The Guardian, 02/05/2005
Transcrição de uma entrevista entre Luke Harding, do Guardian, e Erna Flegel, enfermeira da Cruz Vermelha que ficou com Hitler no bunker em Berlim nas semanas finais da Segunda Guerra Mundial
Guardian: Frau Flegel, a senhora esteve no bunker de Hitler no final da Segunda Guerra Mundial?
Flegel: Sim. Estive no bunker quando a guerra terminou em 1945. Estava trabalhando na clínica da Universidade (na Ziegelstrasse em Berlim) e fui levada de carro da clínica até a Chancelaria do Reich. No final, sempre estávamos lá. Vivíamos lá.
Guardian: Como a senhora conseguiu o trabalho?
Flegel: Estava trabalhando como enfermeira na frente oriental. Um dia, chegou uma ordem... e a irmã-chefe disse que eu estaria interessada, havia um cargo na Chancelaria do Reich. Eu disse sim. Estávamos acostumadas, quando havia uma ordem, a obedecê-la. Se tivesse recusado, bem... eu achei que poderia fazer algo na Chancelaria do Reich. Eu fui lá e dei uma olhada. Era linda. E o modo como tudo terminou lá. Mais tarde, eu tinha meu próprio apartamento. Era muito agradável. Mas então (à medida que os russos se aproximavam) o círculo ficou cada vez menor. As pessoas foram colocadas juntas e viviam mais modestamente. Compartilhava um quarto com outra enfermeira.
Guardian: A senhora se encontrou com Magda Goebbels, a esposa do Ministro da Propaganda Nazista, no bunker. O que a senhora achava dela?
Flegel: Ela era uma mulher muito inteligente, num nível acima da maioria das pessoas... Ela era casada antes e decidiu um dia que não estava funcionando, que estava ficando chato, e então ela se separou do primeiro marido. Então veio o segundo casamento. É difícil dizer de fora que ele era mais feliz (em relação ao primeiro). Goebbels aproveitou muitos casos ao máximo. Eu não sei os detalhes. Era tudo fofoca e lixo.
Guardian: Como eram os filhos de Goebbels?
Flegel: As crianças eram encantadoras. Cada uma delas era absolutamente maravilhosa. O fato dela (Magda Goebbels) tê-las matado é imperdoável.
Guardian: A senhora tentou persuadir Frau Goebbels a não matar seus próprios filhos?
Flegel: Você tem que entender que vivíamos uma realidade totalmente distinta. Eu queria que ela levasse uma ou duas crianças para fora de Berlim. Mas Frau Goebbels me disse: 'As crianças me pertencem. Tudo me pertence.' Mas eu ainda não entendi como ela pode matar seis crianças. Geralmente, Frau Goebbels cuidava das crianças. Mas uma noite ela me disse: 'Tenho que ir ao dentista e não posso estar com elas, gostaria que você dissesse boa noite para elas.' Eu disse: 'É claro. Eu o farei. Não se preocupe.' No quarto onde as crianças Goebbels estavam dormindo havia dois beliches, um acima do outro. As crianças tinham um pedaço de corda ligado às suas camas, e se elas quisessem algo, elas precisavam apenas puxá-la. As crianças eram tão encantadoras. Elas brincavam umas com as outras. Elas deveriam ter vivido. Elas não tinham nada a ver com o que estava acontecendo. Foi impossível. Mas ela (Magda Goebbels) não queria saber. Ela disse: "Eu pertenço ao meu marido e as crianças pertencem a mim." Não poupar uma ou duas crianças foi loucura, terrível.
Guardian: O que a senhora achava de Joseph Goebbels, o chefe de propaganda de Hitler, que levou sua família ao bunker em 20 de abril de 1945?
Flegel: Eu não gostava dele. Ninguém gostava dele. Havia sempre pessoas ao seu redor, é claro, parentes e coisas do tipo, mas eram apenas três porque elas queriam ajudar suas carreiras. Havia também uma porção de mulheres que eram jovens e bonitas. Elas costumavam bajular seu ministro. Elas tinham mais vantagens em relação ao resto de nós, para quem as coisas eram mais difíceis.
Guardian: e Frau Goebbels opunha-se aos seus inúmeros casos?
Flegel: Ela não falava nada.
Guardian: O que a senhora achava de Eva Braun? No interrogatório que a senhora deu aos americanos após a guerra a senhora rotulou-a como uma "personalidade completamente desinteressante". A senhora também disse que quando Hitler aceitou casar com Eva Braun era "perfeitamente claro que isto significava o fim do Terceiro Reich". Como ela era?
Flegel: Oh, Deus. Ela não tinha qualquer importância. Ninguém esperava muito dela. Ela não era realmente a esposa de Hitler.
Guardian: Havia boatos na época que Eva Braun estava grávida e que o pai da criança não era Hitler?
Flegel: Eu não soube nada disso e não acredito nesse boato. É verdade que na Chancelaria do Reich próximo do quarto onde o Führer dormia havia acomodação onde Eva Braun também ficava. Ela realmente não era nada. Ela era apenas uma garota.
Guardian: Quando a senhora encontrou Hitler, que permaneceu em Berlim desde novembro de 1944? Qual foi sua impressão dele?
Flegel: Estava na casa (a Chancelaria do Reich) e então alguém disse: "O Führer está aqui." Bem, por favor. Isso não me afetava particularmente na época. Foi a primeira vez. Então o Führer estava há muito tempo longe de Berlim. De repente, ele voltou. Alguém disse: "O Führer está no prédio." Aquilo foi uma experiência e tanto. Todo mundo estava comentando. Hitler então cumprimentou todas as pessoas que ele não havia cumprimentado antes. Foi interessante. Obviamente isto não era um encontro formal. Após isso, ele conversava conosco regularmente, e não apenas sobre o tempo. Eram discussões muito interessantes, mas não num sentido real.
Guardian: A senhora pode descrever o clima no bunker nos dias que antecederam a morte de Hitler?
Flegel: Nos últimos dias, Hitler afundou em si próprio. Todo mundo tem seu próprio jeito, tanto negativo quanto positivo.
Guardian: No seu interrogatório, a senhora descreve como Hitler se despediu de sua equipe médica na noite de 29 de abril de 1945, um pouco antes de seu suicídio. O que aconteceu?
Flegel: Ele saiu do quarto adjacente, apertou a mão de todos, e disse umas poucas palavras amigáveis. E foi isso. Havia poucas pessoas que então ouviram (o tiro, quando Hitler se matou na sala seguinte) e havia outros que não ouviram. O Führer de repente não estava mais lá. A equipe então decidiu se ficava ou partia. Eu sabia que Hitler estava morto. De repente havia mais médicos no bunker, incluindo o professor (Werner) Haase (um dos médicos de Hitler). Eu não vi o corpo de Hitler. Ele foi levado para o jardim. O Führer tinha tanta autoridade que quando ele estava lá você sabia. Era um sentimento tão extraordinário. Ele era tão informal. Ele conversaria contigo de forma muito natural.
Guardian: O que aconteceu em seguida?
Flegel: Correu a informação de que Hitler estava morto. Isto significava que as pessoas não precisavam mais seguir o juramento de lealdade que elas haviam feito para ele.
Guardian: A senhora achou que poderia deixar o bunker viva?
Flegel: Nós simplesmente não pensamos em nada. Sabíamos, naturalmente, quem tinha a palavra, quem estava no comando, e não podia conversar sobre isso. Os soldados gradualmente abandonaram o local. Após isso, muitos de nós foram para o metrô na esperança de que quando eles chegassem eles poderiam escapar mesmo se eles encontrassem os russos. Todo mundo estava tentando tão corajosamente quanto fosse possível cair fora daquela confusão intacto. E então tudo acabou.
Guardian: Após a morte de Hitler, a maioria dos oficiais da SS tentaram escapar. A senhora ficou para trás. O que aconteceu?
Flegel: Sabíamos que os russos estavam se aproximando. Como estávamos no bunker, uma irmã (enfermeira) telefonou e disse: "os russos estão chegando." Então eles avançaram sobre a Chancelaria do Reich. Era um prédio muito forte. Os alemães foram levados para longe e nós ficamos. Os russos nos trataram muito bem. Eles se aproximaram da entrada e negociamos com eles. No início, eles enviaram alguém para conversar conosco e dar uma olhada. Neste estágio, havia apenas seis ou sete de nós, não mais. Eles olharam aqui e acolá. Eles (os russos) eram pessoal selecionado e se comportaram de maneira totalmente decente. Eles encontraram tudo armazenado nos andares mais baixos. Todo mundo que precisasse de qualquer coisa ia lá para baixo. Os russos respeitaram isso. Os alemães não eram mais responsáveis por qualquer coisa. Funcionou. Permaneci no bunker por outros seis a dez dias.
Guardian: Após a guerra, em novembro de 1945, oficiais da inteligência americana interrogaram a senhora sobre a sua época no bunker. A senhora se lembra do interrogatório?
Flegel: Eles nos convidaram para um jantar e nos trataram de seis modos diferentes no sentido de acalmar-nos. Não funcionou comigo, contudo. Eles tentaram nos acalmar com uma comida esquisita. Eu tive um par de refeições com eles.
Guardian: Por que a senhora decidiu permanecer calada por 60 anos sobre suas experiências?
Flegel: Foi porque após 1945 as pessoas começaram a apontar dedos entre si e que esse ou aquele era um infectado (isto é, um nazista). Houve muitas pessoas que não disseram nada. E depois disso, isto permaneceu uma fonte de controvérsia. Não discuti com minha família. Enquanto estava no bunker eu não tinha idéia se meus pais erstavam vivos ou mortos. De fato, ambos sobreviveram à guerra. Estávamos felizes de ter sobrevivido.
Guardian: A senhora recentemente viu A Queda, o filme indicado para o Oscar sobre os dias finais de Hitler. O que a senhora achou dele?
Flegel: Foi bom. Eles erraram em alguns pequenos detalhes, mas geralmente estava correto. Eu mesma me reconheci como uma enfermeira.
Guardian: A senhora se arrepende do seu papel no Terceiro Reich? Ou foi um período excitante?
Flegel: É difícil quando você tem uma sociedade (os nazistas) e é difícil discutir isso depois tanto pela esquerda quanto pela direita. Freqüentemente, é visto como errado. Todo mundo tem sua própria opinião.
http://www.guardian.co.uk/world/2005/may/02/germany.secondworldwar?INTCMP=ILCNETTXT3487
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