terça-feira, 24 de novembro de 2015

ESTADO ISLÂMICO - ASPECTOS OPERACIONAIS: Revolução Tática ou Infantaria Leve na Era Global

Frederico Aranha


A súbita ascensão e expansão do Daesh em 2014 deixou o mundo perplexo. Humilhou seus adversários, inclusive aqueles em Damasco, Bagdá, Teerã e Washington. Equipado com extenso arsenal, contando com uma força de combate internacional e adepto da mídia digital, o assim chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Daesh em árabe) tornou-se a autoridade de fato de um território igual ao da Jordânia. Desde então, o Daesh age para consolidá-lo. Simbolicamente, desmantelou o acordo Sykes-Picot, que demarcou a fronteira Síria/Iraque após a Iª Guerra Mundial, tornando o Califado uma tangível realidade territorial.
           
As desconcertantes operações militares do Daesh representam sem dúvida uma novidade tática. É a primeira vez que um grupo terrorista (ou guerrilha) alcança tal resultado: as violentas ações não se destinam à defesa de uma área de difícil acesso (zona urbana ou montanhosa, floresta) ou a simples atentados terroristas, mas à ofensiva e ocupação de um vasto território. Desenvolvem-se em terreno parcialmente desértico, com infantaria leve apenas, ausentes formações de carros de combate e artilharia orgânica e sem apoio aéreo. Realizadas unicamente por unidades ligeiras, embora com amplas repercussões estratégicas e políticas, autoriza pensar numa “revolução tática”. Recentemente, a ofensiva de uma guerrilha (ou grupo terrorista) transformada em exército convencional ou apta a operações militares convencionais se deu em raros casos: por exemplo, o Vietnã do Norte empregou carros de combate, veículos blindados e artilharia pesada no estágio final para conquistar o Vietnã do Sul; a Frente Polisario fez o mesmo para atacar as fortificações construídas pelos marroquinos no Saara Ocidental.
          
O exército iraquiano reorganizado em moldes americanos, estruturado em estados-maiores, divisões, brigadas, equipado modelarmente, mas empregando táticas ortodoxas, não é capaz de resistir aos ataques do Daesh. De igual sorte, o Exército Sírio aparelhado conforme ao antigo Exército Soviético tem sido frequente e amplamente derrotado. O ganho territorial alcançado pelo Daesh é considerável: espraia-se por dois países, Síria e Iraque, sendo de tal envergadura que permitiu a criação de um Califado aos moldes daqueles dos séculos 8/9, tal como preconizado pela Sharia, sem prejuízo das chamadas “Províncias”, filiais orgânicas e territoriais do Califado implantadas na Líbia, Afeganistão, Cáucaso, Egito (Península do Sinai), Mali, Nigéria, Somália. Ademais, a ofensiva do grupo parece destinada a provocar uma alteração radical do mapa físico e político do Oriente Médio: a provável criação do Curdistão e a potencial fragmentação do Iraque e da Síria, sem prejuízo de outras mudanças geopolíticas de profundidade na Ásia e África.

1. Portanto, é à luz da magnitude das consequências desta guerra virulenta realizada pelo Daesh apenas com unidades de infantaria leve que se afigura a ideia de uma "revolução tática." O que isso significa no contexto? Três aspectos a levar em consideração: a maturação das chamadas táticas "asiáticas"; o rompimento com a tecnologia state of art; e a nova forma transnacional de organização militar. Diferentes exércitos convencionais enfrentam a mais de meio século adversários com poder de fogo "limitado" que empregam táticas desenvolvidas com vistas a diminuir a diferença de força (potência) e criar um equilíbrio ainda que precário frente a exércitos muito mais poderosos. Essas táticas caracterizam-se, em síntese, pela surpresa, o uso da dispersão, manobra e infiltração de pequenas unidades (grupo de combate, seção). Fala-se de "revolução tática" porquanto as operações do grupo mostram que essas táticas já atingiram sua maturidade: não se limitam à postura defensiva e à busca de equivalência de poderio, mas à ação ofensiva em larga escala.

2. Se correta esta visão, exigirá uma reorientação dos exércitos regulares ocidentais abrindo caminho para requalificar o cidadão-soldado, privilegiando uma formação profissional especializada. É importante apresentar a especificidade destas táticas a fim de entender por que é legítimo evocar uma revolução. Foram elas desenvolvidas principalmente por aqueles que têm enfrentado grande poder de fogo (artilharia pesada e bombardeios aéreos) dos EUA – os japoneses em 1943, os chineses e norte-coreanos na Guerra da Coréia, os norte-vietnamitas durante a Guerra do Vietnã – e da Rússia os chechenos em três grandes conflitos: daí a designação de "asiáticas". Todos os combatentes em situação semelhante – enfrentar um poder de fogo violento, os Pasdaran iranianos durante a guerra Irã-Iraque, os Mujahideen do Afeganistão contra os soviéticos, o regulares do Hezbollah contra Israel e os militantes da Al Qaeda no Iraque e no Afeganistão, adotaram e aperfeiçoaram essas táticas.

3. No entanto, essas táticas não são particulares da Ásia ou do Leste. Sua origem, pode-se afirmar, remonta à Primeira Guerra Mundial com a criação de unidades especiais pelo Exército alemão, os Stosstruppen – Destacamentos de Choque, posteriormente Sturmtruppen – Destacamentos de Assalto [1]. Observando o fracasso e o alto custo humano dos ataques frontais de infantaria contra um inimigo entrincheirado e o impasse estratégico criado, os alemães desenvolveram métodos de infiltração com base no “enxame” de vários grupos lutando para progredir usando o micro terreno - valas, córregos, crateras provocadas pela artilharia e outros obstáculos e detritos, procurando desbordar as posições defensivas do inimigo para penetrar em profundidade rumo aos centros de comando, concentração de armas de apoio ou depósitos de suprimento. Este novo método de combate baseava-se em grupos de no máximo dez homens liderados por um suboficial. A dotação de armas também sofreu uma transformação. A prioridade foi dada a armas de combate aproximado: granadas de mão, armas de repetição, pistolas semiautomáticas, facas e pás, submetralhadoras, metralhadoras leves, minas e bombas, fuzis de precisão, lança-chamas e outros equipamentos próprios da infantaria. 

4. O objetivo foi dar ao soldado de infantaria (grupo de combate) alta mobilidade e elevado poder de fogo no combate aproximado. A adoção do Auftragstaktik (“missão tática”) [2] tornou a infiltração não apenas possível como imprimiu eficácia à atuação dos grupos de combate pois sabiam o tempo de progressão e o objetivo, mas atuavam com liberdade para escolher a rota e ações para alcançá-lo. A iniciativa era do suboficial líder do grupo; o oficial comandante concentrava-se "em seus binóculos" para descobrir os contornos precisos das posições inimigas e orientar seus grupos no campo. Na defesa os Sturmtruppen renunciavam aos dispositivos lineares (trincheiras) em favor de posições escalonadas em profundidade, localizadas no próprio campo de batalha ou na terra de ninguém, para fugir da observação e reconhecimento inimigo. Essas posições tinham rotas de fuga para a tropa evadir-se quando a pressão do ataque fosse insuportável. As posições eram reocupadas à noite quando o atacante estivesse esgotado. Dessa forma, adotavam uma luta altamente móvel, tanto na ofensiva como na defensiva, utilizando plenamente o terreno para escapar dos efeitos destrutivos de armas pesadas. Formavam as melhores e mais eficientes unidades do Exército Imperial Alemão e seus homens os mais desassombrados em combate. O Tenente Ernst Jünger, Comandante de Companhia de Assalto na Iª Guerra, filósofo e escritor, ferido sete vezes em combate, detentor da mais alta condecoração prussiana – Pour Le Mérite, conhecida também como Blue Max – registrou sua experiência de guerra em livro (v.bibl.), traduzindo com precisão a disposição dos seus comandados para a luta: Não há contradição no fato de nos cognominarmos condottieri e sentir uma estranha afinidade com esses espíritos aventureiros, com tanto sangue nas veias que qualquer pretexto e qualquer bandeira eram motivo para jorrá-lo. As táticas de japoneses, chineses, norte-coreanos, norte vietnamitas, chechenos, do Hezbollah e dos jihadistas são um legado dos Sturmtruppen.

5. O equipamento da infantaria do Daesh tem paralelo com o conjunto do armamento empregado outrora pelos Sturmtruppen: inclui geralmente armas leves de origem russa (ou soviética), o fuzil de combate AK, lança-rojão RPG-7 [3], metralhadora leve PKM/PKP, fuzil-metralhador RPD, fuzil de precisão Dragunov [4] e vários tipos de explosivos (granadas de mão, minas, bombas) e armas pessoais (pistolas semiautomáticas) de diversas procedências. As ações descentralizadas são de pequenas equipes usando surpresa, diversão e alto poder de fogo a curta distância (o lança-rojão RPG-7 desempenha um papel importante neste ponto por causa da versatilidade); a unidade tática básica pode ser de três a seis homens (armados de lança-rojão, fuzil de precisão, fuzil-metralhador e fuzil de combate) emprestando total autonomia para o combate móvel [5].

6. Os aspectos destacados das táticas adotadas pelo Daesh são:


#Ações cuidadosamente preparadas e modeladas com base em um conjunto de informações específicas obtidas por patrulhas, pelo interrogatório de prisioneiros e no seio da população civil;

# Movimento, infiltração e abordagem à noite usando o micro terreno, com base em mapas simples, mas precisos, elaborados conforme informações previamente obtidas (visores noturnos não são comumente utilizados);


# Ataque a cidades ou aglomerados urbanos de acordo com a técnica da "flor de lótus", ou seja, infiltração de equipes em vários pontos previamente eleitos, unindo-se por meio de “saltos” no centro (de comando) da cidade, o coração de lótus do dispositivo inimigo;


# Cenários utilizados para treinamento da tropa, construídos de acordo com as ações previstas; o   treinamento dos militantes se dá à exaustão, organizando a tropa conforme a missão emboscada, reide ou ação defensiva – esta organização ad hoc, modelada no cenário apropriado, aumenta ainda mais a mobilidade da unidade envolvida;


# Sistema de divulgação via internet de manuais de combate (inovação posta em prática pela Al Qaeda), nos quais os militantes obtêm a informação que precisam para suas operações.

Fase final do ataque: os Technicals avançando em alta velocidade.

7. A ênfase nessas táticas, inteligência, ação descentralizada, equipes pequenas e o uso de micro terreno (infiltração) pode compensar a falta de equipamentos pesados. O objetivo primordial é o combate corpo a corpo buscado sistematicamente, ou seja, trazer o inimigo para a “ponta da espada". Os procedimentos preferidos para atrair o oponente para área de matança podem ser a emboscada ou o ataque com IED (artefato explosivo improvisado) suicida ou não. Além disso, a infantaria leve é capaz de passar despercebida até o contato, o que impede o adversário de utilizar seu maior poder de fogo. Assim, os chechenos foram capazes de retomar Grozny ainda ocupada pelas tropas russas em maior número. O Daesh procede exatamente da mesma maneira: de modo geral, os militantes detonam um veículo suicida ou guiado por controle remoto perto de viaturas, construções e posições inimigas, dispersando os defensores; depois se aproximam com os technicals em alta velocidade metralhando tudo no seu caminho -  aí acontece a debandada. Os métodos descritos evidenciam a ação descentralizada de pequenas equipes, com grande poder de fogo a curta distância e o embuste pela explosão de carros-bomba ou de IEDs.

8. Em segundo lugar, essas táticas rompem praticamente com o emprego da tecnologia. A excelência e o sucesso são baseados em equipamentos menos sofisticados, na habilidade dos combatentes e na iniciativa de pequenas unidades pesadamente armadas e cuidadosamente preparadas. Este é o segundo ponto que permite falar de revolução. Os drones assassinos, as bombas inteligentes, a digitalização do campo de batalha e a onipresença da eletrônica, incluindo equipamentos individual do soldado, são fatores que ficam afastados por causa do sucesso com base no know-how particular do soldado, sem as características que dizem respeito à abordagem tecnológica da guerra adotada por exércitos ocidentais. Confirma-se o prognóstico de Martin Van Creveld de 1991: as armas modernas tornaram-se tão caras, tão rápidas, cegas, impressionantes, volumosas e poderosas que transformam a guerra contemporânea em becos sem saída, ou seja, lugares onde elas não funcionam.  Os braços da revolução tecnológica (Revolution on Military Affairs) não foram bem-sucedidos a não ser em onerar ao extremo os orçamentos militares, obrigando os Estados a se concentrarem em hardware em vez de no real. A RMA também provocou uma centralização quase total da conduta dos escalões de combate, removendo qualquer margem de manobra. Contrariamente, as táticas aqui consideradas demonstram a sua eficácia, até porque já não se limitam apenas à postura defensiva contra um adversário cineticamente superior, elas abrem a possibilidade de conquistas territoriais.

9. Em terceiro lugar, o Daesh promove o nascimento de uma verdadeira "força armada transnacional": os homens que compõem sua força armada lutaram ou lutam em incontáveis teatros de operações, entre eles, Líbia, Mali, Iraque, Afeganistão, Chechênia, Balcãs, Síria, etc., além de veteranos e noviços europeus e de outros países, totalizando mais de cinquenta nacionalidades. São capazes de se mover livremente e de forma discreta nesta enorme área que se estende desde o Saara até o Cáucaso, de se reunirem em um determinado lugar e movimentar e transferir todo tipo de armamento por meio do tráfico ilegal. Alguns analistas têm traçado “mapas das autoestradas” da insurreição na região mencionada; militantes circulam como civis sem serem detectados, mesclando-se com fluxos de refugiados ou através de canais comerciais. O carácter transnacional é particularmente notável quando comparado com as intervenções dos exércitos ocidentais que exigem aeronaves de grande porte, enormes bases aéreas, estruturas portuárias e cadeias de suprimentos complexas. As linhas de comunicação do inimigo serão destruídas pelo Daesh com ataques rápidos, as bases próprias substituídas por esconderijos e grandes depósitos em pontos geográficas previamente determinados e a adesão das populações será obtida por meio da propaganda e do terror.

Conclusões

Vivemos num mundo onde as fronteiras perderam sua importância, onde os territórios são fragmentados (áreas de caos ao lado de parques tecnológicos de ponta), onde a entropia surge progressivamente à medida que a economia paralela está ganhando força e, principalmente, os Estados tendem a perder o poder econômico e as empresas se tornando cada vez mais heterogêneas. Em tal mundo, um exército do tipo do Daesh pode estar em qualquer lugar, a sua liberdade de ação parece ser ilimitada. É uma matéria, uma organização informal que cresceu em força, enquanto as instituições perdem seu conteúdo. Seus militantes podem, por exemplo, se infiltrar na imigração em massa para a Europa, se estabelecer em áreas onde o Estado é ausente (periferia de grandes cidades), controlar o tráfico de drogas, equipar redes criminosas com armamento e por fim eleger as ações a serem desencadeadas e os alvos.

Neste sentido, pode-se conjecturar que uma tal forma de organização é comparável à que existiu entre o século quinto e o oitavo da nossa era, com o surgimento dos nômades das estepes (Vândalos, Avaros, Godos, Magiares) e os árabes, todos capazes de derrotarem os exércitos ocidentais graças a sua mobilidade extraordinária. Esta comparação tem como objetivo colocar a perspectiva "revolução tática" para identificar alguns elementos potenciais. A resposta do Ocidente para as invasões dos cavaleiros da estepe é esclarecedora sob diversos aspectos para a nossa realidade contemporânea. Sob os repetidos golpes, o Império Romano e o mundo carolíngio se desintegraram deixando espaço para outros mais capazes combater as ameaças. No caos deste período surgiram, em função das distâncias muito grandes e comunicações primitivas, inúmeros pequenos exércitos aptos a garantir uma defesa eficaz. Desse modo, a solução foi a transferência das responsabilidades militares à aristocracia local mais capaz de proteger áreas nacionais contra invasões e ataques. O historiador Michael Howard (v.bibl.) observa a este respeito: Não é de surpreender que um tipo de sociedade que pode garantir a sobrevivência dos povos da Europa em tais condições, apareceu: as gerações seguintes de historiadores deram-lhe o nome de 'feudalismo'.

Embora os meios de comunicação e transporte pendem hoje a anular distâncias, o território do Estado e do corpo social é de modo geral fragmentado, as lacunas preenchidas pelo caos enquanto o aparato de segurança e militar é impotente para defendê-lo. Isso abre oportunidade para um inimigo transnacional, fluido e informal, semelhante aos cavaleiros das estepes do quinto ao oitavo séculos tiros.

Pergunta-se se o Daesh pode ser derrotado no Oriente Médio. Pode, sem dúvida. A luta na Síria (e no Iraque) é feroz e complexa, pois são muitos os atores e com interesses difusos. Expulsar o Daesh dos territórios que ocupa é o objetivo estratégico. Sem território não há Califado. Assim reza a Sharia. É uma tarefa gigantesca, porquanto exige uma aliança militar gestada necessariamente por um acordão político de difícil consecução. Além dos mais, o Daesh já demonstrou que pode defender as áreas ocupadas em múltiplas frentes. Para ter sucesso, exige antes de mais nada que o Daesh seja reconhecido como um Exército Terrorista e não um mero grupo terrorista como acontece agora. (Porto Alegre, outubro/2015)

NOTAS

[1]. A questão central na Grande Guerra era como cruzar a terra de ninguém, de um sistema de trincheiras a outro, tomá-lo e ocupá-lo, tudo sem grande perda de vidas. Em 1917 os alemães pensaram ter encontrado um meio de resolver a questão. A formulação e regulamentação de um conjunto de “táticas de infiltração” foi implementada por inspiração do General Oskar von Hutier após um grande debate pelo Estado-Maior alemão. Resumidamente, consistia no “casamento” de uma curta barragem de artilharia, destinada a manter a cabeça dos defensores da primeira linha abaixada, com o ataque de forças especiais – Sturmbattalione ou Sturmtruppen– fortemente armadas e empregando táticas fundadas no aproveitamento do terreno da terra de ninguém, penetração e limpeza das posições defensivas do inimigo e prosseguimento do ataque aos centros de comando e de posições de tiro e depósitos de suprimentos. A artilharia voltaria a disparar uma “barragem rolante” para proteger o avanço. A ocupação do terreno caberia às tropas regulares que acompanhavam a ofensiva. Von Hutier adotou as novas táticas quando no comando do 8º Exército, na Frente Leste, por ocasião da travessia do Rio Dvina e a tomada de surpresa da cidade de Riga em setembro de 1917, mediante manobra de infiltração protegida pela artilharia. Embora vitorioso, falhou na missão de destruir o 12º Exército Russo. Contudo, libertou cerca de 50.000 alemães residentes em Riga, capturou 25.000 russos e 262 peças de artilharia – suficientes para equipar algumas divisões – com a perda de 4.200 homens mortos e feridos. O mais importante foi conservar a pressão sobre as tropas russas que nesta altura já tinham perdido a vontade de combater. O sucesso do ataque deveu-se em grande parte à atuação da artilharia alemã sob o comando do afamado artilheiro Coronel George Bruchmüller. A sintonia entre Von Hutier e Bruchmüller foi total.  Pode-se afirmar que a Batalha de Riga serviu de modelo, mais no plano operacional do que no tático, para as últimas ofensivas alemãs na Grande Guerra.

[2]. Traduzir Auftragstaktik para “Missão Tática” distorce completamente o sentido da palavra. Não quer ela dizer um estilo de dar ordens ou um meio de redigi-las. É toda uma filosofia de comando. Por ocasião dos jogos de guerra do Estado-Maior do Exército Prussiano em 1858, o genial Von Moltke enunciou na crítica aos jogos os princípios do Auftragstaltik – sendo a ordem uma regra, deve conter somente aquilo que o subordinado por si só não pode determinar; todo o resto deve ser deixado ao seu talante. No entanto, como anota o historiador militar inglês Liddell Hart, a única coisa mais difícil do que introduzir uma nova ideia no pensamento militar, é dele extrair uma velha ideia. Seus preceitos foram oficialmente adotados e incorporados aos Manuais de Campanha do Exército Alemão trinta anos depois, em 1888, ano em que o Marechal Von Moltke retirou-se do serviço ativo. Por ocasião do ataque alemão à França em 1940, o entãoOberst (Coronel) Kurt Zeitzler, chefe do Estado-Maior do Panzergruppe Kleist, transmitiu uma ordem invulgar aos comandantes das unidades mecanizadas e seus estafes, ajustada ao melhor espírito do Auftragstaktik: Senhores, a missão das suas divisões é cruzar as fronteiras da Alemanha, transpor totalmente as fronteiras belgas e atravessar completamente o rio Meuse. Não me preocupo como cumprirão as ordens. É um problema que compete somente aos senhores.

[3]. De acordo com o International Arms Market, o tubo do RPG custava US$ 200 em 2012 e o foguete propulsor US$ 100. Além do baixo custo e fácil manuseio, a arma dispara uma gama de munições de aplicação variada o que lhe empresta grande versatilidade. Tipos de munição:

1. PG-2 HEAT (80 mm)
2. PG-7 HEAT (85 mm)
3. PG-7M HEAT (70 mm)
4. PG-7L HEAT (93 mm)
5.
PG-7R HEAT tandem (50/105 mm)
6. TPG-7 Termobárica (105 mm)
7. OG-7 Fragmentação (40 mm)

[4]. O fuzil de precisão tem importância particular, porquanto não só permite a observação e o tiro a longa distância – um apoio discreto e eficiente, bem como enseja a interdição de uma zona de combate sem implicar no emprego de grande efetivo.

[5]. Observa-se em fotos que os militantes do EI se apresentam normalmente em grupos de três a seis homens (em tese, a capacidade do technical) exibindo seu armamento pessoal.


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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

[SGM] Seis Mitos da Batalha da Inglaterra

Christer Bergström

BBC History Magazine, 29/10/2015


Um teste de resistência entre a Força Aérea Alemã (Luftwaffe) e a Força Aérea Real (RAF), a Batalha da Inglaterra aconteceu entre julho e outubro de 1940. Foi a primeira grande campanha militar na história a ser travada no ar.

Mito 1: O comandante da Luftwaffe, Göring, era incompetente

De acordo com a percepção popular, o comandante da Luftwaffe, Herrmann Göring era um comandante totalmente incompetente, cujas decisões infelizes colocaram a Luftwaffe em uma posição desnecessariamente difícil. Certamente, ele era um nazista impiedoso que eventualmente alcançou um grande número de crimes contra a humanidade. Entretanto, a imagem difundida dele como um comandante aéreo totalmente incapaz precisa ser corrigida.

No começo da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe, a força aérea mais eficiente do mundo, era, acima de tudo, uma criação pessoal de Göring. É claro, nem tudo da Luftwaffe surgiu de sua cabeça, mas ele teve a habilidade de colocar o homem certo no lugar certo, e ele era mais aberto a ideias novas e revolucionárias do que muitos de seus subordinados.

Göring percebeu desde cedo os benefícios de novos tipos de aviação de combate, tais como caça-bombardeiros e escolta de caças para longo alcance. Como um dos primeiros comandantes de força aérea no mundo, ele também tomou a iniciativa de criar uma força especializada de caças noturnos: logo no começo da guerra, ele ordenou que um par de unidades de caça começassem experiências  de voos noturnos. O bimotor Messerschmitt Bf110 provou ser a melhor aeronave para esta missão e, em junho de 1940, Göring decidiu reprojetar o esquadrão de caça I./ZG do capitão Wolfgang Falck tornando-se a primeira unidade regular de caças noturnos, a NJG 1 (Nachtjagdgeschwader).

Herrmann Göring também tinha um efeito inspirador sobre seus subordinados. Hans Jürgen Stumpff, que comandou a Luftflotte 5 durante a Batalha da Inglaterra, descreveu Göring como um homem “com uma resistência formidável; ele era cheio de ideias brilhantes. Após cada encontro com ele você se sentia fortemente motivado e cheio de energia.”

Mito 2: Herrmann Göring arruinou as possibilidades alemãs de vencer a batalha ao voltar a atenção sobre Londres

É um fato de que quando o comando de caças da RAF estava no limiar da destruição em consequência das missões alemãs contra sua organização em solo, os alemães desviaram o foco e começaram a bombardear, ao invés disso, Londres. Isto aconteceu em 7 de setembro de 1940, e deu à RAF uma “folga”, que foi usada para reparar suas instalações danificadas. Quando o comando de caças encontrou a Luftwaffe com força renovada, em 15 de setembro, o resultado foi a decisiva vitória que levou Hitler a cancelar a invasão planejada da Grã-Bretanha.

Herrmann Göring recebeu constantemente a culpa por esta mudança na tática. Ma um estudo de fontes de primeira mão mostram que ninguém se opôs mais a isto do que ele, isto é, desviar a ofensiva aérea para Londres.

Mito 3: O Comando de Bombardeiros teve um papel pequeno na Batalha da Inglaterra

O discurso de Winston Churchill no parlamento britânico em 20 de agosto de 1940 é bem conhecido: “Nunca, no campo do conflito humano, tantos deveram a tão pouco. Todos os corações agradecem aos pilotos de caça, cujas ações brilhantes vemos com nossos próprios olhos dia após dia.”

Contudo, precisamente o que Churchill imediatamente em seguida pediu-nos para não esquecer foi grandemente omitido na historiografia da Batalha da Inglaterra: “Mas não devemos jamais esquecer que todo tempo, noite após noite, mês após mês, nossos esquadrões de bombardeiros viajam pelo interior da Alemanha, encontram seus alvos na escuridão pela mais alta habilidade navegacional, alvejam seus ataques, mesmo sob fogo cerrado, frequentemente com perdas sérias, com discriminação deliberada cuidadosa, e inflige explosões arrasadoras sobre toda a estrutura técnica e bélica do poder nazista.”

De fato, não fosse o bombardeio britânico de Berlim do final de agosto de 1940 em diante, a Batalha da Inglaterra poderia ter terminado de forma bem diferente. As missões de pequena escala em Berlim em 1940 que foram executadas por um punhado de bombardeiros com equipamento de navegação totalmente inadequado, têm sido relegadas ao segundo plano. Mas isto ignora o principal objetivo da estratégia militar: destruir o espírito de luta do inimigo. Em 1º. de setembro de 1940, o correspondente Americano William Shirer (na época, os EUA ainda eram um país neutro) escreveu em seu diário em Berlim: “O principal efeito de uma semana de bombardeio constante britânico foi difundir grande desilusão entreo povo aqui e, sem dúvida, em seu espírito. Um me disse hoje: “Jamais acreditarei no que eles dizem. Se eles mentiram sobre o resto dos ataques no resto da Alemanha como eles fizeram aqui em Berlim, então a situação deve estar preta lá.”

O efeito direto destas missões “curtas” foi fazer Hitler ordenar a interrupção dos ataques da Luftwaffe às instalações terrestres do comando de caças da RAF e, ao invés disso, iniciar o bombardeio de Londres. É aceito universalmente que isto foi o que salvou o comando de caças da aniquilação.

Mas o comando de bombardeiros da RAF contribuiu para a vitória de outras formas também. Através de incessantes ataques noturnos, os bombardeiros da RAF atrapalharam o sono dos pilotos alemães, que – de acordo com os relatórios alemães – tiveram graves consequências. Os bombardeiros da RAF também conseguiram provocar sérios estragos nos barcos que compunham a frota de invasão alemã e, não menos, ajudaram a elevar os espíritos entre a estressada população britânica.

Mito 4: O bimotor Messerschmitt Bf 110 era inútil como caça

Começando no início de setembro de 1940, algumas unidades aéreas alemãs equipadas com o caça bimotor Messerschmitt Bf 110 foram desviadas do Canal da Mancha para serem usadas como caças noturnos. Algumas vezes, isto tem sido lembrado como uma “degradação” do Bf 110.

De fato, sob pressão constante de Hitler e da população alemã para por um fim aos ataques noturnos contra Berlim e outras cidades alemãs, Göring escolheu usar seu melhor caça, o Bf 110.

Isto poderia ser uma surpresa para muitos, pois uma noção muito comum é a de que o Bf 110 não era bom como caça diurno; que ele tinha um péssimo desempenho em combate; e por causa disso ele deveria ser planejado com a escolta de caças monomotores Bf 109. Entretanto, nenhuma dessas ideias sobrevive a uma análise mais profunda.

O caça bimotor de longo alcance Bf 110 foi o resultado de jogos de guerra conduzidos sob a supervisão de Göring no inverno de 1933/34. Estes mostraram que a visão aceita de que “os bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos” – a noção de que independente dos caças de interceptação e das baterias de defesa aérea, um número suficiente de bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos predeterminados, onde eles deveriam provocar danos enormes – era incorreta.


No verão de 1934, a liderança da ainda secreta Luftwaffe apresentou um estudo que sugeria o que na época era totalmente revolucionário: um caça bimotor, armado fortemente com canhões automáticos assim como metralhadoras, parra proteger os bombardeiros contra a interceptação de caças inimigos. A ideia era despachar estes caças bimotores antes, a uma alta altitude sobre a área visada para bombardeio para limpar o ar dos caças inimigos antes que os bombardeiros chegassem.

De fato, quando usado deste modo, o Messerschmitt Bf 110 foi altamente bem sucedido. Na verdade, o Bf 110 parece ter tido uma melhor razão de abate de aeronaves inimigas em relação a perdas próprias do que qualquer outro tipo de caça durante a Batalha da Inglaterra. Mesmo assim, na maioria dos relatos da Batalha da Inglaterra, os feitos do Bf 110 foram quase totalmente negligenciados (apesar disso ser em grande parte resultado da inacessibilidade dos dados sobre essa aeronave). Investigações do material disponível permitiu uma completa reavaliação do papel do Bf 110 durante a Batalha da Inglaterra. As unidades de caça Bf 110 sustentaram pesadas perdas em várias ocasiões. Na maioria dos casos, contudo, isto aconteceu porque foi ordenado que os Bf 110 voassem em missões lentas e de aproximação com os bombardeiros alemães. Naqueles casos,não havia diferença entre o que o Bf 110 sofria e o que o Bf 109 sofria. Há inúmeros casos onde unidades do Bf 109 foram absolutamente destruídas pelos caças da RAF porque elas tinham que voar em missões de escolta tolamente lentas. Assim, a unidade I./ZG 26 equipada com o Bf 110 perdeu seis aeronaves no Mar do Norte em 15 de agosto de 1940, assim como a unidade I./JG 77 equipada com o Bf 109 perdeu cinco aeronaves em 31 de agosto de 1940, tomando dois exemplos.

Mito 5: Göring desprezava os caças alemães.

Göring tem sido acusado de defender estas missões lentas e de aproximação com os bombardeiros. Na realidade, como os protocolos das conferências da Luftwaffe mostram, as coisas ocorreram de forma totalmente contrária. Ninguém defendeu que os caças alemães fossem liberados para uma caçada livre – onde eles eram mais eficientes – mais fortemente que Herrmann Göring. As pessoas que ordenaram os caças a voar estas missões de escolta próximas foram os comandantes no Canal da Mancha. Göring, de fato, favoreceu os pilotos de caça, contrariamente do que muitos deles afirmaram após a guerra, e ele encheu-os de medalhas e condecorações em relação a outros pilotos.

Mito 6: os pilotos alemães do Bf 109 eram absolutamente superiores aos pilotos de caça da RAF
         
Em anos recentes, tem sido comum revisar a Batalha da Inglaterra de um modo que dá a impressão de que os pilotos alemães do Bf 109 eram absolutamente superiores aos pilotos de caça britânicos. É claro, alguns dos pilotos da Luftwaffe mais experientes – tais como Adolf Galland e Werner Mölders – possuíam uma experiência bem maior do que a maioria dos pilotos da RAF. Mas uma comparação entre o treinamento dos pilotos britânicos e alemães mostra que eles tinham um preparo semelhante.


O que, contudo, é bem claro quando comparamos os pilotos de caça da RAF com os pilotos alemães durante a Batalha da Inglaterra é que os pilotos da RAF geralmente lutavam com mais vigor do que seus oponentes. Enquanto que não era incomum ver uma dúzia de pilotos da RAF subir para inteceptar uma formação alemã muitas vezes maior em seus relativamente obsoletos Hurricanes, formações completas de bombardeiros alemães poderiam lançar suas bombas quando os caças da RAF surgiam, ou pilotos de caça alemães ficavam satisfeitos com uma rajada de tiros sobre a formação britânica. Também houve muitos casos quando pilotos da RAF deliberadamente abordavam uma aeronave inimiga.

Comparando as perdas de caça da RAF com o número de Bf 109 perdidos, alguns autores têm chegado em épocas recentes à conclusão errada de que as unidades de Bf 109 em média derrubavam dois aviões da RAF para cada perda sua. Ao revelar o número de aeronaves da RAF que foram derrubadas pelos Bf 110, esta conclusão prova ser altamente falsa.

A versão “revisionista” da Batalha da Inglaterra, de acordo com a qual a coragem e os esforços feitos pelos pilotos da RAF é “exagerada”, também não sobrevive a uma análise. Está para além de qualquer dúvida que sem a coragem ímpar e esforço dos “Poucos”, e a contribuição feita pelas tripulações de bombardeiros da RAF, a Batalha da Inglaterra não teria sido ganha.