Três dias mais tarde, em 19 de outubro,
"foi ganha a grande batalha", escrevia com euforia o general
prussiano August von Gneisenau à esposa Ottilie. "Um espetáculo como já
não se via há milhares de anos. Mortos e mutilados se espalham ao longo de
milhas. Nosso ataque a Leipzig foi muito sangrento."
Um massacre terrível
Nunca tantos haviam perdido antes a
vida numa batalha: 120 mil, um quinto dos combatentes, mortos – nas lutas, nos
hospitais improvisados ou, quando esses estavam superlotados, literalmente na
rua. Johann Christian Reil era professor de Medicina na Universidade de Berlim
e um dos mais importantes médicos de sua época. Por encomenda do estadista
prussiano barão Heinrich Friedrich vom Stein, ele redigiu um relatório sobre a
situação nos hospitais, de forma tão enfática quanto impiedosa.
"Eu encerro meu relatório com o
mais hediondo dos espetáculos, que me enregelou os membros e me deixou
paralisado. No pátio aberto da escola pública, encontrei um monte, formado por
dejetos e cadáveres de meus compatriotas, jazendo nus e sendo comidos por
cachorros e corvos, como se fossem malfeitores e incendiários. Assim se
descartavam os restos mortais dos heróis que caíram pela pátria!"
Desesperadamente, Reil apelava ao barão
Vom Stein para que melhorasse a situação dos doentes. Um mês mais tarde, em 22
de novembro de 1813, o próprio médico morria de tifo. Após a batalha, a
epidemia se espalhara, matando, além de soldados, muitos médicos e milhares de
civis.
Fim de uma era, começo da conscientização
Quatro dias após o início da batalha
sangrenta, Napoleão teve de se dar por vencido. Mas ele perdera mais que uma
batalha, pois a derrota de Leipzig marcou o início do fim de seu domínio sobre
a Europa. Dado o grande número de mortos, uma conscientização começou a se
impor entre os governantes: deveria ser possível solucionar conflitos na mesa
de negociações.
"Era a primeira vez que um evento
de guerra chocara tanto, que se disse: temos que procurar outras possibilidades
de solução", conta o historiador Steffen Poser. Ele é diretor do Museu
Memorial da Batalha dos Povos. "Pela primeira vez, fez-se a pergunta: não
há uma outra possibilidade? Por fim, o resultado foi o Congresso de Viena, um
evento muito criticado pela história, pois teve suas falhas e erros."
Na capital austríaca, de setembro de
1814 a junho de 1815, reuniram-se representantes de toda a Europa, a fim de
reorganizar o mapa do continente após a queda de Napoleão. O equilíbrio das
cinco potências europeias – Grã-Bretanha, França, Prússia, Áustria e Rússia –
foi restabelecido.
Os monarcas aproveitaram o encontro
para, em conjunto, suprimir movimentos liberais e revogar conquistas democráticas
do período napoleônico. Apesar de todas as suas deficiências, o Congresso de
Viena concedeu ao maltratado continente uma pausa de quase 40 anos sem guerras
entre as grandes potências.
Diferentes perspectivas
Enquanto na Alemanha, a comemoração do
outubro de 1813 goza de grande importância, esse não é o caso entre as outras
potências vencedoras. Por exemplo, na Rússia. Embora o império czarista tenha
registrado as maiores perdas, com 22 mil soldados mortos, na historiografia
russa a vitória de 1812 sobre os franceses invasores ofusca completamente os
acontecimentos de Leipzig. E também na Áustria, "o tema não é, de longe,
tão valorizado assim", afirmou a especialista austríaca em guerras
napoleônicas Alexandra Bleyer.
Na Alemanha, o tema da Batalha dos Povos
ainda é tratado de forma mitológica, aponta Sabine Ebert, que pesquisou três
anos no local e escreveu um romance histórico com base no material coletado.
"Na visão da história, nas mentes de muitas pessoas, é comum ver essa
época como de guerras de libertação, uma era do levante do povo contra os
ocupadores, em que ele lutou por reformas e pelo progresso."
Uma libertação de todos os povos
ocupados pela França da opressão por parte de Napoleão. Mas essa nunca foi a
intenção dos governantes. "Eles estavam preocupados com a divisão das
terras, com a conquista dos territórios, com a defesa de seus interesses e a
multiplicação do poder", desmistifica Ebert.
Mitos falsos e caminhos difíceis
Uma outra lenda também envolve o
acontecimento: a de que a batalha teria dado origem à nação alemã da era
moderna. Situando historicamente: antes da fundação do Império Alemão, em 1871,
a Alemanha era somente uma confederação de pequenos Estados. Os defensores de
um Estado alemão unificado tentaram, no século 19, usar as guerras contra
Napoleão para seus fins políticos e propagandísticos.
"A tentativa de incorporar ao mito
de fundação da Alemanha as Guerras Napoleônicas, com a Batalha de Leipzig no
centro, fez com que o significado na Alemanha seja essencialmente diferente de
fora do país", avalia Steffen Poser.
Mesmo sem mitos e lendas, os
acontecimentos de 200 anos atrás são importantes, não somente para os alemães,
mas também para a história europeia. O prefeito de Leipzig, Burkhard Jung,
lembra que, em consequência da Batalha dos Povos, a Europa encontrou uma nova
ordem.
"Mesmo que Napoleão tenha sido
derrotado em Leipzig, as ideias de liberdade, igualdade, fraternidade da
Revolução Francesa acabaram encontrando seu caminho através Europa", diz
Jung, afirmando ver uma continuidade desde o Congresso de Viena, passando por
duas sangrentas guerras mundiais, até o processo de unificação da Europa, nos
dias atuais.
Nesse ponto, Poser também registra um
legado da Batalha de Leipzig para a atualidade. "É um acontecimento
importante de nossa história europeia comum, como um marco num caminho muito
pedregoso, rumo a uma sociedade basicamente pacífica, em que podemos viver
hoje."
http://www.defesanet.com.br/ecos/noticia/12671/Batalha-de-Leipzig-chocava-a-Europa-200-anos-atras/
1813: Napoleão perdia a Batalha das Nações em Leipzig
No dia 19 de outubro de 1813 começava em Leipzig a
ofensiva final da Rússia, Prússia, Áustria e Suécia contra a hegemonia de
Napoleão na Europa. Era o último dia da famosa Batalha das Nações.
"Casas queimando, fumaça subindo. Em todas as partes há soldados
mortos, ou animais, cavalos por exemplo. Há também muitos soldados com fuzis e
lanças. Os uniformes são de diversas cores. Num canto, há pessoas mortas e
noutro, um canhão."
O cenário, assim descrito num trabalho escolar, refere-se a um fato
histórico ocorrido em outubro de 1813 em Leipzig e seus arredores: a famosa
Batalha das Nações.
O nome é enganador, pois não houve apenas um grande confronto final, mas
sim batalhas dispersas e pequenas escaramuças anteriores. Aproximadamente meio
milhão de soldados lutaram em 1813 para determinar o futuro político do
continente europeu.
A fim de liquidar a hegemonia de Napoleão, juntaram-se os exércitos da
Rússia, da Prússia, da Áustria e da Suécia. Também tchecos, silesianos,
italianos e húngaros participaram das lutas, enquanto o rei da Saxônia mantinha
seu apoio a Napoleão. As tropas aliadas eram comandadas pelo marechal-de-campo
austríaco príncipe Karl-Philipp Schwarzenberg.
Cronologia dos combates
Na manhã de 14 de outubro, Schwarzenberg decidiu iniciar um combate de
reconhecimento. As tropas russo-prussianas avançaram. De uma pequena
escaramuça, nas proximidades de Markkleeberg, desenvolveu-se logo um grande
combate de cavalaria, com sete horas de duração, parte da Batalha das Nações.
No dia 15 de outubro, as tropas continuaram avançando em direção a
Leipzig e, na manhã do dia 16, as tropas napoleônicas viram-se diante de quatro
colunas dos exércitos de Schwarzenberg. Napoleão acreditava que sairia vencedor
e, às 14 horas, mandou tocar os sinos de Leipzig, como sinal do transcurso
favorável da batalha.
Mas ele deixou passar, no entanto, o melhor momento para atacar. As
tropas aliadas puderam reforçar então os pontos mais fracos da sua linha de
ofensiva. Uma trégua foi acertada para o domingo, dia 17 de outubro, e Napoleão
tentou em vão negociar.
Em 18 de outubro, Schwarzenberg conseguiu apertar cada vez mais o cerco
em torno de Leipzig. As cavalarias da Saxônia e de Württemberg, mais tarde
também a infantaria e a artilharia saxônicas, aderiram às tropas aliadas. Para
Napoleão, ficou claro então que suas tropas não conseguiriam sobreviver a mais
um dia de luta. Por volta das cinco horas da tarde, ele ordenou a retirada em
direção ao oeste.
Na manhã de 19 de outubro, começou a ofensiva final dos aliados contra
Leipzig. As primeiras tropas invadiram a cidade por volta do meio-dia. Ainda se
combatia nas ruas, quando o czar Alexandre, o rei prussiano e o príncipe
Schwarzenberg entraram em Leipzig para presenciar a parada da vitória na praça
central da cidade.
Os aliados perseguiram o Exército francês de ocupação com pouco entusiasmo e, no início de novembro, as tropas napoleônicas cruzaram o Rio Reno. Com isto, a hegemonia de Napoleão na Europa foi definitivamente destruída.
Quase 100 mil pessoas perderam a vida nos campos de batalha em torno a Leipzig. Mais de meio milhão de soldados lutaram a favor ou contra Napoleão. Ou seja, quase um quinto dos soldados morreu na maior batalha da história da humanidade até então.
Em hospitais militares improvisados, foram tratados inúmeros feridos.
Até o ano de 1814, soldados mortos ainda eram sepultados em valas comuns. As
lutas devastaram a região de Leipzig. Alguns povoados ficaram em ruínas e, ao
arar a terra, os agricultores se deparavam frequentemente com partes de
esqueletos de soldados.
O que poderiam pensar foi descrito pelo escritor Erich Loest, natural de
Leipzig, no seu romance Monumento da Batalha das Nações: "A uma
caveira não se percebe se é de um russo, um sueco, um toscano ou um basco. À
exceção de casos raros de tiro na cabeça ou ruptura do crânio, não se pode
notar se seu dono foi acertado no peito quando atacava ou nas costas quando
fugia. Se estava louco de medo ou de vontade de matar; se morreu de um ferimento
inflamado ou de tifo. As caveiras são todas iguais".
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