terça-feira, 30 de abril de 2013

[POL] O Tutor Renegado de Hitler

Benjamin Ziemann

History Today, Vol. 63, no. 1, 2013

 
Karl Mayr é frequentemente descrito como o genitor político de Hitler ou algo parecido. Como chefe do departamento de propaganda e inteligência no grupo de comando bávaro do Reichswehr, Mayr organizou cursos de instrução política em junho de 1919. Um dos participantes foi certamente o cabo de infantaria Adolf Hitler. Consciente de seu talento retórico, Mayr o recrutou para conduzir trabalho de propaganda adicional e agir como infiltrado e informante. Naquele trabalho, em setembro de 1919, Mayr ordenou a Hitler assistir a um encontro do Partido dos Trabalhadores Alemães (DAP) e relatar as atividades de um dos muitos grupos nacionalistas de extrema direita na Munique pós-revolucionária. Ao longo dos próximos meses, Mayr estava quase em contato diário com seu empregado, seguindo e apoiando todos os seus movimentos. Em relação ao seu trabalho, Hitler estava rapidamente encontrando sua voz política e desenvolvendo um papel crescente dentro do partido. Quando ele anunciou o novo manifesto do renomeado NSDAP em fevereiro de 1920, ele ainda estava na folha de pagamento do Reichswehr como subordinado de Mayr. Sem o apoio de Mayr, Hitler talvez jamais tivesse entrado na política. Para Mayr, por outro lado, o apoio  sistemático dos grupos populares e antirrepublicanos em 1919 e 1920 provou ser somente um episódio de curta duração em sua própria trajetória política.

 
Quem foi este mestre de fantoches Mayr, o solitário oficial do exército cujos trabalhos secretos atraíram suspeita mesmo de seus colegas políticos mais próximos? Por que ele abandonou o nascente partido nazista e voltou-se para a democracia social e o quão sincero ele foi em sua conversão? Explorando estas questões revela-se uma vida turbulenta que terminou em tragédia. Mesmo assim, o ativismo de Mayr, visto no contexto de uma organização em massa de republicanos devotos, ajuda a desafiar um estereótipo historiográfico de que a democracia de Weimar tinha falta de apoio substancial.

O Putsch Kapp

Karl Mayr nasceu em 1883 na cidade de Mindelheim na Suábia Bávara e cresceu no ambiente confortável e respeitável de uma família católica de classe média. Após conseguir o diploma de ensino médio em 1901, ele juntou-se ao exército bávaro como oficial de carreira. Escalando os postos, Mayr chegou a tenente por volta de 1911. Quando a guerra eclodiu em 1914, ele foi convocado para a recente força aérea bávara, porém voltou ao serviço no regimento de infantaria em 1915 e foi promovido a capitão no mesmo ano. De setembro de 1916 a janeiro de 1918, Mayr serviu como oficial do alto comando com o Corpo Alpino Bávaro. Ao seu próprio pedido, ele voltou ao front nos meses finais da guerra, incluindo um breve período no exército do Império Otomano, o aliado problemático da Alemanha. Na época em que saiu de licença por um breve período em fevereiro de 1919, Mayr era um oficial altamente condecorado, tendo sido condecorado não somente com a Cruz de Ferro de Primeira e Segunda Classes, mas também condecorações bávaras, prussianas e turcas importantes. Não há evidências de suas opiniões políticas até este ponto, mas em abril de 1919, quando os comunistas tomaram o poder e transformaram Munique e outras partes do sul da Baviera em uma república socialista, Mayr não hesitou em se juntar a uma unidade de defesa que ajudou a combater os revolucionários de dentro do estado. Mesmo antes de ele retornar ao exército em maio de 1919, como chefe do departamento de propaganda em Munique, seu anti-bolchevismo era profundamente sentido e sincero.

Em sua nova função no departamento de inteligência, Mayr foi absorvido pelo ambiente crescente de anti-bolchevismo, antissemitismo e de grupos separatistas e partidos dissidentes que pipocavam na Baviera, tranformando-a na “célula de ordem” auto-declarada contra o levante revolucionário. Um dos contatos principais da direita antirrepublicana no Reichswehr, Mayr estava também envolvido nas preparações do Putsch Kapp em março de 1920, quando parte dos militares, combatentes Freikorps e nacionalistas radicais tentaram derrubar o governo do Reich. A ação coletiva da classe trabalhadora em uma greve geral atrapalhou o golpe. Mas na Baviera o golpe forçou a minoria do gabinete do primeiro-ministro social democrata Johannes Hoffmann a renunciar. Escrevendo em setembro de 1920 para Wolfgang Kapp, o líder epônimo do putsch, Mayr falou de seu papel ativo nos eventos de março último e relatou sobre o “partido nacionalista dos trabalhadores” que ele estava apoiando para fortalecer o renascimento nacional. Entretanto, nesta época ele já havia deixado o exército.

Mayr abandonou o Reichswehr por sua própria iniciativa em julho de 1920, tendo alcançado o posto de major e direito a pensão completa. A razão mais provável foi sua oposição aos planos separatistas de separar a Baviera do resto do Reich. Isto foi discutido nos círculos do Partido Popular Bávaro (BVP) de tendência conservadora católica, o qual governava o estado após a renúncia de Hoffmann. No mesmo mês, Mayr publicou documentos sobre as tendências separatistas no BVP, uma atitude que ofendeu os colegas militares, alguns dos quais estavam envolvidos, e tornou sua posição no exército gradativamente insustentável. Nos meses seguintes, Mayr tentou ganhar influência no partido nazista, o qual ele próprio ajudou a criar. Como ele mais tarde confidenciou a camaradas do Partido Social Democrata (SPD), ele esperava em 1921 que o NSDAP pudesse funcionar como um equivalente ao defunto Nationalsozialer Verein (1896 – 1903).   Neste partido, o político protestante Friedrich Naumann, um dos mais proeminentes liberais sociais da falecida Alemanha Imperial, tentou oferecer uma alternativa moderada ao socialismo, que reconciliava o liberalismo nacionalista com tentativas de melhoria das condições da classe trabalhadora. Mas estas esperanças foram desapontadas e Mayr abandonou o NSDAP em março de 1921.

Para Mayr voltar-se subsequentemente à política democrática, duas relações foram de importância decisiva. Em abril de 1922, ele contatou o professor Hans Delbrück, o decano de história militar alemã. Enviando-lhe um manuscrito sobre o papel de Erich Ludendorff como chefe do Comando Supremo do Exército, Mayr  sinalizou seu interesse em uma crítica fundamental da estratégia de guerra alemã. Delbrück era simpático à ideia, já que ele tinha suas próprias dúvidas sobre os objetivos exagerados dos militares alemães na Grande Guerra. Nos anos seguintes, Mayr era um convidado regular de seu círculo “das quartas-feiras noturnas” em Berlim, nas quais a elite intelectual liberal-conservadora da capital troca ideias. Delbrück apoiava um plano para encontrar uma posição para Mayr no Reichsarchiv em Postdam, que mantinha os registros do exército alemão, mas sem sucesso. Não havia lugar para o ex-major dissidente em uma instituição que era tão associada ao Reichswehr e interessada em dar uma interpretação positiva ao esforço de guerra germânico. Escrevendo a Delbrück em abril de 1923, Mayr descreveu-se como um “republicano da razão”, como alguém que aceitava a República de Weimar mais por conveniência do que por convicção. Neste ponto, sua transformação política ainda não estava completa totalmente.

Contato decisivo

O outro contato de Mayr foi muito mais decisivo em sua mudança para a esquerda republicana moderada. No outono de 1921, ele se aproximou de Erhard Auer, o igualmente excêntrico e enérgico chefe do Partido Democrático Social Bávaro. Nos meses seguintes, Mayr forneceu a Auer documentos confidenciais sobre as atividades separatistas dentro do BVP governante e entre seus contatos de alto nível na aristocracia bávara, a polícia de Munique e oficiais do Reichswehr. Auer publicou alguns destes documentos no jornal do partido Müncher Post. A revelação pública do conhecimento íntimo de Mayr a respeito da direita radical aproximou-o do SPD. Como mais tarde ele descreveu, ele tentou “acostumar-se com o movimento social democrata” gradualmente. Ele juntou-se ao partido formalmente em 1924.    

Contudo, Mayr encontrou seu mais importante lar politico em outra organização afiliada do SPD formada no mesmo ano, o Reichsbanner Preto-Vermelho-Amarelo. Ele já havia se juntado a um dos muitos precursores locais deste, a “seção de segurança” do SPD de Munique, fundada em novembro de 1921. Também conhecido como “Guarda Auer”, esta formação de auto-defesa protegia as reuniões social democráticas na capital bávara sob o lema “Sem poder ao depotismo, todo poder à lei, toda justiça ao povo.” Quando políticos da liderança do SPD na cidade prussiana de Magdenburg estabeleceu o Reichsbanner em fevereiro de 1924, ele forneceu uma estrutura nacional para iniciativas tais como a Guarda Auer.

No papel, o Reichsbanner deveria transcender as divisões intrapartidárias. Ele era uma iniciativa dos social-democratas, membros do liberal-esquerdista DDP e do Partido Católico de Centro, assim refletindo o consenso pró-republicano da coalizão Weimar que governou o novo estado até 1920. Mas a presença de liberais e católicos de esquerda na diretoria não-executiva da liga foi apenas um disfarce. Ao nível da base, a noção de uma coalizão partidária era uma fachda, mesmo que ela fosse real o suficiente para provocar criticismo o bastante da ala esquerdista dentro do SPD. Em 1924, 85% dos membros do Reichsbanner eram social-democratas e esta proporção chegou mesmo a 90% nos dois anos seguintes. Como um relatório policial em maio de 1932 concluiu, o Reichsbanner era “quase uma organização puramente do SPD,” proximamente associada ao nível local com outras associações socialistas tais como Os Pensadores Livres – que preferiam a cremação ao invés do enterro cristão – ou o Movimento Coral Socialista. A fundação do Reichsbanner foi um dos sucessos importantes, embora esquecidos do período de Weimar. Ele rapidamente atraiu cerca de um milhão de membros, superando as ligas nacionalistas combatentes radicais mais importantes, Os Capacetes de Aço (Stahlhelm), também fundada em Magdenburg no final de 1918, e a Ordem dos Jovens Teutônicos (Jungdo).

Perfil Nobre

O Reichsbanner tinha dois objetivos: defender a República de Weimar e as cores de sua bandeira e também, como seu estatuto dizia, integrar todos “os ex-soldados da Guerra Mundial e dos homens com treinamento militar que apoiam a constituição republicana sem reservas.” Como seu subtítulo indicava, era uma “Liga de Ex-Combatentes Republicanos.” Com o financiamento do Reichsbanner, o campo republicano estava claramente empolgado após o desapontamento com os ataques precedentes contra a Constituição, do Putsch Kapp em 1920 até o malfadado Putsch da Cervejaria de Hitler em 1923. Uma caricatura no jornal do SPD Vorwärts representava o ambiente otimista entre os social-democratas. Ela mostrava dois membros do partido nazista prontos para sabotar um trem de explosivos. No fundo, um trem com uma locomotiva a vapor chamada “Reichsbanner Preto-Vermelho-Amarelo” se aproxima a alta velocidade obrigando os dois a contemplar com resignação se “devemos nos explodir aqui.”
 
 
A maioria dos membros do Reichsbanner era de operários que buscavam principalmente um lugar para trocar suas experiências de guerra. Karl Mayr não foi o único oficial do exército imperial a juntar-se à organização. Desde o início, ele era composto de um número de oficiais de alta patente que haviam abandonado suas carreiras militares no sentido de apoiar o pacifismo e o republicanismo. Este grupo incluía o antigo general Paul Freiherr Von Schönaich (1866 – 1954), também membro da Sociedade Pacifista Alemã (DFG) e o general Berthold Von Deimling (1853 – 1944). Deimiling tornou-se conhecido por seu papel infame no caso Zabern em 1913, o qual havia desnudado o descaso dos militares alemães em relação aos civis da província da Alsácia-Lorena. Mayr, Von Schönaich, Von Deimiling e outros ex-oficiais de alta patente levaram ao Reichsbanner o valor simbólico de seu antigo serviço militar. Quando falavam em público sobre as consequências desastrosas da estratégia militar alemã durante a guerra ou expunham a lenda da “facada nas costas” como falsificação da extrema direita, eles estavam emprestando sua autoridade profissional inegável ao campo republicano. O que eles ganharm no Reichsbanner não foi somente a companhia de ex-combatentes simpatizantes, mas também um fórum apropriado para suas novas visões a favor do desarmamento e da colaboração internacional.

“Ódio Mortal”

Durante os primeiros anos de seu engajamento no Reichsbanner, a esfera de atividades de Mayr estava centrada em Munique, dando palestras a simpatizantes locais e escrevendo artigos para o Müncher Post e o Das Reichsbanner, o semanário do grupo. Mas sua mensagem espalhou-se quando ele tornou-se próximo de Karl Höltermann, o vice-chefe do Reichsbanner, que confiava nele pessoalmente e estava ansioso de empregar seu conhecimento militar na liga. Por um longo tempo, cogitou-se de que Mayr seria elevado ao cargo de assistente de Höltermann como editor-chefe do Das Reichsbanner, uma posição que ele finalmente assumiu no final de 1928. Mayr alugou um apartamento em Magdenburg para estar próximo da sede da liga. Ele logo entrou em conflito com Franz Osterroth, que havia sido previamente editor do jornal. Vindo da Jungsozialisten, a organização jovem esquerdista do SPD, Osterroth simplesmente não podia suportar o ódio mortal de Mayr contra a União Soviética. De fato, o anti-bolchevismo era um dos elementos presentes na visão política de Mayr desde os seus dias de oficial contrarevolucionário do exércitoem Munique. A liberdade para expressar estas visões foi certamente um elemento importante no sentimento de Mayr como social-democrata.

Nem Mayr era um simpatizante do pacifismo radical, que alguns membros do Reichsbanner defendiam, enquanto que a maioria esmagadora apoiava um pacifismo mais moderado que tinha consciência do papel dos militares para a defesa nacional. Em uma carta a Hans Delbrück, Mayr opinou que “para a mentalidade pacifista, qualquer crítica baseada em fatos de assuntos militares já deve parecer logicamente um pecado contra o espírito; com esta mentalidade somente aqueles maníacos homicidas valorizam os que devastaram o exército alemão e que perderam a guerra.” Tal “crítica baseada em fatos” do exército imperial foi uma de suas contribuições mais consistentes para a causa da liga dos veteranos republicanos.

No Das Reichsbanner, Mayr publicou uma longa lista de artigos que criticavam a falta de qualquer controle político dos militares durante o último período imperial, expondo alguns dos erros estratégicos mais importantes do Alto Comando do exército alemão sob Hindenburg e Ludendorff e criticou a estória da “facada nas costas” como um mito artificial, perpretado pela elite militar para esconder os seus próprios defeitos.  O resultado de todas estas críticas incisivas era, porém, um ponto político crucial. Junto com outros membros do Reichsbanner, Mayr estava convencido de que a legitimidade da República de Weimar era um corolário do colapso militar do sistema monárquico no outono de 1918. Estes eventos, a “maior falência infame na história da Alemanha e da europeia,” como Mayr a colocou em 1929, forneceu a cidadania democrática às suas fileiras operárias e a preencheu com uma causa comum articulada pelo Reichsbanner.

Reconciliação

Entretanto, os pacifistas radiciais da esquerda do SPD não estavam convencidos da sinceridade do comprometimento republicano de Mayr. Fritz Küster, que ganhou influência na Sociedade Pacifista Alemã (DFG) a partir de meados dos anos 1920, tentou sujar a imagem de mayr em processos judiciais seguidos e o acusou de ser um militarista da velha ordem. Veteranos de guerra nos antigos países aliados, contudo, o tinham em muita alta estima. Desde 1927, o Reichsbanner tinha status de observador na Conferência Internacional de Combatentes e Mutilados (CIAMAC), uma organização não-governamental de ligas de veteranos que compreendia 24 associações de dez países europeus, incluindo a Grã-Bretanha. Mas o Reichbanner também estabeleceu conexões com as associações de veteranos franceses, com a Union Fédérale esquerdista, fundada por René Cassin e a muito menor, Fédération Nationale pacifista, em particular. A partir do final dos anos 1920, lideranças representativas destas ligas francesas, incluindo Cassin e André Liautey, um membro da executiva do CIAMAC e chefe do comitê francês da organização, apareciam regularmente nas reuniões do Reichsbanner. Em retribuição, funcionários da liga republicana alemã viajavam à França. Ele foi finalmente reconhecido por estes esforços ganhando a associação honorária da Fédération Nationale.

Na visão de Mayr, a reconciliação entre França e Alemanha poderia servir como um catalisador para uma integração maior das nações europeias e deveria finalmente resultar em uma “comunidade de defesa europeia.” A reconciliação com a França e as tentativas de estabelecer laços entre os antigos membros dos exércitos rivais era uma ênfase constante em seu trabalho.

Durante os anos finais da república, Mayr acelerou os passos de seu ativismo político, falando constantemente, escrevendo e viajando em nome do Reichsbanner. Ele também intensificou sua agitação contra o partido nazista. Imediatamente ao sucesso eleitoral nazista nas eleições do reichstag em 14 de setembro de 1930, Mayr tentou restabelecer o otimismo entre os republicanos. Em uma série de aparições públicas com boa presença popular, sob o lema “Adolf Hitler deitado em decúbito ventral”, apimentadas por revelações humorísticas de seu antigo subordinado militar, Mayr ridicularizou Hitler. Sua performance claramente animou os deprimidos membros do Reichsbanner. Quando os nazistas chegaram ao poder em janeiro de 1933, amigos com contatos dentro do partido nazista aconselharam Mayr a deixar o país imediatamente. Ele seguiu o conselho e fugiu para a França, onde se estabeleceu no subúrbio de Paris, provavelmente vivendo do ensino de língua alemã. Durante a invasão alemã da França em maio de 1940, ele foi preso no sul da França e levado de volta à Alemanha em julho. Lá, ele foi mantido em prisões sob o comando da SS em Berlim, de onde partiu para o campo de concentração de Sachsenhausen.

Pequeno homenzinho branco

Na primavera de 1943, Mayr foi transferido para Buchenwald. Social-democratas especularam em testemunho do pós-guerra se esta transferência pode ter sido o resultado de uma intriga comunista, orquestrada pelo aguerrido funcionário comunista Harry Naujoks, que cuidava da administração dos presos em Sachsenhausen e se reportava diretamente ao comandante do campo. Esta pelo menos foi a versão de Walter Hammer, o pseudônimo de Walter Hösterey (1888 – 1966), um pacifista radical do SPD, autor e editor. NA Alemanha do pós-guerra, Hammer reuniu um arquivo histórico expressivo sobre os membros do movimento de resistência a Hitler. Hammer conheceu Mayr muito bem durante seu serviço no departamento executivo do reichsbanner e foi preso com ele primeiro em Berlim em setembro de 1940 e um ano depois em Sachsenhausen. Hammer considerava o “pequeno homenzinho branco” Mayr – que ficou grisalho muito cedo – seu amigo. De abril de 1943 até sua morte em 9 de fevereiro de 1945, durante um bombardeio aliado, Mayr trabalhou na empresa Gusloff em Weimar, uma fábrica que explorava o trabalho dos presos de Buchenwald. Em uma ocasião, um grupo de oficiais da Wehrmacht que visitava a fábrica bateu continência quando reconheceram seu antigo oficial superior do exército imperial.

sábado, 27 de abril de 2013

sábado, 20 de abril de 2013

[POL] O Preço da Destruição

Alex Harrowell

 

Resenha do livro The Wages of Destruction, Adam Tooze.

 
Em seu novo longo livro, o historiador de Cambridge Adam Tooze apresenta o Terceiro Reich como uma engrenagem destinada a destruir-se em pedaços não como Albert Speer (Ministro dos Armamentos) disse, por causa das guerras internas burocráticas e pelos hábitos administrativos caóticos de Hitler, mas por causa de seus próprios defeitos de nascimento. Resumindo: a Alemanha de Hitler foi sempre muito afetada pela escassez de matérias primas, particularmente petróleo bruto e borracha, mas também minério de ferro e carvão, ração animal e fertilizante, moeda estrangeira e mesmo mão de obra, para conseguir a independência comercial e industrial em paz, e deixar de lado uma campanha de conquista europeia. Apesar de toda a ingenuidade de oportunistas cínicos como Hjalmar Schacht, no Reichsbank até 1939, e Speer, nos Armamentos após 1942, a Alemanha atravessou uma sucessão de crises financeiras e de recursos graves que prejudicaram seus exércitos e resultaram no colapso final.

A originalidade do livro, e que o torna uma leitura atual, é o papel esmagador que Tooze dá aos Estados Unidos como um espectro para os medos e imaginação de Hitler. Em seu segundo livro (N. do T.: os rascunhos foram encontrados após a guerra e publicados recentemente em inglês), Hitler utiliza o discurso anacrônico anti-americano à la Chavez ou Bin Laden. “Devido à moderna tecnologia,” escreve Hitler, “e as comunicações tornam isso possível, as relações internacionais entre os povos tornaram-se tão próximas que os europeus, mesmo sem ser totalmente conscientes disso, aplicam como padrão de referência de sua existência as condições de vida americana...”

Confrontados com esse desejo por gentilezas americanas, mas sem a vasta escala da massa de terras ou mercado americano para ajudar-lhes, os estados europeus devem ser reduzidos ao estado de uma “Suíça ou Holanda”. Uma união cooperativa dos estados europeus, tal como aquela que foi promovida após a guerra, não era compatível com as obsessões raciais de Hitler. Ao invés disso, ele encontrou outra justificativa para a conquista do leste – conhecida como Lebensraum – na escala do mercado interno americano.

Continuando a partir disto, e de modo mais controverso, Tooze argumenta que dada a disposição de poder industrial no mundo e sua ideologia racial, Hitler estava certo em agir como agiu. Ciente de que era apenas uma questão de tempo antes que o gigante americano se agitasse, Hitler foi sábio em agir com tal precipitação, lançar a corrida armamentista, anexar a Áustria e os Sudetos, explorar a oportunidade diplomática repentina de invadir a Polônia, partir para cima do Ocidente em 1940, e mesmo invadir a União Soviética no ano seguinte. “Uma vez que analisamos,” escreve Tooze, “a escala dos acontecimentos internacionais que Hitler iniciou em 1938, é possível reconstruir uma lógica estratégica inteligível e consistente por trás das ações de Hitler.”

Tooze começa com uma discussão dos problemas econômicos e a posição relativa no mundo da Alemanha enquanto esta atravessava a Depressão. Ele fornece um relato excelente da política de Stresemann (N. do T.: Gustav Stresemann, Ministro do Exterior 1923-29) em termos de uma relação especial com os Estados Unidos, importando capital americano para desenvolver a indústria alemã e ajudar a cobrir o valor das reparações para a França e Grã-Bretanha. Simultaneamente, ele argumenta, laços econômicos mais fortes com os EUA também eram uma forma de forçar o governo americano a pressionar os aliados europeus em relação às reparações de guerra; a França e o Reino Unido insistiam no pagamento no sentido de cobrir seus próprios débitos de guerra junto aos EUA, portanto estando tão próximo quanto possível dos EUA significava que a Alemanha poderia contar com o apoio dos EUA em uma crise, baseando-se no princípio de ser muito grande para falhar.

A América aos olhos alemães é o tema principal do livro, e um subtema do discurso nazista pouco lembrado geralmente. Não somente os líderes nazistas estavam preocupados com o poder potencial dos EUA, eles também assimilaram o que eles acharam ser a eficiência única dos anos 1920 da indústria americana, e demonizavam o que eles consideravam ser a decadência e miscigenação da sociedade americana. Era a época de Josephine Baker, Al Capone e Henry Ford e os três ícones foram assimilados pela cultura de Weimar, assim como os banqueiros americanos circularam papéis de curto prazo pela indústria de Weimar. Stresemann e seus colegas liberais e os social-democratas achavam que a resposta com a América era no sentido de preservar a estrutura política e comercial internacional; talvez com a comunidade europeia no futuro distante.

A resposta nazista era abalar a estrutura até que ela desmoronasse; a história econômica dos anos 1930 na Alemanha é uma de crises de mudança estrangeira contínua, mitigadas por uma sucessão de expedientes gradativamente inconsistentes. Hjalmar Schacht, como presidente do Reichsbank, é a figura mais associada com isto – é interessante notar que ele próprio era meio americano, mas não usava seus outros dois sobrenomes (Horace Greeley) muito frequentemente. Um detalhe a ser contado é que, quando cada crise passava, o Banco e os ministros da área financeira e econômica se convenciam que desta vez, as coisas poderiam voltar ao normal. Memorandos para um retorno ao comércio multilateral, um relaxamento dos controles administrativos e uma redução dos gastos militares seriam esboçados e imediatamente ignorados por Hitler, e os vários grupos tanto trabalhando com o Führer quanto tentando levar vantagens em seus interesses, concluíram que sua sobrevivência à crise confirmava a exatidão de suas medidas.

De acordo com Tooze, que fornece uma considerável quantidade de evidência estatística para esta afirmação, o programa de criação de empregos criou pouco trabalho; acima de tudo, o gasto real em autobahns e projetos de obras públicas não era assim tão grande e a demanda total por operários de construção civil era limitada. Os novos métodos de construção por concreto reforçado de Fritz Todt exigiam muito capital e habilidades específicas, ao invés de multidões de trabalhadores. O que colocou a Alemanha de volta ao trabalho foi o rearmamento, e Tooze argumenta que muito do que é pensado como investimento civil era na verdade mais como investimento militar disfarçado, ou investimento na indústria de suprimentos de guerra. É bem importante salientar aqui que Tooze é muito bom no mundo corporativo da Alemanha Nazista, e especialmente na influência e poder crescentes de altos executivos técnicos da grande indústria (especialmente química e engenharia aeronáutica) os quais criaram algo como um lobby tecnocrático independente particular. A tecnoestrutura de J. K. Galbraith vem à cabeça; isto pode ter sido a manifestação mais malévola disso. Mesmo os grandes homens do carvão e aço, que geralmente concordavam, ficavam frequentemente horrorizados pela política nazista; não eram somente a Junkers, BASF, Bosch ou IG-Farben que lucravam com a venda de armas, mas se beneficiavam do investimento de capital estatal maciço nas últimas tecnologias em suas divisões de pesquisa.

Geralmente, aço e mercado de câmbio eram os fatores limitantes, e por este motivo balançavam de forma conservadora; química e engenharia eram convencidas de que tudo poderia ser conseguido com orçamento suficiente, desejo e aço. Mas não era seu trabalho encontrar aço ou a libra esterlina, de modo que suas ambições alcançaram proporções perigosas. Na época da crise de Munique em 1938, a Alemanha estava quase falida – após um verão de crise de moeda, o Reichsbank foi capaz de se livrar de uma sucessão de títulos que estavam para vencer, mas ficou na parede quando o mercado se recusou a fazer um quarto empréstimo. Somente pagando os fornecedores 40% de seus preços contratuais em créditos tributários pôde o Reich rolar suas dívidas de curto prazo; simultaneamente, o vasto consumo de aço pelas indústrias militares significou que as Ferrovias Estatais estavam lutando para se manter vivas. A questão do mercado de câmbio entrou na questão do anti-semitismo; até a guerra, o Reichsbank tinha que, até por seus próprios procedimentos, converter os marcos de qualquer um que emigrasse da Alemanha em moeda estrangeira. E mesmo que a riqueza total que podia ser tomada dos judeus fosse risivelmente pequena, mesmo assim ela excedeu o dinheiro disponível. Tooze argumenta que um dos motivos para a Kristallnacht era assustar os judeus para mandá-los embora, porém deixando suas economias; mesmo isso era um problema, já que muitas placas de vidro tinham que vir da Bélgica, significando que elas tinham que ser pagas em moeda forte e à vista.

Em 1939, o Reichsbank foi reduzido a realizar estudos secretos para estimar a taxa de câmbio do marco; os economistas que os conduziram concluíram que o conceito era agora inútil à luz das dezenas de acordos multilaterais incompatíveis com os parceiros comerciais da Alemanha. A Alemanha pagava 72% acima do preço mundial pelo algodão peruano, e 10% a mais pelo petróleo da mesma fonte; 63% a mais pela manteiga holandesa, mas a manteiga dinamarquesa era paga com o preço do mercado mundial (deveria haver muita manteiga se movendo da Dinamarca para a Holanda...).

O resultado foi que a decisão pela guerra, e então a decisão de realizar a ofensiva contra o Ocidente, e finalmente a decisão de atacar a Rússia foram feitas passo a passo segundo uma lógica de interesse econômico. A guerra, e a consequente perda do mercado mundial, teve um impacto sério inicial na economia alemã; a inflação ameaçava ficar fora de controle, havia uma constante luta entre os interesses sobre os ativos de fornecimento limitado, e uma característica fundamental da economia alemã causou profundo descontentamento. Isto era o subdesenvolvimento; Tooze argumenta fortemente que o aparente poder econômico da Alemanha ocultava uma longa cauda de pobreza, não apenas entre a classe trabalhadora urbana, mas também entre o campesinato.

Os camponeses eram um constituinte fundamental nazista, assim como ocupavam uma posição importante na ideologia; infelizmente, esta imagem de virtude não se traduzia na produção de grãos. A produtividade agrícola era baixa, com um coquetel tóxico formado por propriedades de latifundiários ausentes e baixa renda que mal sustentava seus inquilinos. A maioria das soluções nazistas para isto partia da ideia de uma classe de fazendeiros com posse de terras grandes o suficiente para ter uma vida decente, mas queria que o excesso de camponeses permanecesse na terra por questões de mitologia. Assim, a resposta era colocá-los na terra dos outros. Aqui, a figura terrível de Herbert Backe, Secretário de Estado e mais tarde Ministro da Agricultura, aparece; Backe escreveu uma tese de doutorado anos antes de entrar no negócio dos grãos russos, na qual ele explicava que um povo superior sem espaço deve se livrar dos russos no sentido de garantir a colheita da Ucrânia e assentar o suficiente de sua classe trabalhadora para superar as tendências apátridas e degeneradas criadas pelos nômades modernos, ou seja, os judeus.

Ironicamente, a banca examinadora rejeitou este manifesto pelo genocídio; tragicamente, ele a reimprimiu e a editou como parte da formação dos comandantes da Wehrmacht para a invasão da Rússia. Tooze argumenta que a elevação de Backe ao ministério no início de 1942 foi um catalisador importante na decisão de lançar a Operação Reinhard, o extermínio da judiaria europeia; é bem conhecido que uma força encorajadora da guettotização no ano anterior tinha sido a tendência dos governadores nazistas de arrebanhar os inimigos de sua raça no Governo Geral da Polônia, a qual havia sido programada para ter sua população reduzida. Entretanto, um fato até agora subestimado é que as alocações revisadas de grão de Backe ao mesmo tempo previam uma mudança dramática; ao invés de se tornar um importador de alimentos, o feudo de Hans Frank deveria tornar-se um grande exportador.

A razão disto ser tão importante é simples; apesar da conquista da Europa Ocidental tornar uma posição econômica muito ruim em uma tolerável com potencial considerável, a Europa estava mais globalizada do que os economistas nazistas supunham. O petróleo é o exemplo canônico, mas a Europa também importava muita ração animal, e também carvão britânico. Problemas com transporte e a inabilidade dos planejadores de chegar a um acordo sobre o fornecimento de carvão entre os grupos poderosos de interesse preocupados, exacerbou o problema dos alimentos. À medida que a produtividade agrícola caía, também caía a produtividade das minas; provavelmente, teria acontecido de qualquer maneira, os comunistas franceses não parecendo suscetíveis a virar as costas aos fascistas alemães, mas a fome é suficiente para explicar a queda na produção de carvão por hora. O Ministério do Exterior colocou em práticas esquemas para uma comunidade europeia, mas no clima existente de radicalismo isto jamais teria alguma chance; o governo de longe preferia uma opção mais exploradora, o sistema de acerto de contas centralizado (N. do T.: processo que serve de mecanismo para o estabelecimento de obrigações entre os membros de um grupo, tal como os bancos)sob o qual os exportadores da Alemanha eram pagos por seus próprios bancos centrais, os quais então cobravam do Reichsbank. As exportações alemãs na outra direção deveriam ser imputadas a este; entretanto, os alemães simplesmente recorreram permanentemente ao limite do cheque especial.

Isto permitiu um roubo substancial de bens, serviços e ativos; isso também criou um incentivo poderoso para não se produzir. O resultado foi uma economia europeia operando maciçamente abaixo da capacidade e uma economia alemã rodando no vermelho, com uma grande escassez de elementos essenciais. O comércio soviético, sob o pacto Molotov-Ribbentrop, compensou parte da diferença, mas o governo soviético determinou o preço, especialmente em termos de transferência de tecnologia. O comércio com aliados e neutros, enquanto isso, tinha a séria desvantagem de um ponto de vista nazista pelo fato de ser justamente um comércio; isto exigia exportações correspondentes, o que, por razões políticas, era uma reivindicação prioritária em relação aos recursos.

Então, a crise; com os territórios ocupados sendo somente um benefício marginal, e muito capital de investimento ainda não produzindo, a Alemanha enfrentou o rápido crescimento da produção americana. Aonde ir para a próxima etapa de crescimento antes que o poder americano tivesse efeito? A Rússia, decerto. O livro de Tooze pode ser uma demonstração final para a visão “funcionalista” do nazismo, dominante desde os anos 1980, que afirma que a política interna do regime, suposições compartilhadas e a radicalização gradativa causada por uma sucessão de crises conduziram a Alemanha à guerra e ao genocídio, ao invés de um projeto racional claro. As decisões independentes, tomadas por causa de razões diferentes, reforçaram-se mutuamente.

Isto não é mais controverso, mas há muito no livro que é. Por exemplo, Tooze critica vigorosamente a ideia comum de que a Alemanha jamais atingiu o mesmo nível de mobilização civil que a Grã-Bretanha, que o governo nazista “protegeu” os padrões de vida civil às custas do esforço de guerra e ocupou-se com a declaração de “Guerra Total” em 1943. De fato, ele argumenta, havia pouca negligência na economia; se qualquer coisa estava sendo atrasada para a produção de guerra, era porque os anos iniciais de guerra foram anos de maciço investimento de capital. Este investimento, ele afirma, explica a explosão na produção de armamentos a partir de 1942, que geralmente é creditada a Albert Speer. Foi a dinâmica pré-guerra espantosamente grande entre a Luftwaffe, o Führer e os tecnocratas industriais, combinada com uma nova postura do empreendedor como líder.

Parte disto foi desperdiçada, é claro. Havia a fabulosa Flugmotorenwerke Ostmark, um esquema para construir uma planta aeronáutica gigantesca na Áustria para igualar a produção da nova planta da Ford próxima a River Rouge (ela poderia também ter rivalizado com a planta da Rolls-Royce em Barnoldswick, mas tinha que ser americana); ela nunca produziu mais do que 198 motores por mês, comparado aos 1.000 projetados. Mas no mesmo ramo, a Daimler-Benz foi capaz de atualizar uma de suas fábricas de 300 motores DB605 por mês para 1.200, a uma fração do custo. (A economia de guerra da Grã-Bretanha teve uma experiência semelhante com fábricas financiadas pelo governo; a Rover and Vauxhall nunca realmente conseguiu o domínio dos motores aeronáuticos, especialmente para o programa de aviões a jato, mas as coisas melhoraram imensamente quando a coisa toda foi deixada para os especialistas verdadeiros da Rolls-Royce.) E quem sabe que a planta de borracha sintética Buna próximo de Auschwitz ainda produz cerca de 5% da borracha sintética do mundo? A fábrica, nunca concluída durante a guerra, foi primeiramente desmontada pelos russos e depois reabilitada pelos poloneses; mesmo que não tenhamos um Hitler in uns selbst, pode haver algum Hitler em seus pneus.

De modo que não deveria haver surpresa quando a economia de guerra alemã engrenou após a crise de Moscou no inverno de 1941; foi a formação de capital que conseguiu isso. Tooze possui amplos dados estatísticos para sustentar esta tese, mas estou menos convicto de suas conclusões a respeito de outra controvérsia clássica. Em quase todos os relatos britânicos da Segunda Guerra Mundial, os autores tomam partido de uma ou mais reflexões sobre a moralidade, eficiência e inteligência da ofensiva de bombardeio estratégico da RAF (Força Aérea Real) contra a Alemanha; é uma decisão particular de qualquer historiador britânico. AJP Taylor é o líder da oposição; ele argumentava, com base nos resultados da pesquisa do bombardeio estratégico americano feito por J. K. Galbraith e George Ball, que não somente era errado, mas também incrivelmente dispendioso, sugando quase um quarto da produção industrial da Grã-Bretanha e falhando seriamente em interromper o esforço de guerra alemão.  Ainda menos por ter esmagado o moral como os teóricos do poder aéreo prometiam. E nenhum outro departamento do serviço militar oferecia a seus membros um prazo de vida tão curto.

Tooze argumenta, contra Galbraith, que o bombardeio era de fato eficiente. Especificamente, ele cita a "Batalha do Ruhr” na primavera de 1943 como sendo essencialmente suficiente para interromper o crescimento da produção de armamentos alemã; e ele tem um gráfico que apoia isto, com uma pequena explosão no ponto de inflexão (presumivelmente não há um corpo carbonizado de um operário no arquivo de clipart do MS Excel). Ele também cita várias reações de pessoas à destruição de Hamburgo com um regozijo levemente detestável, portanto explicando o sarcasmo da minha última sentença. De fato, ele vai tão longe a ponto de confundir o Ruhr com Hamburgo, apesar de Hamburgo não ser o ponto-chave pois não é uma cidade siderúrgica e nunca foi. E, de qualquer modo, os bombardeiros não ganharam a guerra em 1943, nem em 1944 ou 1945. O que aconteceu de errado? Tooze argumenta que o erro foi o Comando dos Bombardeiros – apesar de não falar isso diretamente. Mas foi o Comando, e particularmente o “Bombardeiro” Harris que desviou o alvo do Ruhr para Hamburgo e então para Berlim. Harris e sua equipe não queriam interromper a indústria; eles queriam “desalojar a classe trabalhadora alemã”, a qual eles acreditavam conduziriam uma revolução ou pelo menos o caos. Logo, esta situação contrafactual teria exigido um Comando de Bombardeiro diferente; um que não acreditasse na teoria do poder aéreo e, portanto, provavelmente não teria existido. Isto não é mencionado, apesar de Tooze repetidamente aprovar o termo “desalojar”.

Mais importante, ele argumenta que o Comando de Bombardeiro da RAF poderia simplesmente ter continuado o bombardeio do Ruhr à mesma taxa de 1943 indefinidamente; mas há uma razão por que a Batalha de Berlim foi interrompida em fevereiro de 1944. Muito simples, os Nachtjäger haviam vencido e a taxa de perda da RAF estava subindo permanentemente bem acima da infraestrutura projetada para suportar. Mesmo a batalha do Ruhr teve uma taxa de perda agregada de 4,71%; a missão em Oberhausen (N. do T.: cidade alemã localizada na região da Renânia) em 14 de junho atingiu 8,37% e nada poderia ser mais um alvo do tipo Ruhr do que Oberhausen. O Departamento de História Aérea da RAF achava que “o Comando de Bombardeiro estava aproximando-se perigosamente do número insustentável de baixas sofrido, ou perto da uma taxa do insuportável durante a Batalha do Ruhr”; é bom lembrar que cada tripulação enfrentava aquela taxa média toda vez que ele saía para combate, para um grupo de trinta missões. Não era uma questão de encontrar aeronaves em número suficiente, e sim pessoas. O número de 30 representava o ponto em que o risco de morte individual atingia 50%, e uma vez que a taxa de perda ultrapassava o número crítico, esta linha demarcatória, como era sabido, aproximava-se cada vez mais perto. E a taxa começou a subir progressivamente com o tempo; a batalha de Berlim teve uma média de 6,44%, e a última missão sobre a cidade alcançou 8,88%, a missão sobre Nüremberg seis dias depois causou um impacto de 11,94%.

Algo mudou, e não foi a pontaria; a Luftwaffe redesenhou completamente sua tática, comando e controle e equipamento entre a primavera de 1943 e o outono. O sistema altamente centralizado “Zahme Sau” (Porco Domado)[1] foi substituído pelo sistema “livre de rédeas” “Wilde Sau” (Porco Selvagem) [2]; novas estações de radar significavam que os caças noturnos começaram a surgir na metade do caminho do Mar do Norte para interceptar a frota de bombardeiros. É claro, este é o tipo de assunto com o qual os historiadores econômicos não se interessariam; mas temos que pensar que os custos são um conceito muito importante na economia. Além disso, o Comando de Bombardeiro competia por recursos com o Comando Costeiro da RAF, em sua luta contra os submarinos alemães; mas não temos nada disso aqui.

Tooze retorna aos bombardeiros mais tarde, quando estes voltam a ser utilizados; aparentemente, no outono de 1944, “a frota aérea da vitória estava agora pronta”. Parece ter sido muito tarde; e lemos “a correlação entre a área bombardeada das cidades da Alemanha e o colapso de sua produção industrial militar estava indefinida na melhor das hipóteses... a destruição maciça das cidades alemãs poderia interromper a produção, mas não levá-la ao colapso completo.” Entre estas sentenças, tomamos conhecimento que longe de se submeter ao “estrangulamento operacional” estabelecido para o Ruhr em 1943, a fábrica da Krupp em Essen continuou trabalhando até que seu fornecimento de energia elétrica foi cortado em outubro de 1944; de fato, uma vitória. Além disso, ele argumenta que foi na verdade os ataques maciços sobre a rede ferroviária neste período que tiveram importância; o que não é a mesma coisa que bombardear siderúrgicas dois anos atrás.

Concluindo, o que realmente importa é que o Terceiro Reich era fascinado pelos Estados Unidos, talvez muito mais do que pela União Soviética. Hitler falava do Volga como sendo o Mississipi da Alemanha e a SS tratando os habitantes locais como “índios peles-vermelhas”. O tamanho do império concebido era frequentemente comparado ao Canadá ou Austrália. É claro que um fator principal motivador para muitos líderes nazistas era um desejo de fugir de uma economia mundial cada vez mais integrada, e um desejo paralelo de ter uma comunidade (Grossraumwirtschaft) que controlasse a economia mundial. O livro de Tooze deixa a sensação perturbadora de que isto nos representa hoje.                                             


Texto adicional


Notas:

[1] Esse sistema era uma tática de interceptação introduzida em 1943. Quando da indicação da presença de uma frota de bombardeiros, os caças eram colocados em voo e reunidos em torno de um dos vários sistemas de rádio espalhados pela Alemanha, prontos para serem direcionados em massa para a frota e quando a alcançavam, os caças localizavam bombardeiros individuais por radar, permanecendo em combate enquanto tivessem munição e combustível.

[2] Neste sistema, os caças não eram direcionados usando o guiamento tático por estações de rádio em solo; ao invés disso, a interceptação era baseada simplesmente (após guiamento por rádio em direção da área geral da frota de bombardeiros) na visão do piloto e no seu próprio julgamento.

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terça-feira, 16 de abril de 2013

[SGM] A Conspiração do Império

Arthur S. Trask

“Finalmente eu digo, deixem os demagogos e salvadores da pátria arrotar seu discurso vazio a ouvidos vazios; ser enganado duas vezes é demais.”

Robinson Jeffers

 
Resenha do livro Day of Deceit: The Truth About FDR and Pearl Harbor, Robert B. Stinnett

 
O falecido Murray Rothbard frequentemente argumentava que longe de ser evidência de um estilo “paranoico” na mente americana, a crença em conspirações como um elemento na história americana nunca foi geralmente levado a sério. A verdade por trás da maioria das teorias de conspiração, ele alegava, era muito mais hedionda e diabólica do que mesmo o mais obstinado teórico conspiracionista suspeitaria. Enquanto muitos achavam que Rothbard estava sendo apenas meio sério, um novo livro sobre o ataque japonês contra Pearl Harbor, de Robert Stinnett, oferece evidência constrangedora de que Murray estava certo. A verdade que emerge enquanto analisamos este volume exaustivamente pesquisado é de uma rede política e militar americana cujo brilhantismo somente é excedido por sua total falta de escrúpulo moral ou patriotismo genuíno. Sessenta anos depois do ataque fatídico, Stinnett descobriu, apresentou e provou a verdade por trás de Pearl Harbor. É claro agora que FDR sabia que o ataque japonês aconteceria. Ele sabia com mais de um ano de antecedência dos planos japoneses de bombardear a frota americana do Pacífico em Pearl, e ele sabia com uma semana de antecedência que o ataque aconteceria no domingo de manhã. Ele sabia porque a inteligência naval americana havia decifrado o código naval japonês no início do outono de 1940, ou seja 15 meses antes do ataque fatídico.

A fumaça mal havia desaparecido de Pearl Harbor quando jornalistas conservadores, poetas mal-humorados e alguns políticos republicanos começaram a suspeitar de que Pearl Harbor foi uma armação. Desde então, historiadores revisionistas têm afirmado que FDR tanto provocou quanto saudou a guerra; e alguns chegaram mesmo a dizer que ele sabia do ataque com antecedência. Historiadores do relato oficial e funcionários do governo rebateram estas críticas insistindo que o ataque foi de fato uma surpresa devido a uma falha da inteligência americana e incompetência no alto comando naval. Stinnett cita o historiador Stephen E. Ambrose que afirmou, tão recentemente quanto um editorial do Wall Street Journal de 1999, que “o problema real era que a inteligência americana era terrível.” De acordo com Ambrose (que repete a história oficial), a Marinha não tinha decifrado os códigos navais japoneses e que a força-tarefa japonesa manteve silêncio radiofônico total em seu caminho para o Havaí. Consequentemente, “no final de novembro, a inteligência ‘perdeu’ a frota de porta-aviões japonesa.” [1] Outros historiadores têm afirmado que os japoneses nos pegaram de surpresa devido a falhas na análise de boa inteligência, excesso de burocracia entre os oficiais de alta patente em Washington, subestimação da ameaça e capacidade japonesas e expectativa de que o ataque aconteceria contra possessões holandesas ou britânicas na Ásia Oriental, não contra o Havaí. Stinnett expõe cada uma dessas teorias como sendo falsas. Por exemplo, ele demonstra exaustivamente que a frota de porta-aviões japonesa realizava transmissões diárias de comunicação via rádio com o alto comando no Japão, comandos militares no Pacífico Central e entre si. Stinnett descobriu a verdade ao ler as interceptações de rádio das transmissões japonesas pela inteligência naval americana. A inteligência americana NÃO perdeu os porta-aviões.

Como Stinnett conseguiu descobrir a verdade quando investigações congressionais (tanto em 1945-46 quanto em 1995) falharam em fazer isso? A resposta está na inteligência, integridade e esforço incansável de Stinnett (algo que consumiu 17 anos), qualidades que sabemos da experiência faltaram nas investigações congressionais. Mas também está em um pedido feito pelo autor em 1983 aproveitando o Ato para a Liberdade de Informação (FOIA, em inglês). Naquele ano, Stinnett soube da existência dos arquivos de inteligência de comunicação da Guerra do Pacífico da Marinha dos Estados Unidos (um arquivo ultra-secreto contendo mais de um milhão de documentos relacionados com a inteligência de comunicação antes e durante a guerra). O pedido do autor foi inicialmente negado, mas em 1994, a Marinha decidiu desclassificar os registros, ou pelo menos uma parte deles. Como Stinnett logo descobriu, interceptações-chaves e documentos permaneceram secretos, alguns estavam faltando dos registros e outros foram adulterados para esconder informação vital. Entretanto, informação suficiente foi liberada, talvez inadvertidamente, de modo a permitir a Stinnett juntar as peças do quebra-cabeças da verdade.

As operações de comunicação de inteligência americana no teatro do Pacífico foi basicamente uma operação naval. A rede de inteligência era composta de 21 estações de interceptação de rádio localizadas ao longo da costa norte-americana do Panamá até o Alasca e nas ilhas do Pacífico do Havaí até as Filipinas. Como Stinnett demonstra, mais de 90% de todas as transmissões de rádio japonesas foram interceptadas por uma ou mais dessas estações. Uma vez interceptadas, estas mensagens eram enviadas para um dos três centros de controle regionais, dois dos quais eram também centros de criptografia, e a partir daí elas eram enviadas para a Estação EUA em Washington, o quartel-general da comunicação de inteligência naval. É claro, todas as comunicações japonesas estavam em código. As mensagens diplomáticas eram enviadas nos códigos Púrpura, Tsu ou Oite; as comunicações navais em um dos 29 códigos chamados Kaigun Ango, o mais importante dos quais eram o 5-Num (operações navais), SM (movimento naval), S (marinha mercante) e o Yobidashi Fugo (sinal de chamada de rádio). Stinnett conclusivamente demonstra que os criptologistas americanos (violadores de código) haviam decifrado todos os quatro códigos navais em outubro de 1940. A inteligência americana decifrou os códigos diplomáticos japoneses mesmo antes: o Tsu nos anos 1920, o Oite em 1939 e o Púrpura em setembro de 1940. Consequentemente, os criptologistas puderam interceptar, decifrar e traduzir quase todo o tráfego de rádio diplomático e japonês em questão de horas após recebê-los. A decodificação e tradução era feita em três centros criptográficos: a Estação CAST em Corregidor nas Filipinas; a Estação HYPO em Oahu; e a Estação EUA em Washington.

A informação de inteligência resultante era então enviada para funcionários de alto escalão das forças armadas e do gabinete, incluindo o presidente (cerca de 36 indivíduos ao todo). Entretanto, como Stinnett meticulosa e amplamente demonstra, a informação crucial que indicava um ataque japonês em Pearl foi deliberadamente retida pelo General Walter Short, comandante do Exército no Havaí, e pelo Almirante Husband E. Kimmell, comandante da frota do Pacífico. Roosevelt e seus conselheiros haviam escolhido estes dois oficiais distintos para serem os bodes expiatórios pela catástrofe em Pearl. A estória de sua traição pelos amigos e colegas no alto comando naval, todos sabendo do ataque iminente e da estratégia de provocação de Roosevelt, é comovente.

Além da interceptação e decodificação das transmissões de radio, a maioria das estações de interceptação de rádio eram equipadas com localizadores de direção via rádio (RDF, sigla em inglês), que permitia a operadores experientes estabelecer o local exato de navios de guerra japoneses uma vez seu sinal de chamada de rádio individual ser identificado. Através do RDF, especialistas de inteligência naval eram capazes de rastrear o movimento da força de porta-aviões japonesa enquanto ela se aproximava de Pearl Harbor. As descobertas de Stinnett confirmam a veracidade da afirmação feita pelo adido naval holandês nos Estados Unidos, o capitão Johan Ranneft, que enquanto visitava o Departamento de Inteligência Naval em Washington em 2 e 6 de dezembro, ele viu mapas de inteligência rastreando o movimento dos porta-aviões japoneses a leste em direção do Havaí. Analogamente, suas descobertas dão apoio ao testemunho de Robert Ogg, que afirma que enquanto em serviço no 12º. Distrito Naval em São Francisco, ele localizou (por meio da inteligência RDF) a frota japonesa ao norte do Havaí três dias antes do ataque.

Talvez o único e mais importante documento descoberto por Stinnett é um memorando de 7 de outubro de 1940 escrito pelo Tenente-Comandante Arthur H. McCollum, chefe da secretaria do Oriente Distante do Departamento de Inteligência Naval. O memorando de McCollum estabelece uma política estratégica criada para induzir os japoneses a cometer “um ato público de guerra” contra os Estados Unidos. McCollum escreve que tal estratégia era necessária porque “não é possível pelo estado atual da opinião política que os Estados Unidos sejam capazes de declarar guerra contra o Japão sem mais barulho.” McCollum sugere oito “ações” específicas que os Estados Unidos deveriam tomar para conseguir este resultado. A principal é a “Ação F” que diz para manter “a força principal” da Frota do Pacífico “nas vizinhanças das Ilhas do Havaí.”  McCollum conclui seu memorando dizendo que “se por estes meios o Japão puder ser levado a cometer um ato público de guerra, melhor ainda.” Stinnett tem pouco trabalho em demonstrar que a estratégia definida neste memorando tornou-se a política oficial da administração Roosevelt. Não somente foi o memorando endossado pelo Capitão Dudley Knox, um dos conselheiros militares mais confiáveis de Roosevelt, mas os registros da Casa Branca mostram que Roosevelt recebeu o memorando; e ao longo do ano seguinte, Roosevelt colocou cada uma das oito ações sugeridas em prática. Ele implementou a última (Ação H) em 26 de julho de 1941, quando ordenou um embargo completo de todos os negócios com o Japão.

O embargo de verão de Roosevelt foi o auge de outra política muito esperta da administração, qual seja ajudar os japoneses a armazenar petróleo para suas reservas militares apenas para encorajá-los a atacar os Estados Unidos, mas não o suficiente para mantê-los em guerra por muito tempo. No verão de 1940, Roosevelt realizou duas ações criadas para implementar seu verdadeiro plano maquiavélico. Primeiro, ele assinou um decreto autorizando a construção de uma grande marinha de dois oceanos. Segunda, ele exigiu das companhias americanas a obter licenciamento governamental antes de vender derivados de petróleo ou metal bruto para o Japão. Pelos próximos 12 meses, a administração prontamente garantiu a exportação de matérias primas de companhias americanas para o Japão, e os navios-tanques e de transporte puderam ser vistos carregando minério de ferro e petróleo nos portos da costa oeste americana. Enquanto isso, a inteligência naval americana, usando o RDF rastreava os navios-tanques para o depósito de petróleo naval japonês em Tokuyama. Os estrategistas de Roosevelt calcularam que ajudar os japoneses a estabelecer uma reserva de dois anos seria o correto. Neste caso, se a guerra estourasse na segunda metade de 1941, os japoneses ficariam sem petróleo em meados ou final de 1943, na época em que a produção industrial de guerra estaria atingindo o seu pico e sua grande frota de porta-aviões (100 unidades planejadas) estaria pronta para ir ao contra-ataque. Em julho de 1941, Roosevelt deu o passo final e, junto com os britânicos e holandeses, impôs um embargo à venda de petróleo, ferro e aço ao Japão (Ação H de McCollum). A armadilha estava então montada, e os japoneses não demoraram para cair nela.

Stinnett não ignora as dimensões morais da estratégia de Roosevelt. Como aqueles que sabiam que o ataque estava para acontecer justificariam o sacrifício de três mil vidas americanas? Um comentário de arrepiar os cabelos feito pelo Tenente-Comandante Joseph J. Rochefort, comandante da Estação HYPO em Pearl Harbor, dá a resposta. Em uma avaliação no pós-guerra do ataque realizado a um historiador naval, ele lembrou que Pearl Harbor “foi um preço muito baixo a pagar pela unificação do país.” Então é isso. Fraude maciça, mentiras, o sacrifício de carreiras militares, a traição de amigos e colegas oficiais, e a morte de milhares de soldados americanos – tudo justificado para incitar um povo pacífico à guerra. O próprio Stinnett está longe de ser contra à estratégia de Roosevelt. Ele concorda com os intervencionistas do pré-guerra que a América precisava ir à guerra contra as potências do Eixo. De acordo com Stinnett, Roosevelt e seus conselheiros “enfrentaram um dilema terrível”. O público em sua maioria se opunha à entrada na guerra e em uma democracia o povo supostamente manda. Mesmo assim, Roosevelt acreditava que esta guerra era necessária e justa. O que fazer? No final, eles decidiram que “algo tinha que ser feito para parar um mal maior.”

Aqui temos outro exemplo de americanos fazendo uso da doutrina que os fins justificam os meios. Os americanos são rápidos em negar a legitimidade ética desta doutrina quando ela é apresentada a eles como uma proposta nua, ainda que não exista nenhuma doutrina que eles se voltam mais rapidamente para justificar práticas moralmente questionáveis. Aqueles que defendem o holocausto nuclear de Hiroshima e Nagasaki argumentam como sua primeira linha de defesa que ele foi moralmente justificado porque salvou vidas americanas? E não podemos esperar para ouvir no futuro próximo daqueles que não podem mais negar a verdade, “A duplicidade de Roosevelt foi justificada porque era necessário parar Hitler.” A resposta cristã a esta questão foi feita por paulo dois mil anos atrás: “E por que não dizer ‘Façamos o mal que o bem virá’? - como somos blasfemados e como alguns dizem que dizemos. Sua condenação é justa.” (Romanos 3:8 Novo Testamento)


Nota:

[1] Ambrose (1936 – 2002) era historiador na Universidade de Nova Orleans e é conhecido por seus relatos patrióticos em Band of Brothers, Soldados Cidadãos, O Dia-D e outros trabalhos. Como biógrafo do ex-presidente Dwight Eisenhower, se opôs veementemente ao envolvimento deste com o extermínio de prisioneiros alemães após a guerra em campos sem quaisquer condições sanitárias. Ambrose, no entanto, “não é flor que se cheire” e esteve envolvido em casos de plágio, falsificação e erros históricos grosseiros.

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quinta-feira, 11 de abril de 2013

[HOL] Franklin Roosevelt e os Judeus


 
 
Franklin Roosevelt obteve o apoio majoritário dos judeus americanos durante sua presidência, e os motivos são claros. Em seus quase quatro mandatos, de 1933 a 1945, ele liderou a guerra contra Hitler, apoiou um lar judeu na Palestina, indicou um judeu para a Suprema Corte, escolheu outro para ser seu Secretário do Tesouro e cercou-se de conselheiros judeus que ajudaram a moldar as leis que revolucionaram o papel do governo na vida americana – o que alguns críticos zombeteiramente chamaram de “Jew Deal”. Então, é claro, havia Eleanor Roosevelt cuja preocupação com as minorias reforçou ainda mais a ligação. Quando Roosevelt morreu em 1945, a Assembleia Rabínica da América o descreveu sobrenaturalmente, como “um líder imortal da humanidade e um servidor inigualável de Deus.”

Nascidos em famílias protestantes ricas e influentes, os Roosevelt não estavam imunes aos preconceitos de sua época. Antes de entrar na Casa Branca, Eleanor descreveu o futuro juiz da Suprema Corte, Felix Frankfurter, como “um homenzinho interessante, apesar de judeu” e, após trabalhar para o financista de Wall Street Bernard Baruch, reclamou: “O pessoal judeu é terrível. Nunca mais quero ouvir sobre dinheiro, joias e vestes de luto.” Franklin foi mesmo mais longe, fazendo piadas anti-semitas para encantar líderes mundiais, como Josef Stalin, que era conhecido por temer e odiar judeus. De fato, foi a habilidade dos Roosevelts em colocar de lado estes preconceitos que pareceu distingui-los de muitos outros de sua classe. Quando foi importante, seus instintos mais nobres assumiram o controle.

Em 1938, por exemplo, Roosevelt pediu ao seu embaixador na Alemanha que protestasse contra a Kristallnacht, o pogrom nazista. Foi um pouco mais do que um gesto simbólico, mas ele foi o único chefe de estado a fazer isso. Além disso, mesmo sob os protestos de seu Departamento de Estado notoriamente anti-semita, Roosevelt encorajou esforços para assentar os judeus europeus na América Latina – cerca de 40.000 deles o fizeram entre 1938 e 1941 – e pressionou os britânicos para manter a Palestina aberta aos refugiados judeus. Mais importante, talvez, foi a sua aprovação do Conselho de Refugiados de Guerra em 1943, que, apesar de frequentemente ignorado e sempre subfinanciado, trabalhou com heróis como Raoul Wallenberg através da Europa ocupada pelos nazistas para salvar incontáveis milhares de judeus.

Em relação à afirmação revisionista mais controversa, de que Roosevelt poderia ter emperrado a máquina de matança de Hitler ao ordenar a destruição das linhas ferroviárias de Auschwitz, resta pouca dúvida de que os aviões aliados fossem capazes de alcançar este destino em meados de 1944.[1] Os complexos industriais na área já haviam sido bombardeados. O problema era que o Departamento de Guerra via o projeto como um desvio de alvos militares mais importantes. A oposição era tanta que o assunto aparentemente nunca chegou à mesa do presidente. O quão bem sucedido o bombardeamento de Auschwitz teria sido, dado os resultados em outros lugares, é questão de debate. O que é inegável, contudo, é que cerca de 250.000 judeus foram mortos nos meses entre a captura deste campo de extermínio e a rendição alemã em maio de 1945.[2]    

Iniciando nos anos 1960, uma série de livros foram lançados com títulos auto-evidentes como “Nenhum Paraíso para os Oprimidos” e “Enquanto Seis Milhões morriam”. Mas o relato mais influente de longe foi “O Abandono dos Judeus”, de David S. Wyman, publicado em 1984. Wyman, o neto de dois pastores protestantes, considerou vários culpados pela tépida resposta da América ao Holocausto, inclusive uma comunidade judaica pessimamente dividida, um ninho de anti-semitas virulentos no Departamento de Estado e um presidente distraído e profundamente indiferente a questões humanitárias que ele sentia estarem fora de seu controle, não importando sua extensão.

O vice-presidente Henry Wallace, que anotou a conversa em seu diário, disse que Roosevelt falou positivamente de um plano (recomendado pelo geógrafo e presidente da Universidade John Hopkins Isaiah Bowman) “para espalhar os judeus em pequenos grupos ao redor do mundo.” A anotação do diário acrescenta: “O presidente disse que ele tentou isto no Condado (Meriwether), Georgia (onde Roosevelt viveu nos anos 1920) e em Hyde Park segundo um esquema de acrescentar quatro ou cinco famílias judias em cada lugar. Ele afirmou que a população local não teria nenhuma objeção se não houvesse mais do que isto.”

A ideia de Roosevelt é condescendente e detestável, e vindo de outra pessoa, provavelmente seria classificada como anti-semitismo. Porém, mais do que isso, o apoio de FDR “para espalhar os judeus em pequenos grupos” pode conter a chave para o entendimento de um assunto que tem estado no centro da controvérsia por décadas: a tépida resposta do governo americano ao Holocausto.

Eis o paradoxo. O sistema de imigração americano limitava severamente o número de judeus alemães aceitos durante os anos nazistas a cerca de 26.000 anualmente – mas mesmo esta cota não foi preenchida por nem mesmo 25% durante a maior parte da era Hitler, pois a administração Roosevelt acrescentou muitas exigências extras para os candidatos à imigração. Por exemplo, iniciando em 1941, o simples fato de deixar um parente próximo na Europa seria o suficiente para desqualificar o candidato – sob o argumento absurdo de que os nazistas poderiam ameaçar o parente e, portanto, forçar o imigrante a espionar para Hitler.

Por que a administração procurou ativamente desencorajar e desqualificar os refugiados judeus de vir para os Estados Unidos? Por que o presidente não disse discretamente ao seu Departamento de Estado (que administrava o sistema de imigração) para preencher as cotas da Alemanha e dos países ocupados pelo Eixo até o limite legal? Somente esta ação teria salvado 190.000 vidas. Não teria exigido uma luta contra o Congresso ou forças anti-imigração; teria envolvido mínimo risco político ao presidente.

Todas as decisões de política presidencial são moldadas por uma variedade de fatores, alguns políticos, alguns pessoais. No caso de Roosevelt, um padrão de ideias sobre os judeus, alguns dos quais foram descobertos nos Arquivos Centrais Sionistas em Jerusalém e de outras fontes, podem ser significativos.

Em 1923, como membro do Conselho de Diretores de Harvard, Roosevelt decidiu que havia muitos estudantes judeus na universidade e ajudou a instituir uma cota para limitar o número de admitidos. Em 1938, ele privadamente sugeriu que os judeus na Polônia dominavam a economia e eram, portanto, os responsáveis pelo anti-semitismo lá. Em 1941, ele lembrou num encontro do Gabinete que havia muitos judeus entre os servidores públicos federais no Oregon. Em 1943, ele disse a funcionários do governo no norte da África recém-libertada pelos Aliados que o número de judeus locais em várias profissões “deveria ser definitivamente limitado” de modo “a eliminar as reclamações específicas e compreensíveis que os alemães faziam em relação aos judeus na Alemanha.”

Existe também evidência de outras declarações privadas controvertidas de FDR, incluindo recusa de apelo pelos refugiados judeus como “choro judeu” e “coitadismo” (N. do T.: original em inglês sob stuff); expressando (para um senador) seu orgulho de “não ter sangue judeu em nossas veias”; e caracterizando uma manobra fiscal de um dono judeu de jornal como “trapaça suja judaica.” Mas o tema comum nas declarações privadas de Roosevelt sobre os judeus tem a ver com sua percepção que eles estavam “tomando conta” de muitas profissões e exercendo influência desproporcional.

Esta atitude se encaixa com o que é conhecido das visões de FDR sobre os imigrantes em geral e os imigrantes asiáticos em particular. Em uma entrevista de 1920, ele reclamou dos imigrantes estarem “apinhando-se” nas cidades e disse “o remédio para isto deveria ser a distribuição de estrangeiros em várias partes do país.” Em uma série de artigos para o Daily Telegraph e para a revista Asia nos anos 1920, ele alertou contra a concessão de cidadania para “imigrantes não-assimiláveis” e se opôs à imigração japonesa afirmando que “misturar sangue asiático com sangue europeu ou americano produz, em nove casos entre dez, os resultados mais infelizes.” Ele recomendou que a imigração no futuro fosse limitada àqueles que tivessem “sangue do tipo certo.”

A decisão de FDR de aprisionar milhares de americanos japoneses em campos de internamento durante a Segunda Guerra Mundial era consistente com esta percepção dos asiáticos como tendo características raciais inadequadas tornando-os não confiáveis. Analogamente, ele aparentemente via com desprezo o que ele parecia entender como características inadequadas dos judeus. Aceitar um número significativo de imigrantes judeus ou asiáticos não combinava confortavelmente na visão de FDR da América.

Outros presidentes americanos também compartilharam de visões não muito amigáveis sobre os judeus. Um diário mantido por Harry Truman incluía declarações do tipo “Os judeus, eu acho, são muito, muito egoístas.” As denúncias de Richard Nixon dos judeus como “muito agressivos e detestáveis” foram mais tarde reveladas em gravações de conversas no Salão Oval da Casa Branca.

No início de 1945, após a conferência de Yalta com Churchill e Stalin, o presidente viajou até o Oriente Médio, dizendo que “nunca mais virei aqui.” Roosevelt considerava-se um mestre da persuasão, mas seu encontro principal com o rei saudita Ibn Saud não foi bem. Notando que os judeus sobreviventes da Europa haviam sofrido “horrores indescritíveis”, ele garantiu ao rei que permitindo a entrada deles na Palestina melhoraria a terra tanto para árabes quanto para judeus. Ibn Saud não se comoveu. A cooperação com os sionistas era impossível, ele afirmou; a porta estava fechada. Retornando para a América, o presidente exausto desculpou-se ao rabino Stephen Wise, um proeminente líder judeu, por falhar “em sua causa.” Roosevelt morreu um mês depois na Pequena Casa Branca (N. do T.: construída por ele em 1932) em Warm Springs, na Georgia – tristemente consciente, suspeitamos, do banho de sangue interminável entre judeus e árabes que se seguiria.

Fontes:



Notas:

[1] O termo “revisionista” aqui mencionado se refere às duas correntes biográficas principais de Roosevelt, uma, a “oficial”, que trata o presidente como um grande humanitário, liberal, defensor dos direitos humanos e da democracia; a outra corrente, a “revisionista”, mostra um Roosevelt mais cínico, belicista e interesseiro. Não tem nada a ver com negação do Holocausto.

[2] No original: What is undeniable, however, is that close to 250,000 Jews were murdered in the months between the capture of this death camp and the German surrender in May 1945.” A pergunta que eu faço é: quem matou esses 250.000 judeus, já que Auschwitz já não estava mais nas mãos dos nazistas?

 
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