Richard J Evans,
Jill Stephenson
Entre
as guerras, nos diz Richard Overy, os habitantes das cidades européias
tornaram-se temerosos com a possibilidade de serem bombardeados. Os alarmistas
prediziam milhões de mortos em Londres em um único ataque devastador. A cidade
seria inteiramente destruída por bombas explosivas e incendiárias e sua
população aniquilada por gás venenoso lançado do ar. A Civilização chegaria ao
fim. Em 1908, HG Wells, em seu livro A Guerra no Ar, profetizou que Nova York
seria reduzida, em uma questão de horas, a uma “fornalha incandescente da qual
não haveria fuga”. Estes receios foram reforçados pela destruição da cidade
basca de Guernica por bombardeiros alemães durante a guerra civil espanhola e
pelo uso de gás venenoso pela força aérea italiana para destruir os exércitos
inimigos em solo durante a invasão da Etiópia.
Entretanto,
a realidade, quando chegou, foi muito diferente. Em 1939, era quase
universalmente aceito que o poder aéreo seria melhor utilizado em conjunto com
invasão terrestre, para neutralizar as forças aéreas inimigas e interromper as
comunicações militares em
solo. Nenhuma nação beligerante foi à guerra com uma frota
totalmente desenvolvida de bombardeiros pesados. Os militares venceram aqueles
que achavam que as forças aéreas deveriam agir independentemente. Havia
hesitações sobre quebrar as sanções internacionais legalmente acordadas contra
o uso de poder aéreo para atacar civis. Hitler explicitamente rejeitou o
“bombardeio de terror” e organizou a Luftwaffe para limpar o caminho para a
invasão das ilhas britânicas destruindo a RAF – e então, quando o trabalho
estivesse feito (como os alemães erroneamente pensavam como seria por meados de
setembro), para enfraquecer a economia britânica no apoio ao bloqueio.
Então,
o que dizer de Varsóvia? “A campanha aérea na Polônia,” diz Overy, “foi um
modelo de guerra aérea operacional elaborada antes de 1939, com as forças
aéreas apoiando de maneira próxima as campanhas terrestres.” Missões sobre
centros logísticos foram conduzidas, as quais “inevitavelmente envolveram
baixas civis”. Talvez nossa visão de que se violou o acordo de que não se deve
bombardear civis dependa do nosso entendimento de instalações de suprimento de
gás e eletricidade próximas a zonas
industriais sejam um “alvo militar em potencial.” Além
disso, Overy menciona mais tarde que “relatórios americanos no início da guerra
destacaram a destruição selvagem das cidades polonesas a partir do ar.” Quanto
a Roterdã, seu bombardeio “impôs pesadas baixas civis, porque o exército
holandês escolheu defender a área ao invés de declara-la “cidade aberta” ou a
rendição. É verdade que muitas das baixas em ambos os casos foram causadas pelo
fogo de artilharia, mas o bombardeio causou outras. E, por que, em qualquer
caso, deveriam os alemães ter bombardeado a cidade? Isto foi claramente uma
agressão contra civis. Pode ser que as pequenas e incompetentes missões britânicas
sobre a Alemanha em 1940 tenham provocado Hitler a lançar a Blitz, da qual a
RAF aprendeu muitas lições para suas campanhas tardias. Mas foi o bombardeio
alemão de civis britânicos que levou o Comando de Bombardeiros a permitir aos
pilotos cada vez mais discrição no bombardeio de áreas onde havia civis. Isto
logo se estenderia para toda a área de bombardeio, cumprindo a exigência de
Stalin de que casas assim como fábricas fossem destruídas.
Se
a blitz foi a primeira ofensiva de bombardeio estratégico, ela foi seguida logo
por uma ofensiva muito maior por parte dos britânicos, onde, excepcionalmente,
a doutrina militar favoreceu o uso independente de bombardeiros. A estratégia
foi desenvolvida seguindo tentativas de suprimir levantes coloniais, onde as
longas distâncias e comunicações pobres tornavam difícil desembarcar forças
terrestres eficientemente. O Comando de Bombardeiros, acima de tudo Arthur
Harris, tornou-se, nas palavras de Overy, um “aprendiz de feiticeiro”, cujas
atividades eventualmente ultrapassaram de longe o controle de seus mestres
políticos.
Aqui
também os alvos foram supostos ser militares e econômicos; mesmo nas missões
altamente destruidoras sobre Hamburgo em 1943, Harris buscou os bairros de
trabalhadores da cidade porque a eliminação dos operários prejudicaria a
produção de guerra. As missões continuaram até o fim da guerra devido ao medo
do alto comando aliado de que os alemães pudessem reconquistar a superioridade
aérea com a ajuda de novas armas, como os mísseis terra-ar (um dos quais, o
Wasserfall, estava em estágio avançado de desenvolvimento) e os caças a jato (o
Me-262 estava em ação bem antes do fim da guerra). Mesmo assim, Harris foi
além, atacando a sociedade civil na Alemanha, esperando que a devastação de
suas cidades levaria a um levante popular contra o regime. Ele ostentava
regularmente a destruição das cidades alemãs pelo Comando de Bombardeiros e por
seus aliados americanos, e seu vice chamou os desembarques do Dia-D “uma
‘expedição marítima’ desnecessária” sob a luz do colapso iminente do inimigo
sob o peso das missões de bombardeio.
Uma
das qualidades deste livro é mostrar que quase todas as expectativas estavam
erradas: os comandantes da força aérea sobreestimaram consistentemente o dano
que seus aviões causaram. Apesar de milhões de máscaras de gás terem sido
distribuídas às populações da Grã-Bretanha e da Alemanha, nenhum ataque de gás
foi realizado; ambos os lados temiam as conseqüências, apesar do preparo
elaborado, incluindo o fato de que dois países, particularmente os britânicos,
construíram um estoque enorme de armas químicas e gás no final da guerra. Os
alemães não se revoltaram contra Hitler por causa da campanha de bombardeios;
as missões, especialmente aquelas da Operação Gomorra contra Hamburgo em 1943,
causaram desmoralização e desilusão generalizadas com o regime. Mas, tal como a
sociedade britânica uniu-se sob a blitz, a sociedade alemã também resistiu até
o final, apesar de se submeter a um regime gradativamente draconiano de ameaças
e punições do partido nazista.
Ele
analisa o número de aviões, vôos de reconhecimento e cargas, e os compara com o
número de mortos e feridos. Isto o leva a concluir que, por exemplo, o número
padrão dado para mortes no bombardeio de Stalingrado em 23 de agosto de 1942,
40.000, “assim como as estatísticas exageradas em Roterdam... não sobrevive ao
exame detalhado... Nenhum bombardeio pré-atômico conseguiu em qualquer lugar
matar pelo menos 10% da população em um único dia de bombardeio.” Mesmo assim,
um número de 18.474 mortes em uma única noite em julho de 1943 em Hamburgo,
cerca de metade para a Operação Gomorra, foi extraordinário em sua severidade.
O número de mortos por bombardeio na URSS foi cerca de 51.000, comparado a
60.595 na Grã-Bretanha, 53.601 na França, 1.350 na Bulgária, 307 na Dinamarca e
353.000 na Alemanha, entre outros países. O bombardeio alemão da URSS,
diferentemente dos bombardeios da Alemanha e Grã-Bretanha entre si, foi em sua
maioria para apoio de operações terrestres.
Os
efeitos econômicos do bombardeio foram altamente exagerados em ambos os lados:
a produção alemã foi detida, mas não destruída. A realocação e dispersão das
fábricas de armas para áreas seguras; a camuflagem dos sítios de manufatura
(por exemplo, pintando as paredes e tetos de preto para parecer como se eles
tivessem sido danificados por ataques incendiários); e a rapidez com a qual as
plantas-chaves, tal como a fábrica de rolamentos em Schweinfurt, foram
reconstruídas após um ataque, tudo ajudou a garantir que a produção de armas
alemã atingiu seu auge quase no final da guerra, em 1944, sob o impacto do
programa de racionalização econômica do Ministro dos Armamentos Albert Speer.
Quanto à blitz, apesar do bombardeio das docas de Londres, não mais que 5% da
produção foi afetada pelas missões. Os efeitos militares da campanha no esforço
de guerra alemão foram muito mais importantes, com recursos significativos em
mão de obra e equipamento sendo desviados da frente oriental para tentar deter
os ataques aéreos.
Para
Overy, a característica principal do Comando de Bombardeiros em 1942, foi sua
ineficiência. A política foi mal conduzida e executada porcamente, a ambição
ultrapassou a capacidade técnica e não havia um plano geral. Para cada dois
alemães mortos pelo bombardeio em 1942, um bombardeiro era perdido. Alegações
foram feitas sobre a destruição de cidades quando a maioria das bombas havia
demonstravelmente caído longe do alvo. Arthur Harris, chefe do Comando de
Bombardeiros, mais tarde admitiu que a ofensiva aérea propriamente dita somente
havia começado em março de 1943, após a reunião de tripulações, aviões e
infraestrutura e aquisição de recursos de navegação eficientes. A Oitava Força
Área dos EUA não se saiu muito melhor, apesar de ser em alguns aspectos
tecnicamente superior. Os dois comandos permaneceram separados, o que quer que
seja o que os americanos tenham dito; como Overy colocou, “Como muitos
casamentos de conveniência, os parceiros dormiam em camas separadas.” Os
americanos estavam perplexos com o objetivo britânico de dilacerar cidades,
vendo a campanha de bombardeio mais como um meio para facilitar a invasão da
Europa por forças terrestres.
Como
Overy mostra, baixa visibilidade, deterioração rápida das condições climáticas,
mau funcionamento dos equipamentos, aeronaves ultrapassadas e lentas,
inexperiência dos pilotos ou exaustão da tripulação e ação inimiga variando de
baterias anti-aéreas até caças noturnos ou embaralhamento de sinais de
navegação, tudo reduziu a eficiência das frotas de bombardeiros. Aviões espatifavam
no solo por falta de combustível ou falha do motor com uma freqüência
atordoante. Em suas missões sobre a Grã-Bretanha de janeiro a junho de 1941,
por exemplo, 216 bombardeiros alemães foram perdidos e 190 danificados; 282
destes foram resultado de acidentes aéreos. A taxa de óbitos entre os
tripulantes de bombardeiro era extraordinariamente altos (membros do Comando de
Bombardeiro tinham uma chance de sobrevivência de 25% em sua primeira missão, e
10% em sua segunda) mas nem tudo era resultado da ação inimiga. No final de
1941, o Comando de Bombardeiros reconheceu que estava perdendo seis aviões em
acidentes para cada um abatido pelo inimigo. Os britânicos e especialmente os
americanos poderiam repor essas perdas, e talvez até mais; no final, os poucos
recursos da Alemanha significaram que a força aérea alemã estava crescentemente
sendo superada.
As
frotas de bombardeiros tinham que voar alto para evitar o fogo anti-aéreo do
solo, de modo que mesmo que o tempo estivesse limpo, elas eram frequentemente
incapazes de localizar seus alvos eficientemente. Em uma missão, Robert Kee, um
piloto de bombardeiro que mais tarde se tornou um historiador de sucesso,
“bombardeou algumas incendiárias no que esperávamos ser hanover”, mas a maioria
das bombas lançadas em concentrações de holofotes porque era tudo o que ele
poderia ver através das nuvens. Um relatório, compilado em setembro de 1941,
relatou que somente 15% dos aviões estavam bombardeando seus alvos dentro de um
raio de 7 km.
Nos últimos três meses de 1944, foi reconhecido que somente 5,6% das bombas
caíam dentro de 2 km
do ponto-alvo se houvesse nuvem, apesar do uso de recursos de navegação
eletrônicos. Uma missão em uma planta de petróleo importante viu 87% de suas
bombas perdendo seu alvo inteiramente, e somente duas atingiram os prédios.
A
conclusão de Overy é que a força aérea dos EUA foi muito mais bem sucedida do
que o Comando de Bombardeiros em atingir alvos que conduziram diretamente à
derrota alemã – aeródromos e, acima de tudo, reservas de petróleo e sistemas de
comunicação. Quase no final, a produção industrial alemã continuou a uma taxa
incrível, em parte por causa de uma política de dispersão e também por causa do
uso de mão de obra escrava e também parcialmente porque o bombardeio provocou
relativamente pouco dano industrial e que este rapidamente foi recuperado. A
defesa civil alemã era grande e bem organizada. Em contraste, na URSS e na
Grã-Bretanha, as preparações para defesa civil estavam em sua melhor condição
quando o ataque principal havia cessado. Na Itália, contudo, havia pouca
preparação eficiente, de modo que o resultado do bombardeio, especialmente em
1942, provocou uma crise material e moral. O bombardeio pode ter sido a única
razão para a decepção com o regime de Mussolini, mas ele certamente induziu o
governo de Pietro Badoglio a pedir a paz.
Em
1944, durante os ataques controversos contra o monastério italiano de Monte
Cassino, usado pelos alemães como base militar e de comunicações, o
quartel-general do general Oliver Leese, a 5 km da abadia, foi destruído, assim como o
quartel-general francês distante 20
km. Levou outros três meses antes que a fortaleza fosse
tomada. Um ataque contra o sítio de produção do foguete V-2 ao norte de Haia
despejou 67 toneladas de bombas em uma área residencial em 1 de março de 1945,
grande parte em virtude do oficial de instruções considerou as coordenadas
erradas no mapa. O lançamento maciço de bombas sobre as cidades foi, portanto,
o único modo de destruir os alvos militares e econômicos que eles continham.
Sob
tais condições, a ideia de bombardear as linhas ferroviárias para Auschwitz
para parar o extermínio dos judeus húngaros transportados até lá em 1944 era um
pouco mais do que uma fantasia; qualquer ataque provavelmente teria infligido
baixas maiores entre os internos do próprio campo. Foi somente nos últimos
meses da guerra que a supremacia aérea aliada foi assegurada e a produção
militar aliada era tão superior à dos alemães que realmente nenhum dano sério
foi infligido – três quartos da carga total de bombas foi despejada sobre a
Alemanha durante este período final. A indústria alemã sobreviveu com força
suficiente, contudo, para eventualmente fornecer a base para o “milagre
econômico” do país após o fim da guerra.
Uma
das preocupações principais de Overy é com a moralidade do bombardeio de civis.
No início da guerra, todos os lados concordavam que o bombardeio intencional de
civis era ilegal e que o bombardeio deveria ser restrito a alvos militares. Mas
a situação desesperadora na frente ocidental na primavera de 1940 (ao invés do
bombardeio alemão de Roterdam) levou os britânicos a abandonar essa política em
favor do bombardeio de alvos na Alemanha para um objetivo militar onde mesmo os
civis poderiam estar na linha de fogo. Tanto Winston Churchill quanto Clement
Attle eram altamente favoráveis a essa estratégia. Para Overy, um dos muitos
mitos da Segunda Guerra Mundial é a de que os alemães foram os primeiros a
bombardear civis: em sua visão, os britânicos o fizeram primeiro.
Sobre
isto e outros assuntos, a pesquisa magnífica de Richard Overy, baseada em
pesquisa extensiva nos arquivos de um grande número de países, deve agora ser
lembrada como um trabalho de referência sobre a guerra aérea, não apenas na
Grã-Bretanha e Alemanha, mas no resto da Europa também. É provavelmente o livro
mais importante publicado sobre a história da Segunda Guerra Mundial neste
século e os historiadores terão que revisar muitos de seus fatos e números
aceitos a longo tempo.
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