segunda-feira, 11 de junho de 2012

[ARM] V-2: O primeiro míssil balístico

Em 1933, com a mudança do perfil político na Alemanha, o foguetismo começou a ser encarado como um assunto de segurança nacional. Na verdade, o exército alemão já fazia pesquisas secretas com foguetes como peças de artilharia desde o final dos anos 20, pois o Tratado de Versalhes (1918) havia extinto a antiga força aérea alemã. Assim, uma das primeiras medidas do governo nazista foi extinguir a VFR e transferir todas as atividades relacionadas a foguetes para o exército.

Três meses após o vôo de demonstração do Mirak, von Braun foi recrutado para trabalhar no projeto de foguetes a propelente líquido para o exército. Em dezembro de 1934, von Braun logrou seu primeiro sucesso com um foguete A2 de 270 kg alimentado com etanol e oxigênio líquido, conseguindo lançá-lo a uma altitude de 2km da base de Kummensdorf, próximo a Berlim. Von Braun e seus colaboradores produziram um certo número de projetos experimentais, sendo que o mais famoso deles foi o foguete A-4, que ganhou um “lugar de honra” na história com outro nome: “Arma da Vingança número 2” (Vergeltungswaffe), ou simplesmente V-2. Este foi o primeiro míssil balístico de longo alcance, e a von Braun é creditado o seu desenvolvimento.

Von Braun e oficias da Wehrmacht em Peenemünde

Os pesquisadores rapidamente aumentaram suas instalações em Kummensdorf de modo que, em 1936, as operações tiveram de ser transferidas para uma ilha remota na costa do Mar Báltico, Peenemünde. Entre 1937 e 1941, o grupo de von Braun lançou uns 70 foguetes A3 e A5, cada um testando os componentes que seriam utilizados no projeto do A-4 (figura 1). O A-4 tinha 14 metros de comprimento por 1,6 metro de diâmetro e carregava 738kg de explosivos em sua ogiva, tendo um alcance de 320km. Ele era guiado por um sofisticado sistema de giroscópios que enviavam sinais para o controle aerodinâmico das empenas. Seu sistema de propulsão era constituído de tanques de armazenamento de propelentes, os quais continham álcool (uma mistura de 75% de álcool etílico e 25% de água) e LOX (Oxigênio Líquido).


Figura 1

Os dois fluidos eram entregues na câmara de empuxo por duas bombas centrífugas, comandadas por turbinas a vapor. A turbina operava a 5.000 rpm através de propelentes auxiliares, constituídos por peróxido de hidrogênio (80%) e uma mistura de permanganato de sódio (66%) com água (33%). Este sistema gerava quase 250 kN de empuxo na partida, que aumentava para 720 kN quando a máxima velocidade era atingida. O tempo de combustão do motor era de 60 segundos, impulsionando o foguete a uma velocidade de 1,3 km/s. A câmara de combustão atingia cerca de 2.700ºC, de modo que o envelope metálico era refrigerado por álcool etílico circulando por uma tubulação que passava pela câmara.

Durante a fase propulsiva, o A-4 era controlado por meio de 4 lemes de grafite e 4 palhetas localizadas nas empenas. O processo de guiamento era feito como segue. Suponhamos os lemes e palhetas verticais 1 e 3 e os lemes e palhetas horizontais 2 e 4. Os elementos 1 e 3 controlavam juntos a oscilação e o curso no movimento lateral, enquanto que os elementos 2 e 4 executavam a mesma tarefa no movimento vertical. As palhetas 2 e 4 controlavam a estabilização de rolamento. Todas as palhetas eram controladas por um giroscópio, de modo que elas mantinham o eixo do A-4 vertical. Os lemes 2 e 4 eram controlados por outro giroscópio. Eles cuidavam do ângulo em relação à vertical durante o período de combustão. O último giroscópio era comandado por um terceiro giroscópio que assegurava que o primeiro quilômetro seguia uma trajetória reta, após o que o veículo iniciava um giro para alcançar a correta elevação. Esta elevação era mantida até que a velocidade era alta o suficiente para alcançar o alvo. Finalmente, o último giroscópio desligava o sistema de propulsão, após o que o foguete se comportava como um projétil comum.

O primeiro A-4 vôou em março de 1942, mal atingindo algumas nuvens baixas e se espatifando no mar cerca de 800 metros do local de lançamento.

O segundo lançamento ocorreu em agosto de 1942 e o foguete conseguiu atingir uma altitude de 11 km antes de explodir. Um terceiro lançamento foi realizado em 3 de outubro do mesmo ano, no qual o A-4 seguiu a trajetória predeterminada e sofreu impacto no alvo estabelecido situado a 193km de distância. De fato, este vôo pode ser considerado como o primeiro passo em direção da conquista do espaço, já que pela primeira vez na história dispunha-se de um veículo suficientemente potente para alcançar as regiões mais distantes da atmosfera. O general Walter Dornberger, um dos responsáveis pelo projeto, comentou: “Invadimos o espaço com nosso foguete e pela primeira vez – guarde bem isso – usamos o espaço como uma ponte entre dois pontos da Terra; provamos que a propulsão a foguete é possível para a viagem espacial. Este terceiro dia de outubro de 1942 representa uma nova era do transporte, qual seja a viagem espacial.”




A produção em escala industrial do A-4 começou em 1943. Nessa época, cerca de 17.000 pessoas trabalhavam na base de Peenemünde. De fato, tratava-se do primeiro míssil balístico de longo alcance da história, o qual iria infernizar a vida dos londrinos por algum tempo. A figura 13.10 apresenta um destes foguetes sendo carregado para a rampa de lançamento. Em setembro de 1944, os A-4 foram rebatizados para V-2 e disparados em direção de Londres e dos Países Baixos. Ainda neste ano, apesar da situação cada vez mais difícil da Alemanha, os cientistas de Peenemünde prosseguiam em suas pesquisas para melhorar o desempenho do A-4. Uma atualização que foi feita consistiu na colocação de um par de asas enflexadas no corpo do foguete. A possibilidade de melhorar o guiamento durante a fase balística do vôo prometia aumentar sensivelmente o alcance do míssil. O A-4 modificado finalmente foi testado estaticamente entre o final de 1944 e início de 1945, porém as duas primeiras tentativas de lançamento falharam.

Em 24 de janeiro de 1945, o A-4b finalmente alçou vôo e tornou-se o primeiro foguete dotado de asas a atingir velocidade supersônica de Mach 4. Entretanto, durante a reentrada, o veículo perdeu suas asas e falhou em atingir o alcance preestabelecido. Ademais, apesar de toda a tecnologia empregada na época, os V-2 não chegaram a influenciar o resultado da guerra, revelando-se armas de capacidade destrutiva limitada. De qualquer maneira, as autoridades militares aliadas e russas viram nestes foguetes potencialidades estratégicas enormes e iniciaram uma busca frenética para conseguir essa tecnologia.

No início de 1945, Hitler nomeou o general Hans Kammler, das SS, como comandante das instalações de Peenemünde, incluindo seus cientistas, técnicos e familiares. Por volta desta época, a desordem era tanta que segundo Von Braun: “Tinha dez ordens por escrito em minha mesa. Cinco delas diziam que seríamos mortos por fuzilamento se abandonássemos o lugar e as outras cinco prometiam que eu seria morto se permanecêssemos na base.” Em seguida, Von Braun recebeu ordens de Kammler para evacuar Peenemünde e se dirigir para a Alemanha central, onde ficavam as instalações industriais das peças da V-2. Um comboio partiu de lá em fevereiro de 1945, levando consigo milhares de pessoas e toneladas de equipamentos. Com o colapso da defesa alemã, os técnicos de Peenemünde não tiveram outra alternativa a não ser se entregar para os Aliados, de preferência para os norte-americanos. Em abril de 1945, num hotel perto de Oberjoch, na região de Haus Ingeburg, von Braun e mais de 100 peritos em foguetes esperavam pelo fim. Toda a equipe foi condenada à morte por um Hitler ensandecido para evitar sua captura. O irmão de von Braun, Magnus, contudo, organizou contato com as forças americanas antes que as tropas nazistas executassem sua missão. Numa operação chamada “Paperclip”, o exército americano conseguiu não só a inteligência por trás do V-2, mas também peças e instrumentos suficientes para construir cerca de 200 foguetes nos EUA.

No final da guerra, aproximadamente 8.000 técnicos e cientistas alemães foram aprisionados pelos Aliados. O governo britânico interrogou algumas dessas pessoas e iniciou uma busca por toda a Alemanha à procura de peças para a montagem de foguetes completos para lançamento, operação esta que se chamou “Backfire”. Em outubro de 1945, próximo de Cuxhaven, na Alemanha, os prisioneiros alemães, sob o acompanhamento próximo dos técnicos britânicos, iniciaram a construção de oito exemplares do V-2, sendo que somente três deles foram efetivamente lançados e, dentre estes, apenas um foi lançado com sucesso. Um fato curioso é que muitas das fotos e filmes existentes sobre os V-2 foram feitos em Cuxhaven, com os alemães da equipe de apoio ainda vestindo seus uniformes militares de guerra. Após estes testes, Von Braun, Dornberger e mais alguns supervisores de Peenemünde foram enviados a Londres para ver os estragos provocados pela sua arma. De fato, o ressentimento era tanto que os britânicos queriam ver Dornberger enforcado e somente o libertaram da prisão em 1947.

Os soviéticos também tinham conhecimento dos foguetes A-4. Desde 1935, o governo comunista de Moscou recebia informações da Alemanha. Segundo se soube mais tarde, um espião infiltrado nas SS acompanhou os testes iniciais de foguete a propelente líquido de Von Braun e repassava estas informações para um contato em Berlim, que, por sua vez, informava Moscou. Entretanto, não havia detalhes a respeito dos A-4.

Em maio de 1945, Peenemünde caiu nas mãos dos soviéticos, porém eles não encontraram nada de valor. No final de junho, o exército vermelho tomou a região da Turingia, onde ficavam as instalações industriais do V-2. Lá, encontraram partes intactas de foguetes e alguns especialistas alemães, que deixaram o grupo de Von Braun.

Após a rendição, Von Braun e seus principais assessores foram levados pelos americanos para uma base do exército no deserto de White Sands (Novo México), de onde, até 1952, 64 V-2 foram lançados.



 
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