Calder Walton
Foreing Policy, 01/01/2014
Os
anos após a Segunda Guerra Mundial não foram agradáveis aos serviços de
inteligência britânicos – especialmente o MI5, sua agência de segurança e
contrainteligência doméstica. Em nome da austeridade, o financiamento dos
serviços de inteligência da nação foi reduzido, seus poderes de emergência na
época da guerra foram removidos e seu número de membros drasticamente reduzido.
Os postos do MI5 foram reduzidos de 350 funcionários em seu auge em 1943 para
apenas uma centena em 1946. Seus registros administrativos revelam que ela foi
obrigada a comprar tinta e papel baratos e seus empregados foram instruídos a
datilografar relatórios nos dois lados do papel para economizar dinheiro. E
houve algumas discussões sérias dentro do governo, assim como houve após a
Primeira Guerra Mundial, sobre fechar o MI5. Infelizmente para o MI5, nos anos
pós-guerra ela enfrentou a pior combinação de circunstâncias: recursos
escassos, mas responsabilidades crescentes. Após a guerra, a Grã-Bretanha tinha
mais territórios sob seu controle do que qualquer outro momento da história, e
o MI5 era responsável pela inteligência de segurança em todos os territórios
britânicos.
Mas
a ameaça mais urgente do MI5 não estava em seus recursos diminutos, nem no seu
novo inimigo soviético. Registros de inteligência recentemente liberados ao
público revelam que no final da guerra a prioridade principal do MI5 era a
ameaça do terrorismo emanando do Oriente Médio, especificamente dos dois
principais grupos terroristas sionistas operando no protetorado da Palestina,
que estava sob controle britânico desde 1921. Eles eram chamados Irgun Zevai Leumi (“Organização Militar Nacional”, ou simplesmente “Irgun”) e o Lehi (um acrônimo
hebraico para “Combatentes Livres de Israel”), que os britânicos também
chamavam de “A Gangue Stern”, em homenagem ao seu fundador, Avraham Stern. O
Irgun e a Gangue Stern acreditavam que as políticas britânicas na Palestina nos
anos do pós-guerra – impedindo a criação de um estado independente judaico –
legitimizava o uso da violência contra alvos britânicos. O envolvimento do MI5
com contraterrorismo, que o preocupa até hoje, nasceu nos anos seguintes do
pós-guerra quando ele começou a lidar com o Irgun e a Gangue Stern.
O
envolvimento do MI5 com o terrorismo sionista oferece uma nova e surpreendente
interpretação da história do início da Guerra Fria. Para a extensão total da
Guerra Fria, a prioridade principal para os serviços de inteligência da
Grã-Bretanha e outras potências ocidentais residiria na contraespionagem, mas
como podemos ver agora, no período crucial de transição da Guerra Mundial para
a Guerra Fria, o MI5 estava, ao invés disso, preocupado basicamente com
contraterrorismo.
Quando
a Segunda Guerra Mundial acabou, o MI5 recebeu uma série de relatórios de
inteligência alertando que o Irgun e a Gangue Stern não estavam apenas
planejando violência no protetorado da Palestina, mas também lançar ataques
dentro da própria Grã-Bretanha. Em abril de 1945, uma mensagem urgente do posto
do MI5 no Oriente Médio, SIME, alertou que a Vitória na Europa (VE-Day) seria
um Dia-D para os terroristas judeus no Oriente Médio. Então, na primavera e
verão de 1946, coincidindo com uma escalada crescente de violência
antibritânica na Palestina, o MI5 recebeu relatórios aparentemente confiáveis
do SIME que o Irgun e a Gangue Stern estavam planejando enviar cinco “células”
terroristas para Londres, “para trabalhar nas linhas do IRA”. Para usar suas
próprias palavras, os terroristas pretendiam “bater o cão em seu próprio canil”. Os
relatórios do SIME foram obtidos do interrogatório de combatentes capturados do
irgun e da Gangue Stern, de agentes policiais locais na Palestina e de ligações
com grupos políticos oficiais sionistas como a Agência Judaica. Eles afirmaram que entre os alvos para
assassinato estavam o secretário do exterior da Grã-Bretanha, Ernest Bevin, que
era lembrado como sendo o maior obstáculo ao estabelecimento de um Estado judeu
no Oriente Médio, e o próprio Primeiro-Ministro. O novo diretor geral do MI5,
Sir Percy Sillitoe, estava tão alarmado que em agosto de 1946 pessoalmente
avisou o Primeiro-Ministro da situação, alertando-o que uma campanha de
assassinato na Grã-Bretanha deveria ser considerada uma possibilidade real, e
que seu próprio nome era sabido estar na lista de alvos da Gangue Stern.
Os
registros de ação do Irgun e da Gangue Stern na época da guerra garantiram que
o MI5 levasse a sério essas ameaças. Em novembro de 1944, a Gangue Stern
assassinou o ministro britânico para o Oriente Médio, Lorde Moyne, enquanto ele
retornava para sua casa alugada após almoçar no Cairo. O assassinato de Moyne
foi seguido por uma escalada de violência na Palestina, com incidentes contra
os britânicos e os combatentes do Irgun e da Gangue Stern sendo seguidos por
represálias sanguinárias. Em meados de junho de 1946, após o Irgun lançar uma
onda de ataques, bombardeando cinco trens e 10 das 11 pontes conectando a
Palestina aos estados vizinhos, a passividade britânica finalmente acabou. As
forças britânicas conduziram prisões em massa através da Palestina (chamada
Operação Agatha), culminando em 29 de junho – conhecido como “Sabbath Negro”
porque era um sábado – com a detenção de mais de 2.700 líderes sionistas e
funcionários de baixo escalão, assim como membros da força de defesa judaica
(Haganah) e seus comandos espalhados (Palmach). Nenhum dos líderes importantes
do Irgun e da Gangue Stern foram presos na ação, e o resultado foi apenas
lançá-los em contra-ações mais violentas. Em 22 de julho, o Irgun realizou uma
ação devastadora, chamada Operação Pintinho, no coração do governo britânico na
Palestina quando ele bombardeou o King David Hotel em Jerusalém, que era o
centro dos escritórios do governo britânico no protetorado, assim como
quartel-general do Exército britânico na Palestina.
O
ataque foi planejado pelo líder do Irgun, Menachem Begin, mais tarde o sexto
primeiro-ministro de Israel e ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Na manhã de 22
de julho, seis membros jovens do Irgun entraram no hotel disfarçados como
árabes, carregando garrafas de leite carregadas com 500 libras de explosivos.
Às 12:37 pm, as bombas explodiram, arrancando a laje do lado sudoeste do
edifício. Isto provocou o colapso de vários andares do hotel, resultando na
morte de 91 pessoas. Em termos de fatalidades, o atentado ao King David foi uma
das piores atrocidades terroristas infligidas aos britânicos no século XX. Foi
também um ataque direto contra a inteligência britânica e os esforços
contraterroristas na Palestina: tanto o MI5 quanto o SIS – o Serviço de
Inteligência Secreto, conhecido como MI6 – tinham escritórios no hotel.
Na
esteira do atentado, o Irgun e a Gangue Stern lançaram uma série de operações
fora da palestina, assim como previram os relatórios do MI5. No final de
outubro de 1946, uma célula do Irgun operando na Itália explodiu a Embaixada
britânica em Roma e após isto, no final de 1946 e início de 1947, com uma série
de ataques de sabotagem contra transporte militar britânico em rotas da
Alemanha ocupada. Em março de 1947, um agente do Irgun deixou uma bomba no
Clube Colonial, próximo da Alameda St
Martin no coração de Londres, que explodiu as portas e janelas do clube,
ferindo muitos garçons. No mês seguinte, uma agente do Irgun deixou uma bomba enorme, consistindo
de 24 bananas de explosivo, no Colonial Office em Londres. A bomba falhou em
detonar porque seu temporizador falhou. O chefe do Departamento de Polícia
Metropolitana Especial, Leonard Burt, estimou que se a bomba tivesse explodido
ela teria causado um número de vítimas comparável ao do King David Hotel – mas
desta vez no coração de Whitehall. Quase simultaneamente, vários políticos
britânicos proeminentes e figuras públicas ligadas à Palestina receberam
ameaças de morte da Gangue Stern em seus lares e escritórios. Finalmente, em
junho de 1947, a Gangue Stern lançou uma campanha de cartas-bombas na
Grã-Bretanha, consistindo de 21 bombas no total, que almejava todo membro
importante do Gabinete. As duas ondas de bombas foram postadas de uma célula
subterrânea na Itália. Algumas delas na primeira onda atingiram seus alvos, mas
não resultaram em quaisquer vítimas. Sir
Stafford Cripps foi somente salvo graças à mente ágil de sua secretária, que
suspeitou de um pacote cujo conteúdo parecia fazer um chiado e o colocou num
pote de água. O vice-líder do Partido Conservador, Sir Anthony Eden, carregou
uma carta bomba consigo o dia inteiro numa pasta de executivo, achando que era
um memorando de Whitehall que poderia esperar até o dia seguinte para ser lido,
e somente percebeu o perigo que carregava quando foi alertado pela polícia do
ataque planejado, com a informação fornecida pelo MI5.
O
problema para o MI5 em Londres, e para as forças locais de segurança na
Palestina, era a natureza extremamente difícil de detectar e conter o Irgun e a
Gangue Stern. Ambos os grupos eram organizados verticalmente em células, cujos
membros eram desconhecidos àqueles pertencentes a outras células e cuja
lealdade extrema significava que elas eram quase impossíveis de serem
infiltradas. Como um dos principais líderes do MI5 a enfrentar o terrorismo
sionista, Alex Kellar notou em um dos relatórios do MI5, “estes terroristas são
cascas grossas, e não é fácil fazê-los falar.” Para complicar ainda mais, eles
frequentemente faziam uso de identidades falsas e disfarces. Agentes femininas
usavam penteados para mudar sua aparência, enquanto que agentes masculinos
costumavam vestirem-se de mulheres para
enganar as patrulhas de segurança.
Menachem
Begin era conhecido por viajar sob vários pseudônimos, e após o atentado do
King David Hotel ele conseguiu enganar a polícia palestina e a recompensa por
sua cabeça por meio de uma série de disfarces inteligentes. Em novembro de
1946, a polícia palestina produziu relatórios alarmantes que ele poderia estar
viajando incógnito para a Grã-Bretanha. Então,
no início de 1947, o alarme atingiu o máximo quando o SIS enviou um
relatório ao MI5 alertando que Begin poderia ter feito uma cirurgia plástica
para mudar sua aparência, apesar do relatório concluir causticamente que “não
temos nenhuma descrição da nova face.” A estória logo vazou para a imprensa,
com o News Chronicle colocando em
primeira página “Palestina caça uma Face Nova” e sarcasticamente notando que
apesar de Begin poder ter alterado sua aparência, “era provável que os pés
chatos e os dentes ruins tenham permanecido.” Como poderia se supor, os
relatórios sobre a cirurgia plástica de Begin eram incorretos: eles foram
causados por confusão dentro da Polícia Palestina (CID) ao comparar fotos dele.
Begin, na verdade, não havia deixado a Palestina, mas deixara crescer uma barba
e disfarçou-se como rabino, iludindo a polícia local ao se esconder em um
compartimento secreto na casa de um amigo em Jerusalém. Quando ele concordou
dar uma entrevista secreta ao autor Arthur Koestler, ele o fez em um quarto
sombrio: Koestler tentou inutilmente contar com a ajuda de cigarros, tentado
gerar fumaça suficiente para conseguir um visão instantânea da aparência de
Begin.
A
situação ficou mais alarmante para o MI5 pelo fato de que membros do Irgun e da
Gangue Stern haviam servido nas forças britânicas durante a guerra. Por ironia
do destino, alguns deles foram treinados pela agência de sabotagem de guerra, SOE,
e seus serviços de inteligência estrangeiros, SIS, enquanto serviam na unidade
de elite dos comandos Palmach da organização paramilitar judaica, a Haganah.
Assim como antigos membros de outros grupos guerrilheiros que os britânicos
armaram durante a guerra, como as forças comunistas na Malásia, o Irgun e a
Gangue Stern usaram seu treinamento em explosivos e outras técnicas
paramilitares contra seus antigos mestres. Relatórios chegando às mesas do MI5
durante o verão de 1946 alertavam que os combatentes do Igurn e da Gangue Stern
poderiam ainda estar servindo no Exército britânico e planejavam usar isto como
cobertura para viajar à Grã-Bretanha. O MI5 teve que enfrentar assim a
possibilidade real de que terroristas poderiam chegar à Grã-Bretanha vestindo
uniformes nacionais.
Com
estes relatórios surpreendentes chegando a seus escritórios em Londres, o MI5
adotou uma série de medidas para prevenir a extensão do terrorismo sionista da
Palestina até a Grã-Bretanha. Estas medidas deixaram poucos traços dentro dos
registros oficiais previamente liberados para domínio público, mas como podemos
ver agora a partir dos próprios registros do MI5, elas eram frequentemente bem
elaboradas. A linha de frente de sua defesa contraterrorista era o que foi
chamado de “segurança pessoal”, que envolvia fazer verificações de histórico e
avaliação de pedidos de entrada na Grã-Bretanha. Sob a recomendação do MI5,
todos os pedisod de visto de entrada feita por indivíduos judeus do Oriente
Médio eram imediatamente repassados ao MI5 para verificação em relação aos
registros antes da permissão de entrada. O MI5 também conduziu uma série de
verificações de histórico em seus registros de aproximadamente 7.000 militares
judeus incorporados às forças armadas britânicas. Isto levou à identificação de
40 pessoas com suspeita de possuírem simpatias extremistas, 25 dos quais foram
desligados das forças armadas. As medidas de segurança do MI5 também envolveram
inspeções rígidas em portos e outros pontos de entrada para o reino Unido, para
cada um dos quais o MI5 compilou e distribuiu um “Catálogo de Terroristas”,
enquanto a Scotland Yard fornecia proteção a muitas figuras públicas e
políticas e aumentava a presença na guarda do Palácio de Buckingham. Em outubro de 1947, um oficial da polícia palestina,
CID, Major John O´Sullivan, viajou para Londres e foreneceu ao MI5 fotografias
em microfilme de suspeitos terroristas que foram adicionados ao catálogo.
Algumas dessas fotos são guardadas hoje com zelo e orgulho por alguns
ex-membros do Irgun e da Gangue Stern.
Simultaneamente
a estas medidas de “segurança pessoal”, que foram elaboradas para frustrar a
entrada de terroristas ou simpatizantes na Grã-Bretanha, o MI5 partiu para a
vigilância intensiva de grupos políticos sionistas extremistas e indivíduos
suspeitos. Sua lógica por trás disso era que os agentes da Irgun e da Gangue
Stern que ganharam entrada na Grã-Bretanha fariam em algum momento contato com
estas organizações ou indivíduos, e portanto expor suas atividades poderia
fornecer elementos cruciais para rastreá-los. O MI5 também presumiu que os
agentes fariam contato com elementos da comunidade judaica na Grã-Bretanha.
Estas hipóteses mais tarde se provaram corretas.
Para
investigar grupos e indivíduos sionistas na Grã-Bretanha, o MI5 usou o repertório
completo de técnicas investigativas ao seu dispor. No coração de suas
investigações estava a Garantia de Acesso Oficial[1] (GAO), que permitia
interceptação de correspondência e grampos telefônicos. Nos anos do pós-guerra,
o MI5 impôs GAOs em todos os principais corpos políticos sionistas na
Grã-Bretanha: a Agência Judaica para a Palestina, a Legião Judaica, a Legião
Árabe-Judaica, a Federação Sionista do Trabalho Judaico e a Organização Juvenil
“Revisionista” Sionista[2]. A última delas, em particular, provocou um certo
alarmismo no MI5. Alguns de seus membros frequentavam clubes judeus na região
norte de Londres com discursos inflamados contra os britânicos, fundindo
religião com política. Outra fonte de preocupação era o Luta Judaica, uma publicação “revisionista” sionista publicada em
Londres que frequentemente publicava propaganda extremista do Irgun na
Palestina, tipicamente denunciando os britânicos como “nazistas” e defendendo o
uso da violência. O medo do MI5 era que o Luta Judaica agisse como fonte de
recrutamento para futuros terroristas na Grã-Bretanha. EM dezembro de 1946,
Alex Kellar e o conselheiro jurídico do MI5, Bernard Hill, encontraram-se com o
diretor de promotoria pública e decidiram que, apesar da evidente falta de
provas em processar, eles alertariam oficialmente os editores do Luta Judaica
que se eles continuassem a publicar material do Irgun, o periódico seria
fechado. O jornal aparentemente parou de publicar tal material logo depois.
Outra
grande fonte de inteligência contraterrorista do MI5 nos anos de pós-guerra
eram grupos sionistas e judeus moderados, tanto na Palestina quanto na
Grã-Bretanha. Isso estabeleceu ligações próximas com o corpo oficialmente
responsável pela representação dos desejos sionistas em relação ao governo
britânico, a Agência Judaica. De fato, a política do MI5 em relação a Agência
Judaica era ambígua: ele cooperava com ela, mas ao mesmo tempo a mantinha sob
estrita vigilância, grampeando telefones e violando correspondências em seu
quartel-general em Londres mesmo quando a Agência Judaica mantinha contato com
seus funcionários. A razão para isto é que, apesar do MI5 confiar nos agentes
de segurança da agência, ele suspeitava que seu grande staff e membros poderiam
abrigar simpatizantes do Irgun e da Gangue Stern. A voluntariedade da agência
em fornecer aos britânicos informações sobre o Irgun e a Gangue Stern revela a
extensão na qual as atividades daqueles grupos não eram apoiadas pela maioria
da população judaica na palestina – e isto, deve ser notado, não tem paralelo
no terrorismo árabe e islâmico atual. O atentado ao King David Hotel conduziu o
Movimento de Resistência Hebraico, que foi forjado entre o Haganah, o Irgun e a
Gangue Stern a um fim. A operação de atentado do Irgun não foi aprovada pelo
Haganah, e após julho de 1946, este último começou a fornecer aos britânicos
informações sobre o Irgun e a Gangue Stern e ajudou o pessoal de segurança
britânico a caçá-los.
Na
própria Palestina, o oficial de ligações do MI5 estacionado em Jerusalém nos anos
do pós-guerra, Henry Hunloke, um antigo deputado conservador, manteve contatos
próximos com funcionários da Agência Judaica e coligiu informações valiosas
deles, por exemplo, sobre terroristas suspeitos entrando ou saindo
clandestinamente da palestina. Um dos funcionários da Agência de quem tanto o
MI5 quanto o SIS (MI6) receberam inteligência contraterrorista foi Reuven
Zislani, que trabalhou no departamento de inteligência estrangeira da Agência
Judaica. Após 1948, Zislani mudou seu nome para Reuven Shiloah e tornou-se o
primeiro chefe do serviço de inteligência estrangeira de Israel, o Mossad.
Em
seus esforços para estabelecer contatos com funcionários da Agência Judaica na
Grã-Bretanha, o MI5 usou uma série de intermediários. Apesar da documentação tornada
pública estar presentemente incompleta, parece provável que o representante da
Agência Judaica que encontrou o intermediário do MI5 foi Teddy Kollek, mais
tarde um prefeito popular de Jerusalém, que durante a guerra tornou-se o
vice-chefe do departamento de inteligência da Agência Judaica. Kollek é
conhecido por ter fornecido ao MI5 inteligência contraterrorista na Palestina:
por exemplo, em agosto de 1945 ele revelou a localização de um campo de
treinamento secreto do Irgun próximo a Binyamina e disse a um funcionário do
MI5 que “seria uma grande ideia atacar o local.” A informação que ele forneceu
resultou na prisão de 27 combatentes do Irgun, incluindo o pai de um futuro
ministro israelense.
Alguns
dos encontros mantidos em março de 1947 entre o funcionário da Agência Judaica
– provavelmente Kollek – e o intermediário do MI5, conhecido nos registros
desclassificados pelo seu codinome, Escorpião, aconteceram nos restaurantes
mais luxuosos de Londres. Um deles foi regado a uma refeição abundante de “ostras,
pato e pequenos potes de creme de chocolate,” enquanto outro teve gim e
“rosbife vermelho.” Os encontros produziram alguma inteligência sobre os
combatentes do Irgun e da Gangue Stern suspeitos de estarem deixando a
Palestina, cujos nomes o MI5 colocou em “listas de verificação” em portos e
aeroportos britânicos. Apesar do valor desta informação, um funcionário do MI5 não
poderia ajudar notando que sua boca começou a salivar quando ele leu os
relatórios de Escorpião. Acima de tudo, esta era uma época quando na
Grã-Bretanha austera, o racionamento de pão acontecia diariamente.
À
medida que a ameaça terrorista intensificou-se, o MI5 tornou-se gradativamente
preocupado com o apoio mostrado por grupos estrangeiros, e mesmo potências
estrangeiras, ao Irgun e a Gangue Stern. Não exigiu muito trabalho de detetive
para o MI5 descobrir que os dois grupos estavam recebendo apoio técnico do IRA.
Um líder judaico do IRA, Robert Briscoe, que também foi membro do parlamento
irlandês, um sionista “revisionista” e futuro prefeito de Dublin, era conhecido
do MI5 por seu apoio ao Irgun, e em suas memórias ele lembrou que os ajudava da
forma como ele podia. Briscoe, que em suas próprias palavras “teria feito
negócios com Hitler se isso fosse bom para a Irlanda,” fez várias viagens à
Grã-Bretanha antes da guerra e encontrou representantes do Irgun lá. Ele
escreveu em suas memórias que ele nomeou-se “Professor com Doutorado em
Atividades Subversivas contra a Inglaterra,” e ajudou o Irgun a organizar-se na
linha do IRA. No sentido de aumentar a informação sobre a cooperação entre o
IRA, o Irgun e a Gangue Stern, em outubro de 1947 o MI5 despachou um
funcionário e um oficial da polícia palestina, o Major J. O´Sullivan,
temporariamente de Londres para atualizar o MI5 sobre terrorismo sionista para
Dublin. Eles contectaram-se com o CID irlandês, que manteve Briscoe sob
vigilância e repassou suas informações ao MI5.
O
ex-rabino chefe da Irlanda, Isaac Herzog, também era um simpatizante público da
república irlandesa e do terrorismo sionista. Após sua emigração para a Palestina em 1936, Herzog ascendeu para a mais importante posição no mundo
religioso judeu, o rabinato da Palestina. O DSO do MI5 na Palestina e a polícia
palestina aparentemente mantiveram vigilância sobre as atividades do rabino
Herzog. De uma forma que abranda as tensões que existiam entre moderados e
extremistas tanto na Palestina quanto na Irlanda, um dos filhos de Herzog,
Chaim, desaprovou o apoio de seu pai ao terrorismo. Em contraste gritante com
seu pai, Chaim Herzog seviu na inteligência militar britânica no Dia-D,
continuou ao ajudar a criar a comunidade de inteligência israelense e
eventualmente tornou-se presidente de Israel.
A
postura adotada pelo governo americano em relação à Palestina, e em particular a
posição dos judeus americanos, algumas vezes tornaram difíceis para o MI5 obter
cooperação das autoridades americanas sobre o terrorismo sionista. O apoio
claro mostrado pelos EUA em relação às aspirações sionistas foi um dos muitos
fatores que levaram o governo britânico em fevereiro de 1947 em colocar toda a
questão da Palestina nas mãos das Nações Unidas. Mais especificamente, o MI5 sabia que alguns
grupos sionistas extremistas operando nos Estados Unidos, tais como o “Grupo
Bergson” e o “Comitê Hebraico para a Libertação da Palestina” estavam
levantando fundos e apoio logístico para o Irgun e a Gangue Stern, com
explosivos e munição algumas vezes despachados como alimentos da Grã-Bretanha.
O MI5 estabeleceu uma relação útil de
trabalho com a inteligência militar americana (G-2) nas zonas ocupadas da
Europa para a migração judaica clandestina para a Palestina e terrorismo
sionista, mas em geral a relação entre as inteligências britânica e americana
em relação ao sionismo era difícil. Em março de 1948, a mais alta instância da
comunidade de inteligência britânica, o Comitê da Junta de Inteligência, notou
que seus relatórios sobre a Palestina seriam inevitavelmente controversos em Washington,
e deveriam somente ser dados ao diretor da CIA em pessoa, e não deixados com
ele. Também foi aconselhado que outros relatórios de inteligência britânicos
sobre assuntos sionistas deveriam ser censurados antes que fossem repassados às
autoridades americanas. Enquanto isso, a Operação Ouro, conduzida pela inteligência
da Marinha americana, estava interceptando comunicação via cabo de combatentes
judeus, mas isto não foi compartilhado com os britânicos e nem divulgado em
Washington.
Um
dos poucos caminhos nos quais o MI5 era capaz de receber cooperação do FBI
sobre assuntos sionistas era provocando muitas conexões sionistas proeminentes
com o comunismo e a União Soviética. O MI5 acreditava que muitos membros do
Irgun e da Gangue Stern tinham chegado à Palestina com a ajuda da inteligência
soviética. Menachem Begin e Nathan Friedman-Yellin, um líder da Gangue Stern,
eram ambos poloneses de nascimento e o MI5 acertadamente suspeitava que os
soviéticos ajudaram-nos a “escapar” para a Palestina durante a guerra. Muitos
líderes sionistas defendiam a cooperação com a União Soviética, incluindo o
chefe da “segurança” para a Agência Judaica na Palestina, Moshe Sneh, que
estava ciente do – senão completamente envolvido – planejamento do atentado do
King David Hotel. As suspeitas do MI5 foram confirmadas por pesquisa
subsequente, que mostra que em muitas ocasiões a Gangue Stern apelou a Moscou
por ajuda.
Isto
torna o envolvimento do notório espião soviético Kim Philby nas investigações
do SIS sobre o terrorismo sionista muito mais interessantes. Philby – agente de
Moscou de longa data nos serviços de inteligência britânicos – era, na época, o
chefe da seção IX no SIS, a contrainteligência soviética. A posição
garantiu-lhe um interesse legítimo no Oriente Médio – um interesse que ele
provavelmente também sentia por causa de seu pai, o notório arabista, Harry St
John Philby. Durante a guerra, St John Philby tinha tentado sem sucesso negociar
um acordo de partilha da Palestina, o chamado Plano Philby. A agenda
manipuladora de Kim Philby nas investigações sionistas do SIS é difícil de
determinar. Em 9 de julho de 1946, o SIS circulou um relatório em Whitehall
aconselhando que o Irgun estava planejando realizar “ações criminosas” contra a
missão diplomática britânica em Beirute. Quase certamente este era um alerta
falso do atentado do King David, que ocorreu duas semanas depois. Foi Philby
que circulou o documento. Ele tinha menos motivação em sabotar as investigações
britânicas sobre o terrorismo sionista, contudo, ele o fez em outras áreas. Ele
indubitavelmente teria secretamente festejado a campanha terrorista realizada
no território britânico da Palestina já
que abalava o império britânico, mas quando ele estava trabalhando com assuntos
sionistas para o SIS – e por extensão para a KGB – imediatamente após a guerra,
a política da União soviética em relação a Palestina ainda não havia
cristalizado. Moscou inicialmente apoiou a criação do Estado de Israel,
esperando que ele seria um estorvo no lado do Ocidente “imperialista”, e a
União Soviética foi o primeiro país no mundo a reconhecer Israel quando ele foi
estabelecido em maio de 1948. Contudo, Stalin calculou mal: nos anos seguintes,
Israel construiu uma relação especial com os EUA, e não com a União Soviética,
e Stalin gastou seus anos finais antes de sua morte em 1953 consumido por
teorias conspiratórias antissemitas. Por volta desta época, Philby já não
trabalhava mais com assuntos sionistas para o SIS e, portanto, também não para
a KGB. Na ausência dos ainda fechados arquivos da KGB, o papel preciso de
Philby em assuntos sionistas deve permanecer uma questão de especulação. Mesmo
assim, Moscou certamente teria ficado interessado em aprender, por ele, que
Londres suspeitava do envolvimento soviético no terrorismo sionista.
Junto
com suas operações contraterroristas na Grã-Bretanha, nos anos imediatos do pós-guerra,
os serviços de inteligência da Grã-Bretanha também estavam avaliando e contendo
imigração judaica “ilegal” para a Palestina. De fato, o MI5 e o SIS ajudaram a
formatar a resposta do governo britânico a esta imigração. Em 1939, um sistema
de cota foi estabelecido o qual limitava o número de imigrantes judeus para a Palestina
em 7.500 por ano. A imigração acima deste número era classificada como “ilegal”
pelo governo britânico. Então, como agora, “imigração ilegal” era um termo
carregado por controvérsia, e um debate acalorado sobre ele atingiu políticos
sionistas e o governo britânico. O papel do MI5 nele não era para debater os
aspectos morais e legais da imigração judaica para a Palestina, mas produzir
avaliações desapaixonadas para Whitehall sobre suas implicações de segurança.
A
avaliação geral do MI5 era que a imigração em massa de judeus para a Palestina
provocaria certamente uma guerra civil entre árabes e judeus, como já havia
acontecido durante a “Revolta Árabe” nos anos 1930. A política principal
elaborada pelas autoridades britânicas para prevenir imigração “ilegal” era interceptar
navios de refugiados. Centros de detenção foram estabelecidos em Chipre para
abrigar os refugiados interceptados, que eram então permitidos entrar na
Palestina através do sistema de cotas.
Isto foi, porém, outro desastre de relações públicas para o governo britânico,
cujos críticos o acusaram de estabelecer “campos de concentração ao estilo
nazista”. Os britânicos também deportaram alguns combatentes do irgun e do
Stern para centros de detenção na Eritréia, que novamente atraiu reclamações
que eles não eram melhores do que os nazistas. Tais críticas algumas vezes
vinham de fontes surpreendentes, não menos importante que o secretário adjunto
no Departamento Colonial, Trafford Smith, que privadamente detalhou sua
frustração:
A verdade real para a qual nós firmemente fechamos
nossos olhos é que neste negócio de detenção emergencial estamos copiando os
nazistas, seguindo o erro familiar de que os fins justificam os meios
(especialmente quando os meios servem a conveniência atual). Estamos longe de
suprimir o terrorismo, e porque não encontramos nenhum meio melhor criamos medidas
que são intrinsecamente erradas, e que, desde que sua consequência é evidente
para o mundo todo, deixa-nos expostos a críticas justificáveis e não
respondidas.
Ao
invés de buscar medidas mal concebidas e contraproducentes de deportação e
detenção de refugiados judeus, o MI5 aconselhou o Gabinete e os chefes de
departamento a concentrar seus esforços em prevenir a imigração “ilegal” “na
fonte”. Com a ajuda do SIS, o MI5 identificou um número de companhias de
transporte marítimo sulamericanas e gregas que alugavam navios para refugiados
judeus, e o Departamento do Exterior era capaz de exercer pressão nestes
governos para prevenir que as companhias se registrassem em seus países para
praticar esse negócio. As operações parecem ter dado retorno. Um relatório do
MI5 afirmou que em 1948 “somente 1 de cerca de 30 navios transportando
imigrantes ilegais alcançou seu destino.”
Enquanto
o MI5 fez avaliações e estava envolvido em medidas defensivas para conter
migração ilimitada para a Palestina, outros serviços de inteligência britânicos
tentaram ativamente subverter o fluxo de migrantes. Em fevereiro de 1947, o SIS
conduziu uma operação, apropriadamente chamada de Embaraço, para a “ação de
direção”. Uma pequena equipe, a maioria formada de antigos membros do SOE, foi
recrutada para instalar minas em navios de refugiados e desabilitá-los antes
que pudessem levantar âncoras. No verão de 1947, a equipe desabilitou cinco
navios em portos italianos – tendo verificado que não havia ninguém a bordo.
Mesmo assim, se a Operação Embaraço tivesse se tornado pública, o fato dos
agentes do SIS estarem carregando minas em navios transportando sobreviventes
do Holocausto teria sido desastroso para o governo britânico.
A
Operação Embaraço não parou por aí. Quando algumas das minas foram descobertas,
o SIS culpou um grupo de oposição árabe fictício, “Defensores da Palestina
Árabe” e, então, o governo soviético. Ela conseguiu máquinas de datilografar
que eram usadas por grupos árabes dissidentes e autoridades soviéticas, e as usou para
datilografar cartas implicando os dois grupos, que foram então convenientemente
vazadas em Whitehall. Em um movimento posterior, o SIS fez parecer que o
governo britânico estava usando o tráfico de refugiados judeus para conseguir
tirar seus próprios agentes da Europa, esperando assim fazer com que os
soviéticos bloqueassem o fluxo de migrantes para a Palestina. O SIS, portanto,
tentou enganar não somente refugiados judeus, grupos de oposição árabes e o
governo soviético, mas o próprio governo britânico. Isto realmente foi coisa
para iludir e enganar. A política britânica de limitar a imigração
judaica para a Palestina, tanto pública quanto a secreta, foi marcada por
controvérsia e ressentimento. Foi, contudo, sintomática de um problema mais
profundo que corroeu o poder britânico na Palestina: a Grã-Bretanha enfrentou
uma série de exigências contraditórias em relação ao futuro do território – de judeus,
árabes e da opinião mundial em geral. No início de 1946, um comitê
anglo-americano de pesquisa foi apontado para encontrar uma solução na
Palestina, mas apesar dos melhores esforços de seus membros, que em abril de 1946 recomendaram que um
compromisso fosse encontrado de modo que os judeus não dominassem os árabes na
Palestina, nem os árabes dominassem os judeus, as descobertas do comitê não
foram aceitas por nenhuma das partes. Em setembro de de 1947, o JIC em Londres
estava apresentando um quadro sombrio para o governo britânico em relação ao
futuro do território, concluindo que qualquer solução seria inaceitável tanto
para judeus quanto para árabes. A Grã-Bretanha encontrou-se na situação que
tornou-se rapidamente ingovernável. Em 1947, 100.000 soldados – um décimo de
toda a força militar de todo império britânico – foi deslocada para a Palestina,
um encargo financeiro que Londres não poderia suportar.
Nota:
[1] Em inglês, Home
Office Warrants.
[2]
O Sionismo Revisionista é uma facção do movimento sionista que prega o direito
não-religioso dos judeus a Israel (Eretz Yisrael) e à criação de um Estado
judaico com população predominantemente judaica em ambos os lados do Rio
Jordão. O movimento foi criado em 1925 pelo intelectual judeu russo Ze´ev
Jabotinsky. As ideias do sionismo revisionista estão hoje representadas pelo
partido Likud.
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