sábado, 17 de novembro de 2018

A Era Napoleônica: Uma Narrativa das Batalhas e do Sistema de Guerra de Napoleão (1792-1815)

Maria Clara Lima de Oliveira

Discente, do 5ª período de História, na Universidade Federal do Piauí – UFPI


Introdução


O terror que se alastrou com a Revolução Francesa, é interrompido em 27 julho de 1794, os interesses burgueses derrotam jacobinos e contra-revolucionários. As políticas que se sucederam, vieram a garantir definitivamente a afirmação das instituições burguesas na França: com o Diretório (1795-1799), o Consulado (1799-1804) e o Império (1804-1815). “A partir de então, é o exército a tornar-se o corpo responsável pela unificação e pacificação da nação francesa. Um corpo que tem na figura do general/cônsul/imperador Napoleão Bonaparte sua mais perfeita expressão.” (MONDAINI, 2008, p.194) De 1792 até o golpe de Estado dado por Bonaparte em 1799, o “18 Brumário”, a França de fato concretiza aquilo que já aspirava, à ruptura com os soberanos europeus. “Os ideais libertadores inicialmente presentes no projeto dos revolucionários franceses cedem espaço aceleradamente à vontade expansionista de conquistar o maior número possível de territórios, submetendo suas populações ao jugo francês.” (MONDAINI, 2008, p.194)As guerras napoleônicas são reconhecidas como uma guerra de transição entre o velho e o novo mundo. Onde o pensamento político do século XIX foi sendo progressivamente marcado pela obra de Napoleão e de seus seguidores. Sendo assim, o paper objetiva apresentar os tramites que levaram Napoleão a se tornar um mito, da sua ascensão ao declínio, no decorrer de suas batalhas em campo e no cenário político.

Considerado um dos maiores guerreiros de todos os tempos, comparado a Alexandre, o Grande, Cesar e Frederico da Prússia, no comando de batalhas enfrentando as maiores diversidades. Ele tinha a capacidade de mobilizar, organizar, equipar exércitos numerosos e domínio da guerra de massa, revolucionando de fato a arte da guerra que caracteriza a contemporaneidade. Ele recebeu e abraçou a formação de oficial, se dedicando a ética da profissão. Napoleão enquanto líder político expõe suas experiências ao escrever notas de rodapé na obra O Príncipe de Maquiavel, ao escrever mais de setecentos comentários na obra, revela a sua personalidade de líder político, contestando ou apoiando algumas das ideias de Maquiavel, manifestando seus pensamentos, expondo suas opiniões, como se tivesse dialogando com o próprio Maquiavel. Muitos o denominam como um verdadeiro discípulo de Maquiavel, no seu jogo de oportunismo político. Napoleão era adepto dos ideais iluministas, para ele os problemas do governo devem ser resolvidos pela razão e pelo bom senso, ou seja, o governo era uma questão de pura ciência. As concepções religiosas oscilavam “[...] entre um vago deísmo e a crença de que o homem foi feito da terra, aquecido pelo sol e organizado por um fluido eléctrico” (HAMPSON, 1969, p.139), assim partilhava dos conceitos de Voltaire, onde a fé religiosa, embora sem embasamento, era a maior preservação da humanidade.


A Oposição no Início do Consulado


Nos primeiros anos no poder Bonaparte, o primeiro-cônsul, encarou oposição “[...] como Cesar ou Robespierre, era obcecado por ela e talvez a superestimasse, pois, na verdade, em geral foi de pequena monta.” (ENGLUND, 2011, p.192) No início do consulado ele não tinha tanta força para impor seu ponto de vista, tanto no plano político quanto no militar. A fraqueza da oposição tinha muitas faces e razões, em principal os opositores eram diversificados e desunidos, e com freqüência detestavam e temiam uns aos outros, até mais que Bonaparte, estes eram:

Liberais desgostosos do Instituto, dos salões e da legislatura; jacobinos radicais que se haviam oposto ao Brumário; monarquistas ensandecidos diante do sucesso de um regime moderado com laivos monárquicos; e, por fim, uma cabala de generais do exército bastante frívolos e irresponsáveis, alguns participantes dos jacobinos, outros monarquistas e outros ainda (os dois mais importantes) um pouco de cada coisa. (ENGLUND, 2011, p.192)

Napoleão põe em prática a sua incontrolável ambição pessoal e política. Com Bonaparte primeiro-cônsul, o Poder executivo submete um legislativo demasiadamente incômodo, ou seja, se afirma uma relação de continuidade, se diferenciando apenas em grau de concentração de poderes. Começa-se a então a falar sobre a necessidade de anexações territoriais em nome das “Fronteiras Naturais”, a república francesa passa a praticar uma política de anexação e ocupação. Bonaparte obtivera uma lendária reputação, ele era extremamente popular, era ambicioso, abusava constantemente de seu poder, contrariando os interesses do povo, “[...] alguns condenam Bonaparte; outros acusam a nação que se cegou ao idolatrá-lo.” (ENGLUND, 2011, p.198).

A Arte da Guerra

A guerra é uma ação recíproca, podendo se elevar a níveis extremos de usos ilimitados da força. “Existe sempre um espírito de guerra entre velhas monarquias e uma república nova. Eis a raiz das discórdias européias.” (COLSON, 2015, p.47) Napoleão não era adepto de uma política de paz, mas não era um monstro, as execuções políticas eram raras e o número de prisioneiros políticos também. A gloria militar que tanto desejava era por motivos políticos, mas não deixava de ser também por motivos pessoais. O triunfo no campo de batalha representava a grandeza e a glória. E ele não se prendia a escrúpulos diante das necessidades operacionais, muitas vezes teve de tomar decisões morais e intelectualmente arriscadas sem muito questionamento.  A guerra na época napoleônica se limitava quase sempre aos exércitos, as batalhas geralmente não faziam nenhuma vítima civil, os exércitos é que eram alvos dos planos estratégicos dos adversários. “[...] Naturalmente, foi dado um passo em direção à “guerra total”, mas isto se deu progressivamente.” (COLSON, 2015, p.66)

Napoleão acreditava que o sucesso de uma guerra não é fruto do acaso, ainda que, esteja presente nos eventos. Pra ele a ciência militar, consistia em calcular bem todas as chances ao começar e estabelecer matematicamente as contribuições do acaso, porém, isso pode cair em engano, por isso, torna-se necessário a cabeça de um grande gênio, e o gênio da guerra é algo inato. As maiores faculdades de Napoleão era a sua capacidade de prevê as grandes catástrofes, por isso a presença de um general é tão indispensável, pois ele é a cabeça e o todo de um exercito. A qualidade de um bom general é ter cabeça fria, nunca se exaltar e ter o bom senso, além disso, é necessário que ele tenha conhecimentos matemáticos a fim de obter bons êxitos. É necessário que se mantenha a sanidade “[...], pois a guerra é feita de acontecimentos dramáticos, de imprevistos.” (COLSON, 2015, p.80) É preciso prudência e principalmente coragem, coragem necessária para morrer.

O conhecimento do adversário torna-se essencial na guerra. Napoleão obtinha suas informações através de espionagem, interrogava prisioneiros e desertores e interceptava cartas. “Fazer a guerra é antes de tudo obter informações.” (COLSON, 2015, p.112) Mas não deixar de modo algum as obterem também, e Napoleão controlavam bem a imprensa, transformando o segredo um estilo de seu comando. Napoleão conseguiu dirigir grandes massas de homens, deixando os exércitos dos inimigos fora de combate em pouco tempo. “[...] A tática implica em ordem. Recorre à inteligência, ao conhecimento e à organização.” (COLSON, 2015, p.129) A estratégia para ele é arte de colocar as tropas em movimento. “A tática tem como objetivo o uso das forças armadas no combate; a estratégia, o uso dos combatentes a serviço da guerra.” (COLSON, 2015, p.134) Mas as concepções estratégicas devem ser simples e racionais, na guerra se convém à simplicidade e a segurança.


Para Napoleão a arte da guerra estava na maneira inteligente de conduzir a guerra, aumentando suas chances, as suas forças sob o exército inimigo. Não se deve dá ouvidos ao temor do exército, “A massa dos inimigos a serem enfrentados é uma das grandes fontes de temor na guerra.” (COLSON, 2015, p.188) A superioridade numérica é o princípio geral da vitória, “A Revolução Francesa foi capaz de arregimentar exércitos muito mais numerosos que os das monarquias européias, o que explica as vitórias que obteve.” (COLSON, 2015, p.214) Porém o numero de soldados não é nada se os oficiais e suboficiais não tiverem consciência do que estão manobrando. É preciso então obter fidelidade e disposição das tropas. Bonaparte através de machas aceleradas conseguiu vencer vários adversários com um único exército, além disso, ele surpreendia os adversários, tornando a surpresa um elemento autônomo. Portanto a guerra se assemelha a um conserto, onde os homens são como os músicos, e para que tudo aconteça em perfeita harmonia, é preciso que cada um execute a sua parte.

A Formação do Grande Exército

A “campanha da Itália” de 1796 a 1797 elevou a carreira de Bonaparte, ao mostrar a sua genialidade na arte militar “[...] acabou se impondo como a solução para os males que a Revolução não conseguia resolver.” (MONDAINI, 2008, p.198) Ele passou a não só intervir nas questões militares, mas também no plano político da vida de todo um povo. Em 1801 ele alcança a pacificação política interna, e no plano externo, após vitórias sobre os russos (1799), austríacos (1800) e napolitanos (1801), restava a Bonaparte apenas o acerto de contas com os ingleses, para que a paz voltasse a reinar na França e na Europa. Então em 25 de março de 1802 é assinado um acordo de paz na cidade de Amiens. A paz retorna, mas por pouco tempo. Partindo para uma agressiva política externa, a retomada da guerra torna-se inevitável. “A França do general Bonaparte, transformado em imperador Napoleão I não se limitava mais a buscar a “fronteira natural” francesa na direção do Reno, Alpes e Pirineus, ela deveria ser buscada por todo o continente europeu.” (MONDAINI, 2008, p.199) Mas para isso ele precisava formar uma base forte, de homens dispostos a dar-lhe a vida em prol da Revolução e da nação francesa, Napoleão precisava de um novo exército, um Grande Exército.


O Grande Exército é construído sob uma base mais democrática, a hierarquia estava mais aberta aos setores subalternos da sociedade, algo que já tinha sido feito pelos ingleses. O novo exército não era formado de mercenários e arruaceiro de todo os tipos, e sim de voluntários. Agora o povo comum vestia uniforme e pegava em armas pela pátria. Enquanto isso, no resto da Europa se continuava a utilizar os tradicionais métodos militares, com um exército de profissionais bem treinados e pouco numerosos. A França parte para um método revolucionário e mais eficaz, como a formação de um exército recrutado de toda uma nação. O treinamento e o preparo profissional do exercito é algo muito importante mais lhe faltava algo, “[...] a vontade política revolucionária, a consciência de que se lutava para transformar a história.” (MONDAINI, 2008, p.201) O novo exército mesclava entre o velho e o novo, ou seja, entre a capacidade técnica e a disposição ideológica. Mas o que seria voluntário torna-se uma imposição legal, o serviço militar torna-se obrigatório para os jovens entre 18 a 24 anos, tornado-se um exército formado de massas por meio de recrutamento forçado, devido ao declínio dos alistamentos espontâneos, porém mantendo-se um discurso de voluntariado. A técnica, o entusiasmo e o número foram decisivos embora não exclusivos, para as vitórias obtidas pelos franceses nas batalhas terrestres até 1812. 

A Batalha de Austerlitz e o Bloqueio Continental

A Inglaterra se recusa a cumprir um artigo do tratado de Amiens, que lhe obrigava a retirar as tropas do arquipélago de Malta, e nenhuma das partes cogitava a voltar atrás nas suas posições, então a guerra entre França e a Inglaterra recomeça em maio de 1803, com a expedição da ordem de que o embaixador inglês deixasse Paris. Era uma guerra de ordem econômica, a fim de garantir o poder marítimo. Na Catedral de Notre-Dame, em 1804, Bonaparte é coroado imperador da França, recebendo a coroa das mãos do próprio Pio VII. “Napoleão agiu habilmente para fazer com que ela “acontecesse por si”. Foi tão bem sucedido que gerou a impressão de que os eventos que levaram da iniciativa de torná-lo primeiro-cônsul vitalício à sua coroação como “imperador dos franceses” foram o desdobramento natural de um processo inevitável”. (ENGLUND, 2011, p.198) Napoleão desejava dominar a Europa, mostrando a superioridade do seu Grande Exército sob a Marinha britânica. Porém seus planos não deram muito certo, consistia em utilizar o elemento surpresa e o rápido deslocamento sob a frota inglesa na travessia do canal da Mancha.

Sob o comando do lendário almirante Nelson, 27 navios ingleses dispostos de maneira inovadora em colunas, e não na tradicional formação em fila, destruíram 18 embarcações francesas e 15 espanholas comandadas pelo almirante Villeneuve. A manobra vitoriosa de Nelson — capaz de reverter à superioridade numérica do inimigo — consistiu em atacar a frota franco-espanhola furando sua linha no centro, com o intuito de isolar os navios uns dos outros, assaltando-os depois bem de perto, em certos casos até mesmo através da tática da abordagem. (MONDAINI, 2008, p.205)

Mas em 1805, Napoleão em um movimento de antecipação vence a Batalha de Austerlitz, tendo 75 franceses contra 80 mil russos e 25 mil austríacos, fazendo o imperador da Áustria assinar um tratado de paz degradante.  A batalha deu a Napoleão um misto de consagração imperial e o apogeu da estratégia militar. Uma batalha organizada e com um forte armamento. Napoleão mostrou sua verdadeira astúcia militar, fazendo do campo de batalha um verdadeiro jogo de xadrez, ele fez um movimento de retirada das suas tropas da posição de ataque ao exército austro-russo em direção a Viena, parecia está recuando do confronto, enquanto o exercito inimigo se aproximava perto de platô de Pratzen. Mas ele estava a preparar um segundo lance. Os austríacos e russos se imaginavam donos da situação, marchando para uma vitória garantida, mas eis que Napoleão ordena que suas tropas partam para o ataque tomando platô de Pratzen de assalto. Foi um desastre para os adversários. Mas não acabava aí, em um terceiro e ultimo movimento, onde o exercito inimigo decidira lutar até o fim contra o exercito napoleônico, as tropas russas são atraídas para os lagos congelados da região, Napoleão ordena então que a artilharia bombardeasse as camadas de gelo. Eis que as tropas russas submergem nas águas frias do leste europeu, sucumbindo ao degelo. “A batalha evoluiu como num tabuleiro, e bastou um único raio para fulminar [...]” (DUMAS, 2005, p.55) O cordão de força entre França e Inglaterra parecia ter se empatado, com uma vitória para ambas e seus aliados.

Para se defender da Rússia Napoleão monta uma espécie de cinturão territorial de proteção, montando uma rede de aliados de novos Estados vassalos. Tanto os ingleses quanto os franceses, faziam alianças em curtíssimo tempo. Uma quarta coalizão acontece em 27 de outubro de 1806, onde a capital de Berlim foi ocupada sob liderança dos ingleses. O primeiro ciclo de batalha se encerra em fevereiro de 1807, em Eylau. Onde russos e prussianos travavam uma violenta batalha contra o exercito francês, sem vencedores e nem vencidos, a melhor saída foi um acordo entre as partes, a paz de Tilsit, uma partilha da Europa entre os dois grandes impérios, o francês e russo.

 Vencer a Inglaterra no mar torna-se quase impossível para os franceses. A saída era uma batalha econômica, Napoleão afirma um decreto ampliando as proibições de comercialização com a Inglaterra, “[...] todos os países aliados ou ocupados, ou seja, Espanha, Itália, Suíça, Holanda, Dinamarca e Alemanha, tendo a Rússia se comprometido aplicar o decreto na Paz de Tilsit.” (MONDAINI, 2008, p.207). Formando assim o Bloqueio Continental. Não poderia haver brechas mais ela existia e se chamava Portugal, que insistia em continuar ligada economicamente a Inglaterra. Napoleão então atravessa a Espanha e invade Lisboa facilmente. “A invasão de Portugal era apenas uma escala na conquista da Espanha, onde reinava Carlos IV, [...] Napoleão apenas passara os olhos pela Espanha, num relance rápido e distraído, mas que lhe bastara, porém para ali enxergar um trono a ser conquistado. ”(DUMAS, 2005, p.60)


            Conquistada a península ibérica, Napoleão desafiara o poder do papa. Em fevereiro de 1808, ele invade Roma, Pio VII se tornara uma mera sombra. O expansionismo napoleônico disponta, 1810 a 1811, alcança a sua maior extensão territorial. Napoleão divorcia-se de sua primeira mulher, casando-se com Josefina, filha do imperador austríaco, a fim de fortalecer suas alianças e manter a Inglaterra isolada, ou pelo menos a sensação de que estava. Tudo parecia estar no perfeito controle de Napoleão, mas por pouco tempo.

Da Campanha Russa até Waterloo

Movimentos de resistência popular são formados em alguns países ocupados, surgindo então forças progressistas, “[...] inspiradas pelas idéias de nação, liberdade e igualdade, dispostas a lutar por uma constituição livre da influência francesa.” (MONDAINI, 2008, p.208) Em 1808 a 1812, espanhóis travam uma batalha violenta com os franceses, um movimento insurrecional que se alastrou por todo o território espanhol. Uma batalha contra o Grande Exército, que significou a maior derrota desde o início das guerras napoleônicas. Cai-se então o mito de invencibilidade, que se juntou ao fracasso do Bloqueio Continental.

            Em 1811, a França achava-se ainda imbatível e capaz de vencer a Rússia sua “aliada” e a Inglaterra. No ano de 1812, Napoleão forma um impressionante exército composto por 650 mil homens de diferentes nações, rumo a Rússia, encontrando pelo caminho apenas planícies desertas e queimadas. Um esfomeado exército francês entra nem Moscou, com a cidade em chamas, e um czar sem disposição para negociações. O exercito já estava sucumbindo pela forme e pelo rigoroso inverno russo. Diante da situação Napoleão ordena a retirada. “Esse retorno passaria a ser lembrado como um dos maiores desastres da história militar da guerra.” (MONDAINI, 2008, p.210) O exército russo os cercaram estando na exaustão, apenas um quinto do exercito morreu no campo de batalha, “[...] O restante padecera de fome, frio, doenças alem de desertores e capturados.” (MONDAINI, 2008, p.210) Foram vencidos pelo auxílio das forças naturais do território russo. Esta derrota trouxe um declínio acelerado do império francês e do Império de Napoleão. Dando oportunidade aos inimigos se organizarem contra. Napoleão já não tinha apoio nem dos franceses, tendo assim de abdicar.


            Apoiado pelo marechal Murat, em 26 de fevereiro de 1815 Napoleão ressurge de maneira triunfal, expulsando Luís XVIII e obrigando as nações antinapoleônicas a formarem uma nova coalizão. Então o exército inglês e seus aliados os derrotam, na batalha de Waterloo, na Bélgica em junho de 1815. Se encerrando assim o ciclo das guerras napoleônicas.

Conclusão

Napoleão Bonaparte se encaixa na categoria de mito e de ídolo. As guerras da Revolução e do Império, e em principal os graves erros cometidos por Napoleão, na península ibérica em 1807 e na invasão da Rússia em 1812, trouxeram conseqüências, os desastres humanos e políticos foram consideráveis. Napoleão pôs a perder as aquisições da revolução, deixando a França menor do que encontrara. Por outro lado as mudanças internas durante o consulado foram duradoras, porém o mesmo não ocorreu com a política externa.


 As reflexões surgidas a partir da luta contra Napoleão Bonaparte nos campos de batalha, começou-se a observar a guerra e a política de uma maneira mais sintonizada, a guerra não apenas como um ato político, mas como um verdadeiro instrumento da política. Quase sempre o objetivo político vem a determinar a meta militar. As guerras napoleônicas foram o marco de uma grande mudança rumo a outro mundo. Ele veio a ensinar muito mais a como ganhar batalhas do que ganhar guerras. A sua vida estava cruzada com a guerra, chegou e manteve o poder pela guerra, do mesmo modo como a perdeu.

Referências

COLSON, Bruno. Napoleão Bonaparte – Sobre a Guerra: A arte da batalha e da estratégia. 1ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.662.
DUMAS, Alexandre. Napoleão Imperador. Napoleão: Uma Biografia Literária. 1ª edição. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005, p.50 a p.83.
ENGLUND, Steven. O poder: De Cidadão-Cônsul a Imperador dos Franceses. Napoleão: Uma biografia Política. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2011, p.191 a p.306.
HAMPSON, Norman: Os Últimos Lampejos do Despotismo Iluminado. A Primeira Revolução Européia (1776-1815). Lisboa: Editorial Verbo, 1969, p. 137 a p.163.
HOBSBAWM, Eric J. A guerra. A Era Das Revoluções (1789-1848). São Paulo: Paz e Terra, 1996, p.115 a p.145.
MONDAINI, Marco. Guerras Napoleônicas. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. Vol.3. São Paulo: Contexto, 2008, p.188 a p.216.

RAMOS, Vanessa Carnielo. “Os comentários de Napoleão Bonaparte a O Príncipe, de Maquiavel, contidos em nota de rodapé.” Revista PLURAIS, Goiás, V.3, n.1, p.1 a p.11, 2013.

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Carl Von Clausewitz: O Professor Dos Generais

Beto Gomes


Grandes generais costumam entrar para a História pelo modo ousado como mudaram o rumo de uma batalha, pela inovação de suas técnicas e estratégias, pela dimensão de suas conquistas ou pela forma como impuseram sua força aos adversários. Com o prussiano Carl Von Clausewitz, foi diferente. Ele lutou mais de uma vez contra as tropas de Napoleão, na Rússia e em Waterloo, e ajudou a reorganizar o Exército da Prússia no início do século 19. Tinha sólida experiência no campo de batalha e demonstrava frieza e coragem invejáveis no front. Mas, ironicamente, não ficou famoso por suas ações.

Estudioso, devorava livros como poucos. E foi ao escrever um deles, Da Guerra, que se tornou um dos comandantes mais conhecidos do Ocidente. Clausewitz era também uma figura curiosa. Excessivamente tímido e bastante controverso, foi personagem secundário do romance Guerra e Paz, de Tolstoi. Alimentava um gosto especial por arte, ciência e educação. Sua obra, considerada ainda hoje o mais importante tratado teórico-militar de todos os tempos, já foi lida ou citada por uma lista de pensadores, escritores e militares – como o Duque de Wellington, George Patton, Lenin, Hitler, Mao Tsé-tung, Dwight Eisenhower e Henry Kissinger, entre outros.

O gosto de Clausewitz pelas armas apareceu na infância. A carreira do general prussiano começou cedo, logo aos 12 anos, participando de seu primeiro combate um ano depois. Em 1795, aos 15, a guerra contra a França revolucionária levou o então cadete a uma reclusão de cinco anos, consumidos com a leitura sobre os mais diversos assuntos. Ao sair, suas habilidades abriram-lhe portas rapidamente. Ingressou no Instituto para Jovens Oficiais de Berlim (que mais tarde faria parte da famosa Kriegsakademie, a academia de guerra alemã) e foi nomeado oficial-ajudante do príncipe Augusto da Prússia. Mas a mobilização do país para as guerras napoleônicas, a partir de 1806, afastaria Clausewitz da realeza e o levaria a uma distante jornada.

Mudança de farda

 

Naquele ano, o Exército prussiano ainda amargava os resultados das batalhas de Jena e Auerstadt. O país fora devastado pelo conflito e havia perdido metade de seu território. A Prússia tornara-se apenas um satélite da França e um grupo de oficiais, incluindo Clausewitz, acreditava que só uma profunda reforma social e militar poderia recuperar as terras tomadas. O rei Frederico III, no entanto, não compartilhava da mesma opinião – estava mais preocupado em manter sua posição do que promover uma cruzada nacionalista. A insatisfação de Clausewitz chegou ao limite em 1812, quando a coroa enviou tropas para lutar contra os russos ao lado de Napoleão. Junto com outros oficiais, o prussiano mudou de farda e foi servir no Exército russo, participando da sangrenta batalha de Borodino e testemunhando a retirada dos franceses de Moscou.

De volta à Prússia, ele foi reintegrado ao exército local com o título de coronel e estava pronto para desempenhar um papel fundamental na reformulação do Exército nacional. Nesse período Clausewitz embrenhou-se em combates seguidos: lutou em Ligny e teve um papel importante na retaguarda das ações em Wavre, ação que evitou que as forças do marechal Grouchy se reintegrassem às tropas de Napoleão, em Waterloo.

Promovido a general em 1818, o prussiano aproveitou a ociosidade do período em que ocupou um alto cargo na Escola de Guerra de Berlim para teorizar seus conceitos sobre a guerra. Sua obra começava a ser estruturada, mas foi posta de lado quando o general foi enviado à fronteira com a Polônia. Lá, organizou um cordão sanitário para frear o avanço de uma epidemia de cólera. Parecia saudável quando voltou para Breslau, mas contraíra a doença. Clausewitz morreu em 16 de novembro de 1831, aos 51 anos. Deixou a mulher, Marie von Brühl, e os manuscritos de Da Guerra, publicados por ela logo após sua morte.

Os textos de Da Guerra, um calhamaço dividido em três volumes, foram objeto de estudo em diversas escolas militares do mundo moderno. Obra densa e complexa, de difícil leitura, é conteúdo obrigatório em algumas instituições. Mas está longe de ser unanimidade: acadêmicos, cientistas políticos e militares têm visões distintas sobre obra e autor. Muitos chamam Clausewitz de gênio; outros tantos o consideram pedante e limitado. O fato é que Da Guerra atravessou o tempo e é hoje uma das maiores referências sobre estratégia militar. Serve como fonte para entender diferentes conflitos, em diferentes épocas – daí sua contemporaneidade. Seus conceitos são reflexões embasadas em ações de um período – as guerras do século 19 –, mas estabelecem uma ligação estreita entre guerra e política que assume uma incrível capacidade de se perpetuar. Nada mais atual, aliás, em tempos em que os conflitos externos dominam a agenda de grandes líderes mundiais.

Outras palavras

 

“A guerra é a continuação da política por outros meios”

“O conquistador é sempre amante da paz. Preferia sem dúvida subjugar nosso país sem ter de combater”

“Em assuntos tão perigosos como a guerra, as idéias falsas, inspiradas no sentimentalismo, de modo algum têm a cooperação da inteligência”

“A guerra é um ato de força, e não há limite para a aplicação dessa força”

“Destruir ou desarmar o inimigo deve ser sempre o propósito da ação militar. Enquanto o adversário não estiver derrotado, plenamente derrotado, é preciso temer que possa nos destruir”

POLÍTICA POR OUTROS MEIOS: CARL VON CLAUSEWITZ

 

Roberto Simon

Friedrich Engels costumava chamá-lo de “gênio puro”. Vladimir Lênin, de “um dos maiores historiadores militares”. Em 1914, a Alemanha colocou em prática seu plano de guerra. Extensos trechos de sua obra-prima eram citados nos discursos de Adolf Hitler. E até Colin Powell, ex-secretário de Estado americano, disse ter se baseado nele para formular sua estratégia contra o Iraque, em 2003. Afinal, por que Carl von Clausewitz, um general prussiano que atuou na passagem do século 18 para o 19, foi capaz de influenciar tantas personalidades?

A resposta está em um livro. Com Da Guerra, Clausewitz foi o primeiro teórico a explicar os conflitos militares modernos. Seus conceitos estão sintetizados em uma máxima: “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Para ele, a vitória se materializa na destruição física e moral do inimigo. “Guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, ele afirma. Como o desejo de submissão é mútuo, a rivalidade levará as batalhas a seus extremos.

Clausewitz foi capaz de teorizar essa mudança para o conflito absoluto porque ele mesmo foi protagonista dos conflitos militares de sua época. Nascido em 1780 em uma família nobre da Pomerânia, Clausewitz ingressou no Exército prussiano com apenas 12 anos. Aos 13, conheceu o campo de batalha pela primeira vez. Depois, voltou-se para a teoria militar, até que as guerras napoleônicas o lançaram novamente na guerra. Em 1806, na batalha de Auerstadt, foi derrotado pelas forças de Napoleão e enviado preso a Paris. De volta às salas de aula prussianas, em 1815 tornou-se diretor da Escola de Guerra alemã. Reconhecido como intelectual, foi incumbido da educação militar do príncipe herdeiro Frederico Guilherme IV. Quando a coroa da Prússia resolveu se aliar à França, o general se juntou às forças do imperador russo, o czar Alexandre I. Em Moscou, acompanhou de perto a retirada das tropas de Napoleão.

Ao morrer de cólera, em 1831, aos 51 anos, Clausewitz deixou uma pilha de manuscritos teóricos inacabados. No ano seguinte, sua viúva, Marie von Brühl (1779-1836), reuniu esses fragmentos e os publicou. O aspecto fragmentário de Da Guerra (publicado no Brasil pela Martins Fontes) não diminui sua importância. Como o general afirmara antes de morrer, “mesmo incompleta, a obra pode provocar uma revolução na teoria da guerra”. Clausewitz tinha razão.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

[POL] O enterro secreto de Hitler

Luís Antônio Giron


Na conferência de Potsdam em 2 de agosto de 1945, Josef Stálin deu uma notícia aos aliados da Segunda Guerra Mundial: o chanceler alemão Adolf Hitler escapara vivo de Berlim, área conquistada pelos soviéticos quatro meses antes. Stálin foi além: Hitler teria sido levado de submarino à Argentina ou ao Japão. “Tratem de encontrá-lo”, desafiou. Ninguém capturou nem um fio de cabelo do ditador. Assim começou o mistério que incendiou a imaginação no Pós-Guerra. Inquéritos britânicos e americanos, teorias conspiratórias e romances davam conta de que Hitler viveria incógnito na América do Sul, tramando a nova invasão à Europa.

Na verdade, Stálin tinha mentido, talvez para despistar os aliados, evitar o culto ao Führer ou por falta de provas científicas. O mistério do paradeiro de Hitler perdurou por mais de 70 anos e começa a ser desvendado agora, com o lançamento mundial do livro “A Morte de Hitler — os Arquivos Secretos da KGB”, do jornalista francês Jean-Christophe Brisard e da intérprete russa Lana Parshina, editado no Brasil pela Companhia das Letras.

Os autores penetraram entre 2016 e 2017 no Arquivo Central do FSB (serviço secreto russo que sucedeu a KGB em 1991) e no RGVA (Arquivo do Estado Militar da Federação Russa), até então vedados a consultas. Depois de negociações tortuosas, obtiveram permissão para ver os dossiês sobre a tomada do bunker onde Hitler e seu círculo íntimo moraram de março a abril de 1945. Lá, encontraram os restos mortais de Hitler e da mulher, Eva Braun: um fragmento do lado esquerdo do crânio com uma perfuração de bala e duas arcadas dentárias.

Ossos e cinzas

A dupla perseguiu outro enigma: o destino do cadáver do Führer. Descobriu que o troféu máximo da Segunda Guerra foi alvo da disputa entre o departamento de contraespionagem e o Ministério da Guerra soviéticos. O primeiro desapareceu com os cadáveres de Hitler, Eva, do general Hans Krebs, do ministro da propaganda Joseph Goebbels, da mulher dele, Magda e dos seis filhos do casal. O segundo resgatou crânios e dentes. Nem uns nem outros queriam admitir que Hitler havia se matado segundo o código militar de bravura, e não como um covarde, por veneno.

Durante anos, a contraespionagem russa promoveu interrogatórios com os homens próximos a Hitler, como o criado Heinz Linge, o ajudante de campo Otto Günsche e o motorista Hans Baur. Eles foram torturados até confessar o que não sabiam. Linge jurou que havia ouvido os tiros no quarto de Hitler. Baur assegurou que o Führer tinha se dado um tiro na boca. Günsche contestava a versão, afirmando que havia sido na têmpora. E mudavam as versões, confundindo os investigadores. Por sua vez, os militares queriam sumir com os cadáveres. Realizaram uma autópsia superficial e enterraram os corpos em Rathenau, perto de Berlim.
Em 1970, o chefe da KGB Iuri Andrópov, futuro líder da União Soviética entre 1982 e 1984, ordenou que os ossos fossem exumados e incinerados, reduzidos a cinzas e atirados a um lago.

Em meio a despistes e depoimentos duvidosos, os departamentos soviéticos rivais não chegaram nenhuma conclusão — e enterraram o caso literalmente. Mas graças a Brisard e Parishna, a charada foi desvendada. Ao verificar inquéritos confidenciais da KGB e com ajuda do legista francês Philippe Charlier, concluíram que Hitler se suicidou no bunker da Nova Chancelaria de Berlim por volta das 15 horas de 30 de abril de 1945 ao lado de Eva Braun. Tomou um cápsula de cianeto e disparou um tiro na têmpora direita com uma pistola Walther PPK de 7,65 milímetros. A bala saiu do outro lado do crânio.

“A ciência prevaleceu sobre todos os depoimentos, sobre a emoção, sobre as tentativas de manipulação”, afirma Brisard. Mesmo assim, o fantasma de Hitler ainda assombra o mundo, até porque quase ninguém sabia do mistério. Ele foi enfim revelado, com a autorização do presidente russo Vladimir Putin, talvez desejoso de exibir finalmente o troféu que seu antecessor Josef Stálin teve de ocultar.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Revolução Consitucionalista: A Guerra Civil Brasileira



Depois de um dia de tensas deliberações, Getúlio Vargas pegou seu diário para fazer a entrada do dia. Nele escreveu, datando de 9 de julho de 1932: "Parece que a crise passou".

O presidente provisório - ou dictador, como preferiam chamar em São Paulo, na grafia da época - havia sido informado, através de telegramas dos estados, São Paulo inclusive, que tudo estava em ordem. Ele e o Brasil poderiam dormir em paz. Vargas tomou seu jantar aliviado. E saiu, como costumava fazer, para um passeio na praia.

Só então notou um funcionário do palácio correndo esbaforido em sua direção. E, provavelmente, sentiu o chão se abrir sob seus pés. São Paulo estava em rebelião. O Brasil entrava em guerra civil.

Abaixo a dictadura!

 

A história registrou o conflito entre São Paulo e Brasil pelo desengonçado nome de Revolução Constitucionalista. Esquisito não só pela quilométrica palavra como também porque uma revolução que perde é revolta.

E também injustiçada, vista meio que por cima nas escolas, resumida a uma interpretação maniqueísta e superficial. Algo como: "Velhas elites paulistanas conspiraram contra os avanços sociais de Getúlio Vargas, o povo não aderiu".

Os poderosos paulistas definitivamente patrocinaram e insuflaram o movimento. Mas o povo estava dentro. O estado de São Paulo passou o 9 de julho tomado por manifestações de rua pró-revolução.

Mas o que essas pessoas queriam? E como achavam possível vencer o resto do país inteiro? É um tanto difícil de imaginar a população brasileira clamando nas ruas por cada sílaba de "constitucionalização". O que eles diziam era bem mais simples e direto: "Abaixo a dictadura!".

Ditadura para os paulistas era o governo provisório de Getúlio Vargas - e, a chave para entender a popularidade do movimento, uma ditadura anti-São Paulo. Vargas estava onde estava por um golpe contra um presidente eleito paulista, Júlio Prestes, contra quem havia perdido as eleições de 1º de março de 1930.

Orgulho ferido

 

Tudo começou com o último presidente da República Velha. Findo seu mandato, o paulista Washington Luís deveria apoiar um candidato mineiro como sucessor. Honrando a "política do café com leite", um acordo informal que vinha garantindo o revezamento entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM). Com exceção do Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914), pelo Partido Republicano Conservador, do Rio, todos os presidentes foram eleitos por essas agremiações (ou sua coligação no Partido Republicano Federal, em 1894).

O PRP resolveu romper o acordo nas eleições de 1930. Diferentemente dos mineiros, os paulistas não eram mais influenciados exclusivamente pelo setor agrícola. A rápida industrialização e o consequente poderio econômico alcançado levaram os paulistas a não ver mais razões para entregar o poder aos mineiros sem disputa. Washington Luís escolheu como sucessor o conterrâneo Prestes.

Sentindo-se traído, o PRM rompeu com o PRP e uniu a oposição, inclusive em São Paulo, com o Partido Democrático Paulista (PDP). A união dos partidos contra Prestes foi chamada de Aliança Liberal e lançou o gaúcho Getúlio Vargas como candidato.

Prestes venceu com pouco mais de 57% dos votos. Derrotada, a Aliança Liberal rejeitou o resultado da eleição alegando fraude e, em outubro de 1930, liderou um golpe de Estado que impediu a posse de Prestes e instituiu um governo provisório. Vargas assumiu com plenos poderes executivos e legislativos, extinguindo o Congresso Nacional e revogando a Constituição de 1891.

"Revogar a Constituição" não significa abolir uma lei qualquer: o efeito disso é remover qualquer garantia de cidadania, como a de não ser preso sem acusação formal ou de ter direito a um julgamento imparcial. A promessa de Vargas era uma nova Constituição, que garantiria democracia plena, não a democracia para poucos e com o sistema eleitoral viciado da República Velha.

Democracia foi o grito de guerra dos paulistas, mas havia um fator que não pode ser subestimado: bairrismo. Os interventores nomeados por Vargas - em ordem: João Alberto Lins de Barros, Laudo Ferreira de Camargo e Manuel Rabelo Mendes - não eram paulistas. Só em março de 1932 um paulista ascenderia à cadeira, o septuagenário Pedro Manuel de Toledo. Viessem de onde viessem, nenhum dos interventores podia governar livremente. As interferências eram constantes, incluindo a nomeação dos secretários estaduais.

Havia também a questão econômica. Com a instituição de uma taxa de 2% sobre as exportações, os paulistas deixaram de poder decidir o que fariam com o café, uma humilhação imperdoável. "A grande causa que levou à guerra foi a perda da autonomia imposta pelo governo Vargas logo após a vitória em outubro de 1930", afirma a historiadora Vavy Pacheco Borges, autora do livro Tenentismo e Revolução Brasileira.

Da imprensa às conversas de esquina, o clima em São Paulo era vitriolicamente antivarguista. "Só se falava nisso. A capilaridade da discussão política alcançava todos os setores da sociedade. A discussão não estava restrita a uma pequena elite", afirma o historiador Marco Antônio Vila, professor aposentado pela Universidade Federal de São Carlos e autor dos livros 1932: Imagens de uma Revolução e A Revolução de 1932: Constituição e Cidadania.

Isso significa guerra

 

Getúlio, hábil político que era, estava plenamente informado da panela de pressão com que lidava e tratou de tentar criar válvulas de escape.

Em 24 de fevereiro saiu o Código Eleitoral provisório, marcando as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte para 4 de maio de 1933. Em 7 de março, um paulista foi posto no cargo de interventor. E, finalmente, em 23 de maio, seria anunciado um secretariado paulista totalmente livre de intromissões do governo federal.

Em tese. A notícia da chegada do ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, no dia 22, deixou os paulistas em polvorosa. A imprensa e os políticos afirmavam que ele estava lá para intervir no secretariado, acabando com o breve respiro de autonomia de São Paulo, e tentar separar os paulistas. O ministro é cercado e hostilizado em seu caminho pela cidade. Protestos são reprimidos pela cavalaria. Ele acaba decidindo por voltar para o Rio.

"A cidade vivia anteriormente em clima de protesto. Qualquer motivo dava margem para uma manifestação popular", explica a doutora em história social pela Universidade de São Paulo Ilka Stern Cohen.

No dia seguinte, os protestos são para comemorar a derrota do "emissário do dictador". A Associação Comercial pede a todos os estabelecimentos que fechem por 24 horas. Os manifestantes se concentram na Praça da República, onde ficava o quartel-general da Legião Revolucionária, força paramilitar que apoiava o governo federal. Nas imediações, na Rua Barão de Itapetininga, ficava a sede das tropas leais a Vargas.

No início da noite, a multidão cercou a rua em duas esquinas, a da rua Dom José de Barros e a da Praça da República. A reação foi forte. Qualquer um que entrasse pela rua era recebido a tiros. E ambos os lados atiraram, já em clima de guerra. "Na época, era comum no Brasil achar que divergências políticas se resolveriam no campo militar", afirma Marco Antonio Villa.


O violento conflito terminou com 13 mortos e mais de 60 feridos, mas quatro deles se tornaram emblemáticos: Mário Martins de Andrade, Euclydes Bueno Miragaia, Dráuzio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo. "Esses quatro foram pinçados como mártires da revolução", diz Ilka Stern Cohen.

As iniciais dos nomes pelos quais eles eram conhecidos foram adotadas pelo movimento que encabeçou a revolução iniciada 50 dias depois, o MMDC, uma sociedade secreta cujas atividades incluíam treinamento militar para uma guerrilha paulista que começou a se formar a partir do incidente na Praça da República.

São Paulo era um tigre ferido. Só seria apaziguado pelo sangue. "Os líderes focaram no orgulho paulista ferido pelas decisões de Getúlio Vargas", afirma Ilka Stern Cohen. Deu certo. Nos dias seguintes, não apenas a guerrilha viu um grande número de voluntários se alistar nos postos distribuídos por todo o Estado como também viu o sucesso da campanha "Doe ouro para o bem de São Paulo", que arrecadou mais de 400 quilos do metal preciso, que serviu de lastro para a moeda própria cunhada pelo Estado.

Às armas, bandeirantes

 

Rudemente interrompido em seu passeio na praça ao anoitecer, Getúlio não estava recebendo informações atrasadas. Já era noite do dia 9 de julho de 1932 quando integrantes do MMDC tomaram, à força, postos do correio e estações telegráficas da cidade de São Paulo. O objetivo, óbvio, era cortar a comunicação do inimigo e garantir a própria.

O presidente provisório levou a ameaça extremamente a sério. Segundo Lira Neto, autor da série de livros Getúlio, ele chegou a pensar em suicídio. "Sobre a mesa, havia um envelope fechado, onde se podiam ler as seguintes palavras: "À Nação Brasileira". E, enquanto Getúlio continuava a caminhar de um lado para outro, o general Góes Monteiro pôde perceber, saindo de um dos bolsos externos do paletó escuro que o chefe de governo vestia, o inconfundível cabo branco de madrepérola de um revólver."

Enquanto isso, em ação coordenada, a Força Pública e tropas da 2ª Região Militar assumiram o controle de outros pontos estratégicos do estado, de onde poderiam seguir rumo ao front.

O estado começou semidesarmado. Ao perceber indícios de oposição em São Paulo, Getúlio Vargas havia ordenado a retirada gradual de armamentos pesados dos quartéis paulistas. "São Paulo, além de não contar com aliados (apenas o Mato Grosso aderiu à causa), foi privada de sua artilharia, aviação e outros aparatos bélicos, confiscados pelo governo provisório após a Revolução de 1930", afirma o pesquisador Expedito Carlos Stephani Bastos, autor do livro Blindados no Brasil. Além disso, faltava treinamento: dos 30 mil combatentes das forças revolucionárias, estima-se que 70% eram voluntários, sem nenhum treinamento de guerra.

Mas havia um trunfo para os paulistas: seu moderno parque industrial. Em pouco tempo, conseguiram produzir uniformes, capacetes, munições, armamentos leves e pesados, granadas, morteiros, veículos blindados, máscaras de gases, instrumentos ópticos e suprimentos de primeiros socorros.

Como voluntárias, mulheres costuraram uniformes. Quatro fábricas forneceram os capacetes de aço que se tornaram características marcantes do uniforme revolucionário, junto com o lenço vermelho de pescoço. A Escola Politécnica contribuiu com a produção de bombas de até 60 quilos, a serem lançadas de aviões.

O plano era simples: ir até o Rio para derrubar Vargas. Tomar o poder do Brasil. Com uma revolução armada às pressas, os paulistas traçaram como objetivo prioritário a conquista da cidade de Resende, no Rio de Janeiro. Seria a porta de entrada para a capital, onde destronariam o "dictador". As tropas se moveram para a fronteira e começaram a atacá-la com artilharia.

Outra das ações iniciais foi a tomada do Túnel da Mantiqueira. Com cerca de 1 quilômetro de extensão, fazia a ligação ferroviária entre as cidades de Cruzeiro, São Paulo e Passa Quatro, Minas Gerais. A posição era considerada estratégica para a movimentação de tropas, porque viabilizava a travessia por sob o terreno acidentado da Serra da Mantiqueira, que impossibilitava o trânsito de veículos e o transporte de carga. As tropas paulistas ocuparam o local já no segundo dia da guerra e defenderam a posição contra o ataque de duas unidades do Exército e 1.500 policiais mineiros.

A primeira contraofensiva veio pelo ar. Em 13 de julho, aviões do Exército realizaram o primeiro bombardeio a uma cidade brasileira. O município de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba, era o alvo. Na sequência, Campinas, Cubatão e Itapira, entre outras, sofreram bombardeios. A capital não estava livre de ataques. Em 29 de julho, aviões Waco, apelidados de "vermelhinhos", bombardearam o Campo de Marte, na zona norte da cidade, base da força aérea dos revoltosos paulistas.

Em meio a isso, o país tinha uma grande baixa: Santos Dumont. Em 23 de julho, ele se suicidou no Grand Hôtel La Plage, no Guarujá. Ficou chocado com o poder destrutivo do que considerava a contribuição máxima de sua vida. "A visão de duas aeronaves do Exército em voo rasante atacando um navio, segundo consta, teria sido chocante demais para o sensível coração do aviador. Angustiado, tomado por uma depressão profunda, o criador do 14 Bis tiraria a própria vida, enforcando-se com a gravata no banheiro do hotel", relata Lira Neto.

Corações e mentes

 

Ambos os lados se valeram dos jornais, das rádios e de fotografias para manipular informações, demonstrar superioridade e colocar em descrédito as intenções inimigas. Os jornais paulistas não apenas omitiam a inferioridade da força militar do movimento revolucionário como o noticiário da guerra era totalmente ideológico. "O rádio, desde o início um poderoso instrumento de mobilização popular nas mãos dos insurgentes, passara a ser a derradeira trincheira dos paulistas", afirma Lira Neto. "Só mesmo as ondas eletromagnéticas se mostravam capazes de furar a solidez do bloqueio militar imposto pelo Governo Provisório aos rebeldes."

Do outro lado, a propaganda do Governo Provisório espalhou a ideia de que o levante paulista era, essencialmente, separatista. Segundo o historiador Jeziel de Paula, autor do livro 1932: Imagens Construindo a História, muitos voluntários nordestinos lutaram com as tropas federalistas porque acreditavam estar lutando pela liberdade do estado de São Paulo, que estaria sob o "governo paralelo de italianos comunistas e separatistas".

"Os discursos varguistas propagavam um regionalismo excessivo de São Paulo, identificando como "paulistas" todos os inimigos do governo, contribuindo para a criação de mito separatista", afirma Jeziel.

Sim, alguns grupos se aproveitaram da guerra civil para lutar pela independência de São Paulo. "Houve em São Paulo grupos regionalistas, bairristas e separatistas, mas não se pode exagerar a força dessa corrente nem menosprezar os seus ideais nacionalistas", diz Jeziel. Afinal, a revolta queria ir ao Rio derrubar o presidente. Conquistar o Brasil.

Derrota anunciada

 

Em que se pese a riqueza relativa de São Paulo, era uma ofensiva quixotesca e não planejada. O estado esperava que outros aderissem à sua causa, não que tivesse que lutar em três fronts.

Ao final, nem o ouro arrecadado, reforçado com 10 milhões de réis doados, foi suficiente para armar São Paulo para uma guerra com o Brasil inteiro. Nesses quase três meses, ficaria evidente a inferioridade das forças armadas paulistas, que ainda resistiram graças à estratégia defensiva, a uma boa dose de criatividade e ao moderno parque industrial, que foi capaz de fornecer com rapidez certa quantidade de suprimentos bélicos.

O avanço em Resende não daria em nada. Com a escassez de armas, ficaria na artilharia. A infantaria paulista nunca cruzaria a fronteira. E, em pouco tempo, restava apenas uma estratégia: a defesa do território contra as tropas federais.

No final de agosto, o avanço das tropas federais chegava ao Morro do Gravi, em Eleutério, fronteira com Minas. Armadas com cerca de 80 fuzis, as forças revolucionárias defenderam a cidade por aproximadamente duas semanas. Em 30 de agosto, a cidade foi evacuada. Por volta de 800 voluntários foram levados para Campinas, restando apenas 300, que montaram a última linha de defesa em trincheiras cavadas às pressas, em três dias. "Nossa tropa extenuada está impossibilitada de continuar a luta. Chove torrencialmente e falta munição, e mesmo com esta e sem tropa fresca não poderemos resistir e seremos vencidos", dizia um telegrama enviado pelo comandante João Dias, de Mogi Mirim, ao comandante Herculano Silva, em São Paulo. O pedido por resgate não pôde ser atendido: em 4 de setembro, com suporte aéreo, tropas federais tomaram o morro.

Em setembro, ao sul, a batalha era em Chavantes, cidade localizada na divisa entre São Paulo e Paraná. Os paulistas haviam bloqueado a ponte pênsil Alves Lima, que cruza o Rio Paranapanema em uma travessia de 164 metros até a cidade paranaense de Ribeirão Claro, onde a coluna legalista que vinha do Rio Grande do Sul montou seu quartel-general.


A princípio, os paulistas tentaram invadir o território inimigo, mas foram reprimidos e recuaram. Diante do avanço sulista, se viram obrigados a dinamitar a ponte e impedir a passagem dos inimigos. O sucesso na defesa da posição, contudo, não impediu os federalistas de encontrar outra passagem, no município de Itararé, a 160 quilômetros de distância, e invadir o estado. Uma sentença de morte para o movimento que queria derrubar o presidente. Em 1º de outubro de 1932, a cidade de São Paulo foi ocupada por tropas leais a Getúlio Vargas.

Ao custo de mais de 3 mil vidas de combatentes em ambos os lados - mais de seis vezes os 471 militares brasileiros mortos na Segunda Guerra - e um número desconhecido de civis, não caiu o governo nem a democracia veio imediatamente. Getúlio apenas cumpriria uma promessa já feita. A eleição para a Assembleia Nacional Constituinte aconteceu na data marcada e a carta magna foi promulgada em 1934.

A democracia duraria meros três anos, até o autogolpe do Estado Novo, com Getúlio criando um regime de inspiração fascista. Que, para deixar bem claro a que vinha, ordenou cerimônias em que as bandeiras dos estados - São Paulo inclusive - foram queimadas.

Os temores dos revolucionários de 1932 haviam se concretizado. No Estado Novo, Vargas se tornava, sem sombra de dúvida, um ditador. Mas, desta vez, não haveria resistência. A breve democracia havia dividido os partidos paulistas novamente. O precedente da derrota não incentivava ninguém a propor uma nova aventura.

Oitenta e seis anos depois, os fantasmas de 1932 ainda rondam as ruas da capital paulista. Ninguém mais fala em bandeirantes, mas ela segue sendo o centro do poder econômico. O obelisco do Ibirapuera celebra os mortos de 1932. Os quatro mártires do MMDC ainda são chamados de "heróis" em publicações oficiais.

Duas das avenidas principais são a 23 de maio e a 9 de julho. Não existe Avenida Getúlio Vargas em São Paulo.


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