terça-feira, 7 de novembro de 2017

[POL] 17 crimes contra a humanidade cometidos pela União Soviética

Maurício Brum


Em 7 de novembro de 1917, a previsão de Karl Marx se concretizou em um país impensado: não na industrializada Inglaterra, mas em uma Rússia recém-saída de um feudalismo tardio, o espectro do comunismo que rondava a Europa aniquilou a tricentenária Dinastia Romanov, seu Império, e iniciou uma nova era para o mundo. A Revolução de Outubro (que ocorreu em novembro, no calendário gregoriano) triunfava e, cinco anos mais tarde, tendo incentivado movimentos similares no Leste Europeu, daria origem à União Soviética. 

Assim como, 128 anos antes, a Revolução Francesa havia se valido da violência extrema para acabar com os antigos donos do poder e modificar as estruturas da sociedade, aqueles liderados por Lenin também perseguiram, exilaram e mataram quem pudesse ser identificado como inimigo dos ideais da Revolução – desde os czaristas até os “burgueses”. Em julho de 1918, a própria família Romanov seria executada, oito meses depois da vitória do Exército Vermelho. 

A manutenção do novo regime do poder exigiu um sistema totalitário e repressivo desde o princípio: o primeiro gulag surgiria em 1919 e as táticas para desqualificar a oposição chegariam até mesmo à deturpação da psiquiatria para enquadrar adversários políticos como “esquizofrênicos”. As atrocidades iniciais da rebelião bolchevique, que na época foram justificadas como consequências da Guerra Civil, tornaram-se sistemáticas após Josef Stalin assumir o poder em 1922. 

“Para pesquisadores da história soviética, nenhum problema é maior do que o stalinismo. Como era possível que a Revolução de Outubro de 1917, que parecia prometer a liberdade e igualdade humanas, resultou não em uma utopia comunista mas em uma ditadura stalinista? Por que essa tentativa de criar uma sociedade perfeita levou aos gulags, expurgos sangrentos e níveis de repressão estatal sem precedentes?”, questiona o historiador David Hoffmann, da Ohio State University, na introdução da coletânea “Stalinism: the Essential Readings” (Stalinismo: Leituras Essenciais, sem tradução no Brasil). 

A maior parte das atrocidades cometidas no período soviético, inclusive os crimes de guerra durante o confronto com os nazistas, ocorreram sob o olhar do ditador mais sangrento de sua história. Mas, embora em menor intensidade, a União Soviética continuaria a reprimir opositores muito tempo depois da morte de Stalin – até às vésperas de seu colapso final. 

1. O Terror Vermelho 

A primeira violência veio acompanhada da Guerra Civil que marcou os anos iniciais da Revolução. Oficialmente, o “Terror Vermelho” foi o período de perseguições deliberadas por parte dos bolcheviques contra seus adversários políticos, entre setembro e outubro de 1918 – cerca de 10 mil pessoas pereceram nos assassinatos massivos do período. Mas muitos historiadores vão além e argumentam que o Terror deveria compreender todo o período de conflitos, desde o início da Revolução, em 1917, até o triunfo definitivo dos comunistas em 1922. 

Estima-se que, durante a totalidade da Guerra Civil, além daqueles mortos nas batalhas, pelo menos 100 mil pessoas tenham sido executadas por motivação política, acusadas de colaborar com o czarismo e conspirar contra a Revolução. A repressão foi marcada por torturas com requintes de crueldade. O historiador britânico Orlando Figes, autor do livro “A tragédia de um povo: A Revolução Russa, 1891-1924”, diz que as técnicas lembravam aquelas da Inquisição Espanhola – em algumas cidades, houve registros de escalpelamentos, empalamentos e fogueiras humanas. 

2. Perseguição aos kulaks e aos cossacos 

Os kulaks compunham uma classe de proprietários rurais relativamente ricos para os padrões do país, contando com mais terras e a capacidade de contratar agricultores assalariados. Camponeses que haviam enriquecido após as reformas sociais ocorridas no Império Russo em 1906, os kulaks estiveram entre os primeiros grupos a serem tachados de “inimigos do povo” e serem perseguidos, expropriados e deportados após a Revolução, considerados um dos símbolos do capitalismo no campo. 

Nos primeiros anos do novo regime, a definição de kulak foi ampliada e, em muitos casos, passou a abranger qualquer camponês que se negasse a ceder suas colheitas às tropas soviéticas – e, mais tarde, até mesmo para camponeses que, sem ser exatamente ricos, possuíam mais recursos do que a média. O processo de “deskulakização” se tornou ainda mais violento após a ordem emitida por Stalin no final de 1929, ordenando que os kulaks fossem “liquidados” enquanto classe. Estima-se que até 5 milhões de pessoas tenham perdido a vida entre a Revolução e 1933, data que os historiadores costumam apontar como o fim do processo. 

Os cossacos, por sua vez, eram comunidades historicamente formadas por camponeses que haviam fugido da servidão em locais como Polônia, Lituânia, Rússia e Ucrânia. Com um forte viés militar, os cossacos passaram longo tempo oferecendo seus serviços ao Império Russo em troca da manutenção da sua autonomia. Tendo defendido majoritariamente as forças mencheviques e o Exército Branco em 1917, foram reprimidos e perderam sua autonomia após a vitória dos revolucionários: estimativas conservadoras indicam que pelo menos 10% da população de 3 milhões foi deportada ou morta nos anos seguintes à Revolução. 

3. A fome no Tartaristão (1921-22) 

Ocorrida entre 1921 e 1922, a primeira grande fome russa após a queda dos Romanov é considerada uma soma de fatores que vão além dos erros das políticas comunistas: se é verdade que Lenin vinha confiscando alimentos em nome da Revolução, pesquisadores argumentam que a principal causa da fome foram as dificuldades de distribuição que vinham desde a Primeira Guerra Mundial e as grandes secas ocorridas em 1921. Foi um dos períodos mais sombrios na Rússia pós-revolucionária, com registros de atos de canibalismo em algumas das áreas afetadas. 

Na época, a comunidade internacional considerou a fome uma tragédia humanitária sem grande influência da nova ditadura, e ofereceu enorme apoio, enviando toneladas de alimentos. Mesmo assim, documentos do período indicam que, em algumas regiões, os esforços para debelar a fome foram deliberadamente mais lentos, em um ato de limpeza étnica: no final dos anos 80, em meio à abertura dos arquivos soviéticos, o historiador ucraniano radicado no Canadá Roman Serbyn apontou que a fome havia sido causada e intensificada por ações humanas propositais. 

Esse seria o caso, sobretudo, do Tartaristão, região às margens do rio Volga habitada pelo povo tártaro. Com um nacionalismo perigoso aos interesses revolucionários, motivo que tornava sua eliminação “necessária”, os tártaros sofreram perdas proporcionalmente muito maiores que o restante da Rússia – representariam até 2 milhões dos 5 milhões de vidas que, se acredita, foram perdidas no período. Ao final da grande fome, cerca de um quarto dos habitantes do Tartaristão havia perecido ou emigrado. 

4. O Holodomor (1932-1933) 

Se as secas ainda são debatidas como a principal causa da fome na década de 20, o Holodomor (ucraniano para “matar pela fome”) é muito menos dúbio: tendo sua existência negada oficialmente pelo governo soviético até a abertura provocada pela Glasnost na década de 80, a grande fome ucraniana hoje é formalmente reconhecida como um ato de genocídio por países como Austrália, Canadá, México e Portugal. A Rússia, embora admita atualmente que o Holodomor ocorreu, continua negando que tenha sido uma política deliberada de extermínio da população ucraniana. 

Stalin temia o nacionalismo ucraniano como um movimento capaz de fragmentar a jovem União Soviética e, no longo prazo, colocar em risco a própria sobrevivência do comunismo. A retirada gradual de alimentos da região – uma área produtora de cereais e grãos – e a lenta resposta à fome, quando ela se tornou endêmica, teriam como objetivo enfraquecer decisivamente qualquer resistência aos desígnios de Moscou. 

O total de mortos no Holodomor varia de acordo com as estimativas – chegando até a 12 milhões em alguns cálculos. Em 2010, o Tribunal de Recursos de Kiev concluiu uma investigação afirmando que a perda demográfica da Ucrânia no período ultrapassou 10 milhões de pessoas – quase 4 milhões vitimados diretamente pela fome, e o restante causado por nascimentos que deixaram de ocorrer em função da desnutrição. 

5. Gulag 

Gulag era, originalmente, uma sigla. Vinha de Glavnoye Upravleniye Lagerej, nome resumido, em russo, para a Administração Central dos Campos de Trabalho Corretivo e das Colônias de Trabalho. Era o local onde acabavam criminosos comuns e também os políticos – que poderiam ser desde opositores reais até pessoas inocentes acusadas de conspirar contra a Revolução. 

Com o tempo, gulag tornou-se uma palavra destinada a descrever os próprios campos, popularizada pelo escritor (e dissidente) soviético Aleksandr Solzhenitsyn, ganhador do Nobel de Literatura de 1970 e autor do clássico “O Arquipélago Gulag” (1973), livro em que denuncia as condições subumanas dos campos de trabalho forçados. Solzhenitsyn, que permaneceu oito anos preso em um gulag, foi expulso da URSS em 1974, após a publicação de seu livro sobre as colônias penais, que descrevia como lugares onde se trabalhava até morrer de exaustão. 

O primeiro gulag, o de Solovski, foi criado em 1919 e apenas um ano depois já havia 100 mil pessoas presas em campos similares espalhados pela Rússia – a maioria deles localizados nas regiões mais inóspitas da Sibéria. Pelo menos 476 campos existiram em algum momento na URSS, a maioria deles durante o período stalinista. Os gulag não funcionavam apenas como depósito de criminosos e opositores políticos: segundo a historiadora Galina Ivanova, também tinham uma importância gigantesca na economia soviética. Pouco antes do início da Segunda Guerra, 76% do estanho e 60% do ouro extraídos na União Soviética vinham dos campos de trabalhos forçados. 

Acredita-se que, até o final da vida de Stalin, mais de 14 milhões de pessoas tenham passado pelos campos. Alguns eram mais inóspitos do que outros: os campos às margens do rio Indigirka, por exemplo, chegavam a registrar temperaturas na casa dos 70 graus negativos durante o inverno e eram tido como os piores de todos. Após a morte de Stalin, os campos foram sendo gradativamente fechados e os prisioneiros receberam anistias. A instituição burocrática conhecida pela sigla Gulag foi formalmente fechada em 1960, mas colônias de trabalhos forçados continuaram a existir até o final da década de 80. 

O último campo, conhecido como Perm-36, operou até dezembro de 1987 – e permanece como o único antigo gulag ainda existente, após a destruição dos demais pelos governos soviéticos. Próximo aos montes Urais, o Perm-36 foi convertido em um museu e ainda está aberto para visitação, mas cortes no orçamento do governo russo vêm ameaçando seu funcionamento nos últimos anos. 

6. Yezhovshchina: os Grandes Expurgos 

Grande parte dos crimes atribuídos a Josef Stalin parece marcada por uma paranoia permanente: o medo de ser traído e derrubado do poder, por inimigos estrangeiros ou internos – frequentemente, dentro do próprio Partido Comunista. O assassinato de Trotsky, em 1940, perseguido até o México, é um dos episódios mais famosos da caça interminável de Stalin a aqueles que considerava inimigos políticos, mas a busca havia começado muito antes. 

Um dos períodos de maior perseguição interna começou após o 17º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1934, que mais tarde ficaria conhecido como o “Congresso dos Condenados”. Na ocasião, a reeleição de Stalin como secretário-geral era mera formalidade, mas a contrariedade em relação às suas políticas ficou clara quando se apuraram os votos para o Comitê Central: acredita-se que mais de cem delegados do PCUS tenham dado votos negativos ao nome de Stalin (o número exato foi apagado dos registros por ordem do ditador), enquanto somente três votaram contra Sergei Kirov, líder do Partido em Leningrado (atual São Petersburgo) e um dos favoritos para “renovar” o comunismo. 

Poucos meses depois, Kirov apareceu assassinado em circunstâncias misteriosas. Stalin, possivelmente o mandante do crime, usou a morte como pretexto para anunciar que havia traidores dentro do PCUS e “expurgos” eram necessários. Nos anos seguintes, mais de 600 mil membros do Partido e do Exército Vermelho seriam presos ou mortos. Dos 139 membros do Comitê Central eleitos no 17º Congresso, 98 foram executados sumariamente. Os Grandes Expurgos também ficaram conhecidos como Yezhovshchina (literalmente, “fenômeno Yezhov”), por conta de Nikolai Yezhov, chefe da NKVD, a polícia secreta soviética que coordenava a perseguição. Mas, no fim das contas, nem Yezhov escapou da ira de Stalin: após desagradar o ditador, o próprio inquisidor soviético perdeu seu cargo, acabou preso e foi executado em 1940. 

7. Intervenção na Mongólia (1937) 

O controle da União Soviética sobre países-satélite começou desde muito cedo. A Mongólia havia se tornado uma nação independente em 1911, após escapar ao domínio da Dinastia Qing (a última casa imperial chinesa que, em declínio, veria a China se tornar uma república no ano seguinte), e em 1924 se tornou um país socialista. 

Desde o início, os mongóis estiveram sob o domínio do Kremlin. Quando Stalin iniciou os seus expurgos, o ditador Khorloogiin Choibalsan pediu apoio à NKVD para fazer o mesmo em seu país. 

Em solo mongol, os “inimigos da revolução” eram principalmente os budistas: entre 20 mil e 35 mil pessoas foram mortas, incluindo lamas, e mais de 700 mosteiros foram destruídos. Mas até ex-líderes socialistas foram vítimas da perseguição indiscriminada: os ex-primeiro-ministros Peljidiin Genden e Anandyn Amar também foram executados. Choibalsan, a exemplo de Stalin, continuaria no poder até sua morte, em 1952. 

8. Invasão à Polônia (1939) 

Assinado secretamente por nazistas e soviéticos em 23 de agosto de 1939, o Pacto Molotov-Ribbentrop seria depois justificado por Stalin como uma ação necessária para proteger o seu país. Mas o tratado era mais do que um acordo de não-agressão entre alemães e comunistas: também garantia a partilha da Polônia entre os dois lados. Hitler invadiu pelo lado ocidental no início de setembro, no episódio que marcou o começo formal da Segunda Guerra Mundial na Europa. Stalin deu início à sua invasão, desde o oriente, dezesseis dias mais tarde. 

Já combalida pela resistência aos nazistas, a Polônia caiu rapidamente sob o jugo de Moscou. O território foi anexado pela URSS e, de imediato, mais de 300 mil pessoas foram deportadas à Sibéria. Calcula-se em torno de 150 mil as vítimas fatais desse período inicial. A Polônia só teria sua soberania formal devolvida ao final da Segunda Guerra, e mesmo assim como uma fachada: seria um dos mais importantes estados-satélite da União Soviética até a ascensão do movimento Solidariedade e a eventual queda da Cortina de Ferro.

Ainda na Segunda Guerra, a parceria inicial entre Hitler e Stalin logo seria deixada de lado, também por causa da Polônia: em 1941, os alemães invadiram o lado soviético do país, iniciando sua investida na direção da Rússia. O fim do pacto de não-agressão entre nazistas e comunistas levou a algumas das mais sangrentas batalhas do período – e, dos dois lados, a alguns dos piores crimes de guerra já registrados. 

9. Massacre de Katyn (1940) 

Logo após a invasão à Polônia, Stalin decidiu cortar qualquer resistência pela raiz, executando sumariamente os principais líderes políticos e militares do país. A URSS passaria meio século negando seu envolvimento no crime de guerra, afirmando que o massacre havia sido obra dos nazistas, mas reconheceu sua responsabilidade em 1990 – já no fim do comunismo.

Em 2010, o governo russo aprovou uma declaração culpando Stalin e outros altos oficiais soviéticos por ter dado a ordem do massacre. Mais de 20 mil pessoas foram mortas em diferentes lugares da União Soviética, mas o episódio passou a ser conhecido pelo nome em que a primeira vala comum foi encontrada, a floresta de Katyn, na fronteira entre a Rússia e a Bielorrússia. 

10. Massacre de Teodósia (1942) 

Localizada na Crimeia, região foco de disputas territoriais até hoje (pertencendo oficialmente à Ucrânia, mas ocupada pela Rússia desde 2014), a cidade de Teodósia já esteve sob o domínio de gregos, mongóis, tártaros, genoveses, otomanos e russos. Também uma zona disputada na Segunda Guerra, esteve sob ocupação alemã até o final de 1941, quando foi recuperada pelo Exército Vermelho. 

Ao tomar Teodósia, os militares soviéticos encontraram um hospital repleto de soldados nazistas convalescendo, e os assassinaram massivamente. O crime de guerra foi descoberto após as tropas alemãs reconquistarem a cidade, cerca de três semanas mais tarde, e encontrarem em torno de 150 soldados da Wehrmacht mortos, alguns ainda nos leitos do hospital, outros atirados pelas janelas e empilhados na praia próxima.

11. Massacre de Grischino (1943) 

Os soviéticos capturados pelos nazistas acabavam se tornando vítimas de alguns dos piores crimes da Segunda Guerra Mundial – e o Exército Vermelho acabava respondendo da mesma forma. 

O massacre de Grischino ocorreu na Ucrânia, no início de 1943, quando 508 prisioneiros de guerra e 88 civis foram assassinados brutalmente pelas tropas soviéticas. 

Os corpos foram encontrados depois com mutilações terríveis: segundo testemunhas, vários soldados tiveram suas genitais arrancadas e colocadas em suas bocas; enfermeiras alemãs também foram encontradas com os seios cortados e com sinais de estupro. 

12. O “estupro de Berlim” 

Durante a conquista da Alemanha no final da Segunda Guerra, soldados enfurecidos do Exército Vermelho queriam vingança das atrocidades cometidas pelos nazistas durante a campanha no front oriental. 

Entre as memórias que traziam da invasão alemã à União Soviética estavam os estupros massivos das mulheres locais. Um dos crimes mais vis da guerra, a violência sexual ocorreu tanto por parte de tropas aliadas quanto do Eixo – em anos recentes, nova documentação revelando atrocidades cometidas por americanos, britânicos e franceses, além dos soviéticos, ajudou a jogar luz sobre atrocidades que na época não foram reportadas por muitas das mulheres, envergonhadas e amedrontadas. 

A memória alemã, porém, guarda os soldados soviéticos como os mais violentos desse período, e atribui a isso o sentimento de vingança em relação ao que havia acontecido em suas cidades. O Memorial Soviético de Guerra, em Berlim, é conhecido informalmente por muitos germânicos como a “Tumba do Estuprador Desconhecido”. O número de mulheres estupradas na Alemanha ou de crianças nascidas dessas violações permanece desconhecido, mas alguns historiadores estimam o número em 100 mil, apenas em Berlim. 

A violência foi tamanha que mesmo Stalin achou necessário colocar limites em suas tropas: segundo Oleg Rzheshevsky, um dos diretores da Associação Russa de Historiadores da Segunda Guerra, mais de 4 mil oficiais do Exército Vermelho foram condenados à morte pelos crimes contra civis alemães nos primeiros meses de 1945. 

Em seu poema épico “Noites prussianas”, Aleksandr Solzhenitsyn escreveu sobre os estupros que testemunhou enquanto lutou pelo lado soviético na Segunda Guerra, e o sentimento de vingança que pairava em relação às atrocidades cometidas pelos nazistas durante a invasão à Rússia: 

“A pequena filha está no colchão,/ Morta. Quantos a possuíram/ Um pelotão, talvez uma companhia?/ Uma menina tornou-se uma mulher,? Uma mulher transformou-se num cadáver./ Tudo se resume a simples frases:/ Não se esqueçam! Não perdoem!/ Sangue por sangue! Dente por dente!” 

13. A “esquizofrenia progressiva” 

Opor-se ao governo não era apenas ilegal: em muitos casos, era visto como uma doença. O uso político da psiquiatria pelo governo soviético intensificou-se nos anos 50, por influência de Andrei Snezhnevsky. Por pressão do governo e do próprio Snezhnevsky, psiquiatras ligados à Academia Soviética de Ciências Médicas passaram a rejeitar as descobertas científicas que vinham sendo feitas no país e no exterior e se filiar ao conceito de “esquizofrenia progressiva” – um instrumento vastamente utilizado para desqualificar opositores publicamente. 

A “esquizofrenia progressiva” trazia sintomas que, convenientemente, se assemelhavam ao comportamento de um típico opositor do regime: demonstrar pessimismo, não conseguir se conformar à ordem social existente e tentar questionar as autoridades seriam sintomas claros de que um paciente estaria desenvolvendo a fictícia desordem psiquiátrica. 

Foi também uma forma de fazer a repressão chamar menos atenção da comunidade internacional: os diagnósticos, crescentes após o fim do stalinismo, permitiam enviar os dissidentes a hospitais psiquiátricos em vez dos velhos gulags, que vinham sendo fechados progressivamente – e davam a possibilidade de confinar indivíduos indesejáveis por períodos indeterminados, muito além das penas comuns. 

Os dados foram ocultados pela ditadura e só nos anos 90 comissões investigadoras começaram a mensurar a dimensão da repressão por vias psiquiátricas. Os números de afetados variam enormemente: alguns pesquisadores dizem que não teriam sido mais que 200 pessoas, outros acreditam que o número poderia passar de 20 mil internados em hospitais psiquiátricos por demonstrar um comportamento contrário ao governo. 

A corrupção da psiquiatria não caiu por terra totalmente com o fim do regime comunista, e ainda hoje opositores de Vladimir Putin se deparam com a velha realidade. Em 2012, as integrantes da banda punk feminista Pussy Riot, conhecida por suas críticas ao governo, passaram por avaliação psiquiátrica a pedido da procuradoria, que usou o controverso diagnóstico de “transtorno de personalidade” para pedir seu isolamento da sociedade. 

14. Deportações internas 

Entre as políticas para facilitar a conquista de novas Repúblicas Soviéticas para compor a URSS, estava a deportação massiva e forçada de pessoas identificadas de alguma forma como inimigas da Revolução – geralmente, setores “burgueses” e membros da intelligentsia local. Os lugares em que os deslocamentos obrigatórios foram impostos de maneira mais sistemática foram os países do Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia). 

Ocupados durante a Segunda Guerra, eles se tornaram os membros da União Soviética menos afeitos a fazer parte do país – enquanto a maioria das outras repúblicas havia tido uma revolução interna antes, a anexação do Báltico foi forçada desde o início. 

As deportações, geralmente para a Sibéria, ocorreram ao longo de vários anos, mas tiveram algumas ondas principais: a Deportação de Junho, em 1941; a Operação Priboi, em 1949 e a Operação Osen, em 1951, são algumas das mais famosas. 

Vendidas como uma nova campanha de deskulakização, elas deslocaram em torno de 150 mil pessoas e dizimaram a resistência aos comunistas, especialmente o grupo guerrilheiro “Irmãos da Floresta”. Após a morte de Stalin, muitos habitantes foram autorizados a voltar, mas estima-se que cerca de 60% dos deportados já tinham morrido – e muitos outros acabaram fundando vilarejos na Sibéria, onde permanecem até hoje. 

Outros deslocamentos forçados tiveram um forte componente racista: buscando a “russificação” de territórios, a ditadura stalinista promoveu a limpeza étnica de grupos regionais, substituindo-os por aqueles que considerava menos resistentes à sua política. Quase 100 mil membros do povo kalmyk, originário do sudoeste da Rússia, foram deportados na Operação Ulussy de 1943, e metade deles morreu na Sibéria antes de um decreto autorizá-los a voltar para casa, treze anos depois. 

A violência das deportações foi tamanha que a própria URSS, já próxima do fim, acabaria reconhecendo como um crime contra a humanidade – identificando-as como uma “ação bárbara do regime de Stalin”. Em novembro de 1989, o Soviete Supremo condenou as deportações como algo que “contradiz as fundações da lei internacional e a natureza humanista do sistema socialista”. 

15. Repressão à Revolução Húngara (1956) 

Com o final da Segunda Guerra, a Europa passou a conviver com a ideia da Cortina de Ferro. “De Stettin, no Báltico, a Triste, no Adriático, uma ‘Cortina de Ferro’ desceu sobre o continente. Atrás daquela linha estão todas as capitais dos antigos estados da Europa Central e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia; todas essas cidades famosas e as populações ao redor delas estão agora naquilo que eu chamo de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética, mas a um controle muito alto e em alguns casos crescente desde Moscou”, disse o premiê britânico Winston Churchill, nos estertores da Guerra Mundial. 

A Revolução Húngara de 1956 seria o primeiro grande questionamento ao domínio soviético vindo de trás da Cortina de Ferro – a tentativa inicial de um estado-satélite de Moscou tentar recuperar a sua soberania e autodeterminação. 

Foi, também, um teste de fogo para detectar qual seria a nova postura do Partido Comunista após a morte de Stalin, que naquele ano havia sido denunciado pelo seu sucessor, Nikita Khrushchev. 

O que começou como uma revolta estudantil tomou proporções nacionais após um manifestante ser morto pela polícia estatal húngara, a ÁVH. Nos dias seguintes, milícias armadas anti-soviéticas começaram a bater de frente dom as tropas locais e com os soldados do Exército Vermelho presentes no país.  

Embora o governo húngaro inicialmente tenha anunciado o interesse em negociar uma saída dos soldados soviéticos, logo a revolta passou a ser reprimida com violência, acabando em 10 de novembro de 1956, apenas dezoito dias após o seu início. 

Ao todo, cerca de 3 mil húngaros foram mortos nos conflitos, e outros 200 mil se exilaram. O número de asilados políticos incluía até mesmo os craques da Seleção Húngara, vice-campeã mundial dois anos antes. Boa parte do time defendia o Honvéd de Budapeste e estava na Espanha para uma partida quando a revolta estourou, decidindo jamais voltar. Ferenc Puskás, maior jogador húngaro da história, acabaria assinando contrato com o Real Madrid e chegaria a defender a Seleção Espanhola. 

Dois anos após o levante, aqueles que Moscou consideravam os principais líderes foram gradativamente executados, entre eles Pál Maléter, o líder militar dos revolucionários, e Imre Nagy, o primeiro-ministro húngaro no momento em que a revolução estourou, considerado um “traidor”. 

A violenta repressão, somada à denúncia do stalinismo ocorrida mais cedo naquele ano, abalou muitos membros do Partido Comunista ao redor do mundo, que nos anos seguintes passariam a questionar os rumos dados pela URSS à Revolução. 

16. Intervenção na Primavera de Praga 1968 

Um novo questionamento ao domínio soviético sobre o Leste Europeu ocorreu na Tchecoslováquia entre janeiro e agosto de 1968. 

Alexander Dubcek havia sido eleito Primeiro Secretário do Partido Comunista do país e passou a implementar uma série de reformas que reduziam a centralização do poder e da economia, ensaiando uma abertura em relação ao Ocidente. 

Moscou buscou negociar a interrupção das reformas nos bastidores e, diante da recusa do governo de Praga em ceder sua autonomia, mais de meio milhão de soldados das nações ligadas ao Pacto de Varsóvia invadiram a Tchecoslováquia na madrugada de 21 de agosto.  

A intervenção militar foi uma demonstração de força e um alerta a outros países. Marcava o início do que ficaria conhecido como a Doutrina Brezhnev (Leonid Brezhnev havia derrubado Khrushchev e passado a comandar a URSS em 1964): segundo ela, a autodeterminação dos povos e a soberania das nações podiam ficar de lado se o socialismo estivesse ameaçado – neste caso, a ameaça não era apenas ao país em que as reformas ocorriam, mas a todas as nações sob a esfera soviética. 

Relativamente, a invasão soviética de 1968 não teve um derramamento de sangue tão grande quanto outros episódios dessa lista: foram registradas 137 mortes de civis. Alexander Dubcek também não foi removido imediatamente de seu posto – isso só ocorreria em abril de 1969, após a Tchecoslováquia vencer a URSS na final do Campeonato Mundial de Hóquei e a multidão usar a celebração do título como pretexto para tomar as ruas em protesto contra a ocupação do Exército Vermelho. Mas o encerramento forçado da Primavera de Praga indicava que tempos duros voltariam à vida cotidiana: quase 300 mil tchecoslovacos fugiriam do país nos anos seguintes. 

Como havia ocorrido em 1956, a ocupação de 1968 também foi um momento de ruptura para comunistas e socialistas ao redor do mundo, que passaram a criticar cada vez mais abertamente as políticas de Moscou. 

17. Janeiro Negro (1990) 

Depois de tentativas frustradas nas décadas anteriores, a Cortina de Ferro acabaria sendo derrubada rapidamente no final dos anos 80. A partir de 1989, regimes comunistas do Leste Europeu foram se esfacelando um a um, e a onda de mudanças chegou também à União Soviética, onde a Perestroika e a Glasnost de Mikhail Gorbachev haviam aumentado a liberdade de questionar o governo e reduzido os níveis de repressão que costumavam sufocar os movimentos opositores. 

Quando ficou claro que a situação estava saindo de controle, o governo soviético chegou a reviver a mão pesada de outros tempos, matando centenas de manifestantes em episódios como os protestos de Jeltoqsan, no Cazaquistão (1986), e a chamada Tragédia de 9 de Abril, na Geórgia (1989). Um dos episódios mais conhecidos da queda da URSS foi o chamado Janeiro Negro, quando pelo menos 90 pessoas foram mortas durante a repressão aos protestos que pediam a independência da então República Socialista Soviética do Azerbaijão, em janeiro de 1990. 

A repressão no Azerbaijão foi duramente censurada por oficiais do Kremlin, que proibiram a circulação da mídia impressa e destruíram o fornecimento de energia à TV e rádio estatais na capital, Baku. 

Mesmo assim, a Rádio Free Europe, mantida com financiamento norte-americano, conseguiu emitir as notícias para o restante do mundo, gerando protestos em escala global. O Azerbaijão decretaria sua independência formal em outubro de 1991. A União Soviética implodiria definitivamente dois meses mais tarde, quando a bandeira vermelha foi baixada em Moscou pela última vez, em 26 de dezembro de 1991.


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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Atenas vs Esparta: Um abismo no mundo grego

Reinaldo José Lopes


Nunca um rei espartano tinha sido tão humilhado. Depois de passar fome e sede e aguentar um calor dos diabos por quase três dias, o soberano Cleômenes e sua guarda pessoal tiveram de pôr o rabo entre as pernas, entregar suas armas e deixar Atenas.

Não seria exagero dizer que essa era a primeira grande vitória de uma invenção ateniense que ainda ia dar muito trabalho aos espartanos, a democracia – e, que ironia, o próprio rei de Esparta é que tinha tornado isso possível.

Até aí você não deve estar surpreso. Afinal, todo mundo aprende que as duas cidades-estado mais poderosas da antiga Grécia eram inimigas, e não podiam ser mais diferentes entre si.

Os atenienses valorizavam a arte e a literatura, brigavam por participação popular no governo e eram grandes navegantes. Os espartanos achavam que homem que é homem fala pouco, louvavam a obediência acima de tudo e ficavam de perna bamba só de ver um navio.

Acontece, porém, que as relações entre Atenas e Esparta estão longe de ter sido tão simples. Que o digam os filósofos, escritores e políticos atenienses que não escondiam sua admiração pelos rivais do sul.

Durante a guerra dos gregos contra os persas, a partir de 480 a.C., as duas cidades comandaram lado a lado a resistência ao invasor, Esparta em terra e Atenas no mar.

Sob certos aspectos, pode-se mesmo afirmar que os espartanos foram pioneiros nas reformas políticas que depois fariam a fama de Atenas, aumentando a participação dos cidadãos comuns nas decisões do governo. Foram primeiro os conflitos de interesse (a supremacia sobre as outras cidades gregas e o controle do comércio com a Ásia), e só depois as diferenças ideológicas entre democracia ateniense e rigidez espartana, que acabaram levando a uma baita briga entre as cidades, na qual a Grécia inteira afundou.

Separadas no nascimento

Embora a origem de ambas seja misteriosa, tudo indica que os atenienses chegaram primeiro. Eles já ocupavam a península de Ática desde o período micênico (antes do século 13 a.C.). Não é à toa que eles costumavam se considerar autóctones, isto é, eles achavam que seus antepassados haviam nascido por ali mesmo.

Por volta de 700 a.C., pelo menos, toda a região, composta por assentamentos rurais relativamente distantes uns dos outros, já se constituía numa unidade política comandada por Atenas. O solo pobre produzia trigo, uva e azeitona e fornecia a argila para produzir a boa cerâmica, que logo se tornou um dos principais artigos de exportação.

Já em Esparta todo mundo sabia que era recém-chegado. Os espartanos eram dórios, um dos quatro principais grupos étnicos em que se dividiam os gregos (aqueus, jônios e eólios eram os outros) e chegaram ao Peloponeso (sul da península grega) vindos do noroeste, depois do fim do período micênico. Eles derrotaram os antigos habitantes e transformaram alguns em vassalos.

Outros, os hilotas, não tiveram tanta sorte: viraram escravos e tinham de cultivar as terras dos cidadãos espartanos. Até por volta de 700 a.C., o domínio se estendia apenas pela Lacônia (onde ficava a própria Esparta), mas uma bem-sucedida expansão para o oeste acabou lhes dando também a fértil Messênia.

Por muito tempo, acreditou-se que o subproduto dessa conquista foi a primeira e única revolução da história de Esparta. Uma minoria de nobres teria abocanhado a maioria das terras da Messênia. Os cidadãos mais pobres se revoltaram e conseguiram redistribuir a terra e obtiveram o direito a vetar as decisões dos dois reis (sim, havia dois deles em Esparta) e da Gerúsia, ou Senado. “Mas uma equipe inglesa que publicou seus achados sobre a Lacônia em 2003 sugere que essa Esparta austera talvez tenha surgido mais tarde, por volta de 540 a.C.”, diz o historiador José Francisco Moura, da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro.

Apesar da incerteza quanto à data, o fato é que as mudanças em Esparta brotaram dos mesmos problemas que atormentavam Atenas nos séculos 7 e 6 a.C. Ali também só uma minoria de cidadãos, de origem nobre, podia exercer os principais cargos públicos. Os homens livres, mas pobres, tendo de se virar com pedaços de terra que mal davam para o seu sustento, viviam sob a ameaça da escravidão por dívidas.

As reformas do político e poeta Sólon (por volta de 590 a.C.) acabaram com essa prática e permitiram que pessoas ricas de origem plebeia entrassem na política, mas não foram suficientes para acabar com as tensões sociais. Quem se aproveitou disso foi Pisístrato, que assumiu o poder na cidade.

O governo do tirano até que conseguiu trazer um pouco de paz às terras atenienses, mas bastou que ele morresse para que a cidade voltasse às turras, com seus filhos Hípias e Hiparco brigando juntos para se manter no poder. É aí que entra Cleômenes, um dos reis de Esparta. “Até então, parece que havia pouco contato entre as cidades. Nem mesmo cerâmica ateniense foi encontrada em Esparta, ou vice-versa”, afirma Moura.

A cerâmica era uma espécie de saquinho plástico do mundo antigo, que transportava de azeitonas a lixo e, na época, peças atenienses já podiam ser encontradas na Itália e nas cidades gregas da Ásia. No entanto, por volta de 520 a.C., Esparta havia se tornado a potência dominante do sul da Grécia, à frente da chamada Liga do Peloponeso.

Os espartanos passaram a ter interesses mais amplos e, além do mais, tinham fama de não tolerar tiranos. Que tal unir o útil ao agradável e restaurar o governo legítimo em Atenas – um governo que seria eternamente agradecido (e, talvez, subordinado) a Esparta?

Foi o que Cleômenes fez em 510 a.C., botando Hípias para correr. Porém, as lutas na cidade não cessaram. Em meio a uma guerra civil, quem estava levando a melhor era Clístenes, um membro da nobreza, que propunha uma lista de reformas que, na prática, criava uma democracia.

O rei de Esparta não gostou da ideia e se dispôs a derrubar o novo regime em favor de um amigo ateniense, Iságoras. Mas a flecha saiu para o lado errado: embora conseguisse tomar a Acrópole, sede do poder ateniense, Cleômenes não contava com a resistência do povo comum, que o cercou e acabou forçando-o à rendição.

Inimigo comum

Vinte anos depois da ascensão da democracia em Atenas e da derrota de Cleômenes, as duas potências tiveram de colocar as diferenças de lado, para enfrentar um problema maior. Liderado pelo rei Xerxes, o Império Persa lançou um ataque maciço contra a Grécia, e Atenas e Esparta decidiram resistir.

Graças a sua aliança com quase todas as cidades do Peloponeso, os espartanos ainda eram os mais poderosos dos gregos, mas sua força só era realmente respeitável em terra. Os persas, no entanto, atacavam por terra e por mar, e no oceano a frota ateniense foi fundamental. Mesmo assim, a influência espartana era tamanha que o comando da frota grega também ficou nas mãos deles, ao menos no nome.

Por alguns anos, a parceria foi um sucesso. Em 480 a.C., a frota unida dos gregos esmagou as forças persas perto da ilha de Salamina, na Ática, e um ano depois o regente espartano Pausânias completou o serviço em terra, na batalha de Platéia. A caça virou caçador: os atenienses e o rei espartano Leutiquides avançaram para as cidades gregas da Ásia e lá venceram a frota persa outra vez, em 478 a.C.

Nesse momento, porém, os espartanos, desacostumados ao papel de potência marítima, deixaram que Atenas continuasse a missão de libertar os gregos asiáticos da Pérsia. “No fim das contas, os gregos deveram sua libertação não apenas a Esparta, mas principalmente a uma Atenas que Cleômenes tinha criado por engano, e que fizera de tudo para destruir”, afirma W.G. Forrest, historiador da Universidade de Oxford e autor do livro A History of Sparta (“Uma História de Esparta”).

Cada um para o seu lado

Ao longo do século 5 a.C., Atenas se transformou na principal potência marítima da região. A princípio, muitas das cidades gregas aceitaram se aliar a ela, mas, aos poucos, o que era uma liga de alianças acabou virando um império. Para José Francisco Moura, cidades como Corinto, que fazia parte da Liga do Peloponeso e também tinha interesses marítimos, acabaram levando Esparta a entrar em conflito com Atenas.

As duas gigantes ficaram frente a frente na chamada Guerra do Peloponeso, em 432 a.C. A princípio, os atenienses conseguiram escapar do pior dominando os mares e se refugiando atrás de suas muralhas. A captura de centenas de soldados espartanos no próprio Peloponeso chegou até a instaurar uma paz passageira entre os rivais.

Mas Atenas perdeu a maior parte da frota num ataque desastrado na costa da atual Itália, e os espartanos aproveitaram para contra-atacar. Dessa vez financiados por um inusitado aliado, os persas, eles possuíam uma frota respeitável.

O conflito terminou com a vitória de Esparta em 404 a.C. Mas nenhum dos dois lados saiu realmente vencedor. Atenas perdeu os navios que lhe tinham restado e as muralhas que defendiam a cidade e, em Esparta, o impacto da guerra foi ainda maior. Apesar da vitória, a sociedade espartana desmoronou – as riquezas vindas do ex-império ateniense exacerbaram as diferenças sociais entre os espartanos.

Na cidade, a concentração de terras voltou com tudo, e o número de homens com direitos de cidadania, que formavam o coração do Exército espartano, diminuiu muito. É que só os homens que podiam contribuir financeiramente para as refeições comunais do Exército eram considerados cidadãos plenos, e muitos espartanos tinham se tornado pobres demais para isso. Ao ser esmagado em Leuctra pelos soldados da cidade de Tebas, em 370 a.C., o Exército de Esparta não contava com muito mais que mil soldados.

Por algum tempo, até a metade do século 4, Tebas se tornou o poder dominante da Grécia, ao lado de uma Atenas recuperada da guerra e ainda democrática. Esparta tinha virado carta fora do baralho, para todos os efeitos: perdeu até a Messênia (os tebanos proclamaram a independência da região).

Mas uma nova força estava surgindo no tabuleiro: o rei Filipe, da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Em 338 a.C., ele exterminou as forças combinadas de Atenas e Tebas, submentendo-as e acabando com a independência helênica.


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domingo, 5 de novembro de 2017

[POL] Savitri Devi, a mística fascista que admirava Hitler


Ao navegar pelo site oficial do partido ultranacionalista grego Aurora Dourada para uma reportagem, em 2012, me deparei com a foto de uma mulher envolvida em um sári de seda azul. Ela olhava para um busto de Adolf Hitler, diante de um intenso pôr-do-sol.

Mas o que aquela mulher com aparência indiana fazia na página de um partido abertamente racista que quer expulsar todos os estrangeiros da Grécia?

Aquela informação ficou guardada na minha memória. Até que a crescente onda de políticas de extrema direita, que varreu a Europa e os Estados Unidos, trouxe o nome de Savitri Devi à tona novamente.

Hoje não é difícil encontrar referências em fóruns neonazistas a seus livros. Entre os mais mencionados, estão O raio e o sol , no qual a autora argumenta que Hitler era a reencarnação do deus hindu Vishnu, e Ouro na Fornalha , que incita os verdadeiros fiéis a acreditar no ressurgimento do nacional-socialismo.

O portal de notícias americano Counter-Currents, de extrema direita, também tem um extenso arquivo online sobre sua vida e obra.

As ideias de Savitri também estão chegando a um público mais amplo, por meio de líderes do movimento alt-right, como Richard Spencer e Steve Bannon, fundador do Breitbart News, site de notícias de extrema direita, e que até recentemente era o estrategista-chefe do presidente Donald Trump.

Tanto Spencer quanto Bannon, e em geral toda a alt-right, adotaram sua visão da história, de que haveria uma batalha cíclica entre a luz e as trevas, teoria compartilhada por Savitri e outros místicos fascistas do século 20.

Mas quem era Savitri Devi - e por que suas ideias estão ressurgindo agora?

Atraída por Hitler

Apesar do sári e do nome, Savitri era europeia, filha de mãe inglesa e pai grego-italiano. Nasceu na cidade francesa de Lyon, em 1905, e foi batizada com o nome de Maximiani Portas.

Desde a infância, desprezava todas as formas de igualitarismo. "Uma menina bonita não pode ser igual a uma menina feia", disse ela a um interlocutor de Ernst Zündel, conhecido por negar o Holocausto, em 1978.

Conquistada pelo nacionalismo grego, chegou a Atenas em 1923, juntamente com milhares de refugiados deslocados pela campanha militar desastrosa da Grécia na Ásia Menor no fim da Primeira Guerra Mundial.

Savitri culpava os aliados ocidentais pela humilhação da Grécia e pelo que considerava "punições injustas" impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes (1919), que encerrou oficialmente a guerra.

Em sua opinião, tanto a Grécia quanto a Alemanha eram vítimas, às quais se havia negado a legítima aspiração de unir todo seu povo em um único território.

Isso, combinado com um forte antissemitismo que dizia ter aprendido na Bíblia, fizeram com que desde muito cedo fosse identificada como uma nacional socialista.

Hitler era líder da Alemanha, mas, para Savitri, a ânsia nazista de erradicar os judeus da Europa e devolver à "raça ariana" sua legítima posição de poder também faziam dele seu "Führer" - palavra que significa líder em alemão.

Como os pensadores antissemitas do século 18, Savitri culpava os judeus-cristãos por terem acabado com a glória da Grécia e a antiga utopia mítica dos arianos.

Em 1930, ela viajou para a Índia (à época ainda colônia do Reino Unido), em busca de uma versão viva do passado pagão da Europa. Estava convencida de que o sistema de castas mantinha a pureza da sociedade local - uma ideia partilhada por David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan, que também visitou Índia na década de 1970.

Nazismo e Hinduísmo

Uma mulher europeia viajando sozinha era tão atípico que as autoridades coloniais passaram a monitorá-la. Mas Savitri não mostrou interesse pelos britânicos na Índia até a Segunda Guerra Mundial, quando compartilhou informações sobre eles com o Japão.

Por outro lado, aprendeu várias línguas locais e casou-se um brâmane (casta sacerdotal hindu) - que ela considerava um ariano. Na Índia, escreveu uma elaborada síntese de mitos hindus e nazismo, na qual Hitler era apresentado como "um homem contra o tempo", destinado a acabar com o Kali Yuga (período que aparece nas escrituras hindu associado à Idade das Trevas) e a começar uma nova era de supremacia ariana.

Em Calcutá, na década de 1930, Savitri trabalhou para a Missão Hindu - atualmente, um templo de bairro tranquilo, mas, naquela época, um centro de atividade missionária e nacionalismo hindu.

A politização das comunidades religiosas na Índia durante o domínio britânico ajudou a fomentar o movimento Hindutva, segundo o qual os hindus eram os verdadeiros herdeiros dos arianos e a Índia uma nação essencialmente hindu.

Savitri ofereceu seus serviços ao diretor da Missão, Swami Satyananda, que, assim como muitos indianos antes da independência, compartilhava sua admiração por Hitler, mesclando a propaganda nazista com o discurso nacionalista hindu.

Naquela ocasião, ela se dedicou a viajar por todo país realizando palestras em hindi e bengali. Pontuando suas lições sobre os valores arianos com trechos de Mein Kampf (Minha luta, livro escrito por Hitler).

Mas em 1945, arrasada pela queda do Terceiro Reich, Savitri retornou à Europa para trabalhar na reconstrução da Alemanha nazista. Sua chegada à Inglaterra é descrita em seu livro "Bigodes longos e a Deusa de duas pernas", uma fábula infantil cuja heroína é uma nazista amante de gatos, como ela própria.

A heroína, Heliodora, "não tinha 'sentimentos humanos' no sentido ordinário da expressão", escreveu. "Desde sua infância, ela se chocava com o comportamento dos homens em relação aos animais... mas não tinha a qualquer compaixão por pessoas sofrendo por serem judias".

Camaradas nazistas

Savitri sempre deixou claro que preferia os animais aos humanos e, tal como Hitler, era vegetariana.

Em 1948, conseguiu entrar na Alemanha ocupada, onde distribuiu milhares de panfletos nos quais se lia: "Um dia nos reergueremos e voltaremos a triunfar! Tenham esperança! Heil Hitler!".

Anos depois, Savitri declararia que ficou feliz em ser detida por autoridades de ocupação britânicas, já que a prisão possibilitou a ela se cercar de seus "camaradas" nazistas.
Durante a passagem pela prisão, reduzida graças à intervenção de seu marido junto ao governo indiano, ela se aproximou de uma ex-guarda do campo de concentração de Bergen-Belsen, condenada por crimes de guerra. "Uma mulher linda, uma ruiva mais ou menos da minha idade", descreveu.


A sexualidade de Savitri sempre foi objeto de especulações. Seu casamento com Asit Mukherjee era supostamente celibatário, uma vez que não pertenciam à mesma casta.
Já a nazista Françoise Dior, sobrinha do famoso estilista, assegura ter sido sua amante.

Morte e ressurreição

Perto do fim da vida, Savitri Devi voltou à Índia, onde parecia se sentir em casa. No país, ela se dedicou a cuidar dos gatos de sua vizinhança, em Deli, alimentando os felinos todas as manhãs com pão e leite. Saía sempre com joias de ouro, tradicionalmente usadas por mulheres hindus casadas.

Savitri morreu, no entanto, na Inglaterra, na casa de uma amiga, em 1982. Dizem que suas cinzas foram enterradas, com honrarias fascistas, junto às do líder nazista americano George Lincoln Rockwell.

E, embora na Índia seu nome tenha sido esquecido quase por completo, o nacionalismo hindu que ela abraçou e ajudou a promover está em alta, para preocupação de seu sobrinho, o jornalista veterano de esquerda Sumanta Banerjee.

"Em seu livro Uma advertência aos hindus , publicado em 1939, ela recomendava cultivar 'um espírito de resistência organizada'. O alvo dessa resistência eram os muçulmanos, que Savitri via como uma ameaça aos hindus. E esse mesmo temor está vivo hoje", explica Banerjee.

Além disso, a Hindutva também é a ideologia oficial do Bharatiya Janata, partido do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que defende que muçulmanos e secularistas enfraqueceram a nação hindu.

Os porta-vozes do partido de Modi condenam a violência, mas os protestos que causaram a destruição da mesquita Babri, em Ayodhya, em 1992, e a atual onda de ataques, às vezes fatais, contra os muçulmanos e opositores contam uma história diferente.

Já nos Estados Unidos, o racismo, o anticomunismo e a convicção dos cristãos fundamentalistas de que o apocalipse se aproxima também prepararam o terreno para o flerte da extrema direita com suas profecias ocultistas, que misturam hinduísmo e nazismo.

No país, como na Índia, o temor da maioria governista de perder o poder serviu como uma ferramenta efetiva de recrutamento.

"Desde meados do governo Obama, o fator mais importante na mente dos que se uniram ao Tea Party é a ideia de que os brancos estão perdendo privilégios", diz o pesquisador e escritor Chip Berlet, para quem isso ajudou a engrossar as fileiras da extrema direita e grupos supremacistas brancos.

As obras de Savitri Devi já fazem parte da história tanto do nacionalismo hindu quanto da extrema direita europeia e americana, uma vez que seus textos excêntricos contêm - sem filtros e sem censura - todas suas ideias-chave.

Ideias como a de que os humanos podem ser divididos em "raças" que devem permanecer separadas e que alguns grupos são superiores a outros e têm mais direitos. Em seus textos, ela defendeu ainda que "grupos superiores" estão sob ameaça e que o período de trevas em que vivemos só chegará ao fim quando eles recuperarem o poder, voltando à mítica era dourada.


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