quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Como o Extremismo Sionista tornou-se um problema para a Espionagem britânica

Calder Walton

Foreing Policy, 01/01/2014


Os anos após a Segunda Guerra Mundial não foram agradáveis aos serviços de inteligência britânicos – especialmente o MI5, sua agência de segurança e contrainteligência doméstica. Em nome da austeridade, o financiamento dos serviços de inteligência da nação foi reduzido, seus poderes de emergência na época da guerra foram removidos e seu número de membros drasticamente reduzido. Os postos do MI5 foram reduzidos de 350 funcionários em seu auge em 1943 para apenas uma centena em 1946. Seus registros administrativos revelam que ela foi obrigada a comprar tinta e papel baratos e seus empregados foram instruídos a datilografar relatórios nos dois lados do papel para economizar dinheiro. E houve algumas discussões sérias dentro do governo, assim como houve após a Primeira Guerra Mundial, sobre fechar o MI5. Infelizmente para o MI5, nos anos pós-guerra ela enfrentou a pior combinação de circunstâncias: recursos escassos, mas responsabilidades crescentes. Após a guerra, a Grã-Bretanha tinha mais territórios sob seu controle do que qualquer outro momento da história, e o MI5 era responsável pela inteligência de segurança em todos os territórios britânicos.

Mas a ameaça mais urgente do MI5 não estava em seus recursos diminutos, nem no seu novo inimigo soviético. Registros de inteligência recentemente liberados ao público revelam que no final da guerra a prioridade principal do MI5 era a ameaça do terrorismo emanando do Oriente Médio, especificamente dos dois principais grupos terroristas sionistas operando no protetorado da Palestina, que estava sob controle britânico desde 1921. Eles eram chamados Irgun Zevai Leumi  (“Organização Militar Nacional”, ou  simplesmente “Irgun”) e o Lehi (um acrônimo hebraico para “Combatentes Livres de Israel”), que os britânicos também chamavam de “A Gangue Stern”, em homenagem ao seu fundador, Avraham Stern. O Irgun e a Gangue Stern acreditavam que as políticas britânicas na Palestina nos anos do pós-guerra – impedindo a criação de um estado independente judaico – legitimizava o uso da violência contra alvos britânicos. O envolvimento do MI5 com contraterrorismo, que o preocupa até hoje, nasceu nos anos seguintes do pós-guerra quando ele começou a lidar com o Irgun e a Gangue Stern.

O envolvimento do MI5 com o terrorismo sionista oferece uma nova e surpreendente interpretação da história do início da Guerra Fria. Para a extensão total da Guerra Fria, a prioridade principal para os serviços de inteligência da Grã-Bretanha e outras potências ocidentais residiria na contraespionagem, mas como podemos ver agora, no período crucial de transição da Guerra Mundial para a Guerra Fria, o MI5 estava, ao invés disso, preocupado basicamente com contraterrorismo.

Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, o MI5 recebeu uma série de relatórios de inteligência alertando que o Irgun e a Gangue Stern não estavam apenas planejando violência no protetorado da Palestina, mas também lançar ataques dentro da própria Grã-Bretanha. Em abril de 1945, uma mensagem urgente do posto do MI5 no Oriente Médio, SIME, alertou que a Vitória na Europa (VE-Day) seria um Dia-D para os terroristas judeus no Oriente Médio. Então, na primavera e verão de 1946, coincidindo com uma escalada crescente de violência antibritânica na Palestina, o MI5 recebeu relatórios aparentemente confiáveis do SIME que o Irgun e a Gangue Stern estavam planejando enviar cinco “células” terroristas para Londres, “para trabalhar nas linhas do IRA”. Para usar suas próprias palavras, os terroristas pretendiam  “bater o cão em seu próprio canil”. Os relatórios do SIME foram obtidos do interrogatório de combatentes capturados do irgun e da Gangue Stern, de agentes policiais locais na Palestina e de ligações com grupos políticos oficiais sionistas como a Agência Judaica.  Eles afirmaram que entre os alvos para assassinato estavam o secretário do exterior da Grã-Bretanha, Ernest Bevin, que era lembrado como sendo o maior obstáculo ao estabelecimento de um Estado judeu no Oriente Médio, e o próprio Primeiro-Ministro. O novo diretor geral do MI5, Sir Percy Sillitoe, estava tão alarmado que em agosto de 1946 pessoalmente avisou o Primeiro-Ministro da situação, alertando-o que uma campanha de assassinato na Grã-Bretanha deveria ser considerada uma possibilidade real, e que seu próprio nome era sabido estar na lista de alvos da Gangue Stern.

Os registros de ação do Irgun e da Gangue Stern na época da guerra garantiram que o MI5 levasse a sério essas ameaças. Em novembro de 1944, a Gangue Stern assassinou o ministro britânico para o Oriente Médio, Lorde Moyne, enquanto ele retornava para sua casa alugada após almoçar no Cairo. O assassinato de Moyne foi seguido por uma escalada de violência na Palestina, com incidentes contra os britânicos e os combatentes do Irgun e da Gangue Stern sendo seguidos por represálias sanguinárias. Em meados de junho de 1946, após o Irgun lançar uma onda de ataques, bombardeando cinco trens e 10 das 11 pontes conectando a Palestina aos estados vizinhos, a passividade britânica finalmente acabou. As forças britânicas conduziram prisões em massa através da Palestina (chamada Operação Agatha), culminando em 29 de junho – conhecido como “Sabbath Negro” porque era um sábado – com a detenção de mais de 2.700 líderes sionistas e funcionários de baixo escalão, assim como membros da força de defesa judaica (Haganah) e seus comandos espalhados (Palmach). Nenhum dos líderes importantes do Irgun e da Gangue Stern foram presos na ação, e o resultado foi apenas lançá-los em contra-ações mais violentas. Em 22 de julho, o Irgun realizou uma ação devastadora, chamada Operação Pintinho, no coração do governo britânico na Palestina quando ele bombardeou o King David Hotel em Jerusalém, que era o centro dos escritórios do governo britânico no protetorado, assim como quartel-general do Exército britânico na Palestina.

O ataque foi planejado pelo líder do Irgun, Menachem Begin, mais tarde o sexto primeiro-ministro de Israel e ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Na manhã de 22 de julho, seis membros jovens do Irgun entraram no hotel disfarçados como árabes, carregando garrafas de leite carregadas com 500 libras de explosivos. Às 12:37 pm, as bombas explodiram, arrancando a laje do lado sudoeste do edifício. Isto provocou o colapso de vários andares do hotel, resultando na morte de 91 pessoas. Em termos de fatalidades, o atentado ao King David foi uma das piores atrocidades terroristas infligidas aos britânicos no século XX. Foi também um ataque direto contra a inteligência britânica e os esforços contraterroristas na Palestina: tanto o MI5 quanto o SIS – o Serviço de Inteligência Secreto, conhecido como MI6 – tinham escritórios no hotel.

Na esteira do atentado, o Irgun e a Gangue Stern lançaram uma série de operações fora da palestina, assim como previram os relatórios do MI5. No final de outubro de 1946, uma célula do Irgun operando na Itália explodiu a Embaixada britânica em Roma e após isto, no final de 1946 e início de 1947, com uma série de ataques de sabotagem contra transporte militar britânico em rotas da Alemanha ocupada. Em março de 1947, um agente do Irgun deixou uma bomba no Clube Colonial, próximo  da Alameda St Martin no coração de Londres, que explodiu as portas e janelas do clube, ferindo muitos garçons. No mês seguinte, uma agente  do Irgun deixou uma bomba enorme, consistindo de 24 bananas de explosivo, no Colonial Office em Londres. A bomba falhou em detonar porque seu temporizador falhou. O chefe do Departamento de Polícia Metropolitana Especial, Leonard Burt, estimou que se a bomba tivesse explodido ela teria causado um número de vítimas comparável ao do King David Hotel – mas desta vez no coração de Whitehall. Quase simultaneamente, vários políticos britânicos proeminentes e figuras públicas ligadas à Palestina receberam ameaças de morte da Gangue Stern em seus lares e escritórios. Finalmente, em junho de 1947, a Gangue Stern lançou uma campanha de cartas-bombas na Grã-Bretanha, consistindo de 21 bombas no total, que almejava todo membro importante do Gabinete. As duas ondas de bombas foram postadas de uma célula subterrânea na Itália. Algumas delas na primeira onda atingiram seus alvos, mas não resultaram em quaisquer vítimas.  Sir Stafford Cripps foi somente salvo graças à mente ágil de sua secretária, que suspeitou de um pacote cujo conteúdo parecia fazer um chiado e o colocou num pote de água. O vice-líder do Partido Conservador, Sir Anthony Eden, carregou uma carta bomba consigo o dia inteiro numa pasta de executivo, achando que era um memorando de Whitehall que poderia esperar até o dia seguinte para ser lido, e somente percebeu o perigo que carregava quando foi alertado pela polícia do ataque planejado, com a informação fornecida pelo MI5.

O problema para o MI5 em Londres, e para as forças locais de segurança na Palestina, era a natureza extremamente difícil de detectar e conter o Irgun e a Gangue Stern. Ambos os grupos eram organizados verticalmente em células, cujos membros eram desconhecidos àqueles pertencentes a outras células e cuja lealdade extrema significava que elas eram quase impossíveis de serem infiltradas. Como um dos principais líderes do MI5 a enfrentar o terrorismo sionista, Alex Kellar notou em um dos relatórios do MI5, “estes terroristas são cascas grossas, e não é fácil fazê-los falar.” Para complicar ainda mais, eles frequentemente faziam uso de identidades falsas e disfarces. Agentes femininas usavam penteados para mudar sua aparência, enquanto que agentes masculinos costumavam vestirem-se de  mulheres para enganar as patrulhas de segurança.

Menachem Begin era conhecido por viajar sob vários pseudônimos, e após o atentado do King David Hotel ele conseguiu enganar a polícia palestina e a recompensa por sua cabeça por meio de uma série de disfarces inteligentes. Em novembro de 1946, a polícia palestina produziu relatórios alarmantes que ele poderia estar viajando incógnito para a Grã-Bretanha. Então,  no início de 1947, o alarme atingiu o máximo quando o SIS enviou um relatório ao MI5 alertando que Begin poderia ter feito uma cirurgia plástica para mudar sua aparência, apesar do relatório concluir causticamente que “não temos nenhuma descrição da nova face.” A estória logo vazou para a imprensa, com o News Chronicle colocando em primeira página “Palestina caça uma Face Nova” e sarcasticamente notando que apesar de Begin poder ter alterado sua aparência, “era provável que os pés chatos e os dentes ruins tenham permanecido.” Como poderia se supor, os relatórios sobre a cirurgia plástica de Begin eram incorretos: eles foram causados por confusão dentro da Polícia Palestina (CID) ao comparar fotos dele. Begin, na verdade, não havia deixado a Palestina, mas deixara crescer uma barba e disfarçou-se como rabino, iludindo a polícia local ao se esconder em um compartimento secreto na casa de um amigo em Jerusalém. Quando ele concordou dar uma entrevista secreta ao autor Arthur Koestler, ele o fez em um quarto sombrio: Koestler tentou inutilmente contar com a ajuda de cigarros, tentado gerar fumaça suficiente para conseguir um visão instantânea da aparência de Begin.

A situação ficou mais alarmante para o MI5 pelo fato de que membros do Irgun e da Gangue Stern haviam servido nas forças britânicas durante a guerra. Por ironia do destino, alguns deles foram treinados pela agência de sabotagem de guerra, SOE, e seus serviços de inteligência estrangeiros, SIS, enquanto serviam na unidade de elite dos comandos Palmach da organização paramilitar judaica, a Haganah. Assim como antigos membros de outros grupos guerrilheiros que os britânicos armaram durante a guerra, como as forças comunistas na Malásia, o Irgun e a Gangue Stern usaram seu treinamento em explosivos e outras técnicas paramilitares contra seus antigos mestres. Relatórios chegando às mesas do MI5 durante o verão de 1946 alertavam que os combatentes do Igurn e da Gangue Stern poderiam ainda estar servindo no Exército britânico e planejavam usar isto como cobertura para viajar à Grã-Bretanha. O MI5 teve que enfrentar assim a possibilidade real de que terroristas poderiam chegar à Grã-Bretanha vestindo uniformes nacionais.

Com estes relatórios surpreendentes chegando a seus escritórios em Londres, o MI5 adotou uma série de medidas para prevenir a extensão do terrorismo sionista da Palestina até a Grã-Bretanha. Estas medidas deixaram poucos traços dentro dos registros oficiais previamente liberados para domínio público, mas como podemos ver agora a partir dos próprios registros do MI5, elas eram frequentemente bem elaboradas. A linha de frente de sua defesa contraterrorista era o que foi chamado de “segurança pessoal”, que envolvia fazer verificações de histórico e avaliação de pedidos de entrada na Grã-Bretanha. Sob a recomendação do MI5, todos os pedisod de visto de entrada feita por indivíduos judeus do Oriente Médio eram imediatamente repassados ao MI5 para verificação em relação aos registros antes da permissão de entrada. O MI5 também conduziu uma série de verificações de histórico em seus registros de aproximadamente 7.000 militares judeus incorporados às forças armadas britânicas. Isto levou à identificação de 40 pessoas com suspeita de possuírem simpatias extremistas, 25 dos quais foram desligados das forças armadas. As medidas de segurança do MI5 também envolveram inspeções rígidas em portos e outros pontos de entrada para o reino Unido, para cada um dos quais o MI5 compilou e distribuiu um “Catálogo de Terroristas”, enquanto a Scotland Yard fornecia proteção a muitas figuras públicas e políticas e aumentava a presença na guarda do Palácio de Buckingham.  Em outubro de 1947, um oficial da polícia palestina, CID, Major John O´Sullivan, viajou para Londres e foreneceu ao MI5 fotografias em microfilme de suspeitos terroristas que foram adicionados ao catálogo. Algumas dessas fotos são guardadas hoje com zelo e orgulho por alguns ex-membros do Irgun e da Gangue Stern.

Simultaneamente a estas medidas de “segurança pessoal”, que foram elaboradas para frustrar a entrada de terroristas ou simpatizantes na Grã-Bretanha, o MI5 partiu para a vigilância intensiva de grupos políticos sionistas extremistas e indivíduos suspeitos. Sua lógica por trás disso era que os agentes da Irgun e da Gangue Stern que ganharam entrada na Grã-Bretanha fariam em algum momento contato com estas organizações ou indivíduos, e portanto expor suas atividades poderia fornecer elementos cruciais para rastreá-los. O MI5 também presumiu que os agentes fariam contato com elementos da comunidade judaica na Grã-Bretanha. Estas hipóteses mais tarde se provaram corretas.

Para investigar grupos e indivíduos sionistas na Grã-Bretanha, o MI5 usou o repertório completo de técnicas investigativas ao seu dispor. No coração de suas investigações estava a Garantia de Acesso Oficial[1] (GAO), que permitia interceptação de correspondência e grampos telefônicos. Nos anos do pós-guerra, o MI5 impôs GAOs em todos os principais corpos políticos sionistas na Grã-Bretanha: a Agência Judaica para a Palestina, a Legião Judaica, a Legião Árabe-Judaica, a Federação Sionista do Trabalho Judaico e a Organização Juvenil “Revisionista” Sionista[2]. A última delas, em particular, provocou um certo alarmismo no MI5. Alguns de seus membros frequentavam clubes judeus na região norte de Londres com discursos inflamados contra os britânicos, fundindo religião com política. Outra fonte de preocupação era o Luta Judaica, uma publicação “revisionista” sionista publicada em Londres que frequentemente publicava propaganda extremista do Irgun na Palestina, tipicamente denunciando os britânicos como “nazistas” e defendendo o uso da violência. O medo do MI5 era que o Luta Judaica agisse como fonte de recrutamento para futuros terroristas na Grã-Bretanha. EM dezembro de 1946, Alex Kellar e o conselheiro jurídico do MI5, Bernard Hill, encontraram-se com o diretor de promotoria pública e decidiram que, apesar da evidente falta de provas em processar, eles alertariam oficialmente os editores do Luta Judaica que se eles continuassem a publicar material do Irgun, o periódico seria fechado. O jornal aparentemente parou de publicar tal material logo depois.

Outra grande fonte de inteligência contraterrorista do MI5 nos anos de pós-guerra eram grupos sionistas e judeus moderados, tanto na Palestina quanto na Grã-Bretanha. Isso estabeleceu ligações próximas com o corpo oficialmente responsável pela representação dos desejos sionistas em relação ao governo britânico, a Agência Judaica. De fato, a política do MI5 em relação a Agência Judaica era ambígua: ele cooperava com ela, mas ao mesmo tempo a mantinha sob estrita vigilância, grampeando telefones e violando correspondências em seu quartel-general em Londres mesmo quando a Agência Judaica mantinha contato com seus funcionários. A razão para isto é que, apesar do MI5 confiar nos agentes de segurança da agência, ele suspeitava que seu grande staff e membros poderiam abrigar simpatizantes do Irgun e da Gangue Stern. A voluntariedade da agência em fornecer aos britânicos informações sobre o Irgun e a Gangue Stern revela a extensão na qual as atividades daqueles grupos não eram apoiadas pela maioria da população judaica na palestina – e isto, deve ser notado, não tem paralelo no terrorismo árabe e islâmico atual. O atentado ao King David Hotel conduziu o Movimento de Resistência Hebraico, que foi forjado entre o Haganah, o Irgun e a Gangue Stern a um fim. A operação de atentado do Irgun não foi aprovada pelo Haganah, e após julho de 1946, este último começou a fornecer aos britânicos informações sobre o Irgun e a Gangue Stern e ajudou o pessoal de segurança britânico a caçá-los.

Na própria Palestina, o oficial de ligações do MI5 estacionado em Jerusalém nos anos do pós-guerra, Henry Hunloke, um antigo deputado conservador, manteve contatos próximos com funcionários da Agência Judaica e coligiu informações valiosas deles, por exemplo, sobre terroristas suspeitos entrando ou saindo clandestinamente da palestina. Um dos funcionários da Agência de quem tanto o MI5 quanto o SIS (MI6) receberam inteligência contraterrorista foi Reuven Zislani, que trabalhou no departamento de inteligência estrangeira da Agência Judaica. Após 1948, Zislani mudou seu nome para Reuven Shiloah e tornou-se o primeiro chefe do serviço de inteligência estrangeira de Israel, o Mossad.

Em seus esforços para estabelecer contatos com funcionários da Agência Judaica na Grã-Bretanha, o MI5 usou uma série de intermediários. Apesar da documentação tornada pública estar presentemente incompleta, parece provável que o representante da Agência Judaica que encontrou o intermediário do MI5 foi Teddy Kollek, mais tarde um prefeito popular de Jerusalém, que durante a guerra tornou-se o vice-chefe do departamento de inteligência da Agência Judaica. Kollek é conhecido por ter fornecido ao MI5 inteligência contraterrorista na Palestina: por exemplo, em agosto de 1945 ele revelou a localização de um campo de treinamento secreto do Irgun próximo a Binyamina e disse a um funcionário do MI5 que “seria uma grande ideia atacar o local.” A informação que ele forneceu resultou na prisão de 27 combatentes do Irgun, incluindo o pai de um futuro ministro israelense.

Alguns dos encontros mantidos em março de 1947 entre o funcionário da Agência Judaica – provavelmente Kollek – e o intermediário do MI5, conhecido nos registros desclassificados pelo seu codinome, Escorpião, aconteceram nos restaurantes mais luxuosos de Londres. Um deles foi regado a uma refeição abundante de “ostras, pato e pequenos potes de creme de chocolate,” enquanto outro teve gim e “rosbife vermelho.” Os encontros produziram alguma inteligência sobre os combatentes do Irgun e da Gangue Stern suspeitos de estarem deixando a Palestina, cujos nomes o MI5 colocou em “listas de verificação” em portos e aeroportos britânicos. Apesar do valor desta informação, um funcionário do MI5 não poderia ajudar notando que sua boca começou a salivar quando ele leu os relatórios de Escorpião. Acima de tudo, esta era uma época quando na Grã-Bretanha austera, o racionamento de pão acontecia diariamente.

À medida que a ameaça terrorista intensificou-se, o MI5 tornou-se gradativamente preocupado com o apoio mostrado por grupos estrangeiros, e mesmo potências estrangeiras, ao Irgun e a Gangue Stern. Não exigiu muito trabalho de detetive para o MI5 descobrir que os dois grupos estavam recebendo apoio técnico do IRA. Um líder judaico do IRA, Robert Briscoe, que também foi membro do parlamento irlandês, um sionista “revisionista” e futuro prefeito de Dublin, era conhecido do MI5 por seu apoio ao Irgun, e em suas memórias ele lembrou que os ajudava da forma como ele podia. Briscoe, que em suas próprias palavras “teria feito negócios com Hitler se isso fosse bom para a Irlanda,” fez várias viagens à Grã-Bretanha antes da guerra e encontrou representantes do Irgun lá. Ele escreveu em suas memórias que ele nomeou-se “Professor com Doutorado em Atividades Subversivas contra a Inglaterra,” e ajudou o Irgun a organizar-se na linha do IRA. No sentido de aumentar a informação sobre a cooperação entre o IRA, o Irgun e a Gangue Stern, em outubro de 1947 o MI5 despachou um funcionário e um oficial da polícia palestina, o Major J. O´Sullivan, temporariamente de Londres para atualizar o MI5 sobre terrorismo sionista para Dublin. Eles contectaram-se com o CID irlandês, que manteve Briscoe sob vigilância e repassou suas informações ao MI5.

O ex-rabino chefe da Irlanda, Isaac Herzog, também era um simpatizante público da república irlandesa e do terrorismo sionista. Após sua emigração para a Palestina em 1936, Herzog ascendeu para a mais importante posição no mundo religioso judeu, o rabinato da Palestina. O DSO do MI5 na Palestina e a polícia palestina aparentemente mantiveram vigilância sobre as atividades do rabino Herzog. De uma forma que abranda as tensões que existiam entre moderados e extremistas tanto na Palestina quanto na Irlanda, um dos filhos de Herzog, Chaim, desaprovou o apoio de seu pai ao terrorismo. Em contraste gritante com seu pai, Chaim Herzog seviu na inteligência militar britânica no Dia-D, continuou ao ajudar a criar a comunidade de inteligência israelense e eventualmente tornou-se presidente de Israel.

A postura adotada pelo governo americano em relação à Palestina, e em particular a posição dos judeus americanos, algumas vezes tornaram difíceis para o MI5 obter cooperação das autoridades americanas sobre o terrorismo sionista. O apoio claro mostrado pelos EUA em relação às aspirações sionistas foi um dos muitos fatores que levaram o governo britânico em fevereiro de 1947 em colocar toda a questão da Palestina nas mãos das Nações Unidas.  Mais especificamente, o MI5 sabia que alguns grupos sionistas extremistas operando nos Estados Unidos, tais como o “Grupo Bergson” e o “Comitê Hebraico para a Libertação da Palestina” estavam levantando fundos e apoio logístico para o Irgun e a Gangue Stern, com explosivos e munição algumas vezes despachados como alimentos da Grã-Bretanha. O MI5 estabeleceu  uma relação útil de trabalho com a inteligência militar americana (G-2) nas zonas ocupadas da Europa para a migração judaica clandestina para a Palestina e terrorismo sionista, mas em geral a relação entre as inteligências britânica e americana em relação ao sionismo era difícil. Em março de 1948, a mais alta instância da comunidade de inteligência britânica, o Comitê da Junta de Inteligência, notou que seus relatórios sobre a Palestina seriam inevitavelmente controversos em Washington, e deveriam somente ser dados ao diretor da CIA em pessoa, e não deixados com ele. Também foi aconselhado que outros relatórios de inteligência britânicos sobre assuntos sionistas deveriam ser censurados antes que fossem repassados às autoridades americanas. Enquanto isso, a Operação Ouro, conduzida pela inteligência da Marinha americana, estava interceptando comunicação via cabo de combatentes judeus, mas isto não foi compartilhado com os britânicos e nem divulgado em Washington.

Um dos poucos caminhos nos quais o MI5 era capaz de receber cooperação do FBI sobre assuntos sionistas era provocando muitas conexões sionistas proeminentes com o comunismo e a União Soviética. O MI5 acreditava que muitos membros do Irgun e da Gangue Stern tinham chegado à Palestina com a ajuda da inteligência soviética. Menachem Begin e Nathan Friedman-Yellin, um líder da Gangue Stern, eram ambos poloneses de nascimento e o MI5 acertadamente suspeitava que os soviéticos ajudaram-nos a “escapar” para a Palestina durante a guerra. Muitos líderes sionistas defendiam a cooperação com a União Soviética, incluindo o chefe da “segurança” para a Agência Judaica na Palestina, Moshe Sneh, que estava ciente do – senão completamente envolvido – planejamento do atentado do King David Hotel. As suspeitas do MI5 foram confirmadas por pesquisa subsequente, que mostra que em muitas ocasiões a Gangue Stern apelou a Moscou por ajuda.

Isto torna o envolvimento do notório espião soviético Kim Philby nas investigações do SIS sobre o terrorismo sionista muito mais interessantes. Philby – agente de Moscou de longa data nos serviços de inteligência britânicos – era, na época, o chefe da seção IX no SIS, a contrainteligência soviética. A posição garantiu-lhe um interesse legítimo no Oriente Médio – um interesse que ele provavelmente também sentia por causa de seu pai, o notório arabista, Harry St John Philby. Durante a guerra, St John Philby tinha tentado sem sucesso negociar um acordo de partilha da Palestina, o chamado Plano Philby. A agenda manipuladora de Kim Philby nas investigações sionistas do SIS é difícil de determinar. Em 9 de julho de 1946, o SIS circulou um relatório em Whitehall aconselhando que o Irgun estava planejando realizar “ações criminosas” contra a missão diplomática britânica em Beirute. Quase certamente este era um alerta falso do atentado do King David, que ocorreu duas semanas depois. Foi Philby que circulou o documento. Ele tinha menos motivação em sabotar as investigações britânicas sobre o terrorismo sionista, contudo, ele o fez em outras áreas. Ele indubitavelmente teria secretamente festejado a campanha terrorista realizada no território britânico da Palestina  já que abalava o império britânico, mas quando ele estava trabalhando com assuntos sionistas para o SIS – e por extensão para a KGB – imediatamente após a guerra, a política da União soviética em relação a Palestina ainda não havia cristalizado. Moscou inicialmente apoiou a criação do Estado de Israel, esperando que ele seria um estorvo no lado do Ocidente “imperialista”, e a União Soviética foi o primeiro país no mundo a reconhecer Israel quando ele foi estabelecido em maio de 1948. Contudo, Stalin calculou mal: nos anos seguintes, Israel construiu uma relação especial com os EUA, e não com a União Soviética, e Stalin gastou seus anos finais antes de sua morte em 1953 consumido por teorias conspiratórias antissemitas. Por volta desta época, Philby já não trabalhava mais com assuntos sionistas para o SIS e, portanto, também não para a KGB. Na ausência dos ainda fechados arquivos da KGB, o papel preciso de Philby em assuntos sionistas deve permanecer uma questão de especulação. Mesmo assim, Moscou certamente teria ficado interessado em aprender, por ele, que Londres suspeitava do envolvimento soviético no terrorismo sionista.

Junto com suas operações contraterroristas na Grã-Bretanha, nos anos imediatos do pós-guerra, os serviços de inteligência da Grã-Bretanha também estavam avaliando e contendo imigração judaica “ilegal” para a Palestina. De fato, o MI5 e o SIS ajudaram a formatar a resposta do governo britânico a esta imigração. Em 1939, um sistema de cota foi estabelecido o qual limitava o número de imigrantes judeus para a Palestina em 7.500 por ano. A imigração acima deste número era classificada como “ilegal” pelo governo britânico. Então, como agora, “imigração ilegal” era um termo carregado por controvérsia, e um debate acalorado sobre ele atingiu políticos sionistas e o governo britânico. O papel do MI5 nele não era para debater os aspectos morais e legais da imigração judaica para a Palestina, mas produzir avaliações desapaixonadas para Whitehall sobre suas implicações de segurança.

A avaliação geral do MI5 era que a imigração em massa de judeus para a Palestina provocaria certamente uma guerra civil entre árabes e judeus, como já havia acontecido durante a “Revolta Árabe” nos anos 1930. A política principal elaborada pelas autoridades britânicas para prevenir imigração “ilegal” era interceptar navios de refugiados. Centros de detenção foram estabelecidos em Chipre para abrigar os refugiados interceptados, que eram então permitidos entrar na Palestina  através do sistema de cotas. Isto foi, porém, outro desastre de relações públicas para o governo britânico, cujos críticos o acusaram de estabelecer “campos de concentração ao estilo nazista”. Os britânicos também deportaram alguns combatentes do irgun e do Stern para centros de detenção na Eritréia, que novamente atraiu reclamações que eles não eram melhores do que os nazistas. Tais críticas algumas vezes vinham de fontes surpreendentes, não menos importante que o secretário adjunto no Departamento Colonial, Trafford Smith, que privadamente detalhou sua frustração:

A verdade real para a qual nós firmemente fechamos nossos olhos é que neste negócio de detenção emergencial estamos copiando os nazistas, seguindo o erro familiar de que os fins justificam os meios (especialmente quando os meios servem a conveniência atual). Estamos longe de suprimir o terrorismo, e porque não encontramos nenhum meio melhor criamos medidas que são intrinsecamente erradas, e que, desde que sua consequência é evidente para o mundo todo, deixa-nos expostos a críticas justificáveis e não respondidas.

Ao invés de buscar medidas mal concebidas e contraproducentes de deportação e detenção de refugiados judeus, o MI5 aconselhou o Gabinete e os chefes de departamento a concentrar seus esforços em prevenir a imigração “ilegal” “na fonte”. Com a ajuda do SIS, o MI5 identificou um número de companhias de transporte marítimo sulamericanas e gregas que alugavam navios para refugiados judeus, e o Departamento do Exterior era capaz de exercer pressão nestes governos para prevenir que as companhias se registrassem em seus países para praticar esse negócio. As operações parecem ter dado retorno. Um relatório do MI5 afirmou que em 1948 “somente 1 de cerca de 30 navios transportando imigrantes ilegais alcançou seu destino.”

Enquanto o MI5 fez avaliações e estava envolvido em medidas defensivas para conter migração ilimitada para a Palestina, outros serviços de inteligência britânicos tentaram ativamente subverter o fluxo de migrantes. Em fevereiro de 1947, o SIS conduziu uma operação, apropriadamente chamada de Embaraço, para a “ação de direção”. Uma pequena equipe, a maioria formada de antigos membros do SOE, foi recrutada para instalar minas em navios de refugiados e desabilitá-los antes que pudessem levantar âncoras. No verão de 1947, a equipe desabilitou cinco navios em portos italianos – tendo verificado que não havia ninguém a bordo. Mesmo assim, se a Operação Embaraço tivesse se tornado pública, o fato dos agentes do SIS estarem carregando minas em navios transportando sobreviventes do Holocausto teria sido desastroso para o governo britânico.

A Operação Embaraço não parou por aí. Quando algumas das minas foram descobertas, o SIS culpou um grupo de oposição árabe fictício, “Defensores da Palestina Árabe” e, então, o governo soviético. Ela conseguiu máquinas de datilografar que eram usadas por grupos árabes dissidentes  e autoridades soviéticas, e as usou para datilografar cartas implicando os dois grupos, que foram então convenientemente vazadas em Whitehall. Em um movimento posterior, o SIS fez parecer que o governo britânico estava usando o tráfico de refugiados judeus para conseguir tirar seus próprios agentes da Europa, esperando assim fazer com que os soviéticos bloqueassem o fluxo de migrantes para a Palestina. O SIS, portanto, tentou enganar não somente refugiados judeus, grupos de oposição árabes e o governo soviético, mas o próprio governo britânico. Isto realmente foi coisa para iludir e enganar. A política britânica de limitar a imigração judaica para a Palestina, tanto pública quanto a secreta, foi marcada por controvérsia e ressentimento. Foi, contudo, sintomática de um problema mais profundo que corroeu o poder britânico na Palestina: a Grã-Bretanha enfrentou uma série de exigências contraditórias em relação ao futuro do território – de judeus, árabes e da opinião mundial em geral. No início de 1946, um comitê anglo-americano de pesquisa foi apontado para encontrar uma solução na Palestina, mas apesar dos melhores esforços de seus membros, que  em abril de 1946 recomendaram que um compromisso fosse encontrado de modo que os judeus não dominassem os árabes na Palestina, nem os árabes dominassem os judeus, as descobertas do comitê não foram aceitas por nenhuma das partes. Em setembro de de 1947, o JIC em Londres estava apresentando um quadro sombrio para o governo britânico em relação ao futuro do território, concluindo que qualquer solução seria inaceitável tanto para judeus quanto para árabes. A Grã-Bretanha encontrou-se na situação que tornou-se rapidamente ingovernável. Em 1947, 100.000 soldados – um décimo de toda a força militar de todo império britânico – foi deslocada para a Palestina, um encargo financeiro que Londres não poderia suportar.        
           
Nota:

[1] Em inglês, Home Office Warrants.

[2] O Sionismo Revisionista é uma facção do movimento sionista que prega o direito não-religioso dos judeus a Israel (Eretz Yisrael) e à criação de um Estado judaico com população predominantemente judaica em ambos os lados do Rio Jordão. O movimento foi criado em 1925 pelo intelectual judeu russo Ze´ev Jabotinsky. As ideias do sionismo revisionista estão hoje representadas pelo partido Likud.



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