terça-feira, 30 de dezembro de 2014

[POL] As Artes na Alemanha Nazista

Emerson Paubel


Em geral, a visão histórica da Alemanha de Weimar como um período de criatividade democrática e o Terceiro Reich como o de negação ditatorial é uma simplificação abusiva e deveria ser revisto, particularmente pelo fato de que estudos recentes fornecem um quadro mais complexo do período. Parece obvio que houve um elemento forte de continuidade nas artes entre a República de Weimar e o Terceiro Reich, mas a natureza desta continuidade é complexa, permeada de paradoxos e ambivalências. Havia grupos na República de Weimar que apoiavam o sistema parlamentar democrático, mas enfatizavam as formas e métodos tradicionais nas artes, os quais mais tarde foram reconhecidos oficialmente pelos nazistas, e eles certamente não podem ser considerados como simpatizantes nazistas. Havia líderes industriais e militares cujas ideias políticas eram de extrema direita, mas que defendiam e desenvolviam uma modernidade técnica em muitos aspectos de projetos: um aspecto de modernidade era absolutamente essencial ao programa de rearmamento do Terceiro Reich. Em 1937, por exemplo, uma grande exibição foi organizada em Düsseldorf sob o título de “Uma Nação Trabalhadora”. Ela foi planejada especificamente como um instrumento de publicidade e apoio de mobilização para o Plano Quadrienal. Ela concentrou-se em mostrar o potencial da tecnologia industrial moderna e muito da arquitetura e projeto era moderno tanto na técnica quanto na forma, por exemplo, na exibição de um objeto-chave do “movimento modernista” de design dos anos 1920: uma cadeira de balanço de aço tubular.

A partir dos anos 1960, os historiadores começaram a olhar com mais atenção à burocracia cultural nazista e, ao invés de encontrar evidência de controle restrito, foi descoberto o caos administrativo e inconsistências estéticas entre as ideias propostas e os desafios artísticos reais. Além disso, por muitos anos a maioria dos estudos das artes na Alemanha Nazista tendeu a focar principalmente na condenação dos perpetradores ou hagiografia[1] das vítimas, e uma fascinação com o kitsch[2], regressão, erotismo, monumentalidade e propaganda política ostensiva que supostamente representava a estética nazista dominante. Não foi somente nos anos 1990 que uma onda de exames críticos intensos sobre a administração cultural e instituições apareceu.

Por exemplo, uma vez que os acadêmicos deixaram de lado as ideias da inferioridade das artes nazistas, foi possível considerar onde as artes alemãs dos anos 1930 e 1940 obtiveram reconhecimento internacional e ter um novo olhar sobre as semelhanças entre as artes “nazistas” e as artes contemporâneas não-alemãs. O que, por exemplo, distingue a pintura “nazista” dos trabalhos atuais de Norman Rockwell ou a arquitetura “nazista” de estruturas neoclássicas erguidas na mesma época em Washington, D.C.? Como podemos explicar o fato de que o ícone da arte nazista, o quadro “Os Quatro Elementos”, pelo “mestre dos pelos pubianos” Adolf Ziegler, ganhou o Grand Prix de 1937 da Exibição Internacional em Paris, ou que o filme Olympia de Leni Riefensthal ganhou o prêmio do Festival Internacional de Veneza em 1938?

De fato, as percepções do pós-guerra da vida cultural no Terceiro Reich foram altamente influenciadas por argumentos apaixonados e constrangedores daqueles que foram levados ao exílio. Complementando as análises de Hannah Arendt da natureza do totalitarismo, estavam os comentários sobre a vida cultural alemã pela família Mann (a condenação de Thomas àqueles que ficaram na Alemanha e a peça de Heinrich Mephisto que retratava as barganhas do diretor de teatro Gustav Gründgen com Göring), a declaração de Theodor Adorno de que nenhuma poesia poderia ser escrita após Auschwitz e a formulação influente de Walter Benjamin de que o fascismo promoveu uma estetização da política. As forças de ocupação aliadas também contribuíram grandemente ao estabelecer padrões para futuros historiadores. O processo de denazificação dividiu os alemães nas categorias de culpados e inocentes, enquanto os adidos culturais aliados (muitos deles refugiados alemães) estavam tão convencidos da destruição da cultura que no final da guerra, funcionários americanos, comentando sobre a situação da música, concluíram que Hitler “conseguiu transformar o campo exuberante de criatividade musical em um deserto estéril,” que os músicos mais talentosos da Alemanha haviam deixado o país e que os compositores do Terceiro Reich produziram apenas trabalhos destinados “a ser eficientes psicologicamente para a causa nazista.” Em resposta, a elite cultural alemã se mexeu para se proteger – mesmo aqueles que trabalharam no Terceiro Reich – e construíram uma “hora zero”, reforçando a imagem de uma terra totalitária devastada culturalmente que se contrastava com a paisagem cultural florescente da nova Alemanha.

A Sociedade de Arte Alemã (DKV - Deutsche Kunstverein) era uma organização étnica que era mais estável e consistente em suas visões conservadoras extremas do que o Partido Nazista ou os administradores culturais. Desde o seu começo no início do século XX, sua fundadora e liderança carismática Bettina Feistel-Rohdmeier, consolidou a agenta xenófoba, antimoderna e antissemita ao alvejar os impressionistas franceses e o Secessionista (e judeu) Max Liebermann. Apesar de todos os artistas sofrerem com as vicitudes econômicas dos anos 1920, o DKV conseguiu exagerar o apelo dos tradicionalistas “alemães verdadeiros” e, por meio de seu serviço de notícias bem distribuído e alianças estratégicas com organizações étnicas poderosas (e finalmente o partido nazista), conseguiu tornar-se uma entitade pequena, porém formidável. Talvez, seu maior impacto tenha sido a ideia original de Feistel-Rohdmeier em 1933 de eliminar das galerias de arte os trabalhos modernistas, exibindo-os em uma “câmara de horrores” no sentido de educar o público de injustiças passadas contra a arte alemã, apresentando a quantidade de dólares usada para comprar tais trabalhos e fazendo uso delas como “gravetos para aquecimento de prédios públicos”. Muitas exibições semelhantes de “arte degenerada” aconteceram em muitos locais antes que a ideia fosse adotada pelo governo nazista na famosa exposição em Munique em 1937. O DKV atingiu o máximo da influência durante a época em que as visões nazistas da arte atingiram o pico da ambivalência. Com facções do partido promovendo os modernistas Barlach, Nolde, Heckel e Schmitt-Rottluff como expressionistas “nórdicos”, o DKV encontrou um aliado em Alfred Rosenberg, mas também foi castigada ao presumir conhecer mais do que o partido. Ironicamente, quando a guerra contra o modernismo foi finalmente vencida e os artistas modernistas foram levados à periferia, os gritos de guerra do DKV tornaram-se redundantes, e sua promoção de tradicionalistas provou ser muito conservadora para acomodar as direções desejadas para a futura arte alemã.

Poderíamos tratar Ernst Barlach como um caso interessante de uma “vítima” indisputada do Nacional Socialismo. É verdade que o trabalho de Barlach foi alvejado pelos censores do partido nazista: uma de suas esculturas e um livro de gravuras foram incluídos na exibição de “Arte Degenerada”; suas memórias de guerra – controversas por muitos anos antes de 1933 – foram vítimas de campanhas vingativas por parte de funcionários do partido nazista local; ele foi obrigado a renunciar da Academia Prussiana de Artes; e uma publicação de 1935 de seus desenhos foi confiscada pela polícia bávara. Porém, também é verdade que Goebbels foi um entusiasta de Barlach no passado, que Barlach promoveu seu próprio trabalho como arte alemã verdadeira a funcionários nazistas, que ele foi convidado para as cerimônias de abertura das Câmaras Culturais do Reich, que ele assinou uma petição apoiando a consolidação de Hitler no poder, que – diferentemente de outros modernistas – seus trabalhos confiscados foram devolvidos a ele, que quando morreu em 1938 um jornal da SS publicou um obituário respeitoso e que, finalmente, seus trabalhos foram reeditados durante o Terceiro Reich.

Os nacional socialistas em geral, e Hitler em particular, perseguiram uma política consistente para promover seus objetivos estéticos, mesmo quando a evidência é nebulosa. Hitler desprezava o modernismo e o expressionismo, mas ele não nunca tentou atingir os trabalhos expressionistas. Ao invés disso, ele, Von Schirach (líder da Juventude Hitlerista) e outros se esforçaram para definir o rumo da arte que tendia para uma “modernidade comedida”, rejeitando tanto o realismo fotográfico quanto o avant-garde, promovendo o particularismo nacional e se aproximando das ideias que prevaleciam bem antes da Primeira Guerra Mundial e não somente na Alemanha. As semelhanças entre o gosto alemão e as inclinações artísticas na Europa fizeram com que o historiador francês Pierre Ayçoberry parafraseasse uma observação de 1943 de um socialista inglês, “Este país não é uma caricatura de nossos próprios países?”

Por exemplo, uma nova visão revelada pelas pesquisas históricas é o interesse de Hitler pela arquitetura, revelando que o ditador estava bem mais envolvido na parte de projeto e planejamento do que Albert Speer afirmou em suas memórias e entrevistas, tendo conhecimento e gosto sofisticados. O internacionalismo do estilo neoclássico tipicamente classificado como “nazista” e o entusiasmo de Hitler pelos estilos e filosofia do Bauhaus[3] (e, consequentemente, os esforços dessa escola para consagrar-se no regime) faz com que Hitler seja classificado como um verdadeiro “modernista” em relação aos planos e execução das vias expressas (autobahn).   

A música foi comprovadamente a mais evasiva das artes, quando formas de supervisionar seus modos diversos e generalizados de produção estavam além da capacidade do controle político ou policial. Mesmo assim, os nazistas promoveram os trabalhos de compositores alemães como Johann Sebastian Bach, Ludwig van Beethoven, Anton Bruckner e Richard Wagner, enquanto baniam a apresentação de obras de compositores não-arianos, como Felix Mendelssohn e Gustav Mahler. O regime também disseminou canções populares étnicas e marchas militares para encorajar a doutrinação ideológica. No entanto, um dos mitos duradouros sobre Hitler é sua paixão completa somente pelos trabalhos do compositor Richard Wagner, e as supostas ligações entre os enredos das óperas de Wagner e a política de Hitler, e a interferência deste último com assuntos artísticos em Bayreuth. Na verdade, as afirmações da inspiração de Hitler a partir de Wagner tiveram origem principalmente na cabeça dos intelectuais alemães exilados (Thomas Mann, Emil Ludwig e Theodor Adorno), que Hitler era muito mais arrebatado pelo drama altamente emotivo de Tristão e Isolda do que pelas mensagens patrióticas de Die Meistersinger, e que a relação íntima de Hitler com a família de Wagner e o patrocínio do festival de Bayreuth de fato tornou-o “a única instituição cultural no Terceiro Reich independente do controle nazista.” As atividades amadoras em música espalharam-se além das igrejas e escolas; a Hausmusik prosperava na privacidade do lar e a tecnologia tornou o consumo de música um assunto exclusivamente privado, fora do alcance dos censores. Mesmo assim, as atitudes de Hitler em relação à música eram totalmente liberais e ele procurou não impor restrições estéticas aos compositores.

Frequentemente esquecido como entretenimento escapista ou demonizado como manipulação de massa, o cinema popular no Terceiro Reich foi de fato mantido por convenções genéricas bem estabelecidas, tradições culturais, sensibilidades estéticas, práticas sociais e um altamente desenvolvido sistema de estrelato – não muito diferente de sua contraparte de Hollywood nos anos 1930. O uso do filme como um método de propaganda é uma ferramenta poderosa, e foi usada eficientemente pelos nazistas. Dos filmes claramente políticos que tinham objetivos claros até filmes sutilmente artísticos que escondiam a mensagem atrás do entretenimento, toda a gama de gêneros e estilos pode ser encontrada nos mais de 1.000 filmes produzidos pelo regime nazista.

Apesar da aparente adoração de Goebbels por Hitler, e sua concordância em relação aos ideais básicos de boa propaganda (isto é, ser simples e repetida), o Ministro da propaganda e seu Führer tinham opiniões variadas sobre os métodos de usar o filme como propaganda. Hitler acreditava qie a propaganda somente era útil se o partido fosse pequeno e fraco como uma forma de aumentar a popularidade e, portanto, o poder. No Minha Luta, por exemplo, ele diz, “Se a propaganda impregnou um povo inteiro com uma ideia, a organização pode determinar as consequências com um punhado de homens.” Goebbels, por outro lado, via o uso da propaganda como algo mais abrangente. Ao invés de apenas ganhar apoio inicial ao partido antes da tomada do poder, ela poderia ser usada para manter entusiasmo constante para a causa nazista durante os tempos de paz e de guerra e para aniquilar qualquer resistência ao criar uma massa popular de cidadãos leais, que poderiam delatar dissidentes. Em “O Triunfo da Vontade”, por exemplo, um filme que registra a reunião do partido em 1934 na cidade de Nuremberg, Goebbels afirma incisivamente, “Que a flama brilhante de nosso entusiasmo jamais se extinga. Ela sozinha dá luz e calor para a arte criativa da moderna propaganda política.”

O próprio Hitler estrelou o filme que exaltava sua grandeza. “O Triunfo da Vontade”, dirigido pela cineasta Leni Riefenstahl, era um documentário e não fez questão nenhuma de esconder sai mensagem por meio da arte. Mesmo assim, foi uma obra criativa. As imagens mostradas neste filme são inquestionavelmente o que pensamos da Alemanha nazista do pré-guerra atualmente. A parada de seguidores saudando Hitler enquanto ele está em seu carro, as reuniões em massa de pessoas gritando “Sieg Heil!” continuamente enquanto Hitler e líderes partidários discursam, as apresentações da Frente de Trabalho e da Juventude Hitlerista, as águias expostas de forma proeminente para lembrar a glória da Roma Imperial e, talvez a parte mais dramática, a passagem messiânica do avião de Hitler sobre os céus nublados de Nuremberg, deixam o espectador hipnotizado pelo Führer e pelo Reich. Hitler é apresentado exatamente como ele queria ser visto, e nenhum outro filme foi feito sobre ele mais tarde.

A superioridade do corpo ariano é exemplificado no filme Olympia, que retrata as Olimpíadas de Verão em Berlim em 1936.  Como o auge da competição atlética, os Jogos Olímpicos foram a oportunidade ideal para os nazistas finalmente apresentarem o quão superior a raça ariana eram em comparação com as outras raças do mundo, e num certo sentido eles conseguiram isso, já que a Alemanha ganhou  mais medalhas aquele ano do que qualquer outro país. O filme, dirigido por Riefenstahl, tem quatro horas de duração e levou dois anos para ser concluído, sendo dividido em duas partes: o Festival da Beleza e o Festival da Nação. Olympia é um filme longo que procura mostrar o físico alemão como perfeição. Hitler acreditava piamente que a tribo dórica[4] dos antigos gregos deve ter emigrado originalmente do norte germânico e é óbvio que seu objetivo era retornar àquela suposta perfeição. Em uma ocasião, ele viu uma nadadora atraente e disse “Que corpos esplêndidos podemos ver hoje. É somente no nosso século que os jovens podem novamente se aproximar dos ideais helenísticos através dos esportes.”

A retratação dos bolchevistas no filme nazista era muito inconstante. Até antes do pacto de não-agressão com a União Soviética ser assinado, os nazistas retratavam os bolchevistas como sub-humanos (Untermensch). Após a assinatura do tratado, os russos eram mostrados sob uma luz mais simpática em filmes como “O Chefe dos Correios” e “Bismarck”. Os filmes anticomunistas voltaram à moda quando Hitler invadiu a Rússia em 1941. Por outro lado, os britânicos eram outro inimigo/aliado que eram retratados de forma prolífica. Antes da Segunda Guerra Mundial, os britânicos eram geralmente lembrados com respeito. Após a Grã-Bretanha declarar guerra à Alemanha em 1939, a representação do inglês médio mudou drasticamente. O filme antibritânico/antissemita “As Ações dos Rothschilds em Waterloo” descrevia uma conspiração judaica e o mito da “plutocracia britânica”. Este mito explicava que os plutocratas capitalistas malvados controlavam a Grã-Bretanha nos bastidores, e que estes homens fracos e facilmente controláveis eram influenciados pela judiaria internacional. O filme fala a respeito de uma família judia com tradição bancária (os Rothschilds) que, na mente dos nazistas, estavam controlando o mundo através das finanças internacionais.

Um breve olhar sobre os exemplos mais infames da produção e administração cultural nazistas pode nos deixar com a impressão que, consistente com as concepções dos anos imediatos do pós-guerra, as artes no Terceiro Reich eram controladas rigorosamente pelo Estado, artistas tinham que subscrever os princípios da ideologia nazista, Hitler interferia constantemente nas questões culturais e quaisquer produtos artísticos do Terceiro Reich eram necessariamente deturpados e inferiores. Pesquisas recentes desde os anos 1990 mudaram radicalmente alguns desses pontos de vista e colocaram a cultura nazista num contexto mais apropriado. Apesar destes avanços e as décadas de debate histórico que desmascararam os velhos paradigmas, muitas presunções ainda se mantêm firmes nas discussões sobre arte e seus criadores. A persistência dessas presunções especialmente nas artes pode ser explicada por uma série de considerações: a necessidade da comunidade artística, assim como do público em geral, de acreditar que, exceto alguns oportunistas desprezíveis, os artistas eram seres moralmente superiores e não colaborariam com um regime bárbaro, exceto se fossem forçados; a necessidade de criar um modelo antinazista de vida artística e cultural que serviria como um padrão de sofisticação desde o fim da guerra; a necessidade de um grande número de exilados em mostrar aos países que os acolheram de que eles eram diferentes dos nazistas e, acima de tudo, a necessidade de acreditar que nem artistas e suas respectivas artes poderiam prosperar em uma atmosfera de crimes, racismo, degradação, militarismo e demagogia.
                  
Notas:

[1] Hagiografia é um tipo de biografia que consiste na descrição da vida de algum santo, beato e servos de Deus proclamados por algumas igrejas cristãs, sobretudo pela Igreja Católica, pela sua vida e pela prática de virtudes heróicas.

[2] Kitsch [quitch] é um termo de origem alemã usualmente é empregado nos estudos de estética para designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao consumo de massa.

[3] A Staatliches-Bauhaus foi uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda na Alemanha. A Bauhaus foi uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo no design e na arquitetura, sendo a primeira escola de design do mundo.

[4] Os dóricos (ou dórios) foram uma das três principais tribos em que os antigos gregos dividiam a si próprios, ao lado dos jônicos e eólicos. Os dóricos quase sempre são referenciados na literatura grega antiga apenas como "os dóricos"; a primeira menção feita a eles data da Odisseia onde eles são encontrados como habitantes da ilha de Creta. Os dóricos se distinguiam pelo seu dialeto dórico e por suas tradições sociais e históricas características. No século V a.C. os dóricos e os jônicos, representados respectivamente pelas cidades-Estado de Esparta e Atenas, eram as duas etnias mais importantes politicamente, e o conflito entre as duas levou à Guerra do Peloponeso.

Fontes:

Heskett , John . Art and Design in Nazi Germany. History Workshop, No. 6 (Outono, 1978), pp. 139-153.

Potter, Pamela M. The Arts in Nazi Germany: A Silent Debate. Contemporary European History, pp.585-599.

Goodell, Sean. Cinema as Propaganda during the Third Reich. Historia: the Alpha Rho Papers, pp. 143 – 164.


domingo, 28 de dezembro de 2014

O Mito da Tradição Judaico-Cristã

Adam Zagoria-Moffet


Nos Estados Unidos, é comum escutar referências frequentes e apaixonadas ao conceito de uma cultura, ética ou valores “judaico-cristãos”.  Qualquer resenha simplista da mídia americana demonstrará que o conceito é usado em ambos os lados do corredor proverbial – este ideal nebuloso judaico-cristão é evocado na defesa tanto da agenda liberal quanto da agenda conservadora de forma rotineira. Raramente esta fusão entre Judaísmo e Cristianismo parece ser questionada. Com muita frequência, ela é vendida como sendo representante do sistema de crenças dos fundadores da América (os quais eram, de fato, totalmente idiossincráticos em suas doutrinas religiosas). Apesar de sua onipresença no discurso político, acredito que o conceito da tradição judaico-cristã é bizarro, impreciso e, o mais importante, perigoso.

Vamos começar com o bizarro: apesar de o termo ter aparecido pela primeira vez em meados do século XIX, ele somente ganhou sua implicação atual – qual seja, de um sistema de valores e moral compartilhado – nos anos 1940. O presidente Eisenhower tornou o conceito um termo comum quando ele conectou-o com os “Pais Fundadores” em um discurso de 1952:

“Todos os homens são dotados pelo seu Criador.” Em outras palavras, nossa forma de governo não tem sentido a menos que ele seja fundamentado em uma fé religiosa profunda, e não me importo qual seja ela. Entre nós, é claro, é o conceito judaico-cristão, mas pode ser uma religião onde todos os homens sejam criados iguais.

Para o astuto estudioso de História, a declaração do presidente Eisenhower parece incrivelmente bizarra sob a ótica do equilíbrio das relações judaico-cristãs. Não há praticamente nenhum precedente qualquer para o Judaísmo e o Cristianismo compartilharem um núcleo comum de crenças, práticas ou moral. Além disso, há um bom argumento a ser feito que a fundação completa da Civilização Ocidental (que é mais ou menos contérmino com a Cristandade) é baseada em oposição ao Judaísmo e aos seus valores (por exemplo, o trabalho de David Nirenberg, “Antijudaísmo: a Tradição Ocidental”). A história excessiva da violência religiosa cristã contra os judeus, da Antiguidade até os tempos atuais, incluindo libelos de sangue, as Cruzadas, pogroms, expulsões e queima de livros, todos testemunham a rejeição altamente enraizada e ódio aos judeus pelos cristãos. Mesmo proeminentes pais da Igreja João Crisóstomo e Tertuliano[1] definiram o Cristianismo como a antítese do Judaísmo. O texto infame de Crisóstomo Adversus Judaeos contém a seguinte pérola:

“O povo judeu foi movido pelo seu alcoolismo e sua obesidade à maldade suprema; eles se esquivaram, eles falharam em aceitar o comando de Cristo nem eles aceitaram seguir Seus ensinamentos. Um profeta deu a entender isto quando ele disse: “Israel é tão obstinado e teimoso quanto uma novilha.” Apesar de tais bestas serem despreparadas para o trabalho, elas são preparadas para matar. E isto é o que acontece com os judeus: enquanto eles mesmos tornam-se despreparados para o trabalho, eles se preparam gradativamente para o massacre. Por este motivo Cristo disse: “Mas quanto a meus inimigos, que não querem ver-me reinando sobre eles, traga-os aqui e matem-nos diante de mim.” (Lucas 19:27) [2].

Lendo as declamações de Adversus Judaeos, é difícil de imaginar como qualquer um pode imaginar que possa haver uma concepção preexistente de uma visão judaico-cristã compartilhada do mundo. Além da natureza bizarra de tal afirmação, ela é também chocantemente imprecisa. O sistema de valores judaico-cristãos que os comentaristas políticos americanos adoram fazer referências não tem nenhum precedente na história (de fato, o extremo oposto), mas ele também não tem fundamento nos sistemas teológicos e éticos das duas Fés. Os defensores do uso do termo “judaico-cristão” como um adjetivo aceitável falham no núcleo de seu argumento – que o Judaísmo e o Cristianismo compartilham valores comuns – é essencialmente mentiroso.

É impossível comparar adequadamente dois sistemas teológicos extremamente desenvolvidos – nem mesmo em um trabalho de muitos volumes, imaginem em uma postagem de blog. Em nome da brevidade, simplesmente considere alguns princípios básicos de cada Fé. Lei, salvação, pós-vida, pecado, hierarquia, ritual, monoteísmo – mesmo crença, fé e prática – quase todo componente de uma autêntica prática cristã e uma autêntica prática judia diferirá em um modo elementar. Se desejarmos sermos precisos (o que deveria ser), simplesmente não tem nenhum sentido considerar Judaísmo e Cristianismo como compartilhando a mesma visão sobre Deus e o mundo.

Mais importante, o conceito de um sistema de valores judaico-cristãos é perigoso. Antes que se pense que os dias da teologia supersessionista passaram[3], a fascinação contemporânea com a fusão do Judaísmo e o Cristianismo pode ser entendida como uma continuação das primeiras tentativas supersessionistas. Stephen Feldman coloca bem a questão da seguinte forma:

“Para os cristãos, o conceito de uma tradição judaico-cristã sugere confortavelmente que o Judaísmo progride em direção do Cristianismo – que o Judaísmo está de alguma forma completado no Cristianismo. O conceito de uma tradição judaico-cristã flui da teologia cristã da supersessão, onde a Aliança Cristã (ou Testamento) com Deus substitui a Aliança com o povo judeu. A Cristandade, de acordo com este mito, reforma e substitui o Judaísmo. O mito portanto implica, primeiro, que o Judaísmo precisa de reforma e substituição, e segundo, que o judaísmo moderno permanece simplesmente como uma ‘relíquia’. Mais importante ainda, o mito da tradição judaico-cristã obscurece insidiosamente as diferenças reais e significativas entre Judaísmo e Cristianismo.”

Fundir Judaísmo com Cristianismo no modo que vemos hoje na América é simplesmente o meio polêmico de eliminar o Judaísmo e definir o mundo ocidental como aquele que conquistou o Judaísmo.

Mesmo que fossemos da opinião que é produtivo e sábio falar a respeito de uma cultura interreligiosa  compartilhada, ela não seria definitivamente Cristã ou Judia. Onde tal coisa fosse um conceito útil, a única encarnação potencialmente precisa, seria uma cultura judaico-mulçumana. O Islã e o Judaísmo na verdade compartilham conceitos básicos sobre lei, comportamento, fé, natureza de Deus, obrigações das pessoas, governança da sociedade, etc. Há algumas exceções notáveis para suas tradições surpreendentemente semelhantes, mas no geral sua moral, ética e valores são consideravelmente mais semelhantes do que diferentes. E elas são certamente mais semelhantes entre si do que em relação ao Cristianismo. Mesmo Slavoj Zizek em “Uma Olhada nos Arquivos do Islã” escreve:

Falamos geralmente de uma Civilização Judaico-Cristã – talvez, já chegou a hora, especialmente em virtude do conflito no Oriente Médio, de falar de uma civilização Judaico-Mulçumana como um eixo de oposição à Cristandade.

No final, nenhuma tentativa de tratar duas culturas diferentes como uma única é produtiva ou prática – mas se o fizermos há poucos motivos (exceto do supersessionismo e antijudaísmo) de tentar fundir Cristianismo e Judaísmo. Quando falamos de uma civilização judaico-cristã, diminuímos e colocamos em risco tanto o Judaísmo quanto o Cristianismo, e não fazemos nenhum favor a elas ao continuar acreditando em tal ideia.

Notas:

[1] João Crisóstomo (c. 347 - c. 407), Patriarca de Constantinopla, é conhecido como um pregador, teólogo e liturgista. João é conhecido por ser contra o abuso da riqueza, pela defesa do auxílio aos pobres, pela veneração e sua relação com o Papa Inocêncio I é um exemplo do primado papal. Quinto Setímio Florente Tertuliano (em latim: Quintus Septimius Florens Tertullianus; c. 160 - c. 225), se converteu ao cristianismo antes de 197, foi um escritor prolífico de apologética, obras teológicas e ascéticas. Ele era filho de um centurião romano. Tertuliano era um advogado em Roma.

[2] O verso é parte de uma parábola que Jesus ensinou. A parábola parecia querer ensinar sobre o Julgamento de Deus nesta questão. Ela não sugere que o governo dos homens deveria sequer seguir este caminho.  Jesus apenas usa o que poderia e frequentemente acontecia para ilustrar um aspecto do governo supremo de Deus. Ver Lucas, Capítulo 19, versículos 11 a 27.

[3] A teologia da substituição (também conhecida como supersessionismo) essencialmente ensina que a Igreja substituiu Israel no plano de Deus. Os aderentes à teologia de substituição acreditam que os judeus não sejam mais o povo escolhido de Deus e que Deus não tenha planos futuros específicos para a nação de Israel. Todas as opiniões diferentes do relacionamento entre a Igreja e Israel podem ser divididas em duas áreas: ou a Igreja é a continuação de Israel (Teologia da Substituição / Teologia do Pacto), ou a Igreja é completamente diferente e distinta de Israel (Dispensacionalismo / Pré-milenismo).

http://www.stateofformation.org/2014/04/the-myth-of-a-judeo-christian-tradition/

O Zelo dos Cristãos

Edward Gibbon

Extraído do livro "Os Cristãos e a Queda de Roma" (Capítulos 15 e 16 de Declínio e Queda do Império Romano, 1778).

"Já tivemos ocasião de descrever a harmonia religiosa do mundo antigo e a facilidade com que as nações mais diversas, e mesmo hostis, abraçavam, ou pelo menos respeitavam, as superstições umas das outras. Um só povo se recusou a partilhar desse intercãmbio comum da humanidade. Os judeus, que durante as monarquias assíria e persa haviam definhado por longo tempo na condição de seus mais desprezíveis escravos, emergiram da obscuridade sob os sucessores de Alexandre... A casmurra obstinação com que mantinham seus ritos peculiares e suas maneiras antissociais parecia assinalá-los como uma espécie diferente de homens, que audazmente professavam ou que mal escondiam sua implacável aversão ao resto da humanidade... Embora a lei lhes tivesse sido dada entre trovões no monte Sinai, e as marés do oceano e o curso dos planetas se suspendessem para a conveniência dos israelitas, e castigos e recompensas temporais fossem consequências imediatas de sua piedade ou desobediência, eles voltavam sempre a rebelar-se contra a majestade visível de seu Rei Divino...

A religião judaica se adequava admiravelmente à defesa, mas nunca à conquista; e é provvável que o número de seus prosélitos nunca tivesse sido muito superior ao dos seus apóstatas... A conquista de Canaã se fez acompanhar de tantos acontecimentos prodigiosos e de tantas circunstâncias sangrentas que os judeus vitoriosos foram deixados num estado de irreconciliável hostilidade com todos os seus vizinhos... A religião de Moisés parece ter sido instituída para um território determinado, assim como para uma única nação... Suas peculiares regras relativas a dias, alimentos e variegadas observãncias, triviais mas trabalhosas, constituíam motivos de fastio e aversão para as demais nações, a cujos hábitos e predisposições elas se opunham diametralmente. por si só, o doloroso e até perigoso rito da circuncisão era capaz de fazer um prosélito voltar da porta da sinagoga.


Nessas circunstâncias, o cristianismo se oferecia ao mundo armado da força da lei mosaica e liberto do peso das suas cadeias... Admitia-se a divina autoridade de Moisés e dos profetas, inclusive como a mais firme base da cristandade... À lei cerimonial, que consistia apenas em símbolos e figuras, sucedeu um culto espiritual e puro igualmente adaptado a todos os climas e a todas as condições humanas; a iniciação pelo sangue foi substituída pela inofensiva iniicação pela água. A promessa do favor divino, em vez de confinar-se facciosamente à posteridade de Abraão, estendeu-se universalmente ao liberto e ao escravo, ao grego e ao bárbaro, ao judeu e ao gentio."

domingo, 21 de dezembro de 2014

[POL] Animais no Terceiro Reich: Política de Proteção e Holocausto

Emerson Paubel


Os historiadores têm sido mais relutantes em estudar a legislação de proteção animal nazista do que a ciência no Terceiro Reich. Ela foi primeiro examinada no trabalho de Boria Sax e Arluke, “Compreendendo a Protação Animal Nazista e o Holocausto,” em 1992 na Anthrozoos, o periódico  da Sociedade Internacional de Antrozoologia (ISAZ). A ISAZ é uma organização acadêmica dedicada ao estudo da relação humano/animal. O ensaio resultou em controvérsia e acusação, a mais perturbadora das quais sendo a acusação de que os autores estavam banalizando o que é visto geralmente como o centro da atividade nazista – o Holocausto e a tentativa de extermínio dos judeus europeus e outros não-arianos sob o pretexto da pureza racial e a limpeza étnica e racial – pelo foco em animais não-humanos. Como  Sax concluí em “Animais no Terceiro Reich”:

O fato de os nazistas terem sido capazes de criar uma legislação humanista era uma ideia tão desconcertante que mesmo o estilo acadêmico destacado de nosso trabalho não pôde torná-lo aceitável a muitas pessoas. O tópico dos animais, como o do próprio Holocausto, evoca paixões de grande intensidade e confusão.

O termo “ecologia” foi originalmente criado nos anos 1860 pelo biólogo alemão Ernst Haeckel e “em 1934, a Alemanha tornou-se a primeira nação na era moderna a colocar o lobo sob proteção.” Tão exemplares e eficientes foram a gestão florestal nazista e o programa da “protação natural” (Naturschultz) que em 1935, Aldo Leopold (professor e cientista americano especialista em meio ambiente) foi à Alemanha para estudar seus métodos e políticas. A Sociedade da Vida Selvagem de Leopold e a “ética da terra” refletem “em parte... o exemplo germânico”. Como ele, os nazistas viam a terra não como um commodity mas como uma comunidade para a qual humanos, como todas as outras criaturas, pertencem.

Na verdade, no ensaio assim como neste estudo, Sax faz duas afirmações. Primeiro, “que os nazistas, quaisquer que fossem seus motivos, estavam certos em muito de sua legislação animal. Eles estavam certos também em protegem os predadores como o lobo.” E segundo, que uma compreensão da natureza complexa e paradoxal das relações dos nazistas com os animais dá uma noção no que aconteceu com humanos durante o regime nazista assim como nossa própria relação com animais e humanos.

Ao final do século XIX, a prática kosher[1] e a vivisseção[2] eram as maiores preocupações em relação à proteção animal na Alemanha. Estas preocupações continuaram entre os nazistas. De acordo com  Sax, os nazistas rejeitaram motivos antropocêntricos para a proteção animal – os animais não deveriam ser protegidos para interesses humanos – mas para eles próprios. Em 1927, um representante nazista do Reichstag pediu ações contra a crueldade em animais na prática kosher.

Em 1931, o partido nazista propôs um banimento da vivisseção. No início de 1933, representantes do partido nazista no parlamento  prussiano realizaram uma reunião para oficializar esse banimento. Em 21 de abril de 1933, quase imediatamente após a chegada ao poder dos nazistas, o parlamento começou a aprovar leis para a regulação do sacrifício animal. No mesmo dia, ela foi aprovada. Em 24 de abril, um Decreto do Ministro Prussiano do Interior foi promulgado referente ao sacrifício de poiquilotérmicos[3]. A Alemanha foi a primeira nação a banir oficialmente a vivisseção. Uma lei impondo o banimento total dessa prática foi promulgada em 16 de agosto de 1933 por Hermann Göring, enquanto Primeiro-Ministro da Prússia. Ele anunciou um fim para a “tortura e sofrimento insuportáveis na experimentação animal” e disse que aqueles que “ainda pensam que podem continuar a tratar os animais como propriedade não-viva” serão enviados a campos de concentração. As leis contra vivisseção eram, contudo, usadas como pretexto para perseguir cientistas judeus.

Em 24 de novembro de 1933, a Alemanha Nazista promulgou outra lei chamada “Ato de Proteção Animal no Reich” (Reichstierschutzgesetz ), para proteção deanimais. Esta lei listava muitas proibições contra o uso de animais, incluindo seu uso na indústria cinematográfica e outros eventos públicos que causassem dor ou ferimentos, alimentação forçada de aves e a extração das coxas de rãs vivas.

Em 23 de fevereiro de 1934, um decreto foi promulgado pelo Ministro Prussiano do Comércio e Emprego que introduzia a educação das leis de proteção animal ao nível fundamental, médio e universitário. Em 3 de julho de 1934, a Lei de Caça do Reich (Das Reichsjagdgesetz ) foi promulgada limitando a caça esportiva. Em 1º. De julho de 1935, outra lei, o “Ato de Conservação da Natureza do Reich” (Reichsnaturschutzgesetz ) foi aprovada para proteger a natureza. De acordo com um artigo publicado na Kaltio, uma das principais revistas culturais da Finlândia, a Alemanha Nazista era a primeira nação do mundo a colocar o lobo sob proteção.

Em 1934, a Alemanha Nazista patrocinou uma conferência mundial sobre proteção animal em Berlim. Em 27 de março de 1936, um decreto sobre sacrifício de peixes vivos e outros poiquilotérmicos foi promulgada. Em 18 de março do mesmo ano, um decreto foi aprovado sobre reflorestamento e proteção da vida selvagem. Em 9 de setembro de 1937, um decreto foi publicado pelo Ministro do Interior que especificava orientações para o transporte de animais. Em 1938, a proteção animal foi aceita como assunto a ser ensinado nas escolas públicas e universidades da Alemanha.

Em 1940, uma discussão foi iniciada dentro da administração sobre proibir animais de estimação, no sentido de conservar alimentos para consumo humano em virtude da guerra. Mas a interferência pessoal de Hitler não levou adiante essa proposta. Eventualmente, um decreto foi publicado pela administração contra os animais de estimação, mas somente aqueles que estivessem sob controle de cidadãos não-arianos. Em 15 de fevereiro de 1942, um decreto foi publicado proibindo os judeus de manter animais de estimação.
     
O cão conhecido hoje como Pastor Alemão desenvolveu-se no começo do século XX para reintroduzir o que se acreditava ser “o cão original alemão”. Pretendia-se que ele incorporasse as virtudes do povo alemão, e “antecipasse as tentativas nazistas de selecionar humanos de volta ao estoque genético ariano original.” Ao enfatizar sua “descendência lupina”, os geneticistas quiseram criar não um animal de estimação, mas um animal cujos instintos predatórios serviriam ao Estado na questão militar e, como acabou acontecendo, seu uso nos campos de concentração. Assim foi que os nazistas criaram seus conceitos de pureza racial a partir dos ideais dos programas de melhoramento genético de animais, de modo que Sax, assim como provavelmente seus leitores, reconhecem o potencial para abuso nos atuais programas de melhoramento genético, talvez especialmente aqueles envolvendo manipulação de DNA ou mistura de genes de espécies diferentes. Como alerta Sax, “as forças em nossa cultura que uma vez produziram... a higiene racial nazista poderiam, se não as vigiarmos, novamente produzir os mesmos desenvolvimentos.” Para reforçar este ponto, Sax lembra seus leitores que o eminente biólogo Francis Crick (que ganhou o Prêmio Nobel em 1962 por sua descoberta conjunta com James Watson da estrutura molecular do DNA) uma vez propôs “que todas as pessoas estejam sujeitas a esterilização reversível através de produtos químicos... colocados na comida, deixando às Autoridades... liberar aqueles que sejam considerados geneticamente ótimos para tomar um antídoto e ter crianças.”

Boria Sax argumenta em seu livro que os nazistas manipularam atitudes em relação à proteção animal para se adaptarem ao seu próprio sistema simbólico. Presumivelmente, ao igualar o Partido Nazista à Natureza, os nazistas reduziram preocupações  éticas a questões biológicas. Consequentemente, animais predadores eram frequentemente honrados junto com suas contrapartes humanas, isto é, líderes e funcionários do NSDAP, e os adversários eram identificados como ovelhas destinadas a serem mortas.   

Notas

[1] Na prática kosher judaica, a carne bovina passa por um processo de retirada do sangue – isto é, o animal é sangrado até morrer através de um corte em sua garganta - onde as peças (quartos dianteiros) são imergidas em água gelada, retiradas para serem salgadas com sal grosso e, após isso, são imergidas novamente em água gelada para retirar totalmente o excesso de sal.

[2] A vivissecção é o ato de dissecar um animal vivo com o propósito de realizar estudos de natureza anatomo-fisiológica. No seu sentido mais genérico, define-se como uma intervenção invasiva num organismo vivo, com motivações científico-pedagógicas.

[3] Poiquilotermia: Variação passiva da temperatura interna do corpo de um animal de acordo com a temperatura do meio ambiente que o rodeia. Com exceção das aves e mamíferos, todos os animais são poiquilotérmicos. Nas zonas de clima quente, os poiquilotérmicos podem entrar em letargo para escapar ao calor.



Lei de Proteção Animal de 1933:


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sábado, 20 de dezembro de 2014

[SGM] Oito coisas que você pode não saber sobre a Batalha das Ardenas

History, 16/12/2014


Em 16 de dezembro de 1944, Adolf Hitler lançou um contrataque audacioso contra as forças aliadas na floresta gelada das Ardenas, no sudoeste da Bélgica e Luxemburgo. Na subsequente Batalha do Bulge – assim chamada por causa da saliência (bulge) de quase 80 km que o exército alemão deixou nas linhas aliadas – os defensores americanos das Ardenas foram pegos de calças na mão quando 250.000 soldados alemães e centenas de tanques caíram sobre suas posições. Uma falta de recursos e resistência tenaz americana eventualmente interromperam o avanço alemão, mas não antes que 80.000 soldados americanos fossem mortos, capturados ou feridos – mais do que em qualquer batalha da história americana. Setenta anos depois do início do último suspiro da Alemanha Nazista na Batalha do Bulge, saiba oito fatos surpreendentes sobre a luta que Winston Churchill chamou de “indubitavelmente a maior batalha americana” da Segunda Guerra Mundial.

1 – Os Generais de Hitler aconselharam contra o ataque

Muitos historiadores argumentam que o ataque nazista nas Ardenas falhou mesmo antes de começar, e parece que muitos dos oficiais mais leais de Adolf Hitler também teriam concordado. O plano proposto por Hitler (Chamado “Operação Vigilância sobre o Reno”) baseava-se em um cronograma ambicioso que exigia que seus comandantes avançassem sobre as linhas aliadas através do Rio Meuse no intervalo de apenas poucos dias antes de tomar o porto vital da Antuérpia. Os marechais Gerd Von Rundstedt e Walther Model alertaram a respeito da impossibilidade de tal cronograma, e ambos mais tarde ofereceram muitos protestos escritos e estratégias alternativas, porém sem resposta. Pouco antes do ataque começar, Model confidenciou a subordinados que o plano de Hitler “não tem uma única maldita perna onde possa se sustentar” e “não tem mais do que dez por cento de chance de ser bem sucedido”.

2 – Os Aliados ignoraram muitos sinais de alerta de uma ofensiva

Os ganhos iniciais alemães na Batalha do Bulge foram largamente devidos à surpresa do próprio ataque. Os comandantes aliados frequentemente confiavam na inteligência fornecida pelo “Ultra”, uma unidade britânica que decifrava as transmissões de rádio nazistas, mas os alemães operavam sob um véu de segredo e tipicamente se comunicavam por telefone quando dentro de suas fronteiras. Alguns comandantes americanos também dispensaram relatórios de aumento de atividade alemã próxima das Ardenas, enquanto outros ignoraram prisioneiros inimigos que afirmavam que um grande ataque estava em andamento. Muitos desde então afirmam que os aliados ficaram cegos por seus recentes sucessos no campo de batalha – eles haviam posto os alemães na defensiva desde o Dia-D – mas o alto comando americano também considerou o terreno inapropriado das Ardenas como um sítio improvável para um contrataque. Consequentemente, quando a ofensiva alemã finalmente começou, a região estava fracamente defendida por umas poucas inexperientes e cansadas divisões americanas.

3 – Uma péssima conexão telefônica ajudou a levar a catástrofe para uma Divisão americana

Poucas unidades americanas na Batalha do Bulge sentiram a força do avanço alemão mais severamente do que a 106ª. Divisão Golden Lions. A maior parte da tropa inexperiente chegou às Ardenas em 11 de dezembro e recebeu ordens de cobrir uma grande seção da linha americana em um terreno rugoso conhecido como Schnee Eifel. Logo após o ataque alemão começar, o comandante da 106ª., General de Divisão Alan W. Jones, começou a se preocupar que os flancos de seus 422º. e 423º. Regimentos estavam muito expostos. Ele ligou para o General de Corpo Troy Middleton para pedir que elas se retirassem, mas a linha estava mal e Jones desligou o telefone acreditando incorretamente que Middleton ordenou-lhe para manter suas tropas em posição. Os alemães logo cercaram os dois regimentos e os isolaram de receber qualquer ajuda. Pouca munição e sob pesado ataque de artilharia obrigaram que 6.500 soldados americanos se rendessem em uma das maiores rendições das tropas americanas na Segunda Guerra Mundial. Após a derrota, um perturbado General Jones exclamou, “Perdi uma divisão mais rápido do que qualquer outro comandante no Exército americano.”

4 – Soldados alemães usaram uniformes americanos roubados para entrar nas linhas aliadas

Durante os primeiros estágios da Batalha do Bulge, Hitler ordenou ao comandante austríaco da Waffen-SS, Otto Skorzeny, para montar um exército de impostores para uma missão ultrassecreta conhecida como Operação Greif. Em um ardil agora famoso, Skorzeny adaptou soldados alemães que falavam inglês com armas, jeeps e uniformes americanos capturados e os lançou atrás das linhas americanas como verdadeiros G.I.s (n. do t.: infante americano). Os embusteiros alemães cortaram linhas de comunicação, trocaram sinais rodoviários e cometeram outros atos pequenos de sabotagem, mas eles foram mais bem sucedidos ao espalhar confusão e terror. Quando foi espalhada a informação que comandos alemães estavam disfarçados de americanos, os G.I.s estabeleceram pontos de verificação e começaram a averiguar a “autenticidade” do transeunte a partir de conhecimentos da cultura americana. Apesar de terem conseguido capturar uns poucos alemães, os bloqueios frequentemente produziam resultados bizarros. Soldados superzelosos atiraram nos pneus do veículo do Marechal Bernard Montgomery e um G.I. chegou a deter por alguns instantes o general Omar Bradley após ele responder que a capital de Illinois era Springfield (o soldado acreditava incorretamente que era Chicago).

5 – As tropas americanas montaram uma defesa famosa na cidade de Bastogne

A ofensiva alemã em direção do Rio Meuse dependia parcialmente da captura de Bastogne, uma pequena cidade belga que servia como junção rodoviária vital. A área foi cena de uma luta frenética durante os primeiros dias da batalha, e em 21 de dezembro, as forças alemãs cercaram a cidade e encurralaram a 101ª.Divisão Aerotransportada Americana e outros. Apesar de estarem severamente em desvantagem numérica, os defensores da cidade responderam com tenacidade. “Eles nos cercaram – pobres coitados!” tornou-se um lema entre os G.I.s da cidade, e quando os alemães mais tarde exigiram que o general Anthony McAuliffe se rendesse, ele ofereceu uma resposta curta: “Loucos!” A 101ª. Divisão continuaria a manter Bastogne até o Natal, sofrendo severas baixas. O cerco finalmente terminou em 26 de dezembro, quando o 3º. Exército do general Patton avançou sobre as linhas alemãs e tirou a pressão sobre a cidade.

6 – Pela Primeira vez na SGM o Exército americano foi dessegregado

As forças armadas americanas não acabaram com a segregação racial oficialmente até 1948, mas a situação desesperadora dos Aliados durante a Batalha do Bulge inspirou-as a recorrer à ajuda de G.I.s negros em mais de uma ocasião. Cerca de 2.500 soldados negros participaram da ação, com muitos lutando lado a lado com seus colegas brancos. Os batalhões 333º. e 969º compostos totalmente por negros sofreram perdas pesadas ao ajudar a 101a. Aerotransportada na defesa de Bastogne, e o 969º. Recebeu mais tarde uma Citação de Distinção de Unidade – a primeira concedida a uma formação composta por negros. Em todos os lugares do campo de batalha, soldados da 578ª. Artilharia empunhram fuzis para apoiar a 106ª. Divisão Golden Lions e uma formação chamada de 761º. “Panteras Negras” tornou-se a primeira unidade blindada a entrar em combate sob o comando do general George S. Patton. À medida que o combate progredia, os generais Dwight D. Eisenhower e John C.H. Lee contaram com soldados negros para cobrir as baixas aliadas no front. Milhares haviam se apresentado como voluntários na época que o conflito terminou.

7 – Inclemência do clima teve um papel principal no resultado da batalha

Além de encarar o tiro inimigo e bombardeio, as tropas na Batalha do Bulge também tiveram que enfrentar o clima inclemente das Ardenas. Os nazistas tiveram que segurar sua ofensiva até que a densa neblina e neve chegaram e mantiveram no solo o apoio aéreo superior dos Aliados, deixando ambos os lados expostos a condições quase polares. “O clima foi uma arma que o exército alemão usou com sucesso,” notou mais tarde o marechal Von Rundstedt. Enquanto a batalha transcorria, nevascas e chuva congelante frequentemente reduziam a visibilidade a quase zero. O gelo cobriu muito dos equipamentos dos soldados, e tanques tinham que ser limpos do gelo após congelarem durante a noite. Muitos soldados feridos morreram congelados antes que pudessem ser resgatados, e milhares de G.I.s sofreram ulcerações e pés congelados. Os céus finalmente limparam a favor dos aliados em 23 de dezembro, quando condições climáticas favoráveis permitiram às aeronaves erguerem voo. O subsequente ataque aéreo quebrou o avanço alemão.

No mapa, as linhas vermelhas mostram o objetivo original das forças alemãs, e a linha laranja o avanço real conseguido.

 8 – Escassez de combustível ajudou a frustrar a ofensiva alemã

Os temidos tanques Panzer e Tiger do Terceiro Reich “bebiam” muito combustível e, no final de 1944, a poderosa máquina de guerra alemã estava tendo dificuldades em conseguir combustível para mantê-los rodando. Os nazistas reservaram 5 milhões de galões para a Batalha do Bulge, mas uma vez iniciadas as operações de combate, péssimas condições rodoviárias e erros logísticos garantiram que muito do combustível jamais alcançasse aqueles que precisavam dele. As divisões de infantaria alemã acabaram utilizando cerca de 50.000 cavalos para transporte nas Ardenas, e o alto comando nazista construiu seus planos de batalha capturando depósitos de combustível americano durante seu avanço.  As forças aliadas evacuaram ou queimaram milhões de galões de combustível para prevenir que caísse nas mãos do inimigo, contudo, e pelo Natal, muitas unidades blindadas alemãs estavam parando. Sem meios de continuar o avanço através do Rio Meuse, o contrataque logo falhou. Em meados de janeiro de 1945, os Aliados conseguiram eliminar o “Bulge” em suas linhas e empurraram os alemães de volta para suas posições originais.

[ARM] Nakajima B5N “Kate”: Simplesmente o mais rápido de todos

Andrews Claudino


O “Kate”, como era conhecido em combate, era um bombardeiro transportador de torpedos da Marinha Imperial Japonesa. Era a aeronave principal utilizada pelo japoneses para atender à necessidade de defender seus mares, tendo feito parte também de toda a Segunda Guerra.

O B5N foi projetado por uma equipe liderada por Katsuji Nakamura, em resposta a uma exigência da Marinha em 1935, que necessitava de um bombardeiro torpedeiro para substituir o Yokosuka B4Y, internamente designado como Type K pela Nakajima. Em 1937, o primeiro protótipo foi ordenado em produção. Em seguida, a aeronave saiu designada como Type 97 Carrier Attack Bomber (ou então como: kyū-nana-shiki kanjō kōgeki-ki).

É um bombardeiro muito manobrável e bem rápido, podendo chegar até 378 km/h. Ele pode chegar a até 27.000 pés, e possui uma metralhadora Turret 7,62 Tipo 92, com capacidade para 1.000 tiros. Pode-se escolher entre 6 bombas de 50 kg, 2 bombas de 250 kg, uma bomba de 1.000 kg, um torpedo de 835 kg ou um torpedo 849 kg.

Assim que saíram da linha de produção, os primeiros B5N já foram designados para combater pela primeira vez na Guerra Sino-Japonesa, onde a experiência de combate revelou várias deficiências no B5N1, que foi o modelo da primeira produção. A pior parte disso é que sua fraqueza era a falta de proteção para a tripulação e os tanques de combustível.

A Marinha relutou em adicionar peso extra na aeronave para aumentar a blindagem, pois isso a faria perder o alto desempenho que oferecia. Então, resolveu aguardar uma versão mais potente da fabricante. O B5N2, que não demorou muito pra sair, mostrou-se com um motor muito mais potente. Várias modificações foram feitas para aumentar o seu desempenho.

Embora essas modificações fizessem com que seu desempenho fosse somente um pouco melhor, suas fraquezas foram sanadas. A versão N2 logo substituiu a N1, na produção e em serviço no campo de batalha a partir de 1939. Desde o primeiro exemplar, continuou sendo o bombardeiro mais rápido para a época.

O B5N2 foi designado para fazer parte do ataque de Pearl Harbor. Essas aeronaves foram transportadas pelo porta-aviões Hiryu, de onde decolaram e conseguiram afundar com sucesso o encouraçado Arizona. Durante a primeira hora do ataque, cinco torpedeiros foram abatidos.

O B5N serviu como base de projeto para o seu sucessor, o B6N, que já estava bem atrasado para a substituição do B5N na linha de frente. Por outro lado, o B5N continuou a voar e realizar missões secundárias, como missões anti-submarinos, além de servir como rebocador de alvos e mais algumas outras atribuições. Alguns dos B5N utilizados para estas finalidades foram equipados com os primeiros radares e detectores de anomalias magnéticas. Após sofrer perdas severas, os que restaram também foram utilizados pelos kamikazes.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ISIS – Combatendo os modernos Uaabistas[1]

Eric Margolis, 22/11/2014


Sir John Baggot Glubb, melhor conhecido como Glubb Pasha, foi uma das figuras mais ecléticas e românticas do Oriente Médio moderno. Ele e o “Chinês” Gordon de Khartoum foram os últimos grandes oficiais imperiais britânicos.

Apoiado pela Grã-Bretanha em seu protetorado, o Reino Hachemita do Jordão, Glubb transformou seu pequeno exército beduíno, a Legião Árabe, na melhor força militar do mundo árabe.

A Legião Árabe de Glubb teria provavelmente derrotado as forças de Israel na Guerra Árabe-Israelense em 1948 se a Grã-Bretanha e o falso Rei Abdullah não tivessem impedido o avanço da Legião, como Glubb Pasha amargamente lembrou em suas memórias.

Quando perguntado quais de suas medalhas e condecorações ele gostava mais, Glubb respondeu surpreendentemente, “Defensor dos Pastores do Iraque”. Esta condecoração obscura foi dada a Glubb pelo Rei do Iraque quando Sir John comandou a força policial de fronteira do Iraque nos anos 1930.

Glubb Pasha e seus homens travaram uma longa campanha contra os Ikhwan da Arábia Saudita. Os Ikhwan (Irmandade) eram um amontoado de membros fanáticos de tribos sauditas que seguiam o credo puritano do Uaabismo. Eles viam todos os mulçumanos não-uaabistas como infiéis (kufr), merecedores de serem roubados ou mortos. Mesmo o Rei da Arábia Saudita falhou em controlar os vândalos Ikhwan.

Oito décadas depois, os Ikhwan estão de volta, desta vez com armas pesadas. Ao invés de camelos e cavalos, seus homens estão dirigindo Land Cruisers da Toyota e Humvees americanos capturados do exército amador do Iraque. Os Ikhwan na Síria e Iraque agora se autodenominam “Estado Islâmico”.

Não há nada de islâmico no Estado Islâmico, ou ISIS. Ele não é um Estado. O que estamos vendo é o recrudescimento do movimento fanático Uaabista da Arábia Saudita combinado com uma forma moderna de anarquismo violento árabe e niilismo abraçado por jovens amargurados e marginalizados do oriente Médio e Europa que têm muita testosterona, pouco bom senso e um profundo ódio de ser discriminado na Europa. Eles são os “descamisados” esquecidos da Europa entre os quais o desemprego está acima de 60% e sofrem uma epidemia de tráfico de drogas.

O ISIS é também resultado dos equívocos dos Impérios ocidentais no Oriente Médio. O grupo fanático foi criado e armado na Jordânia pela CIA, pela inteligência turca, britânica, e francesa e financiada pela Arábia Saudita.

O ISIS, no pensamento de Washington, deveria ser composto de “moderados”, uma força temporária e facilmente controlável para derrubar o governo da Síria, que foi condenado à morte pelas potências ocidentais por se recusar a se voltar contra seu aliado Irã.

Assim como aconteceu no passado, os saudistas resolveram usar militantes, neste caso o ISIS, como ferramenta para disseminar a revolução longe de suas fronteiras. A contribuição dos saudistas ao ISIS foi em armas, dinheiro e fanatismo uaabista. Ironicamente, enquanto o mundo assistia com horror as decapitações do ISIS, os patrões saudistas decapitavam 27 prisioneiros ao mesmo tempo – sem qualquer menção por parte da mídia ocidental.

Mas o ISIS Frankenstein logo saiu de controle e se voltou contra seus criadores.

O próximo passo neste desastre foi aumentar ainda mais o abismo que existe entre sunitas e xiitas. Logo após invadir o Iraque em 2003, os EUA, na melhor política imperial do dividir para conquistar, fez uma aliança com a maioria xiita contra a minoria sunita da nação. A estratégia de usar xiitas contra sunitas foi altamente bem sucedida em manter o controle americano no Iraque. Washington chegou mesmo a se alinhar discretamente com Teerã em relação ao Iraque.

Os esquadrões da morte xiitas foram liberados nas regiões sunitas; torturadores xiitas usaram choques elétricos e ácido para obrigar prisioneiros sunistas a falar e quebrar a resistência antiamericana. Os EUA financiaram e apoiaram essa guerra suja, usando técnicas aperfeiçoadas nas guerras civis da América Central. Israel forneceu muitos conselhos úteis.
Colocar xiitas contra sunistas “estabilizou” o Iraque, mas intensificou as tensões perigosas através do mundo mulçumano até o leste do Paquistão. A longa guerra por procuração entre saudistas e iranianos se intensificou.

Como o ódio religioso estava sendo ventilado, fora das entranhas do Oriente Médio apareceu o feroz ISIS bradando estar conduzindo a jihad contra os “descrentes” e “apóstatas” xiitas, entre os quais o regime alauita de Assad na Síria. O ISIS tornou-se a arma de escolha da Arábia Saudita. Mas então o ISIS desbancou o regime instalado pelos EUA no Iraque e converteu seus soldados de brinquedo.

O ódio e a fúria do mundo árabe foram lançados neste caldeirão de feiticeira, um mundo que foi invadido, bombardeado e explorado pelas potências coloniais por um século. Os EUA cometeram atos de guerra contra pelo menos dez nações mulçumanas em nossa era, matando número incontável de pessoas e impondo tiranos cruéis como marionetes, tudo sob a bandeira da luta contra o “terrorismo”.

Pode haver qualquer dúvida que a sede por vingança é intensa? Estes são filhos da fracassada “Primavera Árabe” que foi deformada e morreu graças à contrarrevolução empreendida pelos saudistas e ocidentais. Eles são os primos dos terroristas do 11/9 – cuja maioria veio da Arábia Saudita.

O ISIS usa o idioma do Islã, mas é uma máfia sedenta de sangue de jovens raivosos que compreendem pouco sobre o Islã. Sua brutalidade estúpida está despertando intensa islamofobia em todos os lugares.

Curiosamente, há um antigo ditado mulçumano alertando para a vinda de homens perigosos com bandeiras negras, nomes geográficos falsos e cabelos longos.

Eles aparentemente chegaram. Agora, é a vez do mundo mulçumano, e não estrangeiros, erradicar esta praga letal de um punhado de cruzados.

Nota:

[1] Wahhabismo ou uaabismo é um movimento religioso ou seita do islamismo sunita geralmente descrito como "ortodoxo", "ultraconservador", "extremista", "austero", "fundamentalista", "puritano", "movimento de reforma" islâmico para restaurar o "culto monoteísta puro", ou "movimento pseudossunita extremista". Os adeptos muitas vezes opõem-se ao termo wahhabismo por considerá-lo pejorativo e preferem ser chamados de salafistas ou muwahhid. O movimento tem o nome inspirado em um pregador e estudioso do século XVIII chamado Muhammad ibn Abd al-Wahhab (1703-1792). Ele começou um movimento revivalista na região remota e pouco povoada de Nejd, no centro da Arábia Saudita, defendendo purificar o islamismo para devolvê-lo às suas raízes do século VII, por meio de uma purga de práticas como o culto popular dos santos, de santuários e a visitação de túmulos de entes queridos, práticas generalizadas entre os muçulmanos, mas que ele considerava como "idolatria", "impurezas" e inovações dentro do islamismo.
                    

O que é o jihadismo?

BBC, 14/12/2014

O que significa jihad?

A palavra "jihad" é amplamente utilizada – muitas vezes de maneira imprecisa – por políticos ocidentais e pela mídia.

Em árabe, a palavra significa "esforço" ou "luta". No islã, isso pode significar a luta interna de um indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma boa sociedade muçulmana ou uma guerra pela fé contra os infiéis.

Qual é a diferença entre os jihadistas e os muçulmanos?

O termo "jihadista" tem sido usado por acadêmicos ocidentais desde os anos 1990, e mais frequentemente desde os ataques de 11 de setembro de 2001, como uma maneira de distinguir entre os muçulmanos sunitas não violentos e os violentos.

Muçulmanos têm, a rigor, o objetivo de reordenar o governo e a sociedade de acordo com a lei islâmica, chamada de sharia.

No entanto, jihadistas entendem que a luta violenta é necessária para erradicar obstáculos para a restauração da lei de Deus na Terra e para defender a comunidade muçulmana, conhecida como umma, contra infiéis e apóstatas (pessoas que deixaram a religião).

Se a umma é ameaçada por um agressor, eles sustentam que a jihad não é só uma obrigação coletiva (fard kifaya), mas também um dever individual (fard ayn), que deve ser cumprido por todos os muçulmanos capazes, assim como as preces rituais e o jejum durante o Ramadã.

O termo "jihadista" não é usado por muitos muçulmanos porque eles acreditam que se trata de uma associação incorreta entre um conceito religioso nobre e a violência ilegítima. Em vez disso, eles usam o termo "pervertidos", com a ideia de que muçulmanos envolvidos em atos violentos se desviaram dos ensinamentos religiosos.

Todos os jihadistas querem a mesma coisa?

Jihadistas compartilham dos mesmos objetivos básicos de expandir o islã e contrapor-se ao perigo que pode atingi-lo, mas suas prioridades podem variar. Um estudo recente de Thomas Hegghammer, do Departamento de Pesquisa de Defesa da Noruega, identificou cinco objetivos mais proeminentes:

·         Mudar a organização política e social do Estado. Por exemplo, o Grupo Armado Islâmico (GIA) e o antigo Grupo Salafista para Pregação e Combate (GSPC) lutaram por uma década contra as forças de segurança da Argélia, com o objetivo de derrubar o governo e criar um Estado islâmico.
·         Estabelecer soberania em um território percebido como ocupado ou dominado por não muçulmanos. O grupo baseado no Paquistão Lashkar-e-Taiba (Soldados da Pureza, em tradução livre) se opõe ao controle da Caxemira pela Índia, enquanto o grupo Emirado do Cáucaso quer criar um Estado islâmico nas "terras muçulmanas" da Rússia.
·         Defender a umma de ameaças externas não muçulmanas. Isso inclui jihadistas focados em lutar contra o que eles chamam de "inimigo próximo" (al-adou al-qarib) em áreas confinadas – como árabes que viajaram para a Bósnia e a Chechênia para defender muçulmanos desses locais contra exércitos não muçulmanos – e "jihadistas globais" que combatem o "inimigo distante" (al-adou al-baid), que na maioria dos casos é o Ocidente. A maioria destes são afiliados à Al-Qaeda.
·         Corrigir o comportamento moral de outros muçulmanos. Na Indonésia, justiceiros deixaram de usar paus e pedras e passaram a atacar pessoas com armas e bombas em nome da "moralidade" e contra "desvios".
·         Intimidar e marginalizar outros grupos muçulmanos. O grupo Lashkar-e-Jhangvi (Soldados de Jhangvi, em tradução livre) realizou durante décadas ataques violentos contra os xiitas paquistaneses, que eles consideram hereges. O Iraque também sofre com a violência sectária.
Como eles justificam o uso da violência?

Os jihadistas dividem o mundo em "reino do islã" (dar al-Islam), terras sob a lei muçulmana, e o "reino da guerra" (dar al-harb), terras que não seguem a lei muçulmana e onde, em determinadas circunstâncias, a guerra em defesa da fé pode ser aprovada.

Líderes e governos muçulmanos que os jihadistas acreditam terem abandonado as recomendações da sharia são considerados como estando fora do "reino do Islã", o que os tornaria alvos legítimos de ataque.

Por que civis são mortos?

Grupos jihadistas atingiam civis antes do crescimento da Al-Qaeda, mas isso resultou em violência contra eles mesmos, em uma escala que até então não tinham imaginado.

Em 1998, Osama Bin Laden e os líderes de quatro grupos jihadistas no Egito, no Paquistão e em Bangladesh assinaram uma declaração de guerra total contra os Estados Unidos e seus aliados, e pediram que tanto soldados quanto civis fossem alvejados.

O profeta Maomé disse que exércitos muçulmanos deveriam fazer o possível para evitar machucar crianças e outros não combatentes.

A declaração assinada pelos grupos, no entanto, afirma que matar os não combatentes é um ato de reciprocidade pela morte de civis muçulmanos. Após os acontecimentos de 11 de setembro de 2011, Bin Laden tentou justificar o ataque a civis dizendo que, como cidadãos de um Estado democrático que elegeu seus líderes, eles também eram responsáveis pelas ações dos governantes.

Atingir civis muçulmanos em ataques tem se provado ainda mais polêmico. Em 2005, o então segundo em comando de Bin Laden, Ayman Al-Zawahiri, aconselhou o ex-líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab Al-Zarqawi, contra a ideia de matar civis xiitas. Al-Zawahiri afirmou que "isso não será aceito pelo povo muçulmano não importa o quanto você tente explicar".

O uso de táticas semelhantes no Iraque e na Síria pelo grupo autodenominado "Estado Islâmico" (anteriormente conhecido como Isis), que nasceu da Al-Qaeda no Iraque, foi um dos motivos pelos quais Al-Zawahiri, já ocupando o lugar de Bin Laden, renegou o grupo em fevereiro de 2014.

Por que os Estados Unidos costumam ser o alvo principal?

Em uma declaração em 1998, Osama Bin Laden acusou os Estados Unidos de "ocupar as terras do islã no lugar mais sagrado de todos, a península Arábica, saqueando suas riquezas, impondo-se a seus líderes, humilhando seus povos, aterrorizando seus vizinhos e transformando suas bases na península na ponta de lança com a qual lutam contra os povos muçulmanos na região".

Segundo Bin Laden, esses "crimes e pecados" configuravam uma "clara declaração de guerra contra Alá, contra seu mensageiro e contra os muçulmanos".

Em 2013, dois anos após a morte de Bin Laden, Ayman Al-Zawahiri escreveu em suas "diretrizes gerais para a jihad" que "o objetivo de atacar a América é exauri-la e fazê-la sangrar até a morte, para que ela tenha o mesmo destino da ex-União Soviética e desabe sobre seu próprio peso, como resultado de suas perdas militares, humanas e financeiras. Consequentemente, seu controle sobre nossas terras enfraquecerá e seus aliados cairão um após o outro".

Qual é o tamanho dos Estados islâmicos que eles querem estabelecer?

Muitos grupos jihadistas buscam estabelecer Estados islâmicos em seus respectivos países de origem, como o Boko Haram na Nigéria e o Movimento Islâmico do Uzbequistão.

Outros grupos querem criar um "califado" – governado de acordo com a sharia pelo califa, que significa "substituto de Deus na Terra" – que se espalhe por diversas regiões. Alguns, como a Al-Qaeda, querem reestabelecer o antigo califado que se estendia da Espanha e norte da África até China e Índia.

O líder do grupo, Ayman Al-Zawahiri, prometeu "libertar todas as terras muçulmanas ocupadas e rejeitar todo e qualquer tratado, acordo ou resolução internacional que dê aos infiéis o direito de tomar terras muçulmanas", incluindo a Palestina história, a Chechênia e a Caxemira.

Já o líder do grupo autodenominado "Estado islâmico", Abu Bakr Al-Baghdadi, também diz querer "demolir" as fronteiras estabelecidas pelo Acordo de Sykes-Picot, de 1916 (que delimitou as zonas de influência britânica e francesa no Oriente Médio após a Primeira Guerra Mundial). Seu grupo já declarou a criação de um califato que se estende pelo leste da Síria até o oeste do Iraque.

O "Estado islâmico" e a Al-Qaeda também têm métodos diferentes de estabelecer a lei islâmica. A abordagem da Al-Qaeda é mais de longo prazo, enquanto o "Estado islâmico" procura implementar imediatamente sua versão da sharia em seus territórios.

Há grupos jihadistas xiitas?

Há grupos militantes de muçulmanos xiitas que são, por natureza jihadistas. No entanto, eles são muito diferentes dos grupos sunitas. De acordo com a tradição xiita, os mujtahids – estudiosos religiosos mais antigos – possuem a autoridade para declarar uma jihad "defensiva". Mas somente o 12º imã (alto líder religioso) – que desapareceu há 1.100 anos, mas é considerado vivo pelos xiitas – poderia declarar uma jihad "ofensiva" quando retornar.

Durante séculos, a maioria dos sacerdotes xiitas defendia o não posicionamento político, enquanto esperavam o retorno do imã. Mas essa perspectiva mudou nos anos 1960 e 1970, dando origem ao ativismo que culminou na revolução de 1979 no Irã e no estabelecimento de uma República Islâmica no país.

Recentemente, a natureza sectária do conflito na Síria fez com que grupos xiitas apoiados pelo Irã ajudassem as forças leais ao presidente Bashar Al-Assad, membro da minoria xiita alauíta. Os grupos e seus milhares de lutadores "voluntários" – que vêm do Iraque, do Irã, do Líbano e do Iêmen – dizem que estão na Síria para defender o santuário xiita de Sayyida Zaineb, em Damasco.

O grupo libanês Hezbollah diz que seus membros mortos na Síria são mártires que morreram "cumprindo deveres jihadistas". Da mesma forma, o avançao do "Estado islâmico" no Iraque em 2014 também teve a mobilização de milícias xiitas para defender locais sagrados contra o grupo sunita.


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