sábado, 21 de março de 2015

[POL] Germânia: A Capital dos Sonhos de Hitler

Roger Moorhouse

History Today, Vol. 62, Nº 3, 2012


Em 1937, o arquiteto de Hitler, Albert Speer, recebeu a missão de transformar Berlim da metrópole agitada que era em Germânia, a reluzente nova capital de um Grande “Império Mundial” Alemão, o centro do mundo civilizado.

Era uma tarefa gigantesca. Os planos, esboçados rapidamente pelo escritório de Speer, foram apresentados ao público em 28 de janeiro de 1938. A reação dentro da Alemanha foi presumivelmente entusiasmada, com os jornais detalhando as explicações e comentários. O Der Angriff afirmou que os esboços eram “verdadeiramente monumentais... de longe excedendo todas as expectativas,” enquanto que o Völkisher Beobachter proclamou grandiosamente que “desta selva de pedra emergirá a capital do Reich de mil anos.” A imprensa estrangeira, apesar de menos entusiasmada, mesmo assim compartilhou da emoção. O New York Times, por exemplo, descreveu o projeto como “talvez o esquema de planejamento mais ambicioso” da era moderna.

Os planos certamente eram ambiciosos. De acordo com os esboços originais de Hitler, eles eram centrados em uma grande avenida, que deveria percorrer de norte a sul por cerca de sete quilômetros através do coração da cidade, conectando dois terminais ferroviários propostos. Dando carta branca para reprojetar essa vasta área do centro da cidade, Speer e seus colaboradores passaram um dia em campo e seus planos pareciam um catálogo de comparativos e superlativos. O Grande Salão, por exemplo, próximo ao Reichstag, teria sido o maior espaço fechado do mundo, com uma cúpula 16 vezes maior que a de São Pedro em Roma. Projetado para abrigar 180.000 pessoas, houve preocupações entre os planejadores que a respiração exalada da audiência pudesse mesmo produzir “clima” ao longo dos tetos cavernosos da construção.

Comparação entre o Grande Salão e o Portal de Brandenburgo

O Arco do Triunfo de 117 metros, por sua vez, foi projetado – sob a instrução direta de Hitler – para possuir os nomes dos 1,8 milhões de soldados alemães mortos na Primeira Guerra Mundial gravados em suas paredes. Analogamente massivo, teria confortavelmente acomodado seu congênere parisiense sob o seu arco. Conectando estes monumentos ao longo do novo eixo haveria uma infinidade de novos prédios, civis e comerciais, flanqueando avenidas largas, obeliscos ornamentais, um lago artificial e um “circo” vasto salpicado com estátuas nazistas.

A imagem que é familiar a muitos é a de Hitler inspecionando o modelo branco em escala deste eixo principal, que foi apresentado a ele em seu 50º aniversário em abril de 1939 e foi erigido em uma sala contígua da Chancelaria do Reich. Apesar do interesse de Hitler no projeto estar restrito quase que exclusivamente ao eixo norte-sul – e ele frequentemente retornava para meditar sobre o modelo – os planos não eram limitados a apenas uma área. Speer conseguiu incorporar aquele eixo em uma reorganização mais ampla da infraestrutura da cidade.

Primeiro, a rede ferroviária de Berlim teria que ser reformulada, com as duas novas estações substituindo os três terminais antigos e com muitos quilômetros de trechos laterais sendo substituídos por uma nova linha que circularia o centro da capital. As estradas, também, deveriam ser reprojetadas. As duas novas avenidas – o eixo norte-sul proposto e o eixo leste-oeste, completado em 1939 – foram somente o núcleo de uma reformulação radical. Além disso, Speer anteviu o antigo crescimento urbano orgânico sendo racionalizado pelo acréscimo de vias radiais e quatro estradas concêntricas em anel, a mais externa das quais forneceria uma conexão direta para a rede de autoestradas (autobahn) alemãs.

Subúrbios inteiros deveriam ser construídos para fornecer parques habitacionais modernos, edifícios administrativos e novos desenvolvimentos comerciais, que deveriam acomodar 200.000 berlinenses e sair do lado antigo do centro da cidade. Novos aeroportos foram antevistos, incluindo um para hidroaviões no lago em Rangsdorf. Mesmo os parques da cidade seriam reformados, com estudos horticulturais sendo feitos para descobrir quais espécies seriam necessárias para restaurar a flora original do século XVIII da região. Tal era a escala dos planos de Germânia que, quando o pai de Speer – ele próprio um arquiteto – os viu, ele resumiu o pensamento de muitos de seus contemporâneos dizendo: “Você ficou completamente louco.”

É claro, apenas uma pequena fração destes projetos grandiosos foram realizados. O visitante de Berlim hoje lutará para visualizar muita evidência da Germânia de Speer a menos que ele saiba onde olhar. Mais óbvio é a avenida ocidental do Portão de Brandenburgo, que é o antigo eixo leste-oeste e que ainda hoje é iluminado por algumas lâmpadas de rua originais – elegantes – de Speer. Enquanto isso, a Coluna da Vitória (inaugurada em 1873 após as vitórias da Prússia sobre a Dinamarca, Áustria e França nos anos 1860 e 1870) foi deslocada para sua atual localização para se adaptar ao projeto do eixo norte-sul. Mais bizarro, o subúrbio meridional de Tempelhof ainda contém um bloco de concreto circular pesado, com 12.000 toneladas – o Schwerbelastungskörper, ou “corpo de suporte de carga pesada” – que deveria supostamente ajudar os engenheiros de Speer medir a habilidade do solo arenoso de Berlim para suportar o vasto peso do proposto Arco do Triunfo. Muito grande e pesado para demolir, o bloco permanece até hoje como um monumento silencioso à megalomania nazista.

Apesar de sua crescente ambição, o plano para remodelar Berlim era parte de uma verdadeira orgia de construções que acompanharam os anos pacíficos do Terceiro Reich. Muitas delas, certamente, eram pequenas em escala – barracões, assentamentos, escolas e coisas do gênero – mas um número de projetos mostravam tendências monumentais semelhantes e eram elas próprias façanhas consideráveis de planejamento e construção. A mais famosa, talvez, seja a nova e vasta Chancelaria do Reich, que ocupava totalmente os 400 metros da Rua Voss em Berlim e que foi concluída em 1939 ao custo de 90 milhões de marcos.

Outros pontos de referência eram analogamente semelhantes: O Estádio Olímpico, inaugurado em 1936, abrigava 100.000 espectadores e era parte de um complexo muito maior que deveria ter fins políticos e esportivos. O Ministério da Aeronáutica de Göring, por sua vez, também concluído em 1936, foi uma vez o maior prédio de escritórios do mundo, oferecendo 2.800 salas ao longo de sete andares com 4.000 janelas e aproximadamente sete quilômetros de corredores. Atualmente, ele abriga o Ministério da Fazenda alemão.


Em todos os lugares as construções não eram mais modestas. Em Nuremberg, a famosa tribuna de Speer no Campo Zeppelin foi reduzida pelo Salão do Congresso, modelado segundo o Coliseu em Roma, que foi construído para acomodar 50.000 seguidores nazistas. Apesar de atingir a altura de apenas 39 metros – em relação aos 70 metros planejados – é ainda o maior edifício sobrevivente do período nazista; enquanto que em Prora, na costa báltica, um resorte gigante foi construído e, apesar de incompleto devido ao início da guerra, se estende por 4,5 km ao longo do litoral e teria abrigado mais de 20.000 turistas. Mesmo a casa de campo de Hitler sobre Berchtesgaden – o “Ninho da Águia” – era um projeto ambicioso. Completada em 1938, após um pouco mais de um ano de construção, estava localizada no topo de um monte alpino de 1800 metros e tinha o acesso por uma estrada especialmente construída de 7 km de extensão construída lateralmente ao morro.

Quando consideramos os planos de Hitler para Berlim, portanto, devemos levar em consideração o contexto mais amplo da construção nazista e dos feitos extraordinários que os arquitetos de Hitler conseguiram realizar de maneira bem sucedida. Germânia não era apenas a “cereja” do bolo nazista. Ela era parte de um programa real para fornecer à Alemanha um portfólio de arquitetura de escala gigante e monumental, a qual Hitler acreditava, seria vista como os edifícios de uma era, rivalizando com os monumentos do Egito, Babilônia e Roma, inspirando futuras gerações de alemães. Certamente não era apenas uma lista de desejos arquitetônica do ditador.

O financiamento de Germânia não foi também tão utópico quanto alguns poderiam imaginar. Speer estimou que o custo total do projeto, talvez de forma otimista, em 6 bilhões de marcos, cinco por cento do PIB alemão de 1939. Mesmo assim, foi a natureza bizantina das relações econômicas no Terceiro Reich que somente uma fração daquele número teria que ser pago diretamente pelos cofres governamentais. Por um lado, a vasta maioria dos materiais de construção que foram preparados para o projeto veio dos campos de concentração espalhados pela Alemanha Nazista, enquanto que as próprias pedreiras e olarias pertenciam ou estavam alugadas pela empresa pertencente a SS, DEST (Deutsche Erd-und Steinwerke). Assim, Germãnia efetivamente conseguiu seus materiais de graça, com um bônus adicional – no ponto de vista nazista – que seus oponentes políticos seriam “reeducados” através do trabalho no processo.

Além disso, os custos de construção e demolição seriam espalhados através dos orçamentos anuais de vários ministérios, organizações e feudos nazistas. E não havia escassez de doações, com algumas, como a Frente Nacional do Trabalho, sendo deliberadamente mantido à distância devido ao medo que eles pudessem adquirir muita influência. A cidade de Berlim teve que financiar boa parte do projeto, com vários apelos a doações e contribuições para evitar déficit. Também não escapou à atenção de Speer que seus custos projetados equivaliam exatamente ao valor estimado da propriedade dos judeus na Alemanha Nazista. Por estas medidas, Speer relembrou, os custos do projeto poderiam ser divididos (e efetivamente compartilhados), deixando o governo central diretamente responsável somente pelo Grande Salão e o Arco da Vitória. Hitler, por sua vez, tendia a espantar quaisquer reclamações de seus ministros argumentando que o grande fluxo de turistas ricos que – algum dia – visitariam a capital do Grande Reich Alemão pagaria os custos.

Ao todo, esta demolição e construção afetaram diretamente milhares de pessoas na capital alemã. Entre eles estavam os prisioneiros de guerra e os trabalhadores forçados, que foram instalados em geral em condições abaixo do padrão e tiveram que trabalhar apressadamente e sob todos os tipos de clima. Apesar de sua alegação de inocência, Speer nunca se teve vergonha de explorar prisioneiros de guerra como força de trabalho. De fato, em novembro de 1941, ele solicitou a Hitler cerca de 30.000 prisioneiros soviéticos especificamente para o uso na construção da “nova Berlim”. Hitler consentiu com o pedido, assim levando à força total planejada pelo escritório de Speer para o trabalho em Germânia para cerca de 130.000 pessoas.

Civis, também, enfrentaram também considerável distúrbio. Aqueles “arianos” que se encontravam vivendo no trajeto dos planos de Speer foram realocados, tanto em acomodações modernas no subúrbio ou em propriedades que foram tomadas dos judeus. Já em 1938, Speer sugeriu que a comunidade judaica da capital fosse deslocada para pequenas propriedades, assim liberando grandes construções para o uso de berlinenses arianos deslocados pelos trabalhos de demolição. Em 1940, estava bem adiantado e muitos milhares de propriedades de judeus foram desocupadas.

Os planos de Speer para Berlim são fascinantes. Sob um ponto de vista arquitetônico, eles são – no mínimo – uma visualização potente dos extremos extraordinários que podem ser alcançados por arquitetos bajuladores. No entanto, qualquer avaliação dos planos de Germânia deve ir além da esfera restrita de arquitetura, mesmo se somente uma fração daqueles esboços tenha saído do papel. Os planos de Speer não podem ser simplesmente vistos somente da perspectiva arquitetônica: ao examiná-los, as pessoas estão moralmente obrigadas a considerar não somente os esboços em si, mas também os métodos brutais através dos quais eles foram trazidos à realidade.
  

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