domingo, 27 de outubro de 2013

[POL] A Guerra Nazista contra o Câncer

Marc S. Micozzi, Pierre Lemieux

 


A primeira guerra contra o câncer não foi iniciada por Richard Nixon nos Estados Unidos no início dos anos 1970, mas por Adolf Hitler e Joseph Goebbels na Alemanha no início dos anos 1940. Apesar das afirmações por historiadores como Daniel Kevles que os cientistas americanos e britânicos provaram primeiro a ligação entre o tabaco e o câncer de pulmão no início dos anos 1950, Robert N. Proctor, historiador de ciência na Universidade Estadual da Pensilvânia, demonstra que essa ligação foi originalmente estabelecida na Alemanha Nazista, no início dos anos 1930. Apesar dos Estados Unidos terem se beneficiado dos avanços nazistas nos campos da aeronáutica, armamentos e farmacêuticos após a Segunda Guerra Mundial, este feito de saúde pública foi aparentemente ignorado. Em 1995, a Philip Morris criou uma propaganda na Europa intitulada “Quando eles desenharão a linha?”, que identificava os ativistas antifumo como nazistas.

Hitler era conhecido por ser um vegetariano abstêmio de álcool e tabaco e não tolerava o consumo destas substâncias em sua presença (exceto por algumas mulheres). A cultura nazista, nos diz Proctor, era “uma mistura curiosa do moderno e do romântico” – Jeffrey Herf a descreveu como “modernismo reacionário” – e havia uma visão romântica da natureza e outra holística para a saúde. Em agosto de 1933, Hermann Göring anunciou o fim da “tortura insuportável e sofrimento nos experimentos em animais” e ameaçou colocar “aqueles que ainda pensam que podem tratar os animais como propriedade inanimada” em campos de concentração – onde, irônica e tragicamente, humanos seriam logo usados em experimentos médicos.

O governo nazista era conhecido, e admirado, por implementar as políticas de saúde mais progressistas de sua época. Pesquisa estado-da-arte e regulação eram aplicadas a doenças ocupacionais, ambientais e do cotidiano. O câncer foi declarado “o inimigo número um do Estado.” A política nazista favoreceu a comida natural e se opunha à obesidade, açúcar, álcool e estilos de vida sedentários. O movimento de abstinência existente contra o álcool e o fumo tornou-se mais ativo com os nazistas, que estiveram envolvidos no que Proctor chama “criar uma utopia sanitária e segura.”

Não é surpresa que os funcionários americanos dos narcóticos da época admiravam a guerra nazista contra as drogas. Hoje, a admiração provavelmente iria na direção oposta.

O capítulo mais longo do livro de Proctor é dedicado ao tabaco, “um foco justificado,” explica o autor, “pelo fato surpreendente – apesar de desconhecido – que a Alemanha nazista tinha a campanha antifumo mais forte do mundo e a epidemiologia de doenças causadas pelo tabaco mais sofisticada do mundo”. É bem conhecido que o próprio Hitler era um fanático antifumo, mas o movimento antitabaco e as políticas públicas intervencionistas da era nazista eram muito mais do que um reflexo dos caprichos de Hitler. O fumo era atacado como uma “relíquia do estilo de vida liberal” e como uma “masturbação dos pulmões”. Foi na Alemanha nazista que pesquisadores médicos, alguns com fortes conexões nazistas, primeiro estabeleceram uma ligação estatística entre o fumo e o câncer de pulmão. Os cruzados antifumo publicavam revistas como “Em Guarda” (Auf der Wacht) e “Ar Puro” (Reine Luft). Cerca de meio século antes da Agência de Proteção Ambiental associar-se a pseudociência contra o “ambiente enfumaçado do cigarro”, o ativista antifumo Dr. Fritz Lickint cunhou o termo “fumante passivo”. (Ele também achava que o café era cancerígeno!)

Muitos controles antifumo foram realizados por decreto, incluindo restrições à publicidade e banimento do tabagismo em muitos locais de trabalho, escritórios públicos, hospitais e, mais tarde, em todos os trens urbanos e ônibus. As mulheres não podiam comprar cigarros em certos lugares. “Mulher alemã não fuma”, proclamava um cartaz nazista.

Em 1941, o Instituto para Pesquisa dos Danos do Tabaco foi criado sob a direção de Karl Astel. Um nazista dedicado que cometeu suicídio em abril de 1945, Astel achava que a oposição ao tabagismo era uma “tarefa nacional socialista”. Como presidente da Universidade de Jena, ele baniu o fumo em todos os prédios da universidade. É no Instituto de Astel que Proctor busca o trabalho científico mais inovador sobre as relações entre o tabagismo e o câncer.

Proctor fica embaraçado e angustiado pelo fato de que “as iniciativas de saúde pública foram perseguidas não apenas em virtude do fascismo, mas também em consequência dele.” Mas seu livro é fraco na análise desta questão: no capítulo final, onde ele tenta abordá-la, ele não vai mais longe do que dizer que o fascismo alemão era uma mistura complexa de bem e mal. Felizmente, a documentação extensiva existente fornecida pelo autor nos dá o significado de puxar a análise além de onde ele a deixou.

Devemos lembrar que o fascism é baseado na submissão do indivíduo ao coletivo. Como Benito Mussolini escreveu sobre o século vinte, “Se o século XIX foi o século do individualismo, pode-se esperar que este seja o século do coletivismo e, assim, o século do Estado.” (Italian Encyclopedia 1932) O ramo alemão do fascismo, o Nacional Socialismo, foi caracterizado também por crenças racistas (opostamente às crenças puramente nacionalistas). Vamos lembrar também que, em todos os lugares do Ocidente, a doutrina de saúde pública desviou-se das boas preocupações públicas, como o saneamento ou doenças contagiosas, em direção de um ataque frontal às escolhas individuais e aos estilos de vida politicamente incorretos.

A relação entre fascismo e saúde pública é provavelmente mais simbiótica do que Proctor admite. Após ler A Guerra Nazista contra o Câncer, o leitor cuidadoso estará bem posicionado para entender por que o fascismo exige políticas fortes de saúde pública. O Estado fascista precisa de “material humano valioso” – ou como diríamos hoje, “recursos humanos” saudáveis. Os lemas nazistas relatados por Proctor são mais explícitos do que os cruzados atuais ousariam empregar: “Seu corpo pertence à Nação!”, “Você tem a obrigação de ser saudável!”, “Alimentação não é um assunto particular!” Novamente antecipando os fascistas da saúde atuais, o Departamento Nacional de Estatística nazista estabeleceu os assim chamados custos do tabagismo. Erwin Liek, algumas vezes chamado o pai da medicina nazista, achava que a cura do câncer exigia mover-se do “cuidado com o indivíduo” para “prevenção do câncer em larga escala – para a população inteira”.

A mistura de saúde pública torna-se mais poderosa com o ingrediente adicional de racismo fornecido pelo ramo alemão do fascismo. As campanhas de saúde pública contribuem com a preservação não somente da população de contribuintes e recrutados, mas também do “plasma embrionário alemão.” Mas este acréscimo não era realmente necessário, como o coletivismo havia se contentado: “os médicos-führer da Alemanha,” nota Proctor, “estavam menos preocupados com a saúde dos indivíduos do que com o vigor da ‘raça’, a chamada comunidade racial.”

Proctor preocupa-se em distanciar-se dos libertários que veriam as mãos invisíveis do fascismo na repressão atual do tabagismo: “Minha intenção,” ele escreve, “não é argumentar que os esforços antifumo atuais têm raízes fascistas, ou que as medidas de saúde pública são em princípio totalitárias – como alguns libertários parecem querer nos fazer crer.” Isto é apenas lógica: se F (fascismo) implica S (saúde pública), não significa que S implica F. É claro.

Tal conexão é que tanto as políticas fascistas quanto a ideologia de saúde pública exigem um Estado poderoso. Poder de Estado é o denominador comum, e uma condição necessária, tanto do fascismo quanto dos controles fortes de saúde pública. Proctor nos lembra que as preocupações com saúde pública eram bem conhecidas no período de Weimar e que a primeira agência anticâncer mantida pelo Estado foi criada na Alemanha trinta e três anos antes dos nazistas chegarem ao poder. Mas, ele escreve, “o que era novo no período nazista foram políticas aumentadas e poderes legislativos para implantar medidas preventivas abrangentes.” Os poderes de polícia aplicados pelo fascismo permitiam à ideologia de saúde pública mostrar sua verdadeira natureza.

O aparato estatal nazista tinha um “Führer da Saúde do Reich”, cujo departamento o nome de Leonardo Conti, um ativista antifumo dedicado, permanece associado. Sob Conti, registros centrais foram criados para muitas doenças e vícios. A Alemanha nazista era uma sociedade transparente, onde os indivíduos eram prevenidos de esconder suas vidas do Estado – absurdamente ilustrado pelo banimento em 1938 da estocagem de produtos em porões. Milhares de alcoólatras “registrados” tornaram-se vítimas do programa de esterilização sob a Lei para Prevenção de Prole Geneticamente Doente. Enquanto que muitos fascistas da saúde foram processados e condenados em Nuremberg, Conti escapou da condenação enforcando-se em sua cela.

De algum modo, a intolerância social dos movimentos progressistas contemporâneos, tais como direitos dos animais, ativismo antitabagismo, esforços de abstinência e entusiasmo por comidas naturais, pode ser vista de forma semelhante aos aspectos “progressistas” da Alemanha nazista, não somente em seus objetivos, mas crescentemente e de forma alarmante em relação a alguns dos métodos usados para impor soluções coletivas a indivíduos. Por exemplo, alguns cientistas acreditam que apesar dos efeitos nocivos da fumaça de cigarro serem claros, os efeitos secundários em fumantes passivos em relação à morbidez e à mortalidade, apesar de menos claros, tem sido mais poderosos em motivar política pública contra os direitos do indivíduo. Como Proctor afirma, a apreciação dessas complexidades podem abrir nossos olhos para novos tipos de continuidade entre o passado e o presente e podem levar a uma melhor compreensão de como o fascismo triunfou temporariamente.



 
Nota:

Ver o artigo:


Basicamente, a lógica do Reductio ad Hitlerum afirma que TUDO o que vem da Alemanha Nazista não presta ou foi feita com más intenções. É o caso da pesquisa contra o câncer, que foi realizada apenas com o objetivo de criar uma raça superior, ou da campanha antifumo, que se tratava de um assalto às liberdades individuais. Tivessem sido essas pesquisas e políticas criadas nos EUA ou na Grã-Bretanha, seriam celebradas como avanços da sociedade democrática. Mas como foram criadas sob o nazismo...

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