sábado, 30 de junho de 2012

[SGM] Os Fantasmas de Yalta nos perseguem ainda Hoje

Eric Margolis, 5/07/2010


Como colunista de assuntos estrangeiros, é um pouco estranho estar escrevendo sobre o Mar Negro quando tanta coisa está acontecendo em casa: a atrasada demissão do general americano Stanley McChrystal, o ataque impressionante da Grã-Bretanha à suas dívidas, a nova regulamentação dos bancos americanos, e a farra cara e desnecessária do G20 em Toronto, que tornou aquela metrópole normalmente pacata em uma versão de Fuga de Nova York.

Mais sobre McChrystal e seus Cruzados na próxima semana.

Para mim, como historiador militar, Yalta é uma conexão da história, o lugar dos eventos que continuam a afetar nosso mundo atual. Ela será estudada mesmo após o fim da última Guerra Afegã e continuará sendo discutida após os banqueiros de Wall Street serem esquecidos.

Como toda residência imperial russa parece, Livadia é um palacete, mesmo modesto. O Czar Nicolau II tinha este belo palácio de calcário construído como residência de férias da família na ensolarada Criméia.

Livadia negligencia uma das florestas sub-tropicais mais incríveis da Criméia e o vislumbre do Mar Negro. O último líder soviético, Mikhail Gorbachev, tinha uma casa de verão perto da costa, no antigo porto de comércio grego em Foros. Josef Stalin, que amava a costa do Mar Negro, tinha dachas (vilas) espalhadas entre a Criméia e a Georgia.

Durante os anos 1980, fui até Sochi, Abkhazia e Georgia quando os americanos não eram permitidos ir além dos limites da cidade de Moscou. Fiquei espantado ao descobrir o norte de Sochi como uma versão soviética de Acapulco, completa com um hotel em forma de pirâmide, discotecas noturnas, bares tumultuados e multidões de foliões abastecidos de vodka.

De volta para Livadia. Como muitas coisas russas, o palácio mexe com as emoções de qualquer um. Tantos fantasmas circulam por seus salões sombrios.

As paredes do andar superior do palácio estão lotadas de fotos do Czar, da Imperatriz Alexandra e de suas adoráveis crianças. O apaixonado Nicolau freqüentemente negligenciava assuntos de governo para gastar tempo com sua família. Havia fotografias tristes de seu filho, que sofria da tragédia genética da família, hemofilia – mas não há fotografias do monge sinistro Rasputin, que voltou o povo contra a Czarina.

Vemos o rosto cansado de Nicolau, os olhos assustados ressaltados por trás de sua barba de um governante fraco superado por uma tempestade de problemas, faltando-lhe vontade ou força para governar uma Rússia colapsando em uma revolução.

As fotografias mostram a família imperial reunida em Livadia do mesmo modo como eles estavam quando foram assassinados em 1918 por atiradores comunistas em uma sombria base nos Urais. Quem os vê lamenta que essa família unida por amor tão intenso e seu fim trágico.

Mas enquanto estava estudando estes momentos melancólicos do último Czar da Rússia, fiquei intrigado como Nicolau carrega uma responsabilidade intensa pelos desastres subsequentes do século XX. Ele teve em suas mãos a chance de mudar o fluxo da história, mas falhou em fazer isso. Vemos atitudes semelhantes de indecisão no caráter de um outro líder iniciante, conduzido em tempos obscuros, Barack Obama.

Em 1914, a Sérvia não pestanejou em provocar uma guerra entre a Rússia e seu inimigo, o Império Austro-Húngaro, sobre a Bósnia-Herzegovínia, ao assassinar o Arquiduque Franz Ferdinand, sucessor do trono Habsburg, em Saraievo. Como esperado, a Áustria mobilizou seus exércitos para se vingar da Sérvia.

A Sérvia era aliada dos russos, como o é ainda hoje, e a primeira peça da expansão russa na Europa Oriental pós-Império Otomano, como também o é ainda hoje. Em um ato fatal que encerrou a Época de Ouro da Europa, Nicolau ordenou que seus exércitos poderosos se mobilizassem contra a Áustria em apoio à Sérvia.

A mobilização da Rússia forçou o aliado da Áustria-Hungria, Alemanha, a mobilizar suas forças. A França mobilizou em resposta à mobilização alemã. Enfrentando França e Rússia em duas frentes, a Alemanha foi forçada a atacar a França antes que os vastos exércitos da Rússia tomassem o terreno.

A decisão do Czar de mobilizar acendeu o pavio da Primeira Guerra Mundial, que levou então à Segunda Guerra Mundial.

Nicolau poderia ao invés disso ter se dirigido a Berlim em seu trem particular para encontrar seu “primo Willy”, o Kaiser da Alemanha, para preveni-lo da eminente catástrofe. Mas Nicolau libertou os cães de guerra. Ele acabou perdendo seu Império e sua família – e jogando a Europa em três décadas de guerra.

No piso principal de Livadia, ninguém sente melancolia, mas raiva. Lá, em fevereiro de 1945, o presidente americano Franklin Roosevelt, o Primeiro-Ministro Winston Churchill e o ditador soviético Josef Stalin se encontraram para decidir o futuro da Europa no pós-guerra.

Na maior traição da história moderna, os líderes de guerra Aliados deram metade da Europa para o domínio soviético, levando dezenas de milhões de seus povos para os gulags, ditaduras e confisco de suas propriedades.

O falecido general da KGB Pavel Sudoplatov, que liderou a equipe que matou Trotsky e esteve presente em Yalta, chama adequadamente o pacto em seu diário como “tão cínico quanto o pacto Hitler-Stalin de 1939” que dividiu partes da Europa Oriental entre a Alemanha e a União Soviética. Mas naquele caso, Hitler e Stalin fizeram um acordo de dois lados, restaurando terras às suas nações que foram perdidas em consequência da Primeira Guerra Mundial.

Yalta foi uma entrega vergonhosa para apenas um lado de metade do continente europeu. Foi uma traição mais clamorosa do que o Pacto citado acima. A esquerda submissa, assim como o senil Roosevelt continuaram saudando Stalin, que havia matado mais de 20 milhões de seu próprio povo, “nosso Tio Joe”.

Ironicamente, na semana passada, o governo pró-ocidente da Georgia explodiu uma estátua de Stalin em sua cidade natal de Gori, irando muitos geórgios e russos em uma época em que a memória do ditador soviético está sendo reabilitada na Rússia.

A maquinaria pesada usada por Stalin para industrializar a URSS e construer suas fábricas de armas foi largamente comprada dos Estados Unidos. Moscou confiscou grãos de seus camponeses para financiar a industrialização, deixando cerca de dez milhões deles famintos. Mao Tsé-Tung mais tarde faria o mesmo para industrializar a China, da mesma maneira cruel nos anos 1950. Lembrem-se da profecia de Lênin que os capitalistas venderiam aos comunistas a corda que seria usada para enforcá-los.

Tem sido geralmente esquecido que os campos de concentração e o extermínio em massa de Stalin atingiram seu pico nos anos 1930, pelo menos cinco anos antes de Hitler começar seu extermínio em massa. Além disso, a América partiu para o socorro da União Soviética quando ela foi atacada pela Alemanha, fornecendo grandes quantidades de materiais, armas, combustível e dinheiro.

Como Churchill lembrou bem apropriadamente, quando Stalin chegou ao poder, os russos lavravam a terra com arados de madeira. Quando seu governo terminou, a União Soviética tinha armas nucleares.

Surpreendentemente, na Conferência de Yalta, o ingênuo Roosevelt e a delegação americana ficaram no Palácio de Livadia. O NKVD, a polícia secreta soviética, grampeou todo pedaço de Livadia, e escutou tudo o que era dito pelo presidente e seus funcionários.

Os ingleses ficaram no escuro Palácio Vorontzov vizinho, também altamente grampeado. Sarah Churchill lembrou para um membro da delegação britânica que seria bom provar o frango de Kiev. Ele foi entregue uma hora depois. Um outro diplomata britânico lembrou que ele queria limão para o seu chá. Um limoeiro inteiro foi rapidamente entregue.

O NKVD e a inteligência militar, GRU, sabiam quase tudo o que se passava nas mentes dos americanos e britânicos. Havia dois agentes soviéticos na equipe de Roosevelt: o assistente do Secretário do Tesouro Harry Dexter White e Alger Hiss. Sudoplatov diz que ele ouviu da GRU que havia um terceiro espião soviético bem colocado na Casa Branca, e um outro que era um famoso financista e descendente de uma das famílias mais famosas da América.

Harry Dexter White trabalhou para o Secretário de Tesouro, Henry Morgenthau, que planejou desindustrializar a Alemanha e jogá-la de volta à época medieval.

Como os senhores da guerra Roosevelt e Churchill puderam ser tão tolos e covardes? Stalin tinha 12 milhões de homens se deslocando pela Europa Oriental. O poder de Stalin intimidou Roosevelt e Churchill, fazendo com que trocassem um ditador totalitário, Adolf Hitler, apaziguando um ditador muito mais perigoso, Stalin.

A União Soviética tinha feito o trabalho do leão ao lutar na Europa, destruindo 75% de todas as forças terrestres e aéreas alemãs, e naturalmente esperava uma partilha proporcional do espólio. Quando os americanos, britânicos e canadenses pisaram na Normandia, quem os enfrentava era o fantasma da outrora invencível Wehrmacht, fatalmente alijada de suprimentos de combustível, munições e blindados, e sem qualquer cobertura aérea. É incrível que os alemães tenham durado tanto tempo na frente ocidental.

Depois que as forças alemãs se renderam, o general americano Patton estava pronto para direcionar seu famoso 3º. Exército contra os russos na Europa Oriental. Os EUA tinham a bomba atômica, e a Rússia não. Mas os EUA e a Inglaterra falida decidiram curvar-se a Stalin. A Europa Oriental pagou um preço caro. Patton foi dispensado e subsequentemente morto em um acidente de carro ainda misterioso.

Em 1905, o Kaiser Wilhelm da Alemanha predisse que em 50 anos o Império Britânico, que então controlava um quarto do globo terrestre, desapareceria em pós e seria substituído por dois novos impérios, a América e a Rússia.

Penso sobre isso, em uma das vilas verdes e sinistras de Stalin na costa russa próximo de Sochi. Sentei à mesa de Stalin, imaginando como após Yalta seus olhos amarelos devem ter piscado com malícia e triunfo enquanto baforava seu cachimbo após olhar com desprezo para o tolo Roosevelt e o perdido Churchill.

http://www.huffingtonpost.com/eric-margolis/the-ghosts-of-yalta-haunt_b_635676.html


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