cada canhão. Mas, no fim, nenhum dos dois lados estava preparado para a carnificina que aconteceu. Ou para os meses de ataques e contra-ataques que ainda viriam pela frente.
Dia D: os últimos preparativos
A última grande batalha travada no Ocidente nos tempos modernos começou, oficialmente, no dia 6 de junho de 1944, quando as tropas aliadas invadiram a Normandia para libertar a França da ocupação alemã, que já durava quatro anos. Mas o Dia D, como ficou conhecida a data em que a chamada Operação Overlord foi colocada em prática, já vinha sendo arquitetado havia três anos, desde que os Aliados iniciaram atividades de espionagem e contra-espionagem e passaram a traçar um meticuloso plano de desembarque.
O mar e o céu precisavam estar completamente dominados por americanos, canadenses e ingleses para haver condições de deflagrar a maior invasão anfíbia da História. Tudo precisava seguir um cronograma perfeito. Em jogo, afinal, estava a vitória sobre as forças de Hitler na frente ocidental da Segunda Guerra Mundial.
A costa de Pas-de-Calais era o lugar óbvio para o desembarque aliado na França, ideal sob todos os aspectos, especialmente dois: era o ponto mais próximo da Inglaterra e ficava numa posição estratégica no Canal da Mancha. O único problema é que era óbvio demais. Os alemães, sob o comando do general Erwin Rommel, já estavam fortificando a região.
A melhor opção passou a ser a costa de Calvados, na Normandia, onde havia um pequeno porto, Caen, que, se fosse capturado, cortaria acessos ferroviários e rodoviários de Paris a Cherbourg. Os ingleses deveriam invadir as praias de Sword e Gold, além de tomar Caen. Os canadenses desembarcariam em Juno. Os americanos entrariam nas praias de Omaha e Utah, já na Costa do Cotentin. Mas os alemães teriam de continuar acreditando que o destino aliado era Pas-de-Calais.
Como escreveu o historiador americano Stephen Ambrose em O Dia D, “o problema aliado era desembarcar, penetrar na muralha atlântica e assegurar posições numa área apropriada para viabilizar reforços e expansão. A conditio sine qua non da operação era conseguir o fator surpresa.”
Os aliados precisavam, a qualquer custo, fazer com que a Operação Overlord fosse um sucesso. Se falhassem, a guerra poderia se arrastar por muitos anos ainda, já que outra operação daquela magnitude não seria possível tão cedo. Nas palavras do primeiro-ministro britânico Winston Churchill, a Overlord foi “a mais difícil e complicada operação de todos os tempos.”
Dia D: o desembarque na Normandia
“Havia navios de desembarque avançando pelo mar cinzento até onde os olhos podiam alcançar. O sol estava coberto e a fumaça soprava por todo o litoral.” Assim o escritor americano Ernest Hemingway, correspondente de guerra da revista Colliers, descreveu a chegada aliada em 6 de junho de 1944. Hemingway estava em uma balsa americana em direção a Fox Green, um setor da praia de Omaha, observando o impressionante ataque naval em direção à costa, ao nascer do sol: “‘Veja o que eles estão fazendo com aqueles alemães’, ouvi um recruta dizer, sob o rosnado do motor. ‘Acho que nenhum homem sairá vivo dali’, afirmou ele, contente”, conta Hemingway.
Ao amanhecer, os milhares de soldados embarcados, muitos enjoados pelo balanço do mar, receberam a ordem de avançar. Cada grupo tinha um setor da praia ao sul da Baía do Sena. De leste para oeste, esses setores ganharam os nomes de Sword, Juno, Gold, Omaha e Utah. O mar estava coalhado de navios e embarcações diversas, todos com o objetivo de despejar bombas ou soldados nas praias.
As britânicas Sword e Gold e a americana Utah foram tomadas com relativa facilidade – apesar de as metas das tropas que desembarcaram em Sword não terem sido alcançadas no primeiro dia. “O problema dos ingleses não foi dominar as praias, mas, sim, tomar Caen, que era considerado um alvo prioritário”, diz o historiador Márcio Scalercio, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Cândido Mendes.
Sob fogo cerrado
Com ou sem Caen, foram os canadenses em Juno e os americanos em Omaha que se envolveram em batalhas longas e sangrentas, com numerosas mortes tanto para o lado aliado quanto para o alemão. Em Juno, que ficava entre as duas praias dos ingleses, a divisão de infantaria e as brigadas armadas do Canadá começaram o dia tendo sérios problemas com a maré alta, os recifes naturais e os bancos de areia. Quando finalmente conseguiram desembarcar, enfrentaram fogo cerrado alemão. Havia numerosos ninhos de metralhadoras e canhões, e as equipes de assalto, as que desembarcaram primeiro, sofreram as maiores baixas. Dos 21,4 mil canadenses que foram lutar em Juno, 1,2 mil morreram ou ficaram gravemente feridos, quase todos nas primeiras horas.
Os canadenses precisavam transpor a muralha atlântica. Feito isso, chegariam a um campo livre, com pouca resistência. O problema era conseguir. Para tanto, usariam uma série de engenhocas britânicas, conhecidas como “Hobart‘s Funnies”, carros de combate modificados para flutuar na água, destruir minas e lançar chamas, por exemplo, inventados pelo major britânico Sir Percy Hobart – quase uma versão verdadeira do Q, o inventor das histórias de James Bond.
As baixas foram enormes, mas a infantaria canadense transpôs a muralha atlântica e entrou nas aldeias e cidades atrás dela promovendo uma feroz troca de tiros com os alemães escondidos dentro das casas. Juno, Sword e Gold tinham essa particularidade: diferentemente das praias atacadas pelos americanos, nelas ou em suas proximidades havia uma série de vilas, aldeias ou cidades. Muitas das lutas aconteceram no meio das ruas, entre casas de civis, algumas ocupadas pelos invasores.
Os combates de rua aconteceram ao longo de todo o dia, até que os canadenses tomaram as cidades de Bernières e de Saint-Aubin, já no início da noite. A partir daí, novas aldeias, pontes e encruzilhadas eram conquistadas. Não chegaram ao Aeroporto de Carpiquet – um dos objetivos –, mas avançaram bastante para o interior. Conseguiram cortar a estrada de Caen-Bayeux e se ligar à 50ª Divisão britânica em Gold. Mas não foram capazes de se unir à 3ª Divisão britânica na praia de Sword, deixando uma abertura pela qual a 12ª Divisão SS Panzer HitlerJugend, formada em grande parte por adolescentes da juventude hitlerista, contra-atacou.
No primeiro confronto entre os canadenses e a divisão blindada, 28 tanques aliados foram destruídos. Um dos comandantes alemães, Kurt Meyer, declarou que era hora de “jogar o peixinho de volta no mar”. Os peixinhos, no entanto, resistiram furiosamente. O combate se estendeu de 7 a 12 de junho, durante o qual os alemães perderam 60% de suas forças: 20% foram mortos e 40%, feridos. A poderosa divisão blindada de Hitler viu-se envolvida num dos mais longos e sangrentos confrontos da Overlord. Há relatos de atrocidades cometidas pelos dois lados do embate, e muitos membros da Divisão Panzer foram, mais tarde, julgados por crime de guerra.
Horror em Omaha
Na praia de Omaha, a ferocidade da batalha também impressionou. “Omaha foi um horror, porque lá os alemães estavam com uma divisão de infantaria de verdade”, ressalta Márcio Scalercio. Dos 34 mil homens que lá desembarcaram, cerca de mil morreram, a maioria na primeira hora. Ao longo do dia, os americanos perderam 2,4 mil soldados, entre mortos e feridos. Além disso, o forte vento afundou dezenas de tanques anfíbios.
“Fora um assalto mortal em plena luz do dia, contra uma praia minada, defendida por tudo o que a inventiva militar havia projetado. A praia fora defendida tenaz e inteligentemente, nenhuma tropa o faria melhor. Mas cada barco do Dix conseguiu desembarcar suas tropas e seu carregamento. Nenhum barco foi perdido por imperícia náutica. Todos os que se perderam o foram pela ação do inimigo. E tomáramos a praia”, escreveu Hemingway sobre o assalto a Fox Green. Lá, como em Easy Red, outro setor de Omaha, os soldados sofreram para superar a Muralha Atlântica de Hitler. O primeiro dia terminou em vantagem para os alemães.
“Praia de Omaha foi um pesadelo”, escreveu o general responsável pela invasão, Omar Bradley: “A 1ª Divisão ficou imobilizada praticamente no mar, enquanto o inimigo varria a praia com armas portáteis. A artilharia inimiga castigava impiedosamente as lanchas de desembarque que se aproximavam”. O comandante pensou até em recuar: “Cheguei a ter a impressão de que nossas forças tinham sofrido uma catástrofe irreversível, de que havia pouca esperança de que pudéssemos forçar nosso caminho para a praia. Particularmente, considerei a hipótese de evacuar a cabeça-de-praia”.
Mas, no dia seguinte, a situação começaria a se inverter. Os alemães gastaram a maior parte de sua munição durante o primeiro dia e não tinham como repô-la rapidamente. Já os americanos recebiam tropas e armamentos de reposição diretamente de um dos mulberries, portos artificiais erguidos pelos aliados nas proximidades. Lenta e laboriosamente, debaixo de saraivadas de tiros, conseguiram avançar para o interior.
Desembarque tranqüilo
Em Utah, graças ao trabalho da 82ª e da 101ª Divisões Aerotransportadas americanas, que protegeram todo o flanco ocidental da invasão, aconteceu o mais tranqüilo desembarque do Dia D. Para começar, 32 tanques anfíbios Sherman aportaram na praia, às 6h30. Os regimentos da 4ª Divisão de Infantaria americana vinham em sua esteira. Mas, por causa do bombardeio, do vento e da fumaça, muitos acabaram saltando longe dos lugares marcados. Ainda assim, foram ágeis na hora de se reunir.
Os homens sofreram mais com o mar, muito agitado, do que com os alemães. No fim, apenas 197 baixas entre 23 mil soldados americanos, que ao fim do dia já se moviam para sua nova missão: tomar Montebourg. A 101ª Aeroterrestre já havia aberto o caminho. Nos dias e nas semanas seguintes, a 4ª Divisão envolveu-se em embates bem mais violentos, mas tomou não só Montebourg, como também Cherbourg, além de participar da libertação de Paris.
Os ingleses não penaram tanto quanto os canadenses e os americanos de Omaha. Principalmente em Gold, onde, ao anoitecer, os britânicos já haviam entrado cerca de dez quilômetros para o interior e ligado-se aos canadenses em Creully, fechando uma passagem para os alemães. Houve somente 400 baixas entre 25 mil homens. Não tomaram Bayeux, na estrada para Caen, mas estavam em boa posição para fazê-lo nos dias que se seguiram.
Na turística Sword, cheia de casas de veraneio e lojas, os homens da 6ª Divisão Aeroterrestre deixaram o caminho livre para os soldados que desembarcaram em 6 de junho. Afinal, os alemães pretendiam defender sua posição na praia com as baterias de Merville, tomadas pelos pára-quedistas ingleses de madrugada. Ainda assim, o fogo alemão foi mais pesado lá do que em Gold ou Utah. Por isso, apesar de conseguirem dominar a praia, os britânicos não puderam se unir aos canadenses no flanco direito, que ficou desprotegido. Foi por ali que os alemães responderam violentamente.
Houve 630 baixas entre os 29 mil homens que invadiram Sword e que não conseguiram capturar Caen, o alvo principal. A cidade estava guardada pela 21ª Divisão Panzer, e o 22º Regimento dos blindados entrou em combate com os ingleses. Os Aliados ainda precisariam de vários dias até conseguir alcançar seu objetivo final. Mas o caminho estava bem pavimentado.
Dia D: o ataque pelos céus
Assim que o planador Horsa pousou ao lado do Canal de Caen, pouco depois da meia-noite do dia 6 de junho de 1944, o tenente Dan Brotheridge reuniu os 28 homens de seu pelotão de infantaria, membros da 6ª Divisão Aeroterrestre britânica, e correu para a ponte sobre o canal, defendida por cerca de 50 alemães – entre eles o soldado Helmut Rommer, de 17 anos. O jovem sentinela foi o primeiro a ver os pára-quedistas ingleses e logo correu para avisar aos outros, gritando e disparando tiros de sinalizador. Brotheridge, então, metralhou-o. Em seguida, já em meio à troca de tiros, jogou uma granada sobre um ninho de metralhadoras. No mesmo momento, foi atingido no pescoço. O tenente inglês que deu os primeiros tiros da Operação Overlord e matou o primeiro alemão foi também, como conta Stephen Ambrose, o primeiro soldado aliado a ser morto pelo fogo inimigo no Dia D.
A invasão estava marcada para o dia 5 de junho, mas o mau tempo fez com que fosse adiada. Os Aliados precisavam de boa visibilidade para o sucesso da operação. “Eles compensariam a menor capacidade de mobilização das tropas com uma absoluta supremacia aérea”, diz o historiador Márcio Scalercio. Os soldados tiveram de esperar 24 horas, ansiosos, irritados e enjoados pelo balanço dos barcos no mar. O dia 6 chegou, com o tempo ainda ruim, mas com menos nebulosidade. Logo nos primeiros minutos do ataque, enquanto os bombardeiros ingleses e americanos despejavam milhares de toneladas de explosivos por todos os lados, os pára-quedistas e integrantes das unidades aerotransportadas da 6ª Divisão Aeroterrestre britânica, entre eles Dan Brotheridge, puderam finalmente entrar em combate.
Foram eles os homens que começaram a ação no Dia D, na primeira e última grande invasão pára-quedista noturna de que se tem notícia. O pelotão de Brotheridge entrou em cena simultaneamente a centenas de pára-quedistas britânicos e americanos precursores, cuja missão inicial era marcar zonas de lançamento para os batalhões pára-quedistas que ainda viriam: os ingleses e canadenses da 6ª Divisão à leste, perto de Sword e de Caen; e os americanos da 82ª e da 101ª Divisões à oeste, próximos a Utah e a Cotentin. A missão dos três grupos, formados por 23,4 mil homens, não era fácil. Eles deveriam confundir os alemães para evitar um contra-ataque rápido nas praias que seriam invadidas pelas tropas transportadas por mar dali a algumas horas. Precisavam, ainda, proteger os flancos em Sword e Utah.
Muitos, levados pelo vento, acabaram perdidos, pendurados em árvores ou presos às imensas e numerosas cercas vivas da Normandia. Eles tornaram-se alvos fáceis dos inimigos. Boa parte caiu longe de seu local de aterrissagem, como o soldado Ryan, do filme de Steven Spielberg. Os que conseguiram atingir seus objetivos abriram caminho para as outras divisões que saltariam nas horas seguintes, enfrentando não só o vento e as cercas vivas, mas também o incessante fogo antiaéreo alemão.
Luta sangrenta
Do lado inglês e canadense, um dos objetivos era destruir uma bateria inimiga em Merville, composta por quatro casamatas e quatro canhões que poderiam atingir as tropas que desembarcassem em Sword. Foi uma luta sangrenta. Em torno das casamatas, havia cercas de arame farpado e muitas minas, além de trincheiras, dez ninhos de metralhadoras e quase 200 alemães. Para completar, dos cerca de 700 pára-quedistas ingleses destinados a Merville, somente 150 conseguiram se reunir para a ação.
Como não havia soldados suficientes para envolver a bateria nazista, optou-se por um ataque frontal, atravessando minas debaixo do fogo inimigo. Com enorme coragem, os que alcançaram as muralhas atiraram pelos buracos. O posto de artilharia foi conquistado em 20 minutos. Dos soldados aliados, 66 morreram e 30 ficaram feridos. Do outro lado, apenas 22 alemães ilesos conseguiram se render.
Além disso, ingleses e canadenses deveriam explodir as pontes sobre o rio Dives e capturar, intactas, as pontes sobre o rio Orne e sobre o Canal Orne. Conseguiram. Todas as metas foram alcançadas em apenas uma noite. A tomada da Ponte Pegasus, no rio Orne, por exemplo, foi realizada em impressionantes cinco minutos, pela Companhia D.
Já a 6ª Divisão teve de resistir a um forte contra-ataque alemão, mas antes do amanhecer havia tomado o lado esquerdo da praia de Sword. “As tropas aeroterrestres britânicas tinham conseguido um início estupendo”, disse Stephen Ambrose. E tornaram-se os heróis daquele começo de batalha, personagens da seguinte manchete do jornal Evening Standard, de Londres: “Homens alados pousam na Europa”.
A partir dali, a missão passou a ser resistir aos contra-ataques e defender as pontes para evitar a passagem dos blindados alemães que estavam perto de Calais. Os pára-quedistas ingleses não alcançaram o objetivo, certamente superestimado, de tomar Caen e Carpiquet ao fim do dia 6. Mas, graças a eles, o flanco esquerdo da invasão ficou seguro e pôde receber os jipes e canhões levados pelos planadores. Quando as tropas inglesas desembarcaram em Sword, a resistência alemã já havia sido neutralizada pelos “homens alados”. Do outro lado, a 82ª e a 101ª Divisões Aéreas americanas pousaram entre Ste. Mère Eglise – a primeira cidade na França a ser libertada – e Carentan. Um pequeno grupo de soldados da 82ª Divisão encurralou rapidamente a 91ª Divisão germânica, após matar seu comandante, garantindo o domínio da Costa do Cotentin. O flanco ocidental do desembarque estava, assim, em mãos aliadas.
As baixas foram muito severas, como entre os ingleses. Por causa da dispersão, as divisões contavam com menos da metade de seus efetivos dias depois do início da operação. Mas, mesmo sem querer, acertaram no alvo ao se dispersar. Ao verem pára-quedistas descendo por todos os lados, os alemães ficaram sem saber exatamente para que lado revidar. A resposta lenta funcionou a favor dos Aliados, compensando não só a perda de homens, mas também de armas.
A 82ª não conseguiu capturar as pontes sobre o rio Merderet, assim como a 101ª não foi capaz de destruir as pontes sobre o Canal de Carentan e sobre o Estuário do Vire, que estavam entre suas metas. Os sucessos, no entanto, foram maiores que os fracassos e fundamentais para a conquista daquele trecho. A 101ª Aeroterrestre, por exemplo, tomou a Eclusa de La Barquette, mesmo estando com apenas um sexto de seus homens reunidos. Nos meses seguintes, a Easy Company, como era conhecido o 506º Regimento da 101ª, destacou-se em numerosas batalhas, inclusive na conquista de Carentan. Seus membros são personagens do livro Band of Brothers, de Stephen Ambrose, que virou uma minissérie de mesmo nome, produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg.
Curiosidades da Batalha
Pistas falsas para os alemães
Hitler mandou tropas para a distante Noruega
A Operação Fortitude concentrou esforços para fazer os alemães acreditarem que o desembarque seria no departamento de Pas-de-Calais. Para confundir ainda mais o inimigo, também apontou a Noruega como um segundo alvo, em mais uma série de transmissões de rádio falsas – todas com códigos mais fáceis de serem quebrados. Além disso, espiões alemães que passaram para o lado da Inglaterra, no que constituía o chamado Sistema Double Cross, mandavam mensagens para o serviço secreto nazista descrevendo uma falsa movimentação de tropas aliadas na Escócia. Com isso, fizeram com que Hitler e seus generais colocassem 13 divisões do Exército, 90 mil homens da Marinha e 60 mil da Luftwaffe na Noruega – longe do verdadeiro ponto de desembarque.
A muralha atlântica
Barreira montada por Rommel parecia inexpugnável
“Rommel defendeu a França como um colosso”, afirma o historiador Stephen Ambrose. Represou rios para inundar áreas estratégicas, expulsou franceses de suas residências, botou casas e edifícios abaixo, derrubou florestas inteiras para ter madeira suficiente para seus obstáculos costeiros. Depositou minas nos canais e nas praias, milhões delas. Ainda assim, não foi suficiente. “Eles usaram uma quantidade impressionante de minas, mas precisavam de muito mais, tamanho era o contingente em que desembarcou”, diz o historiador Márcio Scalercio, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Cândido Mendes.
Além das minas, arames farpados foram usados em profusão. Havia ainda grandes trincheiras de concreto e rampas minadas, paralelamente a outros obstáculos. Por todas as praias, casamatas com canhões e ninhos de metralhadoras estavam prontos para acertar cada soldado aliado que ousasse desembarcar. Era a chamada Muralha Atlântica de Hitler.
O problema não estava nas armas, mas nos homens. Grande parte das melhores tropas alemãs estava enfrentando os russos na Frente Oriental, restando para defender a França muitas Divisões Ost (Oriente) ¬– formadas por estrangeiros, a maioria deles prisioneiros de guerra, obrigados a lutar com os nazistas. Um oficial americano chegou a deter quatro coreanos no meio de uma divisão do Eixo na praia de Utah.Essas tropas eram constituídas por poloneses, russos, croatas, húngaros, romenos, lituanos, ucranianos e homens vindos das mais diversas repúblicas da União Soviética, além de franceses, italianos, indianos, soldados da África do Norte e de países muçulmanos. Muitos deles dispostos a se entregar aos Aliados na primeira oportunidade.
Entre as divisões alemãs, algumas formadas por soldados muito jovens, ou velhos demais, o que enfraquecia a defesa e reduzia as possibilidades de contra-ataque. Mas havia também grupamentos poderosos, como a divisão de infantaria que guardava a praia de Omaha. Além disso, três unidades Panzer, de blindados, com soldados de elite, espalhavam-se pelas praias francesas. Embora fossem poucas, impressionavam e eram difíceis de ser batidas. A 21ª Divisão Panzer acampou em Caen, dificultando o trabalho dos ingleses, que deveriam tomar o porto. As outras duas ficaram numa posição da qual poderiam chegar em algumas horas tanto a Calais quanto a Calvados. Já o céu era quase todo dos Aliados. A maior parte da Luftwaffe estava na própria Alemanha, para defendê-la de possíveis ataques. Com isso, as divisões terrestres precisavam se locomover principalmente à noite, sob pena de serem destruídas pelos bombardeios aéreos aliados.
A sagrada hora do chá
Britânicos e canadenses não abriam mão do ritual diário
Nas histórias em quadrinhos de Asterix, de Albert Uderzo e René Goscinny, os bretões têm a mania de fazer uma pausa nas batalhas para tomar o chá das cinco. A piada com o hábito inglês, por incrível que pareça, não é um exagero. Em pleno Dia D, soldados britânicos e canadenses sempre conseguiam um tempinho para tomar seu chá. “Eles improvisavam, tomavam chá em galões de gasolina”, diz o historiador Márcio Scalercio.
O livro O Dia D está recheado de histórias, contadas pelos próprios soldados. O major inglês Porteous, por exemplo, relata que no caminho para a Ponte Pegasus, no Canal do Orne, sua tropa deslocou-se para o interior e aproveitou para fazer chá. Quando um dos soldados preparava a bebida num fogareiro, segurando uma marmita e uma lata de chá, uma granada explodiu. O soldado não se feriu, mas a xícara e a marmita foram destruídas.
Por essas e outras, o voluntário americano Robert Rogge ironizou: “Os exércitos britânicos e canadenses não conseguem lutar três minutos e meio sem chá”. Os americanos não entendiam como os ingleses podiam fazer uma guerra sem café.
A guerra na frente oriental
Alemães sofriam pesadas baixas contra o exército vermelho
Enquanto ocorriam os confrontos na França, Hitler preocupava-se com a situação no outro lado da Europa, na chamada frente oriental. Desde janeiro de 1943, quando as tropas alemãs foram obrigadas a recuar pela primeira vez após o fracasso da tentativa de conquistar Stalingrado, na Rússia, os nazistas passaram a perder gradativamente terreno para o Exército Vermelho e a ter de enfrentar a resistência de movimentos guerrilheiros antes enfraquecidos.
Apesar das sucessivas derrotas – como a de Kursk, em julho de 1943 –, a ordem do ditador alemão era não se retirar jamais. Assim, mantinha cerca de 3 milhões de homens, 3 mil tanques e 3 mil aeronaves espalhados ao longo de 2,2 mil quilômetros. Hitler ainda obteve sucesso em alguns contra-ataques, mas a tônica eram as investidas soviéticas, cujo contingente girava em torno de 6,5 milhões de soldados e contava com 8 mil tanques e 13 mil aeronaves, graças ao apoio americano de suprimentos e equipamentos.
Entre junho e setembro de 1944, os comunistas conseguiram avançar mais de 600 quilômetros sobre territórios até então dominados pelos nazistas. Durante esse período, o exército de Josef Stálin e os partisans (guerrilheiros) venceram os inimigos em boa parte da Europa Oriental, conquistando Letônia, Lituânia, Ucrânia, Bielorússia, Romênia e parte da Polônia. Nesses conflitos, as perdas alemãs na frente oriental foram terríveis – cerca de 215 mil mortos e 625 mil desaparecidos –, a maioria capturada pelo Exército Vermelho.
Os jovens de Hitler
Uma divisão só de calouros
Uma poderosa divisão blindada criada em 1943, formada apenas por membros voluntários da Juventude Hitlerista, a grande maioria nascida em 1926. Assim era a 12ª SS Panzer Hitlerjugend: fortemente armada e com soldados altamente comprometidos com a causa nazista. A falta de experiência da divisão, que entrou em ação pela primeira vez exatamente no Dia D, era compensada pela visão dos oficiais, a maior parte veteranos com história em outras unidades blindadas. O primeiro confronto pesado dos jovens de Hitler foi contra os canadenses, entre 7 e 12 de junho. Lá, muitos soldados e armamentos foram perdidos, mas os nazistas continuaram lutando, dando muito trabalho aos Aliados para defender Caen, por exemplo. Acabaram encurralados em Falaise, no fim de agosto. Entre o Dia D e a queda em Falaise, a 12ª SS Panzer HitlerJugend perdeu mais de nove mil homens.
O resgate do soldado Niland
A história que inspirou o filme de Spielberg
O Resgate do Soldado Ryan, filme de Steven Spielberg, de 1998, conta a história, baseada em fatos reais, de uma unidade americana deslocada para resgatar um soldado cujos três irmãos já haviam morrido na Normandia. O chefe do Estado-Maior do Exército americano, general George C. Marshall, queria devolver ileso à senhora Ryan ao menos um de seus quatro filhos. O nome verdadeiro do soldado resgatado e mandado de volta para casa não era James Francis Ryan. Ele, na verdade, era um sargento. Frederick Niland estava no 501º Regimento da 101ª Divisão Aeroterrestre americana quando se soube que seus três irmãos haviam morrido na primeira semana da Batalha da Normandia: um em Ste. Mère Eglise, em 6 de junho; outro em Utah, também no Dia D; e o terceiro, na Birmânia. O sargento Niland foi retirado de combate e mandado para casa pouco depois de sua mãe ter recebido os três telegramas sobre as mortes dos filhos no mesmo dia.
A batalha por Ste. Mère Eglise
Os soldados da 82ª divisão americana tomaram a estratégica cidade francesa. Mas os alemães não desistiram facilmente
A grande conquista de uma Divisão Aeroterrestre americana no dia 6 de junho foi Ste. Mère Eglise, de grande importância estratégica. Perto do rio Merderet, muitos homens da 82ª acabaram atolados em pântanos criados pelas inundações ordenadas por Rommel – 36 deles chegaram a morrer afogados. Apesar das dificuldades, o 3º Batalhão do 505º regimento conseguiu reunir 180 de seus soldados e, às 4 horas, rumou para Ste. Mère Eglise. A cidade acabara de apagar um incêndio causado por bombardeiros. Os alemães foram surpreendidos pela chegada dos americanos. Em poucos minutos, a cidade foi conquistada, suas linhas de comunicação cortadas e a estrada que ligava Cherbourg a Carentan, ocupada.
Não foi tão fácil manter o território, e muitos americanos chegaram a pensar que sairiam derrotados de lá, como conta o sargento Otis Sampson, em relato registrado no livro O Dia D: “Muitas coisas passaram pela minha mente. Eu temia que a invasão tivesse sido um fracasso. Pensava no meu país e nas pessoas que estávamos tentando ajudar. Eu estava quase certo de que nunca veria a luz do dia novamente. Não posso dizer que sentia medo. Queria apenas uma oportunidade de levar tantos jerries [como os alemães eram chamados] comigo quantos fosse possível! Queria que viessem até onde eu estava para que eu pudesse vê-los. Queria era um monte deles na minha frente antes que me apanhassem. Teria sido muito mais fácil morrer daquele jeito”.
Os alemães contra-atacaram na principal batalha que uma divisão aeroterrestre americana enfrentou naquele dia. Durante oito horas, 42 soldados tentaram retomar Ste. Mère Eglise. Só 16 conseguiram fugir ilesos. Os homens da 82ª defenderam a cidade com fúria.
Um deles, o praça Fitzgerald, definiu bem o que foi estar naquela batalha: “O impacto das granadas levantava para o alto montes de terra e lama. O chão tremia e meus tímpanos pareciam arrebentar. A terra estava enchendo minha camisa e entrando nos meus olhos e na minha boca. Aqueles 88 mm [canhões com os quais os alemães atiravam do sul da aldeia] tornaram-se uma lenda. Disseram que houve mais soldados convertidos ao cristianismo pelos 88 mm do que por Pedro e Paulo juntos (…) Não pude segurar o barbeador com firmeza bastante para fazer a barba durante os dias que se seguiram”.
Enxurrada de bombas
Como foi a ofensiva da maior armada aérea de todos os tempos
Os pára-quedistas entraram em cena logo depois de os bombardeiros da Força Aérea Real (RAF), da Inglaterra, abrirem o Dia D à meia-noite em ponto, atacando as baterias de Caen. Em seguida, as aeronaves americanas também iniciaram o lançamento de uma enxurrada de bombas em Calvados e na praia de Utah. Foram mais de 14 mil ataques aéreos, deflagrados por 3 467 bombardeiros pesados, 1 645 bombardeiros médios e 5409 caças. “Foi a maior armada aérea que já se conseguiu reunir”, escreveu o historiador militar Stephen Ambrose.
Os aviões começaram os trabalhos dois dias antes, bombardeando Pas-de-Calais, ainda como parte do Plano Fortitude. Nos meses anteriores, já haviam se mostrado fundamentais para a destruição de linhas de trem e para impedir que tropas alemãs se locomovessem durante o dia, além de forçar a Luftwaffe a recuar para defender os céus germânicos.
No próprio Dia D, no entanto, a maior parte dos objetivos não foi alcançada por causa do mau tempo e da pouca visibilidade. Muitas das bombas acabaram nos campos normandos, deixando quase incólume a muralha atlântica erguida pelos alemães. Foi assim nos alvos ingleses (Sword e Gold), canadense (Juno) e em um dos alvos americanos (Omaha). Em Caen, também não foram efetivos. Em Utah, no entanto, o sucesso foi tão grande que justificou a operação. Os bombardeiros conseguiram, ao menos em uma praia, destruir a maioria das defesas inimigas.
Linha do tempo
Os momentos decisivos da Batalha da Normandia
6 de dezembro de 1943
O general Dwight D. Eisenhower é nomeado chefe supremo da Força Expedicionária Aliada para a Operação Overlord.
6 de junho de 1944
Dia D: começa a Batalha da Normandia, com bombardeios aéreos e navais, e o desembarque das forças aliadas nas praias de Sword, Juno, Gold, Omaha e Utah. Ao fim do dia, os ingleses conseguem proteger o flanco leste do desembarque e conquistar uma série de cabeças- de-ponte na região do rio Orne, mas não tomam Caen. Os americanos protegem o flanco oeste da invasão e conquistam Ste. Mère-Eglise, mas não tomam Carentan.
12 de junho de 1944
O 1° Exército americano conquista Carentan, após sangrenta batalha.
18 de julho de 1944
O 1° e o 8° Corpos britânicos e o 2° Corpo canadense tomam Caen, durante a Operação Goodwood, após seis semanas de batalhas.
19 de julho de 1944
O 1° Exército americano conquista Saint-Lo.
10 a 22 de agosto de 1944
Americanos, canadenses, ingleses, franceses e poloneses encurralam 150 mil alemães no Bolsão de Falaise. Os alemães sobreviventes são capturados ou recebem autorização para fugir.
25 de agosto de 1944
Paris é libertada. Termina a Batalha da Normandia.
Fontes
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/normandia-local-invasao-435855.shtml
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/dia-d-ultimos-preparativos-435854.shtml
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/dia-d-ataque-pelos-ceus-435856.shtml
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/dia-d-desembarque-normandia-435857.shtml
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