sábado, 8 de fevereiro de 2014

Varsóvia, 1920

Denis MacShane, Christopher Silvester

Resenha do livro Varsóvia 1920: A Conquista da Europa por Lênin que falhou, de Adam Zamoyski

 
Em 1920, Lênin ordenou a invasão e ocupação da Polônia como um prelúdio para exportar a revolução russa para o coração da Europa, Alemanha. Trotsky mandou imprimir panfletos em alemão já que ele acreditava que trabalhadores e camponeses poloneses e alemães saudariam seus libertadores soviéticos. Em uma guerra desesperada na primavera e verão, os poloneses seguraram os muito maiores exércitos russos, culminando na Batalha de Varsóvia em agosto de 1920. As ambições militares de Lênin foram destruídas e a Europa foi salva de uma onda de ditaduras comunistas, que acabaram chegando na Europa oriental após 1945.

Lênin achava que grandes números de soldados que ele pudesse reunir seriam suficientes para assustar os poloneses. Exércitos de cavalaria gigantes partiram em direção de Varsóvia. Os russos inventaram uma nova arma – uma metralhadora montada sobre um carrinho puxado por cavalos. Estes atravessavam os campos de batalha com efeito devastador. Mas as linhas de comunicação aumentavam mais e mais, e os poloneses foram capazes de cortá-las e esmagar os vários exércitos vermelhos.

Esta guerra olhou para frente e para trás. Notável para a mobilidade das formações de tropas em um teatro de grande extensão, ela antecipou a estratégia de ataques em profundidade e batalhas de cerco que seriam travadas pelos tanques na Segunda Guerra Mundial. A batalha de Czesniki, por outro lado, foi um resquício da era napoleônica. Ela foi, diz Zamoyski, “uma luta épica de um tipo não presenciado na Europa por mais de um século, e o maior envolvimento de cavalarias na história do continente.”

O subtítulo de Zamoyski é importante. Poucos têm consciência de que Lênin desejava conquistar a Polônia para criar uma revolução na Alemanha; menos gente ainda compreende que ele escreveu para Stalin, o comissário-chefe político ligado ao Exército Vermelho na Ucrânia, sugerindo um ataque simultâneo à Romênia, Tchecoslováquia e Hungria, para provocar revolução na Itália. Stalin respondeu que “seria uma pena” não tentar.

Pilsudski, o chefe de estado e comandante-em-chefe polonês, em seus cinquenta anos, não era especialista em estratégia militar. Ele foi torturado pela dúvida, mesmo assim provando a si mesmo ser um mestre das circunstâncias. Sua contraparte, Tukhachevsky[1], tinha somente 27 anos, um nobre que se imaginava um Napoleão no estilo de ser e um niilista que odiava judeus, cristãos, capitalistas e socialistas. Ele mais tarde foi fuzilado nos expurgos de Stalin, assim como todos os comandantes superiores do Exército Vermelho que falharam em tomar Varsóvia em 1920.

O exército polonês foi apressadamente montado com soldados que haviam servido em forças estrangeiras. Um observador descrevendo os seis regimentos da Primeira Cavalaria, disse que eles eram “como muitas crianças nascidas de uma única mãe, mas concebidas por pais diferentes.”

Mesmo assim, a cavalaria polonesa estava bem treinada e equipada. A cavalaria do Exército Vermelho estava equipada de forma diferente e frequentemente uniformizada de forma excêntrica – um cavaleio foi visto usando um chapéu-coco – mas atuou inicialmente como a horda cruel mongol. Em contraste com a disciplinada infantaria polonesa, os infantes do Exército Vermelho estavam descalços e sustentavam sua moral através de uma política de estupros e pilhagem.

A Guerra Polonesa-Soviética foi suja, brutal e curta. Começando com um ataque preventivo pela Polônia contra as forças soviéticas na Ucrânia no final de abril de 1920, que resultou na vitória soviética, foi encerrada em meados de outubro, quando então o exército polonês expulsou os russos e exigiu boa parte da Bielorrússia e Ucrânia.

Com o Exército Vermelho no Vístula, nos arredores da capital polonesa, o contrataque decisivo de Pilsudski foi o envio de cinco divisões do sul, para dividir os exércitos russos ao longo da linha do front norte-sul. Nas palavras de Zamoyski, era “como lançar um forcado sobre os exércitos russos lateralmente: tendo sido o impulso suficientemente forte,o pânico e o caos preveniu sua reunião novamente.”

Foi isto o que aconteceu, e tudo porque, nas palavras de um jovem conselheiro francês, Charles de Gaulle, “o soldado polonês é um soldado de extraordinária resistência.”

Os poloneses também quebraram todos os códigos russos e foram capazes de escutar sua comunicação. O treino provou ser vital duas décadas depois quando criptologistas e a resistência poloneses capturaram a máquina codificadora Enigma da Wehrmacht e a repassaram para Londres, de modo que esta ficou sabendo dos planos de guerra alemães.

As perdas russas (mortos, feridos, capturados e presos) foram acima de 200.000. Seu exército de cavalaria do norte, o Konkorpus, foi esmagado; sua contraparte no sul escapou como uma sombra de si mesmo.

A qualidade de um grande historiador militar não é somente fazer descrições do campo de batalha e explicar suas táticas, mas dar o contexto político e trazer as pessoas dos comandantes de volta à vida. Zamoyski consegue tudo isso em um relato conciso e eletrizante de uma guerra esquecida e argumenta que, longe de ser irrelevante, a vitória polonesa trouxe “duas décadas de liberdade”.

Nota:

[1] Mikhail Nikolayevich Tukhachevsky (16/02/1893 — 12/06/1937) foi um comandante militar soviético e chefe do Exército Vermelho. Foi um dos vários comandantes do Exército Vermelho acusado de colaborar com os nazistas durante o Grande Expurgo, sendo condenado e executado pelos Processos de Moscou.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

[SGM] A Segunda Guerra Mundial ainda é “A Boa Guerra”?

Adam Kirsh

NY Times, 27/05/2011

 
Em fevereiro, o último veterano americano sobrevivente da Primeira Guerra Mundial morreu. É difícil imaginar o dia quando diremos adeus ao último sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, de tão grande “a boa guerra” e “a grande geração” ainda ocupa a imaginação nacional. Mas o calendário e as estatísticas não mentem. Cerca de 16 milhões de americanos serviram nas forças armadas durante a Segunda Guerra. No sexagésimo aniversário do ataque a Pearl Harbor em 2001, cerca de 5,5 milhões ainda estavam vivos. Este ano, enquanto nos preparamos para relembrar o septuagésimo aniversário, o número está próximo do 1,5 milhão, e cai quase mil por dia.

A passagem do tempo não apenas transforma a vida em história; ela também muda os contornos da própria história. Nos últimos anos, historiadores, filósofos e outros começaram a repensar a Segunda Guerra de uma forma desafiadora e perturbadora, refletindo a crescente distância entre o país que lutou a guerra e o país que lembra dela. Como sempre, quando a história é debatida, os limites não são apenas o passado, mas o presente e futuro também. Mesmo que as longas guerras no Iraque e Afeganistão tenham tornado os americanos menos confiantes na forma como usamos nosso poder militar, a luta contra o Eixo permanece o exemplo clássico do poder americano colocado a serviço de objetivos virtuosos. O presidente Obama tinha esta história em mente quando explicou sua decisão de intervir na guerra civil líbia: “Deixar de lado a responsabilidade da América como líder e – mais profundamente – nossas responsabilidades com nossos irmãos humanos sob tais circunstâncias teriam sido uma traição de quem somos,” disse Obama. “Algumas nações podem ser capazes de fazer vista grossa às atrocidades em outros países. Os Estados Unidos da América são diferentes.” Mesmo hoje, a Segunda Guerra Mundial ajuda a subscrever nossa afirmação para esta diferença moral.

As estórias favoritas da Segunda Guerra Mundial sempre foram aquelas do heroísmo democrático de soldados comuns; este tipo de história popular nunca desapareceu e provavelmente jamais desaparecerá. O livro Inquebrável (2010) de Laura Hillenbrand, que permaneceu por meses próximo ao topo dos Best-sellers, conta a estória de Louis Zamperini, um ex-maratonista campeão convertido em piloto aéreo, cujo avião foi derrubado no Pacífico e que sobreviveu semanas à deriva numa balsa e passou por privações ainda maiores em um campo de prisioneiros japonês. Como o título sugere, Zamperini é o típico herói de guerra, por causa de sua grandeza em sua recusa em se entregar, não sua habilidade em quebrar os outros – uma parte do trabalho do soldado que é de longe menos aprazível de ler. Zamperini era piloto de um bombardeiro B-24, e na época em que ele estava sendo torturado pelos japoneses, outros pilotos, tão bons ou ruins quanto ele, realizavam a “Operação Gomorra” – as missões semanais sobre Hamburgo, Alemanha, que em julho de 1943 mataram cerca de 40.000 civis e destruíram virtualmente a cidade inteira. Podemos festejar estórias desse tipo, e outras parecidas com essa, em nossa memória da Segunda Guerra Mundial? E se o fizermos, podemos manter nosso orgulho da “boa guerra”?

Estas são perguntas a serem respondidas na nova onda das histórias da Segunda Guerra Mundial. Estes livros não são “revisionistas”, no sentido pejorativo: eles não sugerem uma equivalência moral entre o Eixo e os Aliados, ou minimizar os crimes nazistas, ou negar o Holocausto. Ao invés disso, eles são trabalhos intelectuais de historiadores profissionais, que estão menos interessados em reescrever os fatos da guerra do que reconsiderar suas implicações morais. Americanos que aprenderam sobre a guerra na Europa a partir de livros como Band of Brothers de Stephen Ambrose (1992), por exemplo, podem ser perdoados por achar que a derrota da Alemanha foi trabalho de soldados americanos durões. Assim, em Uma Vitória dura: a Segunda Guerra Mundial na Europa, 1939 – 1945, o historiador britânico Norman Davies começa da premissa que “o esforço de guerra das potências ocidentais” foi “um tipo de espetáculo secundário” A América perdeu 143.000 soldados na luta contra a Alemanha, Davies esclarece, enquanto que a União Soviética perdeu 11 milhões.

E se o principal espetáculo era a guerra entre Hitler e Stalin, ele pondera, não foi a Segunda Guerra Mundial um confronto entre tiranos quase equivalentes? “Alguém realmente comprometido com a liberdade, justiça e democracia é militante da condenação dos dois grandes regimes totalitários sem medo ou benevolência,” ele concluí. Como historiador da Polônia, Davies é especialmente informado sobre o que poucos americanos lembram: que a Segunda Guerra Mundial começou pela invasão conjunta nazi-soviética daquele país. Durante os dois primeiros anos da guerra, Hitler e Stalin eram aliados; o fato deles terem se voltado um contra o outro, quando Hitler invadiu a União Soviética em junho de 1941, não altera a equação moral. “Se olhamos dois bandidos lutando entre si, não existe validade moral nenhuma se aproximar de um deles para derrotar o outro. O único teste válido é se eles merecem ou não o título de bandidos.”

O livro deliberadamente provocativo de Davies teve uma recepção mista, em parte por causa de seu relato da guerra na Europa Oriental parecer minimizar a importância do Holocausto. Nenhuma objeção pode ser feita em relação ao livro moralmente escrupuloso Terras de Sangue: A Europa entre Hitler e Stalin (2010) de Timothy Snyder[1], que centraliza também a Europa Oriental – em particular a região compreendida entre os Bálcãs, Ucrânia, Bielorússia, Rússia Ocidental e Polônia que Snyder denomina “as terras de sangue”, pois elas foram o maior campo de massacres da Segunda Guerra Mundial. Este foi o local das batalhas titânicas entre a Wehrmacht e o Exército Vermelho: ele foi também o palco das 14 milhões de mortes de não-combatentes entre 1933 e 1945. Este número compreende 10 milhões de civis e prisioneiros de guerra mortos pelos nazistas – incluindo os seis milhões de judeus mortos no Holocausto – e quatro milhões de civis e prisioneiros de guerra mortos pelos soviéticos.

Ao agrupar as baixas alemãs e soviéticas juntas, Snyder está sugerindo uma questão implícita. A União Soviética era o aliado americano, a Alemanha nosso inimigo; mas ambos os regimes foram culpados de matar milhões de pessoas por motivos ideológicos. Não foram os três milhões de ucranianos levados à inanição por Stalin em 1932-33 vítimas deliberadas da agressão estatal e do terror ideológico não menos do que os três milhões de prisioneiros de guerra levados à inanição por Hitler em 1941-42? “Somente uma aceitação ousada das semelhanças entre os sistemas soviético e nazista permite uma compreensão de suas diferenças,” mantém Snyder.

Se Stalin permanece em nossa memória como um tirano igual a Hitler, Winston Churchill é possivelmente o estadista estrangeiro mais amado pelos americanos. Por esta simples razão, entretanto, Churchill tem sido assunto de algumas das mais apaixonadas tentativas de revisar nossa compreensão da Segunda Guerra Mundial. O subtexto desse debate, e talvez a principal razão para a sua veemência, tem a ver com o papel simbólico descomunal que Churchill chegou a ter nos debates de política externa norte-americanos após o 11 de setembro. Quando o presidente Bush aludiu à retórica da época de guerra de Churchill em seu discurso ao Congresso após os ataques, Norman Podhoretz escreveu em A Quarta Guerra Mundial (2007) que ele “inequivocamente e sem qualquer ambiguidade colocou a guerra contra a ‘rede terrorista global’ em direta sucessão à Segunda Guerra Mundial.” Foi amplamente divulgado que Bush mantinha um busto de Churchill no Salão Oval – e que Obama o removeu.

Não é de surpreender, então, que os historiadores começariam a ver Churchill, por bem ou por mal, através do prisma da política atual. O historiador conservador Paul Johnson, para pegar um exemplo, escreveu uma pequena biografia, Churchill (2009), cuja premissa é que “de todas as grandes figuras do século 20, tanto boas como más, Winston Churchill era a mais valiosa para a humanidade.” Simultaneamente, relatos altamente críticos de Churchill proliferaram: A Loucura de Churchill: Como Winston Churchill criou o Iraque moderno (2004), Sangue, Suor e Arrogância: e os Mitos da Guerra de Churchill (2006). Não-historiadores com suas agendas políticas também entraram em cena. O romancista Nicholson Baker escreveu um relato revisionista da Segunda Guerra Mundial, Fumaça Humana: O começo da Segunda Guerra Mundial, o fim da Civilização (2008), no qual Churchill torna-se tão responsável pela Segunda Guerra quanto Hitler. Enquanto isso, Pat Buchanan escreveu Churchill, Hitler e a Guerra Desnecessária: Como a Grã-Bretanha perdeu seu Império e o Ocidente perdeu o mundo (2008), culpando Churchill por conduzir a Grã-Bretanha numa guerra contra a Alemanha acima de tudo. Esta lição isolacionista foi direcionada, disse explicitamente Buchanan, ao “culto a Churchill” que convenceu Bush, “um presidente inculto”, que libertar o Iraque de Saddam Hussein era parecido como libertar a Europa de Hitler.

Em um período que viu historiadores como Niall Ferguson recomendar o Império Britânico como um modelo para o exercício do poder americano no exterior, a conexão entre o imperialismo de Churchill e seu preconceito racial tornou-se um grande problema. Isso foi abordado com mais veemência em O Império de Churchill (2010), de Richard Toye, que explorou de forma honesta as razões do “humanitarismo não significa numa crença em igualdade racial” de Churchill. Toye frequentemente escreve de forma admirada sobre Churchill, mas não deixa de se envergonhar com a feiura de alguns de seus pontos de vista – como a confissão de que “odeio pessoas com olhos puxados e tranças nos cabelos,” ou sua nostalgia pelas “pequenas guerras contra os povos bárbaros.”

Mais sério que as declarações racistas é a acusação feita a Churchill em um livro de Madhusree Mukerjee, A Guerra Secreta de Churchill: O Império Britânico e a Devastação da Índia durante a Segunda Guerra Mundial. Mukerjee coloca a responsabilidade pela epidemia de fome em Bengala em 1943, que resultou na morte de cerca de três milhões de pessoas, nas costas de Churchill. Ela aguça seu ponto fazendo analogias provocantes entre os ingleses e os nazistas. No auge da epidemia, ela escreve, alguns restaurantes populares em Bengala estavam oferecendo uma ração de apenas 400 calorias de arroz por dia, “no nível mais baixo da escala na qual, simultaneamente, os internos de Buchenwald eram alimentados.”

Críticos têm desafiado as conclusões de Mukerjee sobre a divisão de culpa pela fome entre os britânicos, a invasão japonesa, clima inclemente em Bengala e acumulação. Mas A Guerra Secreta de Churchill é convincente em um ponto fundamental. Churchill se recusou em desviar recursos alimentícios dos britânicos para os indianos porque, seguindo a lógica do imperialismo, ele dava um valor mais alto às vidas britânicas do que às indianas. O número de bengalenses que morreram em 1943 rivaliza com o número de ucranianos que, como Timothy Snyder mostra, foram deliberadamente mortos por inanição por Stalin em 1932-33. Isto significa que uma atrocidade comparável deve ser colocada contra a posição moral da Grã-Bretanha e seus aliados na Segunda Guerra Mundial?

Ou a maior atrocidade dos Aliados cometida foi contra a própria Europa? Os horrores dos bombardeios aéreos britânicos e americanos nas cidades alemãs nunca foram segredo; O Matadouro Cinco (1969) de Kurt Vonnegut, com sua evocação terrível do bombardeio de Dresden, permanece como um dos romances de guerra americanos mais populares. Mas os debates americanos sobre a moralidade do bombardeio tem tradicionalmente se centrado na bomba atômica, uma arma única que levanta questões únicas.

O que torna os novos textos sobre o bombardeamento da Alemanha especialmente significativos é que eles têm sido influenciados por aqueles que o vivenciaram. Em um ensaio brilhante, Guerra Aérea e Literatura, o romancista alemão W. G. Sebald se pergunta por que o bombardeio aliado – que matou meio milhão de civis e devastou a maioria das cidades alemãs – “parece ter deixado poucos traços de dor na consciência coletiva.” Uns poucos anos antes, como se fosse uma resposta, o historiador alemão Jörg Friedrich publicou O Incêndio: O Bombardeamento da Alemanha, 1940 – 1945. Friedrich descreve o tipo de cena que aconteceu nas ruas alemãs após os bombardeios: por exemplo, “um homem arrastando um saco com cinco ou seis protuberâncias nele como se estivesse carregando cabeças de repolho. Eram as cabeças dos membros de sua família, uma família inteira, que ele encontrou na adega.”

Friedrich foi acusado, na Alemanha e em outros lugares, de usar linguagem que implicitamente igualava o bombardeio aliado aos crimes de guerra nazistas. Mas sua conclusão sobre a lição da Segunda Guerra Mundial – “civis não mostram piedade a civis... a guerra total consome o povo totalmente, e seu senso de humanidade é a primeira coisa a ir embora” – desafia a memória anglo-americana da guerra em modos que são impossíveis de ignorar. Em Entre as Cidades Mortas: A História e o Legado Moral do Bombardeio de civis na Alemanha e Japão na Segunda Guerra Mundial (2006), o filósofo inglês A. C. Grayling estende o desafio, perguntando: “Deveríamos nós, descendentes dos Aliados que ganharam a vitória na Segunda Guerra Mundial, responder ao desafio moral dos descendentes dasquelas cidades que foram almejadas pelos bombardeiros aliados?”

Grayling está certo de que ele, como todos na Inglaterra e América (e na atual Alemanha também), lembra a Segunda Guerra Mundial como “apenas uma guerra entre inimigos moralmente criminosos.” Mesmo assim, ele concluí que a prática do bombardeio de área – no qual o Comando de Bombardeiros da Força Aérea Real, em particular, bombardeou indiscriminadamente áreas urbanas na esperança de infligir danos morais e econômicos à Alemanha – foi “um crime moral”: “Qual é a diferença moral entre bombardear mulheres e crianças e atirar nelas com uma pistola?... O anonimato do ato de matar a uma altitude de 20.000 pés?” No final, Grayling é carregado pela força de seu próprio argumento em direção de um veredito ultrajante: “Assim, vemos que existe pouca diferença entre a Operação Gomorra da RAF, ou os ataques atômicos da Força Aérea americana a Hiroshima e Nagasaki, e a destruição do World Trade Center em Nova York pelos terroristas... Todos estes ataques terroristas são atrocidades.”

Os Aliados como a Al-Qaeda: está é a conclusão para a qual uma reavaliação da Segunda Guerra Mundial deve nos levar? Se for assim, não admira que alguns historiadores estejam impacientes com o novo projeto. O título do historiador inglês Michael Burleigh Combate Moral: Bem e Mal na Segunda Guerra Mundial, que foi publicado mês passado, resume sua resposta aos descrentes: sim, foi realmente uma combate moral. Em sua introdução, Burleigh tenta garantir que havia ambiguidades morais envolvidas, mesmo dizendo que ele não tenta “desculpar os crimes de guerra aliados.” Mesmo assim, quando ele discute o bombardeio aliado, é sob o cabeçalho do capítulo “Os raios do Rei são justos” – o lema do 44º. Esquadrão de Bombardeiros da RAF. E enquanto Burleigh tem consciência de que Arthur Harris, o chefe do Comando de Bombardeiros, era “obcecado por devastar as cidades alemãs,” ele fica mais irritado com aqueles que julgam Harris após o ocorrido. Visando Grayling, talvez, Burleigh fulmina, “Guerras não são conduzidas de acordo com deliberações dissecadas de um seminário filosófico repleto de velhas senhoras.”

Isto é bruto e mal-humorado, mas o impulso defensivo de Burleigh é compreensível. Se perdermos nossa habilidade de sentirmos orgulho da vitória sobre Hitler, ficaremos privados de um de nossos nortes morais mais garantidos. Mesmo assim, o patriotismo, sacrifício e bravura que lemos em um livro como Band of Brothers não podem ser anulados pelo conhecimento da guerra na qual eles apareceram. De fato, o melhor das novas histórias da Segunda Guerra Mundial pode ser encarado como uma tentativa de nos dar, em 2011, um senso mais completo e autêntico do que realmente foi a guerra para aqueles que a lutaram.


Nota:

[1] Terras de Sangue: A Europa entre Hitler e Stalin


Tópicos Relacionados

Revendo “A Boa Guerra”


A Segunda Guerra foi tão inútil quanto a Guerra do Iraque?


O Acordo do Ocidente com o Diabo


Os Planos Secretos de Guerra de Stalin: Porque Hitler invadiu a URSS


A Conspiração do Império


As Origens da Segunda Guerra Mundial