History
Today, Vol. 63, no. 1, 2013
O Putsch Kapp
Karl
Mayr nasceu em 1883 na cidade de Mindelheim na Suábia Bávara e cresceu no
ambiente confortável e respeitável de uma família católica de classe média.
Após conseguir o diploma de ensino médio em 1901, ele juntou-se ao exército
bávaro como oficial de carreira. Escalando os postos, Mayr chegou a tenente por
volta de 1911. Quando a guerra eclodiu em 1914, ele foi convocado para a
recente força aérea bávara, porém voltou ao serviço no regimento de infantaria
em 1915 e foi promovido a capitão no mesmo ano. De setembro de 1916 a janeiro
de 1918, Mayr serviu como oficial do alto comando com o Corpo Alpino Bávaro. Ao
seu próprio pedido, ele voltou ao front nos meses finais da guerra, incluindo
um breve período no exército do Império Otomano, o aliado problemático da
Alemanha. Na época em que saiu de licença por um breve período em fevereiro de
1919, Mayr era um oficial altamente condecorado, tendo sido condecorado não
somente com a Cruz de Ferro de Primeira e Segunda Classes, mas também condecorações
bávaras, prussianas e turcas importantes. Não há evidências de suas opiniões
políticas até este ponto, mas em abril de 1919, quando os comunistas tomaram o
poder e transformaram Munique e outras partes do sul da Baviera em uma
república socialista, Mayr não hesitou em se juntar a uma unidade de defesa que
ajudou a combater os revolucionários de dentro do estado. Mesmo antes de ele
retornar ao exército em maio de 1919, como chefe do departamento de propaganda
em Munique, seu anti-bolchevismo era profundamente sentido e sincero.
Em
sua nova função no departamento de inteligência, Mayr foi absorvido pelo
ambiente crescente de anti-bolchevismo, antissemitismo e de grupos separatistas
e partidos dissidentes que pipocavam na Baviera, tranformando-a na “célula de
ordem” auto-declarada contra o levante revolucionário. Um dos contatos
principais da direita antirrepublicana no Reichswehr, Mayr estava também
envolvido nas preparações do Putsch Kapp em março de 1920, quando parte dos
militares, combatentes Freikorps e nacionalistas radicais tentaram derrubar o
governo do Reich. A ação coletiva da classe trabalhadora em uma greve geral
atrapalhou o golpe. Mas na Baviera o golpe forçou a minoria do gabinete do
primeiro-ministro social democrata Johannes Hoffmann a renunciar. Escrevendo em
setembro de 1920 para Wolfgang Kapp, o líder epônimo do putsch, Mayr falou de
seu papel ativo nos eventos de março último e relatou sobre o “partido
nacionalista dos trabalhadores” que ele estava apoiando para fortalecer o
renascimento nacional. Entretanto, nesta época ele já havia deixado o exército.
Mayr
abandonou o Reichswehr por sua própria iniciativa em julho de 1920, tendo
alcançado o posto de major e direito a pensão completa. A razão mais provável
foi sua oposição aos planos separatistas de separar a Baviera do resto do
Reich. Isto foi discutido nos círculos do Partido Popular Bávaro (BVP) de
tendência conservadora católica, o qual governava o estado após a renúncia de
Hoffmann. No mesmo mês, Mayr publicou documentos sobre as tendências
separatistas no BVP, uma atitude que ofendeu os colegas militares, alguns dos
quais estavam envolvidos, e tornou sua posição no exército gradativamente
insustentável. Nos meses seguintes, Mayr tentou ganhar influência no partido
nazista, o qual ele próprio ajudou a criar. Como ele mais tarde confidenciou a
camaradas do Partido Social Democrata (SPD), ele esperava em 1921 que o NSDAP
pudesse funcionar como um equivalente ao defunto Nationalsozialer Verein (1896 – 1903). Neste
partido, o político protestante Friedrich Naumann, um dos mais proeminentes
liberais sociais da falecida Alemanha Imperial, tentou oferecer uma alternativa
moderada ao socialismo, que reconciliava o liberalismo nacionalista com
tentativas de melhoria das condições da classe trabalhadora. Mas estas
esperanças foram desapontadas e Mayr abandonou o NSDAP em março de 1921.
Para
Mayr voltar-se subsequentemente à política democrática, duas relações foram de
importância decisiva. Em abril de 1922, ele contatou o professor Hans Delbrück,
o decano de história militar alemã. Enviando-lhe um manuscrito sobre o papel de
Erich Ludendorff como chefe do Comando Supremo do Exército, Mayr sinalizou seu interesse em uma crítica
fundamental da estratégia de guerra alemã. Delbrück era simpático à ideia, já
que ele tinha suas próprias dúvidas sobre os objetivos exagerados dos militares
alemães na Grande Guerra. Nos anos seguintes, Mayr era um convidado regular de
seu círculo “das quartas-feiras noturnas” em Berlim, nas quais a elite
intelectual liberal-conservadora da capital troca ideias. Delbrück apoiava um
plano para encontrar uma posição para Mayr no Reichsarchiv em Postdam, que
mantinha os registros do exército alemão, mas sem sucesso. Não havia lugar para
o ex-major dissidente em uma instituição que era tão associada ao Reichswehr e
interessada em dar uma interpretação positiva ao esforço de guerra germânico.
Escrevendo a Delbrück em abril de 1923, Mayr descreveu-se como um “republicano
da razão”, como alguém que aceitava a República de Weimar mais por conveniência
do que por convicção. Neste ponto, sua transformação política ainda não estava
completa totalmente.
Contato decisivo
O
outro contato de Mayr foi muito mais decisivo em sua mudança para a esquerda
republicana moderada. No outono de 1921, ele se aproximou de Erhard Auer, o
igualmente excêntrico e enérgico chefe do Partido Democrático Social Bávaro.
Nos meses seguintes, Mayr forneceu a Auer documentos confidenciais sobre as
atividades separatistas dentro do BVP governante e entre seus contatos de alto
nível na aristocracia bávara, a polícia de Munique e oficiais do Reichswehr.
Auer publicou alguns destes documentos no jornal do partido Müncher Post. A revelação pública do
conhecimento íntimo de Mayr a respeito da direita radical aproximou-o do SPD.
Como mais tarde ele descreveu, ele tentou “acostumar-se com o movimento social
democrata” gradualmente. Ele
juntou-se ao partido formalmente em 1924.
Contudo,
Mayr encontrou seu mais importante lar politico em outra organização afiliada do
SPD formada no mesmo ano, o Reichsbanner Preto-Vermelho-Amarelo. Ele já havia
se juntado a um dos muitos precursores locais deste, a “seção de segurança” do
SPD de Munique, fundada em novembro de 1921. Também conhecido como “Guarda
Auer”, esta formação de auto-defesa protegia as reuniões social democráticas na
capital bávara sob o lema “Sem poder ao depotismo, todo poder à lei, toda
justiça ao povo.” Quando políticos da liderança do SPD na cidade prussiana de
Magdenburg estabeleceu o Reichsbanner em fevereiro de 1924, ele forneceu uma
estrutura nacional para iniciativas tais como a Guarda Auer.
No
papel, o Reichsbanner deveria transcender as divisões intrapartidárias. Ele era
uma iniciativa dos social-democratas, membros do liberal-esquerdista DDP e do Partido
Católico de Centro, assim refletindo o consenso pró-republicano da coalizão
Weimar que governou o novo estado até 1920. Mas a presença de liberais e
católicos de esquerda na diretoria não-executiva da liga foi apenas um
disfarce. Ao nível da base, a noção de uma coalizão partidária era uma fachda,
mesmo que ela fosse real o suficiente para provocar criticismo o bastante da
ala esquerdista dentro do SPD. Em 1924, 85% dos membros do Reichsbanner eram
social-democratas e esta proporção chegou mesmo a 90% nos dois anos seguintes.
Como um relatório policial em maio de 1932 concluiu, o Reichsbanner era “quase
uma organização puramente do SPD,” proximamente associada ao nível local com
outras associações socialistas tais como Os Pensadores Livres – que preferiam a
cremação ao invés do enterro cristão – ou o Movimento Coral Socialista. A
fundação do Reichsbanner foi um dos sucessos importantes, embora esquecidos do
período de Weimar. Ele rapidamente atraiu cerca de um milhão de membros,
superando as ligas nacionalistas combatentes radicais mais importantes, Os
Capacetes de Aço (Stahlhelm), também fundada em Magdenburg no final de 1918, e
a Ordem dos Jovens Teutônicos (Jungdo).
Perfil Nobre
O
Reichsbanner tinha dois objetivos: defender a República de Weimar e as cores de
sua bandeira e também, como seu estatuto dizia, integrar todos “os ex-soldados
da Guerra Mundial e dos homens com treinamento militar que apoiam a
constituição republicana sem reservas.” Como seu subtítulo indicava, era uma
“Liga de Ex-Combatentes Republicanos.” Com o financiamento do Reichsbanner, o
campo republicano estava claramente empolgado após o desapontamento com os
ataques precedentes contra a Constituição, do Putsch Kapp em 1920 até o
malfadado Putsch da Cervejaria de Hitler em 1923. Uma caricatura no jornal do
SPD Vorwärts representava o ambiente
otimista entre os social-democratas. Ela mostrava dois membros do partido
nazista prontos para sabotar um trem de explosivos. No fundo, um trem com uma
locomotiva a vapor chamada “Reichsbanner Preto-Vermelho-Amarelo” se aproxima a
alta velocidade obrigando os dois a contemplar com resignação se “devemos
nos explodir aqui.”
“Ódio Mortal”
Durante
os primeiros anos de seu engajamento no Reichsbanner, a esfera de atividades de
Mayr estava centrada em Munique, dando palestras a simpatizantes locais e
escrevendo artigos para o Müncher Post
e o Das Reichsbanner, o semanário do
grupo. Mas sua mensagem espalhou-se quando ele tornou-se próximo de Karl
Höltermann, o vice-chefe do Reichsbanner, que confiava nele pessoalmente e
estava ansioso de empregar seu conhecimento militar na liga. Por um longo
tempo, cogitou-se de que Mayr seria elevado ao cargo de assistente de
Höltermann como editor-chefe do Das Reichsbanner, uma posição que ele
finalmente assumiu no final de 1928. Mayr alugou um apartamento em Magdenburg
para estar próximo da sede da liga. Ele logo entrou em conflito com Franz
Osterroth, que havia sido previamente editor do jornal. Vindo da
Jungsozialisten, a organização jovem esquerdista do SPD, Osterroth simplesmente
não podia suportar o ódio mortal de Mayr contra a União Soviética. De fato, o
anti-bolchevismo era um dos elementos presentes na visão política de Mayr desde
os seus dias de oficial contrarevolucionário do exércitoem Munique. A liberdade
para expressar estas visões foi certamente um elemento importante no sentimento
de Mayr como social-democrata.
Nem
Mayr era um simpatizante do pacifismo radical, que alguns membros do
Reichsbanner defendiam, enquanto que a maioria esmagadora apoiava um pacifismo
mais moderado que tinha consciência do papel dos militares para a defesa
nacional. Em uma carta a Hans Delbrück, Mayr opinou que “para a mentalidade
pacifista, qualquer crítica baseada em fatos de assuntos militares já deve
parecer logicamente um pecado contra o espírito; com esta mentalidade somente
aqueles maníacos homicidas valorizam os que devastaram o exército alemão e que
perderam a guerra.” Tal “crítica baseada em fatos” do exército imperial foi uma
de suas contribuições mais consistentes para a causa da liga dos veteranos
republicanos.
No
Das Reichsbanner, Mayr publicou uma longa lista de artigos que criticavam a
falta de qualquer controle político dos militares durante o último período
imperial, expondo alguns dos erros estratégicos mais importantes do Alto
Comando do exército alemão sob Hindenburg e Ludendorff e criticou a estória da “facada
nas costas” como um mito artificial, perpretado pela elite militar para
esconder os seus próprios defeitos. O
resultado de todas estas críticas incisivas era, porém, um ponto político
crucial. Junto com outros membros do Reichsbanner, Mayr estava convencido de
que a legitimidade da República de Weimar era um corolário do colapso militar
do sistema monárquico no outono de 1918. Estes eventos, a “maior falência
infame na história da Alemanha e da europeia,” como Mayr a colocou em 1929,
forneceu a cidadania democrática às suas fileiras operárias e a preencheu com
uma causa comum articulada pelo Reichsbanner.
Reconciliação
Entretanto,
os pacifistas radiciais da esquerda do SPD não estavam convencidos da
sinceridade do comprometimento republicano de Mayr. Fritz Küster, que ganhou
influência na Sociedade Pacifista Alemã (DFG) a partir de meados dos anos 1920,
tentou sujar a imagem de mayr em processos judiciais seguidos e o acusou de ser
um militarista da velha ordem. Veteranos de guerra nos antigos países aliados,
contudo, o tinham em muita alta estima. Desde 1927, o Reichsbanner tinha status
de observador na Conferência Internacional de Combatentes e Mutilados (CIAMAC),
uma organização não-governamental de ligas de veteranos que compreendia 24
associações de dez países europeus, incluindo a Grã-Bretanha. Mas o Reichbanner
também estabeleceu conexões com as associações de veteranos franceses, com a Union Fédérale esquerdista, fundada por René
Cassin e a muito menor, Fédération
Nationale pacifista, em particular. A partir do final dos anos 1920,
lideranças representativas destas ligas francesas, incluindo Cassin e André
Liautey, um membro da executiva do CIAMAC e chefe do comitê francês da
organização, apareciam regularmente nas reuniões do Reichsbanner. Em
retribuição, funcionários da liga republicana alemã viajavam à França. Ele foi
finalmente reconhecido por estes esforços ganhando a associação honorária da Fédération Nationale.
Na
visão de Mayr, a reconciliação entre França e Alemanha poderia servir como um
catalisador para uma integração maior das nações europeias e deveria finalmente
resultar em uma “comunidade de defesa europeia.” A reconciliação com a França e
as tentativas de estabelecer laços entre os antigos membros dos exércitos
rivais era uma ênfase constante em seu trabalho.
Durante
os anos finais da república, Mayr acelerou os passos de seu ativismo político,
falando constantemente, escrevendo e viajando em nome do Reichsbanner. Ele
também intensificou sua agitação contra o partido nazista. Imediatamente ao
sucesso eleitoral nazista nas eleições do reichstag em 14 de setembro de 1930,
Mayr tentou restabelecer o otimismo entre os republicanos. Em uma série de
aparições públicas com boa presença popular, sob o lema “Adolf Hitler deitado
em decúbito ventral”, apimentadas por revelações humorísticas de seu antigo
subordinado militar, Mayr ridicularizou Hitler. Sua performance claramente
animou os deprimidos membros do Reichsbanner. Quando os nazistas chegaram ao
poder em janeiro de 1933, amigos com contatos dentro do partido nazista
aconselharam Mayr a deixar o país imediatamente. Ele seguiu o conselho e fugiu
para a França, onde se estabeleceu no subúrbio de Paris, provavelmente vivendo
do ensino de língua alemã. Durante a invasão alemã da França em maio de 1940,
ele foi preso no sul da França e levado de volta à Alemanha em julho. Lá, ele
foi mantido em prisões sob o comando da SS em Berlim, de onde partiu para o
campo de concentração de Sachsenhausen.
Pequeno homenzinho branco
Na
primavera de 1943, Mayr foi transferido para Buchenwald. Social-democratas
especularam em testemunho do pós-guerra se esta transferência pode ter sido o
resultado de uma intriga comunista, orquestrada pelo aguerrido funcionário
comunista Harry Naujoks, que cuidava da administração dos presos em
Sachsenhausen e se reportava diretamente ao comandante do campo. Esta pelo
menos foi a versão de Walter Hammer, o pseudônimo de Walter Hösterey (1888 –
1966), um pacifista radical do SPD, autor e editor. NA Alemanha do pós-guerra,
Hammer reuniu um arquivo histórico expressivo sobre os membros do movimento de
resistência a Hitler. Hammer conheceu Mayr muito bem durante seu serviço no
departamento executivo do reichsbanner e foi preso com ele primeiro em Berlim
em setembro de 1940 e um ano depois em Sachsenhausen. Hammer considerava o “pequeno
homenzinho branco” Mayr – que ficou grisalho muito cedo – seu amigo. De abril
de 1943 até sua morte em 9 de fevereiro de 1945, durante um bombardeio aliado,
Mayr trabalhou na empresa Gusloff em Weimar, uma fábrica que explorava o
trabalho dos presos de Buchenwald. Em uma ocasião, um grupo de oficiais da
Wehrmacht que visitava a fábrica bateu continência quando reconheceram seu
antigo oficial superior do exército imperial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário