Um
assunto muito pouco explorado é o papel do governo britânico no início da
Primeira Guerra Mundial. Até recentemente, era difícil encontrar estudiosos que
duvidassem do julgamento confortável de que a “Alemanha autoritária” causou a
Grande Guerra devido à sua arrogância. Supostamente, os britânicos somente se
envolveram após os alemães precipitadamente violarem a neutralidade da Bélgica
em seu caminho para conquistar a França “democrática”.
Mas
o Secretário do Exterior britânico, Sir Edward Grey, tinha feito de tudo ao seu
alcance para isolar os alemães e seus aliados austro-húngaros, que estavam
corretos em sua preocupação de ficarem cercados por inimigos. A Tríplice
Entente, largamente construída pelo governo Grey e que colocou os franceses e
russos em uma aliança diversificada, cercaram a Alemanha e a Áustria com
parceiros belicistas. Em julho de 1914, os líderes alemães sentiram a
necessidade de apoiar seus aliados austríacos em uma guerra contra os sérvios,
que eram o Estado fantoche russo. Estava claro então que este conflito exigiria
que os alemães lutassem contra a Rússia e a França.
Os
militares alemães fatalmente aceitaram a possibilidade da Inglaterra entrar na
luta contra eles. Isto poderia ter acontecido mesmo se os alemães não tivessem
violado o solo belga para derrotar os franceses antes de enviar seus exércitos
para o leste para enfrentar uma invasão russa maciça. Os ingleses eram tudo,
menos neutros. No verão de 1914, seu governo estava prestes a assinar uma
aliança militar com a Rússia, planejando uma operação conjunta contra a
Pomerânia alemã no caso de uma guerra geral. Os britânicos também deram
garantias ao ministro do exterior francês, Teófilo Delcassé, que eles estariam
ao lado dos franceses e russos (que eram aliados desde 1891) se a guerra
eclodisse contra a Alemanha.
Grey
rejeitou as tentativas do Chanceler alemão,Teobaldo Von Bethmann-Hollweg, para
deixar seu governo fora do alcance de compromissos com os inimigos da Alemanha.
As
concessões alemãs em 1912 incluíam:
*
A aceitação do domínio britânico na construção de estradas e acessos às
reservas de petróleo no que hoje é o Iraque.
*
Investimentos conjuntos na África central que claramente beneficiariam mais os
ingleses do que os alemães.
*
Humildemente seguir a liderança da Inglaterra nas duas Guerras dos Bálcãs, onde
o inimigo da Áustria, a Sérvia, quase dobrou seu território.
Os
russos e os franceses também estavam expandindo enormemente seu alistamento e
ultrapassaram as forças alemãs e austríacas, mas nem as concessões alemã nem os
golpes de sabre dos aliados continentais da Inglaterra provocaram uma mudança
de direção do governo britânico. Lorde Grey, que permaneceu secretário do
exterior até 1916, nunca mudou sua opinião de que a Alemanha era o inimigo mais
perigoso da Inglaterra.
Um
livro que deixa isto claro é o estudo de Konrad Canis da política externa alemã
de 1902 até 1914. Um volume enorme de mais de setecentas páginas , O
Caminho para o Abismo, é um relato revisionista extraordinário das
confusões que levaram à guerra.
Canis
revela muitos pontos que não encontraremos no academicismo histórico comum:
1)
A política externa do Segundo Império alemão era largamente passiva. Isto era
verdade não somente para Bismarck após a unificação de 1871, mas quase
totalmente verdadeiro para a política externa alemã a partir de 1902.
2)
Os britânicos eram mais hostis aos alemães do que vice-versa. Eles viam a
Alemanha como um competidor econômico em ascensão que tinha se estabelecido
como a potência militar dominante no continente. Tanto a opinião pública quanto
os líderes alemães eram fortemente anglófilos; o Chanceler Bethmann-Hollweg
considerava a amizade britânica algo que valia a pena, mesmo que custasse os
interesses alemães.
3)
O governo alemão e a maioria da imprensa alemã faziam uma distinção clara entre
esperar que seu país se tornasse uma potência mundial e aspirar o domínio sobre
todos os países. As fontes de Canis sugerem que alemães influentes esperavam
tornar-se uma potência “na escala da Inglaterra,” um país que eles respeitavam
e não tinham interesse em combater.
Em
1914, a Rússia representava uma ameaça maior à Inglaterra do que a Alemanha ou
a Áustria. A Inglaterra estava lutando contra a Rússia pelo domínio da Ásia
Central. Ao invés de confirmar suas prioridades geopolíticas, Lorde Grey
ofereceu à Rússia uma terceira frente contra os alemães prometendo
disponibilizar os navios britânicos para um desembarque no norte da Alemanha.
Esta foi a maneira como o governo britânico tentou resolver suas diferenças com
a Rússia, já que ambos estavam se expandindo na mesma região. Nestes
compromissos britânicos, não está claro se uma distinção ainda é possível entre
guerras ofensivas e defensivas.
E
então, temos os EUA. Quando o embaixador alemão se aproximou de Teddy Roosevelt
para se unir aos alemães em garantir mercado aberto no Vale do Rio Yangtze na
China e outras regiões então fechadas pelos britânicos e franceses, TR se
recusou. Ele disse que não poderia assinar tal documento antes de consultar
primeiro os britânicos. Esta é uma prova para aqueles que acreditam que os EUA
eram um estado vassalo da Inglaterra antes da Primeira Guerra Mundial.
O
autocrático governo russo, que entrou na guerra pelo leste, não era totalmente “democrático”
em 1914, mas na época que Woodrow Wilson jogou-nos no caldeirão europeu, a Rússia estava envolvida na primeira de duas
revoluções, esta uma mudança revolucionária democrática em março de 1917.
Assim, os EUA poderiam aliar-se ao aceitável governo provisório russo quando
ele pegasse em armas contra os supostos belicistas alemães.
A Aliança Funesta, de Georg e
Kennan, e A Origem Russa da Primeira Guerra Mundial, de Sean McMeekin,
documentam o papel do governo russo agressivamente expansionista em iniciar a
Grande Guerra. Mas tais revelações não são mais surpresa.
O
que é mais surpreendente é a descoberta do papel da Inglaterra em criar esta
catástrofe. Esta omissão pode ser
atribuída a certas causas óbvias: a visão errada de que a Inglaterra só entrou
na guerra por causa da violação da neutralidade belga (isto confunde um
pretexto com uma causa); a disposição anglófila das elites apolíticas e
acadêmicas americanas; e mais recentemente, a noção tendenciosa de que “democracias
jamais lutam entre si.” Infelizmente para esta generalização, os governos da
Alemanha e Inglaterra (e certamente suas sociedades) em 1914 eram muito mais semelhantes
entre si do que se parecem os atuais regimes americano e canadense.
Canis
não defende a decisão final desastrosa em 1914. Os alemães deveriam ter
segurado os austríacos mesmo após os agentes sérvios terem matado o arquiduque
Ferdinando da Áustria. A guerra
resultante dilacerou a Velha Europa. As indústrias militares que Grey,
Churchill e outros de sua laia estavam sustentando não eram o que a população
queria. Os falcões da guerra estavam desviando o foco das reformas sociais.
Apesar de eu dificilmente ser favorável ao Estado do Bem Estar Social, criar um
desses na Inglaterra em 1910 teria sido bem menos prejudicial do que a política
externa de Grey.
http://takimag.com/article/how_england_helped_start_the_great_war_paul_gottfried#axzz26g7PSYu5
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