sábado, 30 de novembro de 2013

Estação Espacial Internacional (ISS): A história de uma crise anunciada

Júlio Ottoboni

Defesanet, 07 de Novembro, 2013

 
A Agência Espacial Brasileira (AEB) tenta atualmente reatar com a National Aeronautics and Space Administration (NASA), sua correspondente dos Estados Unidos. Uma missão das mais difíceis, principalmente no momento que as políticas externas de ambos países estão envoltas em casos de espionagens e acusações. Mas essa história de desencontros e desagrados vem de longe, de pelo menos uma década de sucessivas atrapalhadas e dos famosos ‘contos do vigário’.

Pela primeira vez um veículo de imprensa passa a revelar pormenores desta que é a maior crise já estabelecida entre os órgãos oficiais ligados ao setor espacial dos dois países e que praticamente paralisou os intercâmbios e projetos entre ambos. E desmanchou com o resto de credibilidade que o Brasil tinha na área.


“Estamos numa reaproximação boa, voltaremos a fazer projetos conjuntos e nossa conversação está sim fluindo muito bem”, declarou o ministro de ciência, tecnologia e inovação, Marco Antonio Raupp, um dos responsáveis por essa aproximação quando ainda exercia o cargo de diretor geral do INPE, na década de 80.

A trajetória desta crise anunciada entre as duas agências espaciais surgiu logo após a inclusão do Brasil no mega-projeto da Estação Espacial Internacional (EEI), em outubro de 1997. A constante falta de repasse orçamentário para o projeto, sucessivos atrasos de cronograma, corte de verbas pelo Congresso Nacional e o descaso do governo com o compromisso assumido irritaram profundamente a direção da Nasa, que teve seu ápice em novembro de 2006.

O total de investimentos necessários para construir a estação era estimado em US$ 100 bilhões. A parte brasileira seria de US$ 120 milhões, ou seja, 0,12% do montante total. E isto foi conseguido em muito pela eficiência da gestão do primeiro presidente da entidade, Luiz Gylvan Meira Filho, hoje no Instituto de Estudos Avançados da USP e que mantinha um ótimo relacionamento com a direção da instituição norte-americana.

Para isto foi criado o Programa Brasileiro para a Estação Espacial Internacional. A gerência do programa, desenvolvimento e execução dos seis equipamentos contratados estavam sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com indústrias brasileiras. Já que o órgão mantinha diversos programas bem sucedidos com os pesquisadores na Nasa no segmento ambiental.

O acerto de participação na EEI era vantajoso em vários aspectos, como mostram os AC artigo 9.4 - Transporte de experimentos para e da Estação pagos pela NASA; artigo 9.4 e 9.4 b - Oportunidade para experimentos brasileiros. E os itens do artigo 10.1 e 10.2 garantiam a “possibilidade de enviar um astronauta brasileiro para fazer parte da tripulação da Estação por um período padrão de 3 meses”. Além de qualificar a indústria nacional para esse novo e emergente mercado.

O cronograma previa a entrega da primeira peça brasileira em outubro de 2002 seguindo até janeiro de 2004, segundo documentos constantes no site do INPE. A própria direção da NASA chegou a informar que Pontes participaria de uma missão oficial em 2007. Mas isto antes das incertezas geradas pela postura do governo federal.

Em 2002, mesmo sem entregar qualquer peça, veio o colapso nas relações. Segundo fontes ligadas ao Ministério de Ciência e Tecnologia, o Brasil só não foi expulso do consórcio para se evitar uma crise generalizada. Então optou-se por diminuir drasticamente a participação nacional e extinguir qualquer chance de se ter um astronauta brasileiro no espaço. A NASA assumiu o que era de responsabilidade brasileira e lançou uma pá de cal sobre o assunto.

Pelo termo de adesão da AEB junto ao grupo de 15 Países construtores da estação espacial, havia a contrapartida encabeçada pelos norte-americanos de treinar e enviar ao espaço um ou mais astronautas brasileiros para as missões oficiais na EEI. Algo pretendido e com intenção de ser recuperado na renegociação do contrato pelo governo brasileiro.

Para minimizar a quadro diante da opinião pública e a pressão de vários setores do governo, a AEB argumentou que a revisão sobre a participação nacional na EEI se deu pelo alto custo das peças incluídas no documento inicial, superior ao estimado. Além do acidente com o ônibus espacial Columbia, que causou descontinuidade no cronograma da estação espacial.

O relatório da agência ao Ministério da Ciência e Tecnologia, referente ao exercício de 2003, teve um tópico sobre essa situação.


Participação Brasileira na Estação Espacial Internacional - Significativos avanços foram alcançados nas negociações com a NASA com vistas à revisão da participação brasileira no programa da Estação Espacial Internacional - ISS. Em face de limitações orçamentárias e das prioridades do PNAE, a AEB, diante da proposta de emenda formulada pela NASA, apresentou contraproposta, elaborada em conjunto com o INPE, na qual compromete-se inicialmente a fornecer apenas os itens denominados FSE (“Flight Support Equipment”), com a possibilidade de inclusão de outros itens, caso fontes adicionais de recursos venham a ser viabilizadas. Propôs, ainda, que se busquem identificar itens que sejam de interesse comum tanto da NASA quanto de outros projetos prioritários do PNAE, como equipamentos de sensoriamento remoto. Adicionalmente a AEB está trabalhando em conjunto com a NASA na identificação de possíveis parcerias entre cientistas brasileiros e norte-americanos para a realização de pesquisas conjuntas que explorem as facilidades da Estação. Técnicos do INPE já se encontram na NASA realizando um trabalho conjunto de identificação de itens alternativos e novo documento de emenda deverá ser preparado em breve, de modo que permita a retomada da cooperação nestas novas bases “.


Segundo dirigentes da NASA declararam à imprensa internacional em abril de 2006, desde 2004 os contatos com a agência brasileira saíram por completo de cena. O Brasil simplesmente se escondia de suas atribuições e cobranças. Embora em 2003, a AEB discutisse sobre as alternativas disponíveis para concretizar o plano de ver Pontes integrar uma missão espacial, na tentativa de acelerar o processo. Essa era uma exigência do então ministro de C&T, Roberto Amaral, apoiado diretamente pelo presidente Lula.

A insistência era tamanha que Roberto Amaral passou a exigir, via imprensa, que a NASA colocasse o astronauta Marcos Pontes em uma missão tripulada ao espaço tal era ‘o gasto que o Brasil já tinha feito’ na formação do militar. O discurso de Amaral, que pouco antes tinha defendido a construção de uma bomba atômica pelo país, soou como anacrônico e beirando o grotesco. Os norte americanos não entendiam como um país que não cumpria seus acordos contratuais podia vir a público exigir seu astronauta em uma missão enquanto diversos outros candidatos estrangeiros aguardavam a convocação e tinham seus países em dia com a Estação Espacial.

O marketing do governo federal via a possibilidade de consolidar seu discurso nacionalista na figura de um herói brasileiro, que sintetizasse a saga do operário humilde até se tornar um astronauta. Uma estratégia utilizada no império soviético para enaltecer as qualidades do homem comum, porém com uma defasagem de mais de 80 anos em relação as convicções promocionais brasileiras.

No rol das surpresa, uma outra veio em outubro de 2005, quando o presidente da entidade, Sergio Gaudenzi, anunciou o acordo com a Agência Espacial Federal da Rússia (Rosaviakosmos), que tornaria viável a viagem de Pontes. Um custo elevadíssimo, que arrebentaria com o programa CBERS 3, para levar um punhado de feijões para germinarem no espaço a um custo de Us$ 10 milhões.

(Nota DefesaNet – O efeito Pontes teve sérias consequências na indústria afetando empresas fornecedoras do CBERS-3, como a Opto, de São Carlos –SP)

Turismo Espacial

A reação dos dirigentes da NASA foi imediata. Na foto oficial do voo, no qual participou um astronauta dos Estados Unidos e um cosmonauta russo, a imagem de Marcos Pontes foi suprimida e a informação dada era que a ida do militar brasileiro se tratava de um “voo comercial”. Ou seja, uma atividade ligada ao “turismo espacial”, que tem bancado parte das deficiências orçamentárias dos projetos espaciais russos.

A transmissão pela TV NASA, feita via internet, mostrou que as missões foram separadas em duas. A missão 12, reservada aos dois outros integrantes do voo, e a missão 13, denominada “Missão Pontes”. Essa divisão foi utilizada para desvincular as atividades e finalidades na estação espacial.

Como foi no caso do milionário Dennis Tito, que voou a bordo da Soyuz em 2001, e o africano Mark Shutleworth, em 2002. Todos pagaram US$ 20 milhões pela aventura, foram treinados na Rússia e tiveram atividades práticas dentro da EEI.

http://www.defesanet.com.br/space/noticia/12978/EEI---A-historia-de-uma-crise-anunciada--AEB-versus-NASA/

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

[POL] SS: Os Cavaleiros Negros do Reich

Emerson Paubel

 
Em março de 1923, Hitler comandou a formação de um corpo de guarda-costas estacionado em Munique, conhecido como “Guarda do Estado-Maior” (Stabswache), cujos membros faziam juramento de lealdade a ele pessoalmente. Dois meses depois, para evitar confusão com outras unidades da SA de mesmo nome, a Guarda foi integrada a um novo esquadrão composto por 30 homens, chamado “Tropa de Choque” Adolf Hitler (Stosstrupp Adolf Hitler), liderado por Julius Schreck e Josef Berchtold. A tropa de choque participou do malfadado levante de 9 de novembro de 1923, e, durante o tiroteio, Ulrich Graf salvou a vida de Hitler, embora tenha sido gravemente ferido. Em 1924, Gerhard Rossbach, um antigo líder da SA comprou numa liquidação na Áustria um lote de camisas com colarinho e bolsos em tom cáqui do Exército alemão. Assim, na primavera de 1925, quando o NSDAP e a SA retornaram de seu banimento após o putsch, as camisas de Rossbach foram incorporadas ao movimento.

Em 1925, após obter a liberdade da prisão de Landsberg, onde estivera preso em virtude da tentativa de golpe (putsch) contra o Governo da Bavária, Hitler resolveu promover algumas mudanças na filosofia e organização partidárias e decide, então, abdicar do uso da força para alcançar o poder. Nesta época, Hitler reformula sua guarda pessoal, rebatizando-a como Schutzstaffeln (Esquadrão de Proteção), ou SS, definindo-a como uma força partidária compacta, com uma inabalável lealdade ao Führer. Formada a partir de membros da SA, a SS começou, de fato, com dois membros: o próprio Hitler, membro número 1, e Emil Maurice, membro número 2. Ainda nesse ano, o desconhecido Heinrich Luitpold Himmler ingressa no quadro de componentes da recém-formada SS sob o número de registro 168.

Durante a primavera de 1926, 75 esquadrões SS foram formados no país. Um novo Comando Geral SS (SS-Oberleitung) foi criado e colocado nas mãos de Berchtold, que assumiu o pomposo posto de “Líder Nacional da SS” (Reichsführer der SS). Entretanto, ele rapidamente perdeu o interesse pelo cargo e em março de 1927 foi substituído por Erhard Heiden. No início de 1929, a SS contava com um quadro de 280 homens. Nessa época, contudo, Heiden caiu em desgraça, aparentemente por encomendar a fabricação de seu uniforme a um alfaiate judeu, e acabou sendo demitido por Hitler. Himmler então assume o comando da SS e inicia uma série de reformas na organização, que a transformará nos próximos anos no braço armado do partido nazista, substituindo a revolucionária SA nessa função. Assim, segundo o novo Reichsführer SS, “para o homem da SS existe um único princípio absoluto. Ele deve ser honesto, decente, leal e amistoso para com as pessoas do nosso próprio sangue e com mais ninguém.” Foi essa filosofia que norteou as ações das organizações dentro da SS durante o Terceiro Reich.

Em 1932, no sentido de dar uma maior “respeitabilidade” às suas formações paramilitares, o NSDAP adotou em 7 de julho um paletó e um quepe em estilo militar para a SS, ambos negros, projetados pelo SS-Oberführer, Dr. Karl Diebitsch. Em março de 1933, Himmler foi indicado Presidente da Polícia de Munique e, em seguida, tornou-se Comandante da Polícia Política na Bavária. Nessa época, estabeleceu o campo de concentração de Dachau, nos arredores de Munique, para abrigar criminosos comuns e políticos. Para tanto, criou um corpo de guardas chamado Totenkopf (Cabeça da Caveira), sob o comando de Theodore Eicke. Percebendo a importância de ter informações sobre supostos opositores do regime, em 9 de junho Himmler estabelece o Sicherheitsdienst (Serviço de Segurança), abreviadamente conhecido por SD e responsável por serviços de espionagem e contra-espionagem, nomeando Reinhardt Heydrich como seu comandante.

A SS cresceu de forma regular entre 1931 e 1932, acompanhando o aumento dos membros do NSDAP e da SA. Himmler manteve-se ocupado mudando constantemente os nomes das divisões da SS para se manter fiel ao padrão elaborado por Röhm e seus colaboradores. No verão de 1933, a SS contava com 450 oficiais e 25.000 homens, com as unidades administrativas conhecidas como Oberführer-Abschnitt colocada entre 40 regimentos e o Reichsführer-SS. Em setembro de 1933, Himmler assume todas as unidades de polícia, militar e civil, na Alemanha com exceção da Prússia. Em 17 de junho de 1936, Himmler assume o comando de todas as polícias no interior do Reich Alemão, e com a campanha de remilitarização promovida por Hitler, volta seus olhos para a formação de uma organização militar nos moldes do exército, porém doutrinada segundo a ideologia nazista. Através do comando deste escritório, ele combinou sob seu controle o próprio Serviço de Segurança da SS (Sicherheitsdienst – SD), a Polícia Secreta do Estado da Prússia (Gestapo), que ele assumiu três anos antes, a Polícia Criminal (Kripo) e as forças policiais uniformizadas municipais e estaduais. Somente com a criação dos grupos de açãoEinsatzgruppen – em 1942 e a absorção em 1944 do serviço de contra-espionagem da Wehrmacht (Abwehr), ele aumentou sensivelmente seu aparato de repressão e terror.

O papel crescente institucional e integral da SS não significava, contudo, que a associação não estava mais aberta após 1933 para membros comuns do partido. Se ele provasse sua aptidão – ou utilidade – a SS aceitaria sua candidatura como antes. Mas essa associação parcial foi reduzida após a conquista do poder no que ficou conhecido como Allgemeine SS (SS Geral), um corpo sem funções – exceto as de fornecer dinheiro e recrutas para os ramos ativos. Em 1938, a SS-Geral adotou um uniforme cinza muito elegante para o seu estado-maior, substituindo a braçadeira do partido no braço esquerdo pelo emblema da soberania. Em 1934, a SS estabeleceu dois de seus mais importantes ramos: a SS militar e os guardas de campos de concentração. O primeiro, a ser conhecido em 1940 como Waffen-SS, ou SS Armada, apareceu na forma de um regimento de guarda pessoal para o Führer, o Leibstandarte Adolf Hitler. Comandado por um dos velhos companheiros, Sepp Dietrich, ela começou como guarda de quartel em Munique mas cresceu para se tornar uma das organizações militares mais dedicadas e implacáveis já conhecidas. A segunda, a Totenkopfverbände teve suas origens em destacamentos da SS recrutados para executar prisões ilegais contra opositores do regime em 1933.

O símbolo indissoluvelmente associado à SS parece ser a “Caveira” (Totenkopf), um crânio posicionado sobre dois ossos cruzados. Supostamente utilizada para aterrorizar os adversários do Terceiro Reich, o uso da caveira tem sua origem na tradição. Muitos dos Freischutzen que lideraram a resistência a Napoleão na Guerra de Libertação (1813 – 1815) a vestiram, e foi a cor predominante dos uniformes de alguns dos mais distintos regimentos de cavalaria do exército do Kaiser, em particular do 1o. e 2o. Leib-Husaren (os Hussardos da Cabeça de Morte). Os membros da Stosstupp AH adotaram a totenkopf como emblema da formação em 1923, pois ela simbolizava o tradicionalismo e sacrifício na guerra. A SS quando foi criada em 1925 prosseguiu com o hábito e manteve o símbolo até 1934, quando a Caveira no estilo prussiano – a qual foi adota pelas formações blindadas (panzer) do Exército – foi substituída por outra modificada, como a inclusão da mandíbula. Em 1932, Walter Heck, membro da organização e também designer gráfico, empregou duas runas do tipo Sig (S), uma ao lado da outra, e acabou se tornando o padrão para a SS. Ao lado da “Caveira”, as runas SS representavam o elitismo e a camaradagem entre os membros da organização.


Os princípios de conduta de um SS, estabelecidos por Himmler, eram os seguintes:
 
I. A atitude de um SS deve ser a de um lutador que se bate por amor à luta.
II. Deve ser obediente acima de tudo e emocionalmente insensível.
III. Deve desprezar todos os inferiores raciais e, em menor grau, os que não pertencem à Ordem SS.
IV. Manter para com seus colegas de SS fortes laços de camaradagem, sobretudo os seus companheiros de armas, e crer que nada lhes é impossível.

Além disso, assim como qualquer soldado na Wehrmacht, o membro da SS também fazia seu juramento de fidelidade ao Führer:

A Vós, Adolf Hitler, Führer e Chanceler do Reich, juro lealdade e bravura. Com a ajuda de Deus, prometo-vos, e aos que forem por vós designados para comandar-me, obediência até a morte.

A partir do Alto-Comando SS (Reichsführung-SS), oito departamentos principais (Hauptämter), acabaram evoluindo para controlar o trabalho diário, a direção e a administração da organização.

·       Hauptamt Persönlicher Stab (RfSS): O Estado-Maior Pessoal de Himmler, compreendendo oficiais especialistas, oficiais honorários e pessoal administrativo.
·       SS Hauptamt (SS-HA): O Escritório Central da SS responsável pelo recrutamento e manutenção de registros de Oficiais não Comissionados (Sargentos e Cabos) da SS.
·       SS Führungshauptamt (SS-FHA): O QG operacional da SS, que coordenava o treinamento, o pagamento de salários, o suprimento de equipamentos, armas, munições e veículos e a manutenção dos mesmos.
·       Reichssicherheitshauptamt (RSHA): O Escritório de Segurança do Reich, controlando a polícia, incluindo a Kripo, Gestapo e SD. Ela também era responsável pelas operações de inteligência, espionagem e contra-espionagem, combate ao crime comum e político, dentro do Reich e nos territórios ocupados.
·       SS-Wirtschafts und Verwaltungs Hauptamt: O Departamento Econômico e Administrativo da SS que supervisionava um grande número de atividades industriais e agrícolas da SS, administrava as finanças da corporação e supervisionava os campos de concentração.
·       Rasse und Siedlungshauptamt (RuSHA): O Departamento de Raça e Assentamento identificava a pureza racial de todos os membros da SS e era responsável pela execução da política de assentamento do corpo SS nos territórios ocupados do leste europeu.
·       Hauptamt SS-Gericht (HA SS-Gericht): O Departamento Legal da SS conduzia as questões disciplinares do código especial de conduta para o qual o pessoal da SS estava submetido.
·       Personal Hauptamt (Pers. HA): O Departamento de Pessoal da SS era responsável por assuntos pessoais dos membros da organização e mantinha um registro de todo o corpo de oficiais.

Em março de 1935, Hitler criou uma unidade armada SS, chamada Verfügungstruppe (Tropa de Prontidão) com o tamanho de uma divisão e financiado com o orçamento da polícia do Reich. Ela foi formada reunindo-se três regimentos, criados em 1933, que estavam estacionados nas principais cidades alemãs: o Deutschland (Munique), o Germânia (Hamburgo) e o Leibstandarte (Berlim). Cada regimento, por sua vez, era composto de três batalhões. Paul Hausser, um Tenente-General (General de Divisão) desligado do exército em 1932, assumiu o comando da Verfügungstruppe, assim como a direção da Escola de Cadetes da SS (Junkerschule) em Bad Tölz em 1935. Hausser e Felix Steiner, outro ex-oficial do exército, praticamente estabeleceram os padrões de treinamento e doutrinação dos soldados da SS Armada, transformando-a em apenas alguns anos na primeira tropa de elite da era moderna. Após o Anschluss em 1938, a SS austríaca formou um quarto estandarte na Verfügungstruppe, o Der Führer, estacionado em Viena. Neste ano, Hitler decidiu especificar as funções para essas SS armadas e a relação delas com a Wehrmacht.

No final de 1939, Hausser defendeu que as formações armadas da SS fossem organizadas em divisões completas para operarem com eficiência. Himmler determinou que as divisões de campanha, as escolas de cadetes, as unidades de treinamento e as seções administrativas relacionadas recebessem a designação de Waffen-SS (SS Armada).

 
É estimado que cerca de 180.000 soldados da Waffen-SS foram mortos em ação durante a Segunda Guerra, com 400.000 feridos e 70.000 desaparecidos. Estes números são relevantes quando comparados com as baixas das forças armadas britânicas combinadas de cerca de 270.000 entre 1939 e 1945, e as perdas americanas de 300.000 homens. Nos estágios finais da guerra, os soldados SS estavam no final da adolescência, e a idade média de um oficial Junior da Waffen-SS era 20 anos, com uma expectativa de vida de dois meses no front.

O sistema de classificação de postos definitivo, criado em 1942, dividia o corpo militar da seguinte forma:

Oficiais Superiores (Höhere Führer)
·       SS-Oberst-Gruppenführer (Coronel-General)
·       SS-Obergruppenführer (General)
·       SS-Gruppenführer (Tenente-General)
·       SS-Brigadeführer (Major-General)
 
Oficiais Intermediários (Mittlere Führer)
·       SS-Oberführer (Coronel Senior)
·       SS-Standartenführer (Coronel)
·       SS-Obersturmbannführer (Tenente-Coronel)
·       SS-Sturmbannführer (Major)

Oficiais Juniores (Untere Führer)
·       SS-Hauptsturmführer (Capitão)
·       SS-Obersturmführer (Primeiro-Tenente)
·       SS-Untersturmführer (Segundo-Tenente)

Graduados (Unterführer)
·       SS-Sturmscharführer (Subtenente)
·       SS-Hauptscharführer (Sargento-Ajudante)
·       SS-Oberscharführer (Primeiro-Sargento)
·       SS-Scharführer (Segundo-Sargento)
·       SS-Unterscharführer (Terceiro-Sargento)

Outros Postos (Mannschaften)
·       SS-Rottenführer (Primeiro-Cabo)
·       SS-Sturmmann (Segundo-Cabo)
·       SS-Oberschütze (Soldado de Fileira)
·       SS-Mann (Soldado Raso)
·       SS-Anwärten (Cadete/Recruta)
·       SS-Bewerber (Candidato)

A estrutura básica da Waffen-SS era composta dos seguintes elelemntos:
·       Grupo de Exército: a maior formação de campanha da Waffen-SS durante a Segunda Guerra Mundial era o grupo de exército (armeegruppe). Comandado por um General (SS-Obergruppenführer) ou Coronel-General (SS-Oberstgruppenführer), teoricamente esta formação consistiria de um número de unidades com o tamanho de Corpos. 
·       Corpos: cada corpo, ou grupo de divisões (geralmente um mínimo de duas), era comandado por um SS-Gruppenführer ou um SS-Obergruppenführer. Cada corpo tinha seus próprios elementos permanentes, como estado-maior, polícia militar, transporte e assim por diante. As divisões dentro dos corpos não eram definitivamente fixadas. Por exemplo, o I Corpo Panzer SS enquanto existiu recebeu em vários momentos da guerra a 1ª. Divisão Panzer SS LAH, a 2ª. Divisão Panzer SS Das Reich, a 3ª. Divisão Panzer SS Totenkopf, a 12ª. Divisão Panzer SS Hitlerjugend, a 17ª. Divisão Panzergranadier SS Götz von Berlichingen, a 11ª. Divisão de Paraquedistas (Fallschirm) da Luftwaffe, a 117ª. Divisão Caçadora (Jäger) e a Divisão Führerbegleit do Exército. No total, 18 corpos da Waffen-SS foram formados.
·       Divisão: uma divisão panzer típica em 1944 era comandada por um SS-Brigadeführer ou um SS-Gruppenführer, e consistia de elementos divisionais de apoio, um regimento panzer, dois regimentos de granadeiros (panzergranadier), um regimento de artilharia, um batalhão de reconhecimento, um batalhão de engenharia, um batalhão anti-aéreo, um batalhão de sinalização, e polícia militar, transporte, corpo médico. Durante a guerra, um total de 38 divisões foi criado. A designação de uma divisão seguia o padrão militar, com uma numeração em número arábico, seguida de seu nome de honra.       
·       Regimento: comandado por um SS-Standartenführer ou SS-Oberführer. Numa divisão panzer típica de 1944, por exemplo, o regimento panzer-granadeiro conteria um estado-maior, três batalhões de infantaria blindada, uma seção de canhão pesado, uma seção de defesa anti-aérea, uma seção de reconhecimento e uma seção de engenharia de combate. O regimento era descrito por seu tipo, seguido por seu número em número arábico e seu título, se tivesse, por exemplo, Regimento 6 SS-Panzergrenadier Theodore Eicke.
·       Batalhão: comandado normalmente por um SS-Sturmbannführer ou SS-Obersturmbannführer, o batalhão médio era formado por quatro companhias. Um batalhão era indicado pelo uso de números romanos antes da designação do regimento-pai: II/SS-Panzergrenadier Regimento 25. 
·       Companhia: era formada de um grupo de pelotões (zuge) e era comandada por um SS-Obersturmführer ou SS-Hauptsturmführer.
·       Pelotão: também conhecido como zug, era geralmente comandado por um oficial Junior, como um SS-Untersturmführer, ou um NCO Senior, tal como um SS-Oberscharführer. Dentro dos pelotões haviam vários esquadrões (gruppe), comandados por um primeiro-cabo ou terceiro-sargento. A Seção (rotte) era comandada por um NCO Junior, como um SS-Rottenführer. 
Mas havia muito que era genuinamente alemão no estilo SS, particularmente no uso da faca de monteiro que Himmler oferecia aos membros mais favorecidos da ordem, da espada projetada segundo o padrão da Reichswehr, e a adoção do cinza-esverdeado (field-grey) para o uniforme da Waffen-SS. Foi talvez nos seus esquemas para a organização da Waffen-SS que Himmler fez uso sistemático das memórias históricas alemãs. Os títulos de suas divisões são quase que totalmente reminiscentes de algum episódio importante ou herói do passado da Alemanha: Hohenstauffen, Frundsberg, Gotz von Berlechingen, Prinz Eugen, Reich, Leibstandarte – todas são palavras de força e influência. Por outro lado, é hoje possível sugerir que a idéia de Himmler de usar títulos individuais e com a ênfase em identidade individual de unidades foi, no contexto nacional, uma jogada psicológica muito esperta por um homem esforçado em construir uma grande força militar somente através do meio do alistamento voluntário.

O velho exército do Kaiser havia sido montado segundo o princípio da forte identidade da unidade e na hierarquia de regimentos, com os Guardas no topo. Hitler deliberadamente reconstruiu a Wehrmacht segundo um padrão que não tinha nada a ver com o passado e não fazia nenhuma diferenciação entre uma unidade e outra, já que ele queria o novo exército sob seu domínio completo. Ao estabelecer esse plano, contudo, ele indubitavelmente frustrou um elemento fortemente estabelecido na atitude germânica em relação ao serviço militar. Himmler, ao reconhecer a inclinação do soldado alemão em pertencer a uma formação identificável e de elite, certamente atraiu muitos que de outra maneira não se sentiriam atraídos por uma organização política.

Sob muitos aspectos, a Alemanha não estava preparada para a guerra contra as outras potências durante a existência do Terceiro Reich, pois este nunca alcançou a produção em massa de qualquer coisa – tão logo um nível de produção era alcançado para satisfazer uma indústria, sua prioridade era diminuída e outros projetos eram atendidos. Equipamentos militares de alta qualidade, como tanques e aviões, nunca deixaram de ser aperfeiçoados, mas jamais foram produzidos na quantidade necessária e com um abastecimento decente de peças de reposição. Conseqüentemente, a maioria dos equipamentos da Wehrmacht era superior à dos Aliados, mas os alemães nunca os possuíam em quantidade suficiente para manter a guerra ao seu favor. Além disso, os esforços de Speer para aumentar a produção industrial da Alemanha foram parcialmente bem sucedidos, apesar de as estatísticas de produção impressionarem. Outro ponto fraco da política externa, e que influenciou no desempenho militar durante a guerra, foi confiar nos poços de petróleo da Romênia e Hungria como fonte de abastecimento. No momento em que estes países foram invadidos pelos soviéticos, a guerra acabou de vez para os alemães.

Quanto à SS, pode-se dizer que ela cumpriu a missão para a qual foi criada: defender o Führer e a Revolução Nacional-Socialista, até o fim. Sob o comando de Himmler, um administrador avesso ao exibicionismo, ela passou de um amontoado de guarda-costas para Hitler e outros líderes nazistas e distribuidores de panfletos para a detentora do poder do Estado, através do seu controle político e econômico. Tivesse a Alemanha ganho a guerra, Himmler provavelmente seria o sucessor de Hitler, já que possuía os meios necessários para isso. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

[POL] Alemães prontos para ver Hitler como humano

Globalpost, 07/12/2010




Quando Suástica foi apresentado no festival de Cannes em 1973, brigas eclodiram na sala de projeção e alguém lançou uma cadeira contra a tela.

“Foi um pandemônio,” disse Philippe Mora, o diretor francês radicado em Los Angeles. “As pessoas gritavam e jogavam coisas. Eventualmente, eles interromperam o filme e um cara saiu da multidão e disse, ‘Senhoras e senhores, isto é o festival de Cannes e não um salão de cervejaria.’”

A razão pela reação furiosa foi que o documentário de Mora parecia humanizar Adolf Hitler. Usando vídeos domésticos inéditos do líder nazista descansando em seu retiro alpino em Obersalzberg, filmados em sua maior parte pela namorada de Hitler, Eva Braun, Suástica destruía a imagem aceita de Hitler como um monstro.

As platéias puderam ver a personificação do Mal brincando com seu cachorro, paparicando crianças e discutindo o filme “E o Vento Levou”. Elas não gostaram e o filme foi proibido na Alemanha.

Mês passado, Suástica foi exibido na Universidade Humboldt de Berlim para uma platéia nova e mais jovem, que estava entre os primeiros alemães a ver o filme. Não somente não atiraram coisas como se sentiram confortáveis o suficiente para rir sarcasticamente nos momentos irônicos e fizeram perguntas educadas durante a sessão de esclarecimento de dúvidas.

Foi um exemplo, Mora notou mais tarde, como a visão da Alemanha de sua própria história nazista está constantemente evoluindo e que perguntas-chaves – incluindo por que tantos alemães comuns apoiaram o regime que perpetrou o Holocausto – ainda estão para serem respondidas.

Até os anos 1980, alemães ocidentais raramente discutiam a era nazista, disse Simone Erpel, co-curadora de uma nova exibição, “Hitler e os Alemães”, parte do mesmo esforço para reexaminar a era nazista junto com a exibição de Suástica. A idéia de Hitler como personagem cinematográfico era um tabu até o final dos anos 1990. Filmes controversos como “A Queda” (2004), que retratava Hitler humanamente e mesmo em algumas vezes de forma simpática, ou “Mein Führer” (2007), que foi uma comédia madura, derrubaram o tabu.

“O filme de Philippe foi feito muito cedo,” diz Erpel após a exibição na Universidade Humboldt, na qual ela participou da sessão de perguntas e respostas. “Muita coisa mudou desde o começo dos anos 1970.”

Sua exibição atual no Museu Histórico Alemão, que mostra como os alemães comuns contribuíram entusiasticamente para a máquina de propaganda nazista, teria encontrado o mesmo destino se tivesse sido realizada em 1973, diz ela.

“Os alemães não estavam preparados para aqueles fatos 30 anos atrás,” diz ela. “Eles criaram lendas que diferenciam o povo alemão dos nazistas. As pessoas diriam, “Meu avô não era nazista e ele não foi um assassino.”

O ultraje que Suástica originalmente recebeu foi mais constrangedor em virtude do enorme trabalho que Mora teve para revelar os vídeos caseiros de Hitler. Era material para um romance de espionagem internacional.

Ele tornou-se um diretor celebrado de filmes como Mad Dog Morgan, com Dennis Hopper, O Retorno do Capitão Invencível, com Alan Arkin, e o filme de ficção científica Communion, com Christopher Walken, sem mencionar os filmes de terror B, The Howling, partes I e II.

Mas quando começou Suástica, Mora era apenas um cineasta de 23 anos explorando a história nazista. Seu próprio pai, que nasceu em Leipzig, foi expulso da Universidade de Humboldt nos anos 1930 porque ele era judeu.

Mora planejou originalmente uma biografia de Albert Speer, o arquiteto nazista e confidente de Hitler que escapou da sentença de morte. Ele passou um dia na casa de Speer em Heidelberg, durante o qual Speer apresentou seus próprios vídeos caseiros dos anos 1930. Em um filme, Eva Braun podia ser vista segurando sua própria câmera no retiro de Oberzalsberg, Berghof.

“Perguntei a Speer, ‘O que aconteceu aos filmes da câmera de Eva Braun?’ Ele disse, “Eles não existem.’ Mas ele estava mentindo.”

Poucas semanas depois, Mora disse, seu parceiro criativo alemão, Lutz Becker, estava numa festa e encontrou um soldado americano que esteve entre os primeiros a pisar em Berghof no final da guerra. Ele perguntou ao soldado se ele havia encontrado qualquer filme e o soldado disse, “Sim, pilhas deles.”        

Mora foi até o Pentágono, onde um funcionário disse que procuraria por eles. Ele realmente não esperava mais receber notícias do funcionário novamente, porém três meses depois, o funcionário o procurou. Eles haviam encontrado os filmes.

“Ficamos simplesmente boquiabertos,” disse Mora, em um almoço em Berlim no mês passado. “Aqui estava um filme incrível que estava escondido porque ninguém havia perguntado sobre ele.”

O produto é um filme estranho e inquietante sem narração e com somente um vago roteiro. Mesmo assim, ele funciona a um nível resumido. Em suas conversas banais com seus companheiros nazistas em Obersalzberg, Hitler se torna completamente humano.

No momento seguinte, o filme corta para o noticiário de Hitler como um semideus em frente à multidões extasiadas que, Mora afirma, poderiam ser “fãs histéricas em um show do Rolling Stones.”

Como plateia, vislumbramos desconfortavelmente como as pessoas entravam na euforia. O filme também tem seu humor negro. Ele termina com algumas imagens chocantes do Holocausto e encerra os créditos finais com a canção satírica de Noel Coward, “Não deixe de ser bestial com os alemães.”

Mora disse que ele nunca quis questionar a maldade de Hitler ou suavizar o período mais sombrio da história alemã, mas ao invés disso fazer os espectadores pensarem de modo diferente.

“O filme foi feito sob a premissa que todo mundo sabia que Hitler era um monstro e um assassino. Não esperava que fosse ser motivo de debate,” ele disse. “Mas ele foi um homem com uma mãe e um pai e irmãs e um cachorro de estimação. E isto perturba as pessoas.”

“Se pensarmos em Hitler como um ser extraterrestre ou um demônio sobrenatural, não perceberemos a vinda do próximo. Mas provavelmente haverá outro.”

Jens Koethner Kaul, 46 anos, um produtor cinematográfico que esteve na exibição na Humboldt, acha que Suástica deveria fazer parte do currículo do ensino médio na Alemanha.

“Crescer na Alemanha significa aprender os fatos dos nazistas e do Holocausto,” ele disse. “Mas o entendimento emocional estava faltando. Havia claramente algo de sedutor ou pelo menos tentador em relação a esses caras que fazia com que as pessoas os seguissem. Você vê isso no filme de Philippe.”

À medida que a Alemanha vai aceitando seu passado, as controvérsias continuarão a crescer. Talvez a fronteira final seja o humor – e de acordo com Simone Erpel, isto está no planejamento dos cineastas mais jovens.

“Visões satíricas e irônicas são um modo de lidar com o passado,” ela disse. “Rir de algo sério é importante. É assim que o humor trabalha. Isto acontecerá nos próximos dez anos.”


 
Trechos de Suástica:




 
A Televisão sob o Nazismo:

As invasões bárbaras

Martha San Juan França

Aventuras na História, 18/01/2013

 
Séculos antes de se ouvir falar em Grécia e Roma, a civilização florescia no Mediterrâneo. Grandes impérios ocupavam a região, com domínio da escrita, exércitos organizados, estados bem estruturados, cidades fortificadas, luxuosos palácios e uma cultura sofisticada, com conquistas cada vez maiores nas artes, matemática e astronomia. O interior da Anatólia e o norte da Síria eram controlados pelo Império Hitita. No Egito, os faraós do Novo Império começaram a erigir os famosos templos de Luxor, Karnak e Abu Simbel. Onde hoje é a Grécia, havia uma confederação de reinos ricos e cidades fortificadas - a chamada civilização micênica. Mas, por volta de 1200 a.C., uma série de eventos catastróficos mudou para sempre a região. Escavações arqueológicas mostram que os grandes foram destruídos ou abandonados. O Império Hitita entrou em colapso e suas cidades foram destruídas e queimadas.

Com rotas comerciais abandonadas, o comércio foi reduzido ao mínimo. A região na foz do Nilo foi atacada, bem como o Levante (a região que vai da Palestina até a Síria). O Egito sobreviveu, mas entrou em declínio. Culturas que antes erguiam monumentos e relatavam suas histórias por meio da escrita se tornaram sociedades de pastores e agricultores analfabetos. Não por acaso, o período de caos que se seguiu foi chamado pelos historiadores gregos da Antiguidade como Idade das Trevas. Os pesquisadores contemporâneos preferem chamar de Colapso da Idade do Bronze. O que teria acontecido?


Destruição vinda do mar

Tudo o que se sabe é baseado em escritos encontrados em tabuletas de argila nas ruínas das cidades da Anatólia e da Síria e em monumentos e papiros do Egito. Diversos povos atacaram pelo norte e ficaram conhecidos como "os povos do mar" - termo que não era usado pelos antigos, mas foi criado em 1881 pelo egiptólogo francês Gaston Maspero. Quem eram esses invasores? "As evidências sobre os povos do mar são poucas, embora haja muitas teorias a seu respeito", afirma o historiador Marcos Davi Duarte da Cunha, do Núcleo de Estudos da Antiguidade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Uma delas é que invasores do norte ou da Ásia Menor entraram na Anatólia e de lá seguiram para a costa da Síria, pilhando e queimando as cidades do continente e das ilhas até chegar ao Egito. Outros argumentam que eram povos sob jugo dos micênicos, que ganharam espaço para se rebelar após a guerra de Troia.

As paredes do templo mortuário do faraó Ramsés III em Medinet Habu, perto de Luxor, são as mais antigas ilustrações conhecidas de cenas de batalhas navais contra os povos do mar. De acordo com essas inscrições, e também com os templos de Karnak e de papiros egípcios, alguns dos povos do mar já haviam servido como mercenários no exército de Ramsés II. Ao que parece, constituíam grupos isolados que migraram para a costa do Mediterrâneo, provavelmente como resultado da perda de colheitas e da fome mais ao norte, onde hoje é a Europa. Nos textos mais antigos, não pareciam representar grande ameaça: estavam acompanhados de suas famílias em carros de boi e se instalaram a oeste, perto da fronteira com a Líbia.

Mas algo aconteceu no quinto ano do reinado do faraó Merneptah, entre 1236-1226 a.C. Esses povos, de cinco denominações diferentes, se aliaram aos líbios para atacar o Egito. Uma pedra de granito encontrada no templo de Merneptah, em Tebas, divide os povos do mar em cinco nações: Sherden, Lukka, Meshwesh, Teresh, Ekwesh e Shekelesh. As tentativas de identificação associam Ekwesh aos aqueus, ao que se sabe, um dos povos que deu origem à civilização grega clássica. Os Teresh tem relação com os tirrênios, supostos antepassados dos etruscos, da península itálica. Lukka seria um povo litorâneo da Anatólia. OS Sherden, possivelmente tem origem na ilha da Sardenha. Shekelesh viriam da Sicília e os Meshwesh, supõe-se, era uma tribo bérbere. Segundo os egípcios, os povos do mar provinham da Europa ou Ásia Menor, vindos tanto da terra como do mar. Tinham diferentes origens, apesar de serem retratados pelos egípcios com as mesmas características. As inscrições de Merneptah terminam com a vitória dos egípcios.



Mais ou menos 30 anos depois da batalha, por volta de 1177 a.C., o faraó Ramsés III ordenou a construção de seu templo mortuário e residência em Tebas, em cujas paredes foram registrados os eventos bélicos que ocorreram na época. De acordo com essas inscrições, os povos do mar voltaram depois da primeira invasão, desta vez para atacar a costa da Anatólia, Síria, Palestina e a ilha de Chipre.

Na sequência de destruição do Império Hitita, chegaram ao Egito por terra e por mar, sendo derrotados no delta do Nilo e no Levante. As inscrições dizem: "Os países estrangeiros fizeram uma conspiração em suas ilhas. Subitamente, as terras foram surpreendidas e dispersas em combate. Nenhum reino podia fazer frente a suas armas. Hatti, Kode, Karkemich, Arzaua e Alachia foram dizimadas".

Terra arrasada
Ainda segundo o que está em sua tumba, Ramsés III preparou uma armadilha, permitindo que os inimigos penetrassem nas águas rasas do Nilo. Então, as galeras de fundo chato do faraó encurralaram os invasores perto do delta, tornando-os presa fácil dos arqueiros que atiravam de terra. Os povos do mar não puderam reagir adequadamente porque dependiam de espadas e lanças, armas de curto alcance, mais adequadas ao combate corpo a corpo. Seus navios foram afundados e os sobreviventes, aprisionados. Os egípcios venceram, mas a mesma sorte não tiveram povos mediterrâneos, o que demonstram documentos hititas encontrados nas cidades de Ugarit, centro de uma grande rede de comércio que se estendia por toda a Síria, e Hattusa, a capital dos hititas. Hordas de invasores romperam as linhas de defesa e as fortificações do império e marcharam em direção das terras costeiras, destruindo ou subjugando os fenícios e outros povos cananeus, chegando enfim aos egípcios.

Em seu livro The End of the Bronze Age: Changes in Warfare and the Catastrophe ca 1200 B.C. (O Fim da Idade do Bronze: Mudanças na Guerra e a Catástrofe, cerca de 1200 a.C., sem tradução), o historiador Robert Drew fala sobre as razões para o sucesso dos povos do mar por causa da estratégia de combate baseada em unidades de infantaria que rapidamente podiam se mover e mudar de contorno de acordo com a manobra inimiga. Se fosse um ataque de tropas a pé, a formação se fechava numa muralha de escudos e alvejava os adversários com suas lanças. Se o ataque viesse com auxílio de carros de combate, as unidades se posicionavam de forma que entrassem no meio delas, para serem atacadas pelos lados. Possuíam também armas perigosas forjadas com uma metalurgia avançada, nunca antes vista na região - o ferro. "Outro detalhe seria a tenacidade e capacidade de combate aliados à sua estatura possivelmente maior", diz Duarte da Cunha. "Ao passo que um guerreiro do mar possuiria possivelmente 1,80 m, em média, o soldado egípcio comum teria 1,60 m. Num combate corpo a corpo isso contava muito."

Em pouco tempo, os povos do mar dominavam a área que ia da Anatólia até a Palestina, mas não deixaram quase nenhum vestígio. Não se sabe o que aconteceu com eles depois disso - simplesmente não há menção de suas andanças ou de integração às populações locais. A exceção foi na colonização de Canaã, onde os filisteus, apresentados nas figuras egípcias por capacetes com penachos, característicos dos grupos vindos de regiões do Mar Egeu, se fixaram com mulheres e crianças, fundando cidades como Gaza, Ashdod e Ashkelon.

Vencedores ou derrotados, os impérios enfrentaram a anarquia e dissolução. A Idade das Trevas duraria até cerca de 750 a.C., quando a escrita volta a se tornar comum e ressurgem entidades políticas sólidas no Mediterrâneo - é aqui que começa a história da Grécia e Roma clássicas, e também a chamada Idade do Ferro - como os gregos chamavam a era em que viviam, caracterizada pelo uso do ferro em vez do bronze em armas e utensílios. Essa é a era das glórias de Grécia e Roma e dura até outros bárbaros destruírem tudo novamente, no início da Idade Média - também chamada de Idade das Trevas.


Tróia, a vitória que acabou com a Grécia

Narrada na Ilíada e Odisseia, a Guerra de Troia é o conflito entre os gregos e os habitantes de uma cidade na Anatólia, por volta de 1200 a.C.. Era considerada uma narrativa mitológica até o início do século passado, quando escavações arqueológicas demonstraram que, pelo menos em parte, se referiam a eventos reais. Embora a coalizão de cidades-estados micênicas tenha sido vencedora, a guerra acabou contribuindo para seu declínio.

Muitos heróis perderam suas vidas nas batalhas e aqueles que sobreviveram passaram por dificuldades para reassumir sua liderança no retorno porque outros já tinham usurpado seus tronos. Seguiu-se um período histórico de incerteza que culminou com possíveis invasões dos dórios, que vinham da região central da Europa, em que todo o comércio, a escrita e o modo de vida anterior acabaram desaparecendo. "Com o enfraquecimento dos povos que dominavam o mar, os minóicos e depois os micênicos, os protagonistas da Guerra de Troia, se apropriaram das rotas de navegação, tendo como consequência uma espécie de anarquia nos mares", diz o historiador Duarte da Cunha. Assim, o conflito talvez seja a origem do colapso da Idade do Bronze.