Pergunta: Indique um internato público onde as crianças foram usadas em experimentos médicos por um período de mais de 20 anos, no qual elas foram alimentadas sem saber com uma dieta contaminada por isótopos radioativos, sujeitas a retiradas regulares de sangue e colocadas em confinamento solitário se elas se recusassem a colaborar.
Resposta: A Escola pública Walter E.
Fernald em Waltham em meados do século
XX.
Infelizmente, como Allen Hornblum, Judith Newman, e
Gregory Dober descrevem dolorosamente em seu novo livro, Contra sua vontade: A História Secreta do
Uso Científico de Crianças na América da Guerra Fria, Fernald não era a
única instituição no país, ou mesmo no Estado, onde crianças eram alistadas em
alguns experimentos médicos fatais. Estes eram conduzidos por médicos e
cientistas ambiciosos cuja crença no que eles estavam tentando atingir
frequentemente os cegava para as consequências potencialmente terríveis de suas
ações.
Até o final do século XX, os médicos
experimentavam rotineiramente nos chamados retardados, imbecis e débeis mentais
dos orfanatos e hospitais da América para testar vacinas e procedimentos. Internados
em locais como a Escola de Massachusetts para a Juventude Retardada e Débil
Mental, os “geneticamente incapazes” tornaram-se prontamente cobaias para
pesquisadores do MIT, Harvard e outras universidades.
Contra
sua Vontade é um trabalho extraordinário, um apelo à
ética humanista na ciência e na medicina contra a conveniência política e
econômica. Ele nos leva a lugares ainda mais sombrios descritos no livro
anterior de Hornblum, já que ele examina a longa história de experimentos
antiéticos feito em crianças na América. Hornblum e seus coautores investigam
as práticas hediondas de usar crianças, mesmo bebês e mulheres grávidas, como
cobaias, seguindo a ideologia dos eugenistas do início do século 20.
A publicação do livro best seller de Paul De Kruif, Caçadores
de Micróbios (1926) e outros livros admiráveis, glorificava os pesquisadores
médicos e convenceu o público que os médicos não podiam errar. O movimento
eugênico ensinava o desprezo pelos fracos e foi institucionalizado. No final,
os débeis mentais tornaram-se cobaias convenientes para experimentos antiéticos.
Muitos pesquisadores, incluindo dermatologistas, dentistas e psicólogos,
estavam motivados para causas nobres; outros procuravam fama e riqueza. Como
policiais confirmando o “código azul do silêncio”[1], o sistema médico olhou
para o outro lado, conhecendo completamente bem que os experimentos envolvendo
radiação e lobotomias eram danosas e conduzidas sem o consentimento da família.
Ostensivamente praticando ciência no molde
heroico – a ciência deveria curar todas as doenças da humanidade – médicos e cientistas
se voltaram para a juventude internada em orfanatos, abrigos e hospitais como
cobaias aptas para experimentos médicos e outras experiências. As crianças, que
não podiam dar nenhum consentimento, eram rotuladas frequentemente de “débeis
mentais”, ou eram crianças com Síndrome de Down ou paralisia cerebral, ou eram
apenas muito pobres e analfabetas para fazer algum rebuliço. Seus pais
frequentemente não eram notificados dos experimentos, ou eles eram publica ou
sutilmente coagidos a dar consentimento.
O resultado foi uma série de experimentos em
hospitais e abrigos – como Vineland, Willowbrook ou Wrentham – buscando curas
ou tratamentos para pelagra, infecções cutâneas, hepatite, difteria e outras
doenças. Mas os experimentos causaram estragos incalculáveis ainda não
relatados nas crianças envolvidas. Uma criança submetida aos testes que foi
entrevistada pelos autores anos depois como adulto insistiu que algumas vítimas
na Escola Pública de Fernald em Massachusetts foram “enterradas como indigentes...
Eles as mataram.” Alguns dos experimentos envolviam controle da natalidade,
incluindo o uso de esterilização forçada ou castração.
As crianças usadas como cobaias experimentais
eram frequentemente e deliberadamente infectadas com doenças, e então submetidas
a tratamentos experimentais (muitos totalmente perigosos), ou mesmo sem nenhum
tratamento, para melhor observar o curso natural da doença para o bem da
ciência. O Dr. Albert Kligman, uma figura-chave no livro Acres de Pele, reaparece neste novo livro, deliberadamente
introduzindo fungos em ferimentos induzidos experimentalmente em crianças
retardadas e evitando o tratamento para observar o desenvolvimento da doença.
Entre os experimentos inspirados pela eugenia
inicial e o uso subsequente de crianças como cobaias experimentais, o exemplo
monstruoso da ciência nazista e experimentos médicos bizarros e mortais lançam
uma sombra ao longo das décadas seguintes. Hornblum e outros descrevem a
ascensão e rápida queda dos protocolos de Nuremberg, que eram geralmente
ignorados pelos médicos e cientistas americanos. Estes profissionais estriparam
os comandos éticos em torno do consentimento informado. Um médico, associado ao
Departamento Epidemiológico do Exército, é citado criticando o “espectro de
Nuremberg”, que se opõe a “aproximações racionais” no uso de crianças como
cobaias humanas em pesquisa médica.
Mas, como o título do livro sugere, eram as
exigências da Guerra Fria que deram aos pesquisadores médicos e científicos
carta branca para conduzir experimentos em crianças (e prisioneiros, pacientes
idosos e mesmo clientes de prostitutas), e tudo em nome da segurança nacional e
proteção contra o Comunismo. Hornblum e seus coautores fazem um excelente
trabalho em explicar essa história complexa e mostrando como o Departamento de
Defesa, o Comitê de Energia Atômica e a CIA financiaram esses experimentos,
incluindo o uso de choque elétrico e LSD.
O livro descreve o trabalho de uma
pesquisadora conhecida de crianças, Lauretta Bender, conhecida por seu famoso
Teste Bender Gestalt, ensinado para gerações de psicólogos, que usavam tanto o
choque elétrico quanto LSD em crianças afetadas por esquizofrenia ou desordem
comportamental. Muitos destes experimentos foram relatados em revistas médicas
ou psicológicas e discutidos em conferências públicas. No ambiente de Guerra
Fria que existia, poucos se davam conta do uso de crianças nestes experimentos.
Poucos criticaram que eles representavam uma população vulnerável.
Os autores repetidamente mostram que estes
tipos de experimentos não eram exemplos isolados de má conduta médica ou científica, mas eram
parte da cultura principal da ciência. Um experimento radioativo em crianças
conduzido na Escola Pública de Wrentham para “débeis mentais” e “garotos
defeituosos” em Massachusets, onde crianças eram infectadas com iodo
radioativo, “era coordenado por pesquisadores da Escola Médica de Harvard, pelo
Hospital Geral de Massachusets e pela Escola de Medicina da Universidade de
Boston, e era apoiada pela Divisão de Saúde Radiológica do Serviço de Saúde
Pública dos EUA.” Por trás da Guerra Fria e da razão eugenista, os autores
mostram que ambições carreiristas e narcisismo teimoso foram causas
contribuintes para a triste história que é relatada.
As revelações cercando tais casos celebrados
de experimentação médica – especialmente os experimentos de sífilis em homens
negros e experimentos radioativos – levou ao surgimento de salvaguardas éticas
e à revisão dos procedimentos, e algumas das piores práticas caíram em desuso.
Mesmo assim, os autores documentaram o uso de experimentos médicos ou
psicológicos em crianças mesmo nos anos 1990. Eles alertam que muitos
experimentos em crianças foram levados para outros países, onde existem leis
menos rigorosas e estão longe do olhar vigilante da mídia americana.
Existe um mito alegre propagado por
educadores e pela mídia. Ele começa com os horrores da medicina nazista – de
Mengele e dos médicos dos campos de concentração, da eutanásia e dos
experimentos desumanos – e termina com a justiça em Nuremberg, e a criação de
protocolos éticos humanos reconhecidos por toda a humanidade. A verdade,
contudo, é tristemente diferente. A anistia dos EUA aos médicos da Unidade 731
do Japão, os experimentos descritos por Hornblum conduzidos nas prisões, hospitais
públicos e orfanatos americanos ou a revelação recente de que o Serviço de
Saúde Pública dos EUA conduziu experimentos de sífilis em mulheres analfabetas
da Guatemala mostram que estamos longe de ser um mundo humano civilizado.
Nota:
[1] Código azul do silêncio é uma regra não
escrita entre os policiais nos EUA em não relatar erros, má conduta ou crimes
de um colega da corporação.
Fontes:
Tópico Relacionado:
Eugenia e os Nazistas – A Conexão
Californiana
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