quarta-feira, 12 de março de 2014

[POL] Nazismo é de direita ou de esquerda?

Emerson Paubel, 12/03/2014


Eu vejo muitos posts de pessoas em redes sociais associando os regimes fascistas (fascismo italiano, nazismo, peronismo, franquismo, etc.) à esquerda. A razão por trás disso não tem nenhum fundamento econômico e ideológico, e sim por conveniência política.

O primeiro passo é esclarecer o que é "socialismo":

"O socialismo não é uma filosofia de doutrina e programa fixos; seus ramos defendem um certo grau de intervencionismo social e racionalização econômica (geralmente sob a forma de planejamento econômico), às vezes opostos entre si. Uma característica da divisão do movimento socialista é a divisão entre reformistas e revolucionários sobre como uma economia socialista deveria ser estabelecida. Alguns socialistas defendem a nacionalização completa dos meios de produção, distribuição e troca, outros defendem o controle estatal do capital no âmbito de uma economia de mercado."

* O socialismo libertário (incluindo o anarquismo social e o marxismo libertário) rejeita o controle estatal e de propriedade da economia e defende a propriedade coletiva direta dos meios de produção através de conselhos cooperativos de trabalhadores e da democracia local de trabalho.

* O socialismo científico, cujos teóricos propunham compreender a realidade e transformá-la mediante a análise dos mecanismos econômicos e sociais do capitalismo, constituindo, assim, uma proposta revolucionária do proletariado. A luta de classes, na análise marxista, é o agente capaz de transformar a sociedade. Num primeiro momento, o controle do Estado ficaria na mão da ditadura do proletariado, quando ocorreria a socialização dos meios de produção através da eliminação da propriedade privada. Numa etapa posterior, a meta seria o comunismo perfeito, onde todas as desigualdades sociais e econômicas, além do próprio Estado, acabariam.

* o socialismo cristão, uma tentativa de aplicar os ensinamentos de Cristo sobre amor e de respeito ao próximo aos problemas sociais gerados pela industrialização. Em 1891, o papa Leão XIII lançou a encíclica Rerum Novarum, em que reconhecia o direito à propriedade privada e rejeitava o fortemente ateu socialismo científico de Marx.

* o socialismo real ou "socialismo autoritário", devido ao terror político implementado pelos diversos regimes socialistas que existiram no mundo. Como consequência do socialismo real, a semântica do termo "socialismo" foi alterada profundamente ao longo do século XX, sendo hoje associada por alguns ao totalitarismo e ao desrespeito aos direitos humanos. atualmente, muitas correntes de pensamento divergem acerca do socialismo. Algumas não crêem que as experiências taxadas de socialistas (a União Soviética sendo o maior exemplo) possam realmente ser assim consideradas, por não terem se mantido fiéis às propostas dos pensadores originais - já que os meios de produção pertenciam ao Estado controlado por burocratas e não pelo povo trabalhador. Além disso, o Estado aumentou o seu controle ao invés de diminuir, ainda havia salários e, portanto, a existência da mais-valia, fonte de lucro da burguesia. Deste modo, não acabou a exploração e sim modificou-se quem explorava, conservando os mesmos instrumentos de exploração capitalista.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo

Agora, o que são regimes liberais com economia capitalista:

O Liberalismo econômico é a crença ideológica na organização da economia em linhas individualistas, o que significa que o maior número possível de decisões econômicas são tomadas por indivíduos e não por instituições ou organizações coletivas.

Economistas liberais e libertários pró-capitalismo veem a posse privada dos meios de produção e o mercado de câmbio como entidades naturais e direitos morais, fundamentais para independência e liberdade. As maiores críticas ao sistema socialista baseiam-se na distorção sistema de preços, o que impossibilitaria um planejamento econômico eficiente. Hayek escreveu em "O Caminho da Servidão" que qualquer tentativa de controlar a economia implica numa concentração de poder estatal e na diminuição da liberdade política. O socialismo terminaria sendo um sistema econômico em que um indivíduo ou grupo de indivíduos controla os demais membros da sociedade mediante a coerção e a compulsão organizada. Exemplos de governos totalitários nesses moldes foram a URSS, especialmente durante o regime de Josef Stalin, a China de Mao Tse-tung e outros experimentos na África e na Ásia.

Outro ponto fundamental é o fato de que todos os agentes econômicos são movidos por um impulso de crescimento e desenvolvimento econômico, que poderia ser entendido como uma ambição ou ganância individual, que no contexto macro traria benefícios para toda a sociedade, uma vez que a soma desses interesses particulares promoveria a evolução generalizada, um equilíbrio perfeito.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo_econ%C3%B3mico

E, finalmente, dentro das estruturas capitalistas, o Keynesianismo:

A escola Keynesiana ou Keynesianismo é a teoria econômica consolidada pelo economista inglês John Maynard Keynes em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (General theory of employment, interest and money)1 e que consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. As políticas econômicas intervencionistas foram inauguradas por Roosevelt com o New Deal, que respaldaram, no início da década de 1930, a intervenção do Estado na Economia com o objetivo de tentar reverter uma depressão e uma crise social que ficou conhecida como a crise de 1929 e, quase simultaneamente, por Hjalmar Horace Greeley Schacht na Alemanha Nazista.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_keynesiana

Agora vamos às ideologias fascistas:

Fascismo é uma forma de radicalismo político autoritário nacionalista que ganhou destaque no início do século XX na Europa. Os fascistas procuravam unificar sua nação através de um Estado totalitário que promove a mobilização em massa da comunidade nacional, confiando em um partido de vanguarda para iniciar uma revolução e organizar a nação em princípios fascistas. Hostil à democracia liberal, ao socialismo e ao comunismo, os movimentos fascistas compartilham certas características comuns, incluindo a veneração ao Estado, a devoção a um líder forte e uma ênfase em ultranacionalismo, etnocentrismo e militarismo.

O fascismo tomou emprestado teorias e terminologias do socialismo, mas aplicou-as sob o ponto de vista que o conflito entre as nações e raças fosse mais significativo, do que o conflito de classes e teve foco em acabar com as divisões de classes dentro da nação. Defendeu uma economia mista, com o objetivo principal de conseguir autarquia para garantir a auto-suficiência, e a independência nacional através do protecionismo e políticas econômicas que intercalam intervencionismo e privatização. O fascismo sustenta o que é, às vezes, chamado de "Terceira Via" entre o capitalismo e o socialismo marxista.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fascismo

Finalmente, para acabar com as dúvidas. "As privatizações no Chile e na Grã-Bretanha, implementadas no início dos anos 1970 e 1980 são geralmente consideradas as primeiras políticas de privatizações da era moderna. Apesar da literatura geralmente falhar em informar, o governo nazista da Alemanha nos anos 1930 estabeleceu uma política de privatizações em larga escala... As firmas pertenciam a um grande número de setores: aço, mineração, setor bancário, portuário e ferroviário."

http://economistsview.typepad.com/economistsview/2006/09/nazi_privatizat.html


Isto posto, esclarecidas as diferenças, vemos que se trata de um erro dizer que o fascismo é uma ideologia de "esquerda", no sentido marxista do termo. E tampouco ele seria de extrema-direita, pois como vimos é uma "terceira via" entre o capitalismo e o socialismo marxista. Então por que a confusão?

A direita diz que o fascismo é de esquerda porque (1) Havia um Estado autoritário que intervinha na economia e na vida individual e (2) o totalitarismo fascista provocou a Segunda Guerra e o consequente extermínio de milhões.

A esquerda diz que o fascismo é direita porque (1) suprimiu os sindicados e atuava na economia para aumentar a riqueza dos capitalistas e (2) perseguiu socialistas e outros opositores do regime.

Ou seja, como uma "batata quente", nenhum dos lados quer segurar esse "filho bastardo" da política.

Eu continuo defendendo a tese que o fascismo - e seus diversos ramos - deveria ser classificado à parte no espectro político. Infelizmente, jogar o fascismo de um lado para o outro tem suas vantagens políticas. Para a direita, facilita associar a esquerda a regimes assassinos e tirânicos; para a esquerda, facilita associar tudo aquilo que é reacionário, antisocial e explorador à direita.

Tópico Relacionado:

Nazismo, Fascismo e Marxismo: Qual a Diferença?

http://epaubel.blogspot.com.br/2013/02/pol-nazismo-fascismo-e-marxismo-qual.html

[ARM] Rússia e China desenvolverão bombardeiro de nova geração

Defesanet, 11 de Março, 2014


O contrato para a desenvolvimento na íntegra do novo bombardeiro estratégico PAK DA entre o governo russo e a empresa Tupolev foi assinado em 2013, e o próprio bombardeiro será incluído no programa estatal de armamento para os anos de 2016-2025, anunciou o chefe do departamento de aeronaves do Ministério da Indústria e Comércio da Rússia Andrei Boginsky.

A Rússia espera começar a aquisição em série destes aviões dentro dos próximos 10-11 anos. Isto coincide aproximadamente com os prazos da implementação de tais programas norte-americanos como a projeção do bombardeiro B-1B Lancer e do pesado bombardeiro estratégico discreto B-2 Spirit. Aparentemente, o novo avião russo será semelhante ao norte-americano B-2, mas num novo nível: ele terá uma velocidade subsônica e baixa visibilidade em radar.

Se os construtores tratarem principalmente de repetir as soluções norte-americanas, isso reduzirá os riscos de atraso do projeto. No entanto, estes riscos são grandes: um bombardeiro estratégico é um sistema extremamente complexo e dispendioso. Tanto nos EUA como na URSS, esses projetos foram acompanhados por inúmeros fracassos e escândalos.

Além do difícil e tecnicamente arriscado programa de desenvolvimento do avião haverá também a questão da viabilidade da produção em massa. A principal tarefa de um bombardeiro estratégico moderno é servir como uma plataforma para o lançamento de mísseis de cruzeiro de médio alcance. Tais mísseis são usados sem entrar na zona da defesa aérea inimiga. Os mais recentes mísseis de cruzeiro russos X-101 têm um alcance superior a 5.500 quilômetros. Para aviões portadores de tais mísseis é importante o alcance de voo, a disponibilidade de meios eficazes de controle de fogo, equipamentos de navegação sofisticados e carga útil significativa.

Também estão dotados destas qualidades os aviões que a Rússia já tem, como o Tu-95MS, construídos na década de 1980 e que ainda podem ser usados por décadas, passando por modernizações. Provavelmente, a Rússia procura criar um bombardeiro de longo alcance apto para atuar numa maior variedade de cenários de conflitos locais. Tal avião, em particular, poderia atingir objetos bem protegidos com poderosas bombas de trajeto ajustável, ou atacar alvos móveis, como navios.

Trabalhos semelhantes de desenvolvimento de um bombardeiro discreto de longo alcance de nova geração estão atualmente em andamento na China. Se a Rússia poderá ainda durante um londo tempo usar os aviões disponíveis Tu-95 e Tu-160 na solução de muitos problemas, a China não tem tal possibilidade. Mesmo o mais recente bombardeiro H-6K não pode atacar o território continental dos Estados Unidos e não pode reabastecer no ar.

No passado, a Rússia e a China têm discutido a possibilidade de fornecimento de bombardeiros Tu-22M3 à China, mas não conseguiram conciliar suas posições. Agora, quando os dois países estão trabalhando em projetos semelhantes em propósito e extremamente caros, a cooperação e coordenação de esforços ajudariam a corrigir o erro anterior. A estreita cooperação na criação de um tão importante sistema de armamento como um bombardeiro estratégico poderia reforçar a confiança mútua e permitiria economizar quantias significativas.

sábado, 8 de março de 2014

[SGM] 1945: Conquista da ponte de Remagen

DW, 07/03/2014

 
No dia 7 de março de 1945, tropas americanas conquistam a ponte ferroviária de Ludendorff, em Remagen, Oeste alemão, a única intacta sobre o Reno. As demais foram explodidas pelos nazistas para conter avanço dos aliados.

A pequena cidade de Remagen, a 20 quilômetros de Bonn, ficou conhecida mundialmente através de um filme de Hollywood baseado na história real. No começo de 1945, os alemães cometeram o erro de deixar um flanco aberto a oeste do rio Reno e foram sendo derrotados sistematicamente. Os remanescentes de suas forças se concentraram na margem direita.

Todas as pontes do Reno tinham sido explodidas para evitar que os inimigos chegassem até a outra margem. Mas a má qualidade do explosivo não destruiu completamente a ponte de Ludendorff, em Remagen, que foi usada por um destacamento do Exército dos Estados Unidos. O 3º Exército comandado pelo general George Smith Patton cruzou o rio em operações audaciosas, não previstas pelas lideranças militares alemãs. No dia 17 de março, a ponte ruiu definitivamente.

O general Patton comandou o desembarque na Normandia e foi o primeiro norte-americano a chefiar um corpo de tanques. Ele ganhou fama de ser o chefe militar norte-americano mais audacioso e menos obediente às normas clássicas da guerra.

Imponente operação militar

Os cinco oficiais alemães responsáveis pelo controle da ponte foram julgados e executados a comando de Hitler. O único que sobreviveu foi o tenente Bratke, professor em Remagen, tomado como prisioneiro pelos norte-americanos.

A 23 de março, o marechal britânico Montgomery comandou a travessia do rio, a partir do norte, numa imponente operação militar. Ela envolveu tropas num total superior a um milhão de homens, duas divisões de paraquedistas lançadas diretamente sobre o outro lado do rio, além de milhares de embarcações pequenas transportando tropas de assalto.

O colapso da Wehrmacht de Hitler começou a ser formalizado através de rendições sucessivas. Hitler suicidou-se em Berlim a 30 de abril e, na semana seguinte, o comandante das forças do norte da Alemanha se rendeu a Montgomery.

A conquista da ponte de Remagen tornou-se um mito para os norte-americanos. Ainda hoje, os veteranos vêm visitar o Museu da Paz, construído junto a um dos pilares da antiga ponte sobre o Reno.

segunda-feira, 3 de março de 2014

“Contra sua Vontade” olha para as crianças usadas em testes nos EUA


Pergunta: Indique um internato público onde as crianças foram usadas em experimentos médicos por um período de mais de 20 anos, no qual elas foram alimentadas sem saber com uma dieta contaminada por isótopos radioativos, sujeitas a retiradas regulares de sangue e colocadas em confinamento solitário se elas se recusassem a colaborar.

Resposta: A Escola pública Walter E. Fernald  em Waltham em meados do século XX.

Infelizmente, como  Allen Hornblum, Judith Newman, e Gregory Dober descrevem dolorosamente em seu novo livro, Contra sua vontade: A História Secreta do Uso Científico de Crianças na América da Guerra Fria, Fernald não era a única instituição no país, ou mesmo no Estado, onde crianças eram alistadas em alguns experimentos médicos fatais. Estes eram conduzidos por médicos e cientistas ambiciosos cuja crença no que eles estavam tentando atingir frequentemente os cegava para as consequências potencialmente terríveis de suas ações.

Até o final do século XX, os médicos experimentavam rotineiramente nos chamados retardados, imbecis e débeis mentais dos orfanatos e hospitais da América para testar vacinas e procedimentos. Internados em locais como a Escola de Massachusetts para a Juventude Retardada e Débil Mental, os “geneticamente incapazes” tornaram-se prontamente cobaias para pesquisadores do MIT, Harvard e outras universidades.

Contra sua Vontade é um trabalho extraordinário, um apelo à ética humanista na ciência e na medicina contra a conveniência política e econômica. Ele nos leva a lugares ainda mais sombrios descritos no livro anterior de Hornblum, já que ele examina a longa história de experimentos antiéticos feito em crianças na América. Hornblum e seus coautores investigam as práticas hediondas de usar crianças, mesmo bebês e mulheres grávidas, como cobaias, seguindo a ideologia dos eugenistas do início do século 20.

A publicação do livro best seller de Paul De Kruif, Caçadores de Micróbios (1926) e outros livros admiráveis, glorificava os pesquisadores médicos e convenceu o público que os médicos não podiam errar. O movimento eugênico ensinava o desprezo pelos fracos e foi institucionalizado. No final, os débeis mentais tornaram-se cobaias convenientes para experimentos antiéticos. Muitos pesquisadores, incluindo dermatologistas, dentistas e psicólogos, estavam motivados para causas nobres; outros procuravam fama e riqueza. Como policiais confirmando o “código azul do silêncio”[1], o sistema médico olhou para o outro lado, conhecendo completamente bem que os experimentos envolvendo radiação e lobotomias eram danosas e conduzidas sem o consentimento da família.

Ostensivamente praticando ciência no molde heroico – a ciência deveria curar todas as doenças da humanidade – médicos e cientistas se voltaram para a juventude internada em orfanatos, abrigos e hospitais como cobaias aptas para experimentos médicos e outras experiências. As crianças, que não podiam dar nenhum consentimento, eram rotuladas frequentemente de “débeis mentais”, ou eram crianças com Síndrome de Down ou paralisia cerebral, ou eram apenas muito pobres e analfabetas para fazer algum rebuliço. Seus pais frequentemente não eram notificados dos experimentos, ou eles eram publica ou sutilmente coagidos a dar consentimento.

O resultado foi uma série de experimentos em hospitais e abrigos – como Vineland, Willowbrook ou Wrentham – buscando curas ou tratamentos para pelagra, infecções cutâneas, hepatite, difteria e outras doenças. Mas os experimentos causaram estragos incalculáveis ainda não relatados nas crianças envolvidas. Uma criança submetida aos testes que foi entrevistada pelos autores anos depois como adulto insistiu que algumas vítimas na Escola Pública de Fernald em Massachusetts foram “enterradas como indigentes... Eles as mataram.” Alguns dos experimentos envolviam controle da natalidade, incluindo o uso de esterilização forçada ou castração.

As crianças usadas como cobaias experimentais eram frequentemente e deliberadamente infectadas com doenças, e então submetidas a tratamentos experimentais (muitos totalmente perigosos), ou mesmo sem nenhum tratamento, para melhor observar o curso natural da doença para o bem da ciência. O Dr. Albert Kligman, uma figura-chave no livro Acres de Pele, reaparece neste novo livro, deliberadamente introduzindo fungos em ferimentos induzidos experimentalmente em crianças retardadas e evitando o tratamento para observar o desenvolvimento da doença.

Entre os experimentos inspirados pela eugenia inicial e o uso subsequente de crianças como cobaias experimentais, o exemplo monstruoso da ciência nazista e experimentos médicos bizarros e mortais lançam uma sombra ao longo das décadas seguintes. Hornblum e outros descrevem a ascensão e rápida queda dos protocolos de Nuremberg, que eram geralmente ignorados pelos médicos e cientistas americanos. Estes profissionais estriparam os comandos éticos em torno do consentimento informado. Um médico, associado ao Departamento Epidemiológico do Exército, é citado criticando o “espectro de Nuremberg”, que se opõe a “aproximações racionais” no uso de crianças como cobaias humanas em pesquisa médica.

Mas, como o título do livro sugere, eram as exigências da Guerra Fria que deram aos pesquisadores médicos e científicos carta branca para conduzir experimentos em crianças (e prisioneiros, pacientes idosos e mesmo clientes de prostitutas), e tudo em nome da segurança nacional e proteção contra o Comunismo. Hornblum e seus coautores fazem um excelente trabalho em explicar essa história complexa e mostrando como o Departamento de Defesa, o Comitê de Energia Atômica e a CIA financiaram esses experimentos, incluindo o uso de choque elétrico e LSD.

O livro descreve o trabalho de uma pesquisadora conhecida de crianças, Lauretta Bender, conhecida por seu famoso Teste Bender Gestalt, ensinado para gerações de psicólogos, que usavam tanto o choque elétrico quanto LSD em crianças afetadas por esquizofrenia ou desordem comportamental. Muitos destes experimentos foram relatados em revistas médicas ou psicológicas e discutidos em conferências públicas. No ambiente de Guerra Fria que existia, poucos se davam conta do uso de crianças nestes experimentos. Poucos criticaram que eles representavam uma população vulnerável.

Os autores repetidamente mostram que estes tipos de experimentos não eram exemplos isolados de  má conduta médica ou científica, mas eram parte da cultura principal da ciência. Um experimento radioativo em crianças conduzido na Escola Pública de Wrentham para “débeis mentais” e “garotos defeituosos” em Massachusets, onde crianças eram infectadas com iodo radioativo, “era coordenado por pesquisadores da Escola Médica de Harvard, pelo Hospital Geral de Massachusets e pela Escola de Medicina da Universidade de Boston, e era apoiada pela Divisão de Saúde Radiológica do Serviço de Saúde Pública dos EUA.” Por trás da Guerra Fria e da razão eugenista, os autores mostram que ambições carreiristas e narcisismo teimoso foram causas contribuintes para a triste história que é relatada.

As revelações cercando tais casos celebrados de experimentação médica – especialmente os experimentos de sífilis em homens negros e experimentos radioativos – levou ao surgimento de salvaguardas éticas e à revisão dos procedimentos, e algumas das piores práticas caíram em desuso. Mesmo assim, os autores documentaram o uso de experimentos médicos ou psicológicos em crianças mesmo nos anos 1990. Eles alertam que muitos experimentos em crianças foram levados para outros países, onde existem leis menos rigorosas e estão longe do olhar vigilante da mídia americana.

Existe um mito alegre propagado por educadores e pela mídia. Ele começa com os horrores da medicina nazista – de Mengele e dos médicos dos campos de concentração, da eutanásia e dos experimentos desumanos – e termina com a justiça em Nuremberg, e a criação de protocolos éticos humanos reconhecidos por toda a humanidade. A verdade, contudo, é tristemente diferente. A anistia dos EUA aos médicos da Unidade 731 do Japão, os experimentos descritos por Hornblum conduzidos nas prisões, hospitais públicos e orfanatos americanos ou a revelação recente de que o Serviço de Saúde Pública dos EUA conduziu experimentos de sífilis em mulheres analfabetas da Guatemala mostram que estamos longe de ser um mundo humano civilizado.       

Nota:

[1] Código azul do silêncio é uma regra não escrita entre os policiais nos EUA em não relatar erros, má conduta ou crimes de um colega da corporação. 

Fontes:      




Tópico Relacionado:

Eugenia e os Nazistas – A Conexão Californiana

[HOL] Nenhuma novidade nos diários de Rosenberg

Richard A. Widmann


Em junho de 2013, a mídia estava em polvorosa com o anúncio da descoberta do diário de Alfred Rosenberg pelo Grupo de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) e pelo Investigações de Segurança da Pátria (HSI). Os relatórios iniciais anunciaram que o diário “poderia oferecer novos conhecimentos sobre o Holocausto.” Conferências de imprensa foram convocadas com funcionários do Departamento de Segurança da Pátria, do Departamento de Justiça e do Museu Memorial do Holocausto dos EUA (USHMM). Em uma mensagem na internet, o USHMM declarou:

Sua descoberta dará aos estudiosos indubitavelmente novos conhecimentos sobre a política dos líderes nazistas e completará o comprometimento do museu em resgatar evidência dos perpetradores do Holocausto.

O jornal israelense Haaretz destilou veneno considerável sobre Rosenberg chamando-o de “um idiota pretensioso” e “grotesco”. Mas o Haaretz acabou antecipando grandes revelações em relação ao Holocausto no diário. Eles conjecturaram,

De fato, Rosenberg pode ter plantado algumas das sementes que no final se transformaram nas decisões aparentemente irracionais de Hitler em desviar os recursos necessários da guerra para o assassinato de judeus, mesmo com o exército alemão mantendo suas perdas no front.

Em dezembro, a mídia novamente foi inundada com notícias de Rosenberg e seu diário. O diário agora havia sido transferido para o USHMM. O jornal inglês Mail On-line estampou a notícia: “400 páginas escritas por Alfred Rosenberg, um líder nazista que teve um papel central no extermínio de milhões de judeus, são doadas para museu na capital.” A cobertura dos jornais ao redor do mundo foi basicamente a mesma. Curiosamente, a cobertura do The Washington Post incluiu vários comentários que deveriam ter sido a notícia real:

… detalhes dos grandes planos nazistas para o genocídio e dominação brutal estão ausentes nas páginas.

O Post continua no relatório que Jürgen Matthäus, diretor de pesquisa aplicada no Centro do USHMM para Estudos Avançados do Holocausto, comentou, “(Rosenberg) não viu nenhuma razão para elaborar os objetivos fundamentais nazistas, já que ele os via como autoevidentes.” Matthäus continuou:

Se estamos procurando por revelações chocantes sobre a era nazista, não encontraremos elas. Seu diário frequentemente parece mudo, senão calado, sobre tópicos cruciais e eventos importantes, incluindo a perseguição aos judeus.

Finalmente, Matthäus concluiu, “Isto não é a arma fumegante. Isto não é a bala de prata.”[1]

Mas qual “arma fumegante”? Por que o Museu precisa de uma “bala de prata”? O que ou quem era o lobo que eles estavam procurando para matar? Para os desinformados, as perguntas permaneceram não respondidas. Mas para o leitor atento, as questões revelam um pouco do desapontamento e frustração dos guardiões da história “oficial”.

A Wikipédia define o termo “arma fumegante” como “basicamente uma referência a um objeto ou fato que serve como evidência conclusiva de um crime ou ato similar.” Este era um reconhecimento que a evidência conclusiva do Holocausto precisava? A percepção do público, moldada por anos de declarações de várias fontes de que o Holocausto é o crime mais bem documentado da história mundial, é claramente falsa. O professor Arno Meyer de Princeton reconheceu que “fontes para o estudo das câmaras de gás são até agora raras e não confiáveis.”

Mas como poderia um programa orquestrado para o assassinato de milhões ser conduzido sem ordens, sem planos, sem documentos, sem mesmo comentários privados? Havia não somente uma grande conspiração para exterminar os judeus da Europa, mas também uma conspiração ainda maior para encobrir o crime? Ou, como todas as conspirações, o relato do Holocausto foi construído sobre mentiras, vingança e propaganda?

Parece que a “arma fumegante” deveria ter sido a evidência conclusiva, um comentário ou pelo menos um reconhecimento de uma ordem de extermínio dos judeus por Hitler ou qualquer outro membro da liderança nacional socialista. Diferentemente do público geral, historiadores e funcionários no USHMM compreendem que não somente uma ordem está faltando, mas as correspondências privadas, diários e outros documentos deixados por aqueles líderes em nenhum momento confirmam um programa coordenado para extermínio em massa.

E o que dizer da “bala de prata” que o Museu esperava encontrar? No folclore popular, uma bala de prata é frequentemente a única arma que é eficiente contra um lobisomem ou outro monstro. Não há muita dúvida que mesmo uma evidência mínima teria sido usada como uma “bala de prata” direcionada ao coração dos negadores do Holocausto e aqueles que questionam o relato das câmaras de gás, a base sobre a qual o USHMM foi construído.

Deveríamos aceitar a lógica básica do USHMM e outros que esperam encontrar uma “arma fumegante”. Houvesse mesmo um programa para exterminar os judeus da Europa, então Alfred Rosenberg deveria tê-lo comentado em seu diário. Tivesse Rosenberg comentado um programa de extermínio em massa, o lobisomem revisionista poderia finalmente ter sido erradicado.

Relatos da imprensa se referem a Rosenberg como “um líder da elite nazista que tinha influência sobre Adolf Hitler,” um “colaborador de Hitler,” um “nazista influente”e um “confidente de Hitler.” Mas quem era Alfred Rosenberg e por que ele deveria ter conhecimento do Holocausto?

Rosenberg, que nasceu em 12 de janeiro de 1893 em Reval na Estônia, é melhor lembrado como o autor de “O Mito do Século 20” (Der Mythus des 20. Jahrhunderts), um trabalho que deu ao Nacional Socialismo uma teoria definitiva de história em função da raça. Rosenberg tornou-se um dos primeiros membros do NSDAP, tendo se juntado ao partido em 1919. Em 1921, ele assumiu o cargo de editor do jornal do partido, “O Observador Popular”.

Rosenberg assumiu muitas atividades do partido enquanto Hitler e Hess estavam presos em Landsberg em 1924. Com o tempo, ele tornou-se chefe do departamento de política externa do partido. Ele também ficou responsável por definir a política do partido em relação ao ensino médio e superior.

Rosenberg comandou uma equipe especial com a responsabilidade de coletar e guardar os tesouros artísticos dos territórios ocupados do leste europeu. Em 1941, Rosenberg assumiu a responsabilidade de estabelecer a administração civil dos territórios bálticos e da Rússia ocupados e serviu como Ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste (Reichsminister für die besetzten Ostgebiete).

Após o término da guerra, Rosenberg foi arrastado para o tribunal de Nuremberg para julgamento. Quando o julgamento aliado terminou, Rosenberg foi considerado culpado dos seguintes crimes: (1) conspiração para cometer crimes em outros territórios; (2) crimes contra a paz; (3) Crimes de guerra; (4) Crimes contra a humanidade.

Parte do julgamento contra Rosenberg afirma:

Rosenberg tem uma grande responsabilidade pela formulação e execução das políticas de ocupação nos territórios ocupados do leste. Ele foi informado por Hitler em 2 de abril de 1941, de um ataque vindouro contra a União Soviética, e concordou em ajudar como “Conselheiro Político”... Em 17 de julho de 1941, Hitler apontou Rosenberg como Ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste e publicamente encarregou-o da responsabilidade pela administração civil... Ele ajudou a formular as políticas da germanização, exploração, trabalho forçado, extermínio de judeus e oponentes do jugo nazista, e estabeleceu a administração que foi responsável por isso... Suas diretivas forneceram a segregação dos judeus, finalmente em guetos. Seus subordinados se envolveram no extermínio em massa de judeus, e seus administradores civis consideraram que a limpeza étnica dos territórios ocupados era necessária.

Rosenberg foi condenado à forca.

É natural que a descoberta do diário de Rosenberg, que estava desaparecido desde a época de Nuremberg, tenha excitado as pessoas que acreditam na narrativa do Holocausto. De fato, tivesse o Holocausto ocorrido da maneira como é descrito em livros, filmes e museus, o diário de Rosenberg deveria conter uma riqueza de detalhes e uma defesa filosófica das políticas que levaram ao extermínio em massa.

Mas o diário não contém tal evidência. Não há justificativas da política brutal; de fato, não há menção a uma ordem de extermínio em massa. Não há menção a câmaras de gás. Não há nenhuma sugestão de que Rosenberg estivesse ciente de tais políticas. Algumas pessoas podem argumentar que Rosenberg era esperto e propositalmente deixou de fazer comentários incriminadores em seu diário pessoal – mesmo numa época em que a vitória alemã parecia assegurada. Muitos escritores e psicólogos gostam de escrever sobre a “banalidade do mal”, assumindo que o assunto parece tão trivial que não há necessidade de mencioná-lo. E, é claro, existe a opção de que os eventos não ocorreram da forma como estão relatados em nossos livros de história.

G. M. Gilbert, que serviu como psicólogo de prisão nos julgamentos de Nuremberg, recolheu muitos dos pensamentos e comentários privados dos réus. Gilbert comentou que os réus “estavam mais do que ansiosos para expressarem-se a um psicólogo e ao único oficial americano na prisão que falava alemão.” Gilbert foi cuidadoso em nunca tomar nota em frente aos homens, mas ao invés disso gravá-los secretamente seguindo suas entrevistas particulares. Ele mais tarde reuniria suas notas e as publicaria em seu livro O Diário de Nuremberg em 1961.

Do livro de Gilbert sabemos dos primeiros pensamentos e comentários de Rosenberg após assistir aos filmes de atrocidade durante a realização do julgamento. Gilbert registrou a reação de Rosenberg às “recentes revelações” da seguinte maneira:

Certamente, é terrível – incompreensível, a coisa toda. Eu nunca sonhei que isso pudesse assumir tal proporção – não sei. – terrível!

Mais tarde, em uma das entrevistas particulares de Gilbert:

Não sei. Suponho que tenha sido ordenada por ele (Hitler). Não contemplamos a matança de ninguém no começo; posso te assegurar disso. Sempre defendi uma solução pacífica. Fiz um discurso diante de 10.000 pessoas que mais tarde foi reproduzido em papel e largamente distribuído, defendendo uma solução pacífica. – Apenas retirando os judeus de suas posições políticas influentes, isto é tudo. Tipo, ao invés de ter 90% dos médicos em Berlim sendo judeus, reduzi-los a 30%, ou algo parecido – o que teria sido uma cota liberal na época. – Não tinha nem ideia que isso poderia levar a coisas terríveis como o assassinato em massa. Apenas queríamos resolver o problema judaico de forma pacífica. Inclusive, deixamos que 50.000 judeus intelectuais atravessassem a fronteira.

Rosenberg continuou com a ideia da deportação dos judeus:

Bem, eu sabia que eles estavam sendo transportados para o Leste, e entendia que eles estavam sendo colocados em campos com sua própria administração, e eventualmente se assentariam em algum lugar no Leste. – Não sei. Não tinha ideia de que isto levaria a um extermínio em qualquer sentido literal. Só os queríamos longe da vida política alemã.

Enquanto o USHMM foi incapaz de encontrar uma “arma fumegante” que apoia a narrativa ortodoxa, os pesquisadores deveriam examinar os documentos pela evidência da verdade dos eventos destes anos. O que o diário revela sobre os programas de deportação em massa? O que ele diz sobre as epidemias que atingiram os campos de concentração? Existe evidência de que a liderança nazista combateu essas epidemias?

Espero que uma investigação honesta conduza a uma revisão correta desta época sombria em nossa história recente. E somente corrigindo o relato desta época podemos nos mover adiante para entender os eventos de nossa história moderna dos últimos 70 anos.

Nota:

[1] arma fumegante (smoking gun) é sinônimo de provas incontestáveis. Bala de prata (Silver bullet) é um termo médico usado geralmente para se referir a algum tipo de "cura milagrosa".  


Tópicos Relacionados:

“A Questão Judaica” na visão dos Nazistas


Wannsee: Não foi aqui que a Solução Final Nasceu


EUA encontram diário perdido de líder nazista e assessor de Hitler

[PGM] Na Iminência da Guerra

Harold Evans

NY Times, 09/05/2013

Resenha dos livros Os Sonâmbulos: Como a Europa foi à guerra em 1914 e 1914: Contagem regressiva para a guerra.


Ninguém na época chamou o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo em 28 de junho de 1914 “um tiro que rodou o mundo.” A frase, cunhada por Ralph Wald Emerson, resume um julgamento que se cristalizou somente com os horrores que se seguiram. Alguns membros da comunidade internacional não perceberam isso. A América continuava calma em seu isolamento e prosperidade. “Para o mundo ou para uma nação,” declarou o jornal Grand Forks do Dakota do Norte, “um arquiduque a menos não fará diferença.” O presidente Wilson, atravessando os corredores solitários da Casa Branca estava perturbado com a luta pela vida da Primeira Dama. Paris estava ocupada com um julgamento de crime passional que levou a um escândalo político. Londres estava obcecada com a soberania da Irlanda para manter o interesse até próximo da meia-noite.

Desde o início houve uma falha em perceber que o assassinato do herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro por um jovem terrorista treinado na Sérvia expansionista poderia ser “uma coisa tola nos Bálcãs” que Otto Von Bismarck em 1888 previu que um dia deflagraria uma guerra europeia. Em Os Sonâmbulos, Christopher Clark, um professor de história europeia moderna em Cambridge, descreve como dentro de 10 dias os ministros da Rússia czarista tinham criado um relato para justificar a mobilização da Rússia por seus “irmãozinhos sérvios” se a Áustria-Hungria os atacasse. O arquiduque morto era retratado como uma marionete do imperador alemão Guilherme II e um belicista (algo que não era). A intenção era deslocar o ônus moral do perpetrador para a vítima. A França caiu no estratagema e a Inglaterra continuou mais ou menos na sua, sendo os três ligados pela Tripla Entente de 1907. A Áustria-Hungria, por sua vez, enviou por trem na noite de 4 de julho um enviado a Berlim, onde o Kaiser havia acabado de reprovar uma pedido de calma oficial: “Parem com esta insensatez! Já era tempo de se dar um jeito nos sérvios.” Assim, a Áustria-Hungria recebeu seu famoso “cheque em branco”, e 37 dias após Sarajevo as Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, um ano depois a Turquia e em seguida a Bulgária) estavam em guerra contra as Potências da Entente (Rússia, França, Império Britânico e também o Japão, e nos meses seguintes Itália e Romênia).

A historiografia da Primeira Guerra Mundial é enorme, mais de 25.000 volumes e artigos mesmo antes de seu aniversário. Mesmo assim, Clark e Sean McMeekin, em Julho de 1914, oferecem novas perspectivas. A realização mais importante de Os Sonâmbulos é a pesquisa em um único volume de Clark da história europeia que levou à guerra. Isso pode parecer maçante. Pelo contrário, é como se uma luz tivesse iluminado o palco de personagens sombrios lutando entre si sem nenhuma razão. Ele levanta a cortina às 2 horas da manhã em 11 de junho de 1903, 11 anos antes de Sarajevo. Vemos 28 oficiais do exército sérvio abrindo seu caminho para o Palácio Real em Belgrado. O Rei Alexandar e a Rainha Draga, traídos e indefesos, se escondem em um armário de roupas da rainha. Eles são encontrados, massacrados, crivados de balas, esfaqueados com uma baioneta; seus corpos são cortados com um machado e os corpos mutilados são lançados pela sacada do palácio.

Clark defende uma conexão direta entre os assassinos de Belgrado e Sarajevo. Através do regicídio – e o assassinato de um Primeiro Ministro repressor na mesma noite – resultou em uma democracia parlamentar mais genuína, a rede de conspiradores prosseguiu, sua paixão mortal era agora direcionada para a decadente Áustria-Hungria. O principal instigador do plano de Belgrado, o tenente Dragutin Dimitrijevic, chamado de Apis por sua mente violenta, tornou-se chefe da inteligência militar sérvia e foi fundamental na criação das redes terroristas Mão Negra que organizaram o assassinato do arquiduque. Eles sonhavam com uma grande Sérvia englobando os sérvios na Península balcânica. A região era terreno fértil para o desafeto: duas raças não-eslavas, austríacos e húngaros, controlando milhões de sérvios, eslovacos, tchecos, croatas e poloneses, entre outros.

Clark nos apresenta um entendimento abrangente e um relato inteligível da polarização no continente. É uma pena que com tantos personagens e nomes desconhecidos, seus editores tenham falhado em fornecer uma lista dos envolvidos e da cronologia: isto é feito na obra de McMeekin.

Professor americano que leciona em Istambul, McMeekin escolheu ampliar o panorama. Ele inicia com uma reconstrução fragmentada, porém vívida do duplo assassinato sob a luz do Sol em Sarajevo, então se concentra totalmente em desvendar a coreografia diária, à medida que os monarcas hereditários em seus palácios convocam seus ministros e generais e os ministros convocam seus assistentes para escrever e codificar os telegramas para seus embaixadores em Viena e Berlim, Belgrado e São Petersburgo. Paris e Londres reúnem toda sua eloquência e astúcia para seguir com suas próprias interpretações sobre a corrente de ameaças, promessas e súplicas de seus governantes.

Os monarcas imperiais eram parentes – a Rainha Vitória morreu nos braços de seu neto, o imperador Guilherme II – mas eles também foram consumidos pelas rivalidades entre as grandes potências e sua autoridade individual era refratada através dos espelhos retrovisores da burocracia. Temos uma indicação das ambiguidades no ponto crucial na noite de 29 de julho. O Czar Nicolau II, tendo concordado com a mobilização geral, recebe um telegrama  apelando para que não faça isso. O telegrama para “Nicky” veio de seu primo em Berlim, o Kaiser “Will”. Nicky imediatamente desfaz a ordem: “Não serei o responsável por uma carnificina monstruosa.” Menos de 24 horas depois, o parentesco e a prudência cedem lugar para a retórica patriótica e para a estimativa inflacionada do poderio austríaco.

Ambos os autores destroem a narrativa conhecida de que a Alemanha mobilizou suas forças primeiro de modo a garantir a guerra preventiva que seus generais há muito tempo defenderam. Não foi isso. Clark mostra como os líderes políticos e militares de Berlim se agarravam alegremente à ideia de que qualquer conflito podia ser localizado. A mobilização da Rússia, ele diz, foi “uma das decisões mais momentâneas da crise de julho. Ela foi a primeira das mobilizações gerais.” McMeekin diz que o crime da Rússia foi primeiramente aumentar a escaramuça local ao encorajar a Sérvia a resistir contra a Áustria-Hungria e então acelerar o passo em direção da guerra. Ele culpa Barbara Tuchman em seu clássico livro Os Canhões de Agosto por colocar a data de mobilização da Rússia dois dias depois que ela foi ordenada. Ele não é, contudo, um apologista da Alemanha. Em O expresso Berlim-Bagdá (2010), ele acusou o Kaiser de ser um jidahista amalucado ao incitar os mulçumanos contra os interesses anglo-franceses no decadente Império Otomano, mas seu livro de 2011 As Origens russas da Primeira Guerra Mundial faz jus ao título.

Clark empresta autoridade ao citar falsificações russo-francesas de documentos. Os russos alteraram datas e reescreveram documentos nos registros. Os franceses foram mais criativos, fabricando um telegrama que relatava seis dias de preparação para a guerra pela Alemanha que, de fato, não ocorreu. Nas palavras de Clark, tanto a Rússia quanto a França estavam angustiadas, na época e mais tarde, para tornar Berlim “a responsável moral pela crise.”

McMeekin pretende direcionar a culpa para os homens e nações que ele considera culpados. Ele poderia ter intitulado o livro de “J´accuse”. É o terceiro com um apelo polêmico. Clark recusa a se unir a McMeekin no que ele chama “o jogo da acusação”, pois havia muitos participantes. Ele argumenta que tentar identificar o culpado em um único líder ou nação assume que deve haver uma culpa compartilhada e isto, ele mantém, distorce a história e a converte numa narrativa judicial que carece da natureza essencialmente multilateral das trocas, enquanto que subestima o fervor étnico e nacionalista de uma região. “O início da guerra em 1914,” escreve ele, “não é um drama de Agatha Christie no final do qual descobriremos o culpado ao lado de um corpo no salão com a pistola ainda fumegando.” Não ter um vilão a quem culpar é ainda mais frustrante, mas Clark faz questão de mostrar a guerra como uma tragédia, e não como um crime: em seu relato há uma pistola fumegando na mão de cada personagem principal.  

Mesmo assim, sua objetividade não significa neutralidade branda. Através de uma análise rigorosa linha a linha dos termos do ultimato de 48 horas da Áustria à Sérvia e a resposta servia, Clark demole a visão tradicional de que a Áustria tenha sido muito dura e que a Sérvia acatou as ordens de maneira bovina. A Áustria exigiu ação sobre as células terroristas na Sérvia. Teria sido uma intervenção na soberania, sim, mas a tolerância servia com as redes terroristas e sua resposta branda aos assassinos de Sarajevo, impede que tenhamos simpatia por sua posição. Clark descreve o ultimato da Áustria como “um grande acordo meigo” ao invés de um ultimato, como foi o da OTAN contra a Sérvia-Iugoslávia em março de 1999. Quanto à resposta servia, por muito tempo vista como conciliadora, Clark mostra que a maior parte dos pontos políticos era uma rejeição educada e oferecia incrivelmente pouco para a Áustria – uma “obra-prima do equívoco diplomático.”

O brilhantismo da história de Clark é que somos capazes de discernir o quanto o passado foi genuinamente prólogo. Os participantes eram condicionados a se manter andando em direção de um precipício, certos de sua retidão moral, mas impelidos inconscientemente por uma interação complexa de culturas enraizadas, patriotismo e paranoia, sedimentos de história e memória popular, ambição e intriga. Eles eram, nas palavras de Clark, “sonâmbulos, vigilantes mas sem ver, assombrados por sonhos, mesmo estando cegos à realidade do horror que eles estavam para trazer a este mundo.”                    


 
Tópicos Relacionados:

Como a Inglaterra ajudou a começar a Grande Guerra


 
1ª Guerra Mundial: Atentado contra arquiduque deu início ao conflito


Como a Alemanha perdeu a Corrida Armamentista na PGM