A primeira guerra contra o câncer não foi
iniciada por Richard Nixon nos Estados Unidos no início dos anos 1970, mas por
Adolf Hitler e Joseph Goebbels na Alemanha no início dos anos 1940. Apesar das
afirmações por historiadores como Daniel Kevles que os cientistas americanos e
britânicos provaram primeiro a ligação entre o tabaco e o câncer de pulmão no
início dos anos 1950, Robert N. Proctor, historiador de ciência na Universidade
Estadual da Pensilvânia, demonstra que essa ligação foi originalmente
estabelecida na Alemanha Nazista, no início dos anos 1930. Apesar dos Estados
Unidos terem se beneficiado dos avanços nazistas nos campos da aeronáutica,
armamentos e farmacêuticos após a Segunda Guerra Mundial, este feito de saúde
pública foi aparentemente ignorado. Em 1995, a Philip Morris criou uma
propaganda na Europa intitulada “Quando eles desenharão a linha?”, que
identificava os ativistas antifumo como nazistas.
Hitler era conhecido por ser um vegetariano abstêmio
de álcool e tabaco e não tolerava o consumo destas substâncias em sua presença
(exceto por algumas mulheres). A cultura nazista, nos diz Proctor, era “uma
mistura curiosa do moderno e do romântico” – Jeffrey Herf a descreveu como “modernismo
reacionário” – e havia uma visão romântica da natureza e outra holística para a
saúde. Em agosto de 1933, Hermann Göring anunciou o fim da “tortura
insuportável e sofrimento nos experimentos em animais” e ameaçou colocar “aqueles
que ainda pensam que podem tratar os animais como propriedade inanimada” em
campos de concentração – onde, irônica e tragicamente, humanos seriam logo
usados em experimentos médicos.
O governo nazista era conhecido, e admirado,
por implementar as políticas de saúde mais progressistas de sua época. Pesquisa
estado-da-arte e regulação eram aplicadas a doenças ocupacionais, ambientais e
do cotidiano. O câncer foi declarado “o inimigo número um do Estado.” A
política nazista favoreceu a comida natural e se opunha à obesidade, açúcar, álcool
e estilos de vida sedentários. O movimento de abstinência existente contra o
álcool e o fumo tornou-se mais ativo com os nazistas, que estiveram envolvidos
no que Proctor chama “criar uma utopia sanitária e segura.”
Não é surpresa que os funcionários americanos
dos narcóticos da época admiravam a guerra nazista contra as drogas. Hoje, a
admiração provavelmente iria na direção oposta.
O capítulo mais longo do livro de Proctor é
dedicado ao tabaco, “um foco justificado,” explica o autor, “pelo fato
surpreendente – apesar de desconhecido – que a Alemanha nazista tinha a
campanha antifumo mais forte do mundo e a epidemiologia de doenças causadas
pelo tabaco mais sofisticada do mundo”. É bem conhecido que o próprio Hitler
era um fanático antifumo, mas o movimento antitabaco e as políticas públicas
intervencionistas da era nazista eram muito mais do que um reflexo dos
caprichos de Hitler. O fumo era atacado como uma “relíquia do estilo de vida
liberal” e como uma “masturbação dos pulmões”. Foi na Alemanha nazista que
pesquisadores médicos, alguns com fortes conexões nazistas, primeiro
estabeleceram uma ligação estatística entre o fumo e o câncer de pulmão. Os
cruzados antifumo publicavam revistas como “Em Guarda” (Auf der Wacht) e “Ar
Puro” (Reine Luft). Cerca de meio século antes da Agência de Proteção Ambiental
associar-se a pseudociência contra o “ambiente enfumaçado do cigarro”, o
ativista antifumo Dr. Fritz Lickint cunhou o termo “fumante passivo”. (Ele
também achava que o café era cancerígeno!)
Muitos controles antifumo foram realizados
por decreto, incluindo restrições à publicidade e banimento do tabagismo em
muitos locais de trabalho, escritórios públicos, hospitais e, mais tarde, em
todos os trens urbanos e ônibus. As mulheres não podiam comprar cigarros em
certos lugares. “Mulher alemã não fuma”, proclamava um cartaz nazista.
Em 1941, o Instituto para Pesquisa dos Danos
do Tabaco foi criado sob a direção de Karl Astel. Um nazista dedicado que
cometeu suicídio em abril de 1945, Astel achava que a oposição ao tabagismo era
uma “tarefa nacional socialista”. Como presidente da Universidade de Jena, ele
baniu o fumo em todos os prédios da universidade. É no Instituto de Astel que
Proctor busca o trabalho científico mais inovador sobre as relações entre o
tabagismo e o câncer.
Proctor fica embaraçado e angustiado pelo
fato de que “as iniciativas de saúde pública foram perseguidas não apenas em
virtude do fascismo, mas também em consequência dele.” Mas seu livro é fraco na
análise desta questão: no capítulo final, onde ele tenta abordá-la, ele não vai
mais longe do que dizer que o fascismo alemão era uma mistura complexa de bem e
mal. Felizmente, a documentação extensiva existente fornecida pelo autor nos dá
o significado de puxar a análise além de onde ele a deixou.
Devemos lembrar que o fascism é baseado na
submissão do indivíduo ao coletivo. Como Benito Mussolini escreveu sobre o
século vinte, “Se o século XIX foi o século do individualismo, pode-se esperar
que este seja o século do coletivismo e, assim, o século do Estado.” (Italian
Encyclopedia
1932) O ramo alemão do fascismo,
o Nacional Socialismo, foi caracterizado também por crenças racistas (opostamente
às crenças puramente nacionalistas). Vamos lembrar também que, em todos os
lugares do Ocidente, a doutrina de saúde pública desviou-se das boas
preocupações públicas, como o saneamento ou doenças contagiosas, em direção de
um ataque frontal às escolhas individuais e aos estilos de vida politicamente
incorretos.
A relação entre fascismo e saúde pública é
provavelmente mais simbiótica do que Proctor admite. Após ler A Guerra Nazista contra o Câncer, o
leitor cuidadoso estará bem posicionado para entender por que o fascismo exige
políticas fortes de saúde pública. O Estado fascista precisa de “material
humano valioso” – ou como diríamos hoje, “recursos humanos” saudáveis. Os lemas
nazistas relatados por Proctor são mais explícitos do que os cruzados atuais
ousariam empregar: “Seu corpo pertence à Nação!”, “Você tem a obrigação de ser
saudável!”, “Alimentação não é um assunto particular!” Novamente antecipando os
fascistas da saúde atuais, o Departamento Nacional de Estatística nazista
estabeleceu os assim chamados custos do tabagismo. Erwin Liek, algumas vezes chamado
o pai da medicina nazista, achava que a cura do câncer exigia mover-se do “cuidado
com o indivíduo” para “prevenção do câncer em larga escala – para a população
inteira”.
A mistura de saúde pública torna-se mais
poderosa com o ingrediente adicional de racismo fornecido pelo ramo alemão do
fascismo. As campanhas de saúde pública contribuem com a preservação não
somente da população de contribuintes e recrutados, mas também do “plasma
embrionário alemão.” Mas este acréscimo não era realmente necessário, como o
coletivismo havia se contentado: “os médicos-führer da Alemanha,” nota Proctor,
“estavam menos preocupados com a saúde dos indivíduos do que com o vigor da ‘raça’,
a chamada comunidade racial.”
Proctor preocupa-se em distanciar-se dos
libertários que veriam as mãos invisíveis do fascismo na repressão atual do
tabagismo: “Minha intenção,” ele escreve, “não é argumentar que os esforços
antifumo atuais têm raízes fascistas, ou que as medidas de saúde pública são em
princípio totalitárias – como alguns libertários parecem querer nos fazer crer.”
Isto é apenas lógica: se F (fascismo) implica S (saúde pública), não significa
que S implica F. É claro.
Tal conexão é que tanto as políticas
fascistas quanto a ideologia de saúde pública exigem um Estado poderoso. Poder
de Estado é o denominador comum, e uma condição necessária, tanto do fascismo
quanto dos controles fortes de saúde pública. Proctor nos lembra que as
preocupações com saúde pública eram bem conhecidas no período de Weimar e que a
primeira agência anticâncer mantida pelo Estado foi criada na Alemanha trinta e
três anos antes dos nazistas chegarem ao poder. Mas, ele escreve, “o que era
novo no período nazista foram políticas aumentadas e poderes legislativos para
implantar medidas preventivas abrangentes.” Os poderes de polícia aplicados
pelo fascismo permitiam à ideologia de saúde pública mostrar sua verdadeira
natureza.
O aparato estatal nazista tinha um “Führer da
Saúde do Reich”, cujo departamento o nome de Leonardo Conti, um ativista
antifumo dedicado, permanece associado. Sob Conti, registros centrais foram
criados para muitas doenças e vícios. A Alemanha nazista era uma sociedade
transparente, onde os indivíduos eram prevenidos de esconder suas vidas do
Estado – absurdamente ilustrado pelo banimento em 1938 da estocagem de produtos
em porões. Milhares de alcoólatras “registrados” tornaram-se vítimas do
programa de esterilização sob a Lei para Prevenção de Prole Geneticamente Doente.
Enquanto que muitos fascistas da saúde foram processados e condenados em
Nuremberg, Conti escapou da condenação enforcando-se em sua cela.
De algum modo, a intolerância social dos
movimentos progressistas contemporâneos, tais como direitos dos animais,
ativismo antitabagismo, esforços de abstinência e entusiasmo por comidas naturais,
pode ser vista de forma semelhante aos aspectos “progressistas” da Alemanha
nazista, não somente em seus objetivos, mas crescentemente e de forma alarmante
em relação a alguns dos métodos usados para impor soluções coletivas a
indivíduos. Por exemplo, alguns cientistas acreditam que apesar dos efeitos
nocivos da fumaça de cigarro serem claros, os efeitos secundários em fumantes
passivos em relação à morbidez e à mortalidade, apesar de menos claros, tem
sido mais poderosos em motivar política pública contra os direitos do
indivíduo. Como Proctor afirma, a apreciação dessas complexidades podem abrir
nossos olhos para novos tipos de continuidade entre o passado e o presente e
podem levar a uma melhor compreensão de como o fascismo triunfou temporariamente.
Ver
o artigo:
Basicamente,
a lógica do Reductio ad Hitlerum
afirma que TUDO o que vem da Alemanha Nazista não presta ou foi feita com más
intenções. É o caso da pesquisa contra o câncer, que foi realizada apenas com o
objetivo de criar uma raça superior, ou da campanha antifumo, que se tratava de
um assalto às liberdades individuais. Tivessem sido essas pesquisas e políticas
criadas nos EUA ou na Grã-Bretanha, seriam celebradas como avanços da sociedade
democrática. Mas como foram criadas sob o nazismo...
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