quinta-feira, 19 de março de 2015

[POL] A Mentira do Controle de Armas na Alemanha Nazista

Alex Seiz-Wald


Esta semana, as pessoas ficaram chocadas quando a Agência de Notícias Drudge publicou uma foto gigante de Hitler sobre um título especulando que a Casa Branca emitirá medida provisória para limitar o acesso a armas de fogo. As medidas propostas são extremamente dóceis, mas a reação da Drudge é, na verdade, uma resposta conservadora comum a qualquer evocação ao controle de armas.

A NRA (Associação Nacional do Rifle), a Fox News, Alex Jones, correntes de emails, Joe “o encanador” Wurzelbacher, Proprietários de Armas da América, etc., todos concordam que o controle de armas foi crítico à ascensão de Hitler ao poder. Judeus para a Preservação da Posse de Armas (“o defensor mais agressivo da posse de armas da América”) foi criada quase que exclusivamente em torno desta noção, popularizando pôsteres de Hitler dando uma saudação próxima ao texto: “Todos a favor do controle de armas ergam sua mão direita.”

Em um livro de 1994, o chefe da NRA, Wayne LaPierre, alertou numa imagem de Hitler escrevendo: “Na Alemanha, o extermínio de judeus começou com a Lei de Armas nazista de 1938, assinada por Adolf Hitler.”

Num certo sentido, ele estava com a razão: se você está para impor um regime autoritário brutal sobre a população, é melhor desarmá-la primeiro de modo que ela não possa reagir.

Infelizmente para LaPierre e outros, a noção de que Hitler confiscou as armas de todos é, na maioria dos casos, falácia. E qualquer argumento auxiliar de que os judeus teriam impedido o Holocausto com mais armas não tem nenhum sentido se você pensar por pelo menos um minuto.

O professor de Direito da Universidade de Chicago, Bernard Harcourt, explorou esse mito em profundidade em um artigo de 2004 publicado na Revista Jurídica Fordham. Como se vê, a República de Weimar, o governo alemão que imediatamente precedeu o de Hitler, na verdade tinha leis mais duras do que as do regime nazista. Após sua derrota na Primeira Guerra Mundial, e concordando com os termos duros estabelecidos no Tratado de Versalhes, a legislatura alemã de 1919 aprovou uma lei que efetivamente bania todas as posses privadas de armas de fogo, levando o governo a confiscar as armas já em circulação. Em 1928, o Reichstag relaxou o regulamento um pouco, mas colocou em regime restrito de registro exigia que os cidadãos adquirissem permissões separadas para ter a posse de armas, vendê-las ou transportá-las.

Em 1938, uma lei assinada por Hitler, que LaPierre menciona em seu livro, basicamente faz o oposto o que ele diz que ela fez. “As revisões de 1938 desregularam completamente a aquisição e transferência de rifles e armas portáteis, assim como munição,” escreveu Harcourt. Enquanto isso, muito mais categorias de pessoas, incluindo membros do partido nazista, foram excluídos dos regulamentos de posse de armas, enquanto que a idade legal para comprar foi reduzida de 20 para 18 anos, e permitia a renovação de um para três anos.

A lei proibia que judeus e outras classes perseguidas possuíssem armas privadas, mas isto não pode ser considerado um controle geral. O fato dos nazistas forçarem os judeus a morar em guetos horrorosos indica um planejamento urbano? Deveríamos eliminar toda força policial porque os nazistas usaram a polícia para oprimir e matar judeus? E sobre o serviço social – Hitler amava programas de inclusão social? É claro que não. Estes são apenas implementos que podem ser usados para o bem ou para o mal, parecido com os defensores da posse de armas gostam de argumentar sobre as próprias armas. Se armas não matam pessoas, então controle de armas não causa genocídio (regimes genocidas causam genocídio).
      
Além disso, Omer Bartov, um historiador na Universidade Brown que estuda o Terceiro Reich, nota que os judeus provavelmente não teriam muito sucesso combatendo. “Apenas imagine os judeus da Alemanha exercendo o direito de carregar armas e lutar contra a SA, SS e a Wehrmacht. O Exército Vermelho perdeu 7 milhões de homens lutando contra a Wehrmacht, apesar de seus tanques, aviões e artilharia. Os judeus com pistolas e carabinas teriam se saído melhor?”, disse ele ao Salon.

Proponentes da teoria algumas vezes mencionam o Levante do Gueto de Varsóvia[1] como evidência que, como o juiz Andrew Napolitano da Fox News colocou, “aqueles capazes de manter suas armas e seu direito básico de autodefesa foram muito mais bem sucedidos em resistir ao genocídio nazista.” Mas como Michael Moynihan do Tablet argumenta, a história de Napolitano (curiosamente baseada numa citação do negador do Holocausto Robert Faurisson) é totalmente descabida. Na realidade, somente 20 alemães foram mortos, enquanto que cerca de 13.000 judeus foram massacrados. Os remanescentes 50.000 que sobreviveram foram imediatamente enviados a campos de concentração.

Robert Spitzer, um cientista político que estuda políticas de armamento e trabalha no Departamento de Ciências Políticas na  Universidade Estadual de Nova York, disse a Gavin Aronsen do Mother Jones que a proibição da posse armas pelos judeus foi simplesmente um sintoma, e não o próprio problema. “Não foi o momento decisivo que marcou o começo do fim da judiaria na Alemanha. Foi porque eles foram perseguidos, alijados de todos os seus direitos e eles eram um grupo minoritário,” explicou ele.

Enquanto isso, muito do mito Hitler é baseado em uma citação infame falsa atribuída ao Führer, que exalta o controle de armas:

Este ano entrará na História! Pela primeira vez, uma nação civilizada tem o controle absoluto do registro! Nossas ruas estarão mais seguras, nossa polícia mais eficiente e o mundo seguirá nosso exemplo em direção do futuro! [2]

A citação tem sido extensamente reproduzida em posts em blogs e colunas de jornais sobre controle de armas, mas é “provavelmente uma fraude e jamais foi mencionada,” de acordo com harcourt. “Esta citação, frequentemente vista sem qualquer data ou fonte, sofre de vários problemas de credibilidade, a mais significativa das quais é que a data frequentemente dada (1935) não tem nenhuma correlação com qualquer esforço legislativo pelos nazistas para o registro de armas, nem haveria nenhuma necessidade para os nazistas aprovarem tal lei, já que as leis de controle de armas aprovadas no governo de Weimar ainda eram válidas,” notaram pesquisadores do website GunCite.

“Quanto a Stalin,” continuou Bartov, “a ideia tanto de controle de armas quanto de posse privada teria sido absurda para ele. Seu regime usava violência em vasta escala, fornecia armas a assaltantes de todos os tipos e retirava não as armas mas qualquer imagem humana daqueles que se declarassem ser inimigos. E então, quando precisou delas, como na Segunda Guerra Mundial, ele retirou milhões de homens dos gulags, os treinou e armou e os enviou para lutar contra Hitler, somente para enviar de volta aos campos os poucos sobreviventes que tivessem criticado o regime.”   

Bartov acrescentou que esta má leitura da História não é somente desonestidade intelectual, mas também perigosa. “Acontece que fui soldado e oficial nas Forças de defesa de Israel e sei o que estes fuzis de assalto podem fazer,” disse em um email.

Ele continuou: “Sua afirmação que eles precisam destas armas para se protegerem do governo – como supostamente os judeus o teriam feito contra o regime de Hitler – significa que não somente eles são inocentes de qualquer conhecimento e compreensão do passado, mas também que eles estão conscientemente ou não imbuídos com o tipo de pensamento fascista ou bolchevista que eles podem se voltar contra um governo eleito democraticamente, de fato voltando suas armas contra ele, apenas porque eles não gostam de suas políticas, sua ideologia, ou cor, raça e origem de seus líderes.”

Notas:

[1] Ver artigo “O Mito do Gueto de Varsóvia”

http://epaubel.blogspot.com.br/2013/12/hol-o-mito-do-gueto-de-varsovia.html

 

[2] Citações infames falsas atribuídas a líderes nazistas florescem na internet de forma abundante. Uma delas, por exemplo, é Se não quiseres ser 'alemão', quebro-te a cabeça”. Na verdade, Hitler escreveu no Mein Kampf sobre os sindicatos: “Se não quiseres ser dos nossos, nós te arrebentamos a cabeça.” (Minha Luta, pág. 42, Ed. Centauro, 2005). Para mais citações falsas, ver: http://bytwerk.com/gpa/falsenaziquotations.htm

 


http://www.salon.com/2013/01/11/stop_talking_about_hitler/

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