NY
Times, 09/05/2013
Resenha dos livros Os Sonâmbulos:
Como a Europa foi à guerra em 1914 e 1914:
Contagem regressiva para a guerra.
Ninguém na época chamou o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo em 28 de junho de 1914 “um tiro que rodou o mundo.” A frase, cunhada por Ralph Wald Emerson, resume um julgamento que se cristalizou somente com os horrores que se seguiram. Alguns membros da comunidade internacional não perceberam isso. A América continuava calma em seu isolamento e prosperidade. “Para o mundo ou para uma nação,” declarou o jornal Grand Forks do Dakota do Norte, “um arquiduque a menos não fará diferença.” O presidente Wilson, atravessando os corredores solitários da Casa Branca estava perturbado com a luta pela vida da Primeira Dama. Paris estava ocupada com um julgamento de crime passional que levou a um escândalo político. Londres estava obcecada com a soberania da Irlanda para manter o interesse até próximo da meia-noite.
Desde
o início houve uma falha em perceber que o assassinato do herdeiro do trono do
Império Austro-Húngaro por um jovem terrorista treinado na Sérvia expansionista
poderia ser “uma coisa tola nos Bálcãs” que Otto Von Bismarck em 1888 previu
que um dia deflagraria uma guerra europeia. Em Os Sonâmbulos, Christopher Clark, um professor de história europeia
moderna em Cambridge, descreve como dentro de 10 dias os ministros da Rússia
czarista tinham criado um relato para justificar a mobilização da Rússia por
seus “irmãozinhos sérvios” se a Áustria-Hungria os atacasse. O arquiduque morto
era retratado como uma marionete do imperador alemão Guilherme II e um
belicista (algo que não era). A intenção era deslocar o ônus moral do
perpetrador para a vítima. A França caiu no estratagema e a Inglaterra
continuou mais ou menos na sua, sendo os três ligados pela Tripla Entente de 1907. A Áustria-Hungria, por
sua vez, enviou por trem na noite de 4 de julho um enviado a Berlim, onde o
Kaiser havia acabado de reprovar uma pedido de calma oficial: “Parem com esta
insensatez! Já era tempo de se dar um jeito nos sérvios.” Assim, a
Áustria-Hungria recebeu seu famoso “cheque em branco”, e 37 dias após Sarajevo
as Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, um ano depois a Turquia e em
seguida a Bulgária) estavam em guerra contra as Potências da Entente (Rússia, França, Império
Britânico e também o Japão, e nos meses seguintes Itália e Romênia).
A
historiografia da Primeira Guerra Mundial é enorme, mais de 25.000 volumes e
artigos mesmo antes de seu aniversário. Mesmo assim, Clark e Sean McMeekin, em Julho de 1914, oferecem novas
perspectivas. A realização mais importante de Os Sonâmbulos é a pesquisa em um único volume de Clark da história
europeia que levou à guerra. Isso pode parecer maçante. Pelo contrário, é como
se uma luz tivesse iluminado o palco de personagens sombrios lutando entre si
sem nenhuma razão. Ele levanta a cortina às 2 horas da manhã em 11 de junho de
1903, 11 anos antes de Sarajevo. Vemos 28 oficiais do exército sérvio abrindo
seu caminho para o Palácio Real em Belgrado. O Rei Alexandar e a Rainha Draga,
traídos e indefesos, se escondem em um armário de roupas da rainha. Eles são
encontrados, massacrados, crivados de balas, esfaqueados com uma baioneta; seus
corpos são cortados com um machado e os corpos mutilados são lançados pela
sacada do palácio.
Clark
defende uma conexão direta entre os assassinos de Belgrado e Sarajevo. Através
do regicídio – e o assassinato de um Primeiro Ministro repressor na mesma noite
– resultou em uma democracia parlamentar mais genuína, a rede de conspiradores
prosseguiu, sua paixão mortal era agora direcionada para a decadente
Áustria-Hungria. O principal instigador do plano de Belgrado, o tenente Dragutin Dimitrijevic, chamado de
Apis por sua mente violenta, tornou-se chefe da inteligência militar sérvia e
foi fundamental na criação das redes terroristas Mão Negra que organizaram o
assassinato do arquiduque. Eles sonhavam com uma grande Sérvia englobando os
sérvios na Península balcânica. A região era terreno fértil para o desafeto:
duas raças não-eslavas, austríacos e húngaros, controlando milhões de sérvios,
eslovacos, tchecos, croatas e poloneses, entre outros.
Clark
nos apresenta um entendimento abrangente e um relato inteligível da polarização
no continente. É uma pena que com tantos personagens e nomes desconhecidos,
seus editores tenham falhado em fornecer uma lista dos envolvidos e da
cronologia: isto é feito na obra de McMeekin.
Professor
americano que leciona em Istambul, McMeekin escolheu ampliar o panorama. Ele
inicia com uma reconstrução fragmentada, porém vívida do duplo assassinato sob
a luz do Sol em Sarajevo, então se concentra totalmente em desvendar a
coreografia diária, à medida que os monarcas hereditários em seus palácios convocam
seus ministros e generais e os ministros convocam seus assistentes para
escrever e codificar os telegramas para seus embaixadores em Viena e Berlim,
Belgrado e São Petersburgo. Paris e Londres reúnem toda sua eloquência e
astúcia para seguir com suas próprias interpretações sobre a corrente de
ameaças, promessas e súplicas de seus governantes.
Os
monarcas imperiais eram parentes – a Rainha Vitória morreu nos braços de seu
neto, o imperador Guilherme II – mas eles também foram consumidos pelas
rivalidades entre as grandes potências e sua autoridade individual era
refratada através dos espelhos retrovisores da burocracia. Temos uma indicação
das ambiguidades no ponto crucial na noite de 29 de julho. O Czar Nicolau II,
tendo concordado com a mobilização geral, recebe um telegrama apelando para que não faça isso. O telegrama para
“Nicky” veio de seu primo em Berlim, o Kaiser “Will”. Nicky imediatamente
desfaz a ordem: “Não serei o responsável por uma carnificina monstruosa.” Menos
de 24 horas depois, o parentesco e a prudência cedem lugar para a retórica
patriótica e para a estimativa inflacionada do poderio austríaco.
Ambos
os autores destroem a narrativa conhecida de que a Alemanha mobilizou suas
forças primeiro de modo a garantir a guerra preventiva que seus generais há
muito tempo defenderam. Não foi isso. Clark mostra como os líderes políticos e
militares de Berlim se agarravam alegremente à ideia de que qualquer conflito
podia ser localizado. A mobilização da Rússia, ele diz, foi “uma das decisões
mais momentâneas da crise de julho. Ela foi a primeira das mobilizações gerais.”
McMeekin diz que o crime da Rússia foi primeiramente aumentar a escaramuça
local ao encorajar a Sérvia a resistir contra a Áustria-Hungria e então
acelerar o passo em direção da guerra. Ele culpa Barbara Tuchman em seu
clássico livro Os Canhões de Agosto
por colocar a data de mobilização da Rússia dois dias depois que ela foi
ordenada. Ele não é, contudo, um apologista da Alemanha. Em O expresso Berlim-Bagdá (2010), ele
acusou o Kaiser de ser um jidahista amalucado ao incitar os mulçumanos contra
os interesses anglo-franceses no decadente Império Otomano, mas seu livro de
2011 As Origens russas da Primeira Guerra
Mundial faz jus ao título.
Clark empresta autoridade ao citar falsificações russo-francesas de documentos. Os russos alteraram datas e reescreveram documentos nos registros. Os franceses foram mais criativos, fabricando um telegrama que relatava seis dias de preparação para a guerra pela Alemanha que, de fato, não ocorreu. Nas palavras de Clark, tanto a Rússia quanto a França estavam angustiadas, na época e mais tarde, para tornar Berlim “a responsável moral pela crise.”
McMeekin
pretende direcionar a culpa para os homens e nações que ele considera culpados.
Ele poderia ter intitulado o livro de “J´accuse”. É o terceiro com um apelo
polêmico. Clark recusa a se unir a McMeekin no que ele chama “o jogo da
acusação”, pois havia muitos participantes. Ele argumenta que tentar
identificar o culpado em um único líder ou nação assume que deve haver uma
culpa compartilhada e isto, ele mantém, distorce a história e a converte numa
narrativa judicial que carece da natureza essencialmente multilateral das trocas,
enquanto que subestima o fervor étnico e nacionalista de uma região. “O início
da guerra em 1914,” escreve ele, “não é um drama de Agatha Christie no final do
qual descobriremos o culpado ao lado de um corpo no salão com a pistola ainda
fumegando.” Não ter um vilão a quem culpar é ainda mais frustrante, mas Clark
faz questão de mostrar a guerra como uma tragédia, e não como um crime: em seu
relato há uma pistola fumegando na mão de cada personagem principal.
Mesmo
assim, sua objetividade não significa neutralidade branda. Através de uma
análise rigorosa linha a linha dos termos do ultimato de 48 horas da Áustria à
Sérvia e a resposta servia, Clark demole a visão tradicional de que a Áustria
tenha sido muito dura e que a Sérvia acatou as ordens de maneira bovina. A
Áustria exigiu ação sobre as células terroristas na Sérvia. Teria sido uma
intervenção na soberania, sim, mas a tolerância servia com as redes terroristas
e sua resposta branda aos assassinos de Sarajevo, impede que tenhamos simpatia
por sua posição. Clark descreve o ultimato da Áustria como “um grande acordo
meigo” ao invés de um ultimato, como foi o da OTAN contra a Sérvia-Iugoslávia
em março de 1999. Quanto à resposta servia, por muito tempo vista como
conciliadora, Clark mostra que a maior parte dos pontos políticos era uma
rejeição educada e oferecia incrivelmente pouco para a Áustria – uma “obra-prima
do equívoco diplomático.”
O
brilhantismo da história de Clark é que somos capazes de discernir o quanto o
passado foi genuinamente prólogo. Os participantes eram condicionados a se
manter andando em direção de um precipício, certos de sua retidão moral, mas
impelidos inconscientemente por uma interação complexa de culturas enraizadas,
patriotismo e paranoia, sedimentos de história e memória popular, ambição e
intriga. Eles eram, nas palavras de Clark, “sonâmbulos, vigilantes mas sem ver,
assombrados por sonhos, mesmo estando cegos à realidade do horror que eles
estavam para trazer a este mundo.”
Como a Inglaterra ajudou a começar a
Grande Guerra
Como a Alemanha perdeu a Corrida
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