Na conferência de Potsdam em 2 de agosto de 1945,
Josef Stálin deu uma notícia aos aliados da Segunda Guerra Mundial: o chanceler
alemão Adolf Hitler escapara vivo de Berlim, área conquistada pelos soviéticos
quatro meses antes. Stálin foi além: Hitler teria sido levado de submarino à
Argentina ou ao Japão. “Tratem de encontrá-lo”, desafiou. Ninguém capturou nem
um fio de cabelo do ditador. Assim começou o mistério que incendiou a
imaginação no Pós-Guerra. Inquéritos britânicos e americanos, teorias conspiratórias
e romances davam conta de que Hitler viveria incógnito na América do Sul,
tramando a nova invasão à Europa.
Na verdade, Stálin tinha mentido, talvez para despistar os aliados,
evitar o culto ao Führer ou por falta de provas científicas. O mistério do
paradeiro de Hitler perdurou por mais de 70 anos e começa a ser desvendado
agora, com o lançamento mundial do livro “A Morte de Hitler — os Arquivos
Secretos da KGB”, do jornalista francês Jean-Christophe Brisard e da intérprete
russa Lana Parshina, editado no Brasil pela Companhia das Letras.
Os autores penetraram entre 2016 e 2017 no Arquivo
Central do FSB (serviço secreto russo que sucedeu a KGB em 1991) e no RGVA
(Arquivo do Estado Militar da Federação Russa), até então vedados a consultas.
Depois de negociações tortuosas, obtiveram permissão para ver os dossiês sobre
a tomada do bunker onde Hitler e seu círculo íntimo moraram de março a abril de
1945. Lá, encontraram os restos mortais de Hitler e da mulher, Eva Braun: um
fragmento do lado esquerdo do crânio com uma perfuração de bala e duas arcadas
dentárias.
Ossos e cinzas
A dupla perseguiu outro enigma: o destino do
cadáver do Führer. Descobriu que o troféu máximo da Segunda Guerra foi alvo da
disputa entre o departamento de contraespionagem e o Ministério da Guerra
soviéticos. O primeiro desapareceu com os cadáveres de Hitler, Eva, do general
Hans Krebs, do ministro da propaganda Joseph Goebbels, da mulher dele, Magda e
dos seis filhos do casal. O segundo resgatou crânios e dentes. Nem uns nem outros
queriam admitir que Hitler havia se matado segundo o código militar de bravura,
e não como um covarde, por veneno.
Durante anos, a contraespionagem russa promoveu
interrogatórios com os homens próximos a Hitler, como o criado Heinz Linge, o
ajudante de campo Otto Günsche e o motorista Hans Baur. Eles foram torturados
até confessar o que não sabiam. Linge jurou que havia ouvido os tiros no quarto
de Hitler. Baur assegurou que o Führer tinha se dado um tiro na boca. Günsche
contestava a versão, afirmando que havia sido na têmpora. E mudavam as versões,
confundindo os investigadores. Por sua vez, os militares queriam sumir com os
cadáveres. Realizaram uma autópsia superficial e enterraram os corpos em
Rathenau, perto de Berlim.
Em 1970, o chefe da KGB Iuri Andrópov, futuro líder da União Soviética
entre 1982 e 1984, ordenou que os ossos fossem exumados e incinerados,
reduzidos a cinzas e atirados a um lago.
Em meio a despistes e depoimentos duvidosos, os
departamentos soviéticos rivais não chegaram nenhuma conclusão — e enterraram o
caso literalmente. Mas graças a Brisard e Parishna, a charada foi desvendada.
Ao verificar inquéritos confidenciais da KGB e com ajuda do legista francês
Philippe Charlier, concluíram que Hitler se suicidou no bunker da Nova Chancelaria
de Berlim por volta das 15 horas de 30 de abril de 1945 ao lado de Eva Braun.
Tomou um cápsula de cianeto e disparou um tiro na têmpora direita com uma
pistola Walther PPK de 7,65 milímetros. A bala saiu do outro lado do crânio.
“A ciência prevaleceu sobre todos os depoimentos, sobre a emoção, sobre as tentativas de manipulação”, afirma Brisard. Mesmo assim, o fantasma de Hitler ainda assombra o mundo, até porque quase ninguém sabia do mistério. Ele foi enfim revelado, com a autorização do presidente russo Vladimir Putin, talvez desejoso de exibir finalmente o troféu que seu antecessor Josef Stálin teve de ocultar.
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