Grandes generais costumam entrar para a História pelo modo
ousado como mudaram o rumo de uma batalha, pela inovação de suas técnicas e
estratégias, pela dimensão de suas conquistas ou pela forma como impuseram sua
força aos adversários. Com o prussiano Carl Von Clausewitz, foi diferente. Ele
lutou mais de uma vez contra as tropas de Napoleão, na Rússia e em Waterloo, e
ajudou a reorganizar o Exército da Prússia no início do século 19. Tinha sólida
experiência no campo de batalha e demonstrava frieza e coragem invejáveis no
front. Mas, ironicamente, não ficou famoso por suas ações.
Estudioso, devorava livros como poucos.
E foi ao escrever um deles, Da
Guerra, que se tornou um dos comandantes mais conhecidos do
Ocidente. Clausewitz era também uma figura curiosa. Excessivamente tímido e
bastante controverso, foi personagem secundário do romance Guerra e Paz, de Tolstoi. Alimentava um
gosto especial por arte, ciência e educação. Sua obra, considerada ainda hoje o
mais importante tratado teórico-militar de todos os tempos, já foi lida ou
citada por uma lista de pensadores, escritores e militares – como o Duque de
Wellington, George Patton, Lenin, Hitler, Mao Tsé-tung, Dwight Eisenhower e
Henry Kissinger, entre outros.
O gosto de Clausewitz pelas armas apareceu na infância. A
carreira do general prussiano começou cedo, logo aos 12 anos, participando de
seu primeiro combate um ano depois. Em 1795, aos 15, a guerra contra a França
revolucionária levou o então cadete a uma reclusão de cinco anos, consumidos
com a leitura sobre os mais diversos assuntos. Ao sair, suas habilidades
abriram-lhe portas rapidamente. Ingressou no Instituto para Jovens Oficiais de
Berlim (que mais tarde faria parte da famosa Kriegsakademie, a academia de
guerra alemã) e foi nomeado oficial-ajudante do príncipe Augusto da Prússia.
Mas a mobilização do país para as guerras napoleônicas, a partir de 1806,
afastaria Clausewitz da realeza e o levaria a uma distante jornada.
Mudança
de farda
Naquele ano, o Exército prussiano ainda
amargava os resultados das batalhas de Jena e Auerstadt. O país fora devastado
pelo conflito e havia perdido metade de seu território. A Prússia tornara-se
apenas um satélite da França e um grupo de oficiais, incluindo Clausewitz,
acreditava que só uma profunda reforma social e militar poderia recuperar as
terras tomadas. O rei Frederico III, no entanto, não compartilhava da mesma
opinião – estava mais preocupado em manter sua posição do que promover uma
cruzada nacionalista. A insatisfação de Clausewitz chegou ao limite em 1812,
quando a coroa enviou tropas para lutar contra os russos ao lado de Napoleão.
Junto com outros oficiais, o prussiano mudou de farda e foi servir no Exército
russo, participando da sangrenta batalha de Borodino e testemunhando a retirada
dos franceses de Moscou.
De volta à Prússia, ele foi reintegrado
ao exército local com o título de coronel e estava pronto para desempenhar um
papel fundamental na reformulação do Exército nacional. Nesse período
Clausewitz embrenhou-se em combates seguidos: lutou em Ligny e teve um papel
importante na retaguarda das ações em Wavre, ação que evitou que as forças do
marechal Grouchy se reintegrassem às tropas de Napoleão, em Waterloo.
Promovido a general em 1818, o
prussiano aproveitou a ociosidade do período em que ocupou um alto cargo na
Escola de Guerra de Berlim para teorizar seus conceitos sobre a guerra. Sua
obra começava a ser estruturada, mas foi posta de lado quando o general foi
enviado à fronteira com a Polônia. Lá, organizou um cordão sanitário para frear
o avanço de uma epidemia de cólera. Parecia saudável quando voltou para
Breslau, mas contraíra a doença. Clausewitz morreu em 16 de novembro de 1831,
aos 51 anos. Deixou a mulher, Marie von Brühl, e os manuscritos de Da Guerra, publicados por ela logo após
sua morte.
Os textos de Da
Guerra, um calhamaço dividido em três volumes, foram objeto de
estudo em diversas escolas militares do mundo moderno. Obra densa e complexa,
de difícil leitura, é conteúdo obrigatório em algumas instituições. Mas está
longe de ser unanimidade: acadêmicos, cientistas políticos e militares têm
visões distintas sobre obra e autor. Muitos chamam Clausewitz de gênio; outros
tantos o consideram pedante e limitado. O fato é que Da
Guerra atravessou o tempo e é hoje uma das maiores referências
sobre estratégia militar. Serve como fonte para entender diferentes conflitos,
em diferentes épocas – daí sua contemporaneidade. Seus conceitos são reflexões
embasadas em ações de um período – as guerras do século 19 –, mas estabelecem
uma ligação estreita entre guerra e política que assume uma incrível capacidade
de se perpetuar. Nada mais atual, aliás, em tempos em que os conflitos externos
dominam a agenda de grandes líderes mundiais.
Outras
palavras
“A guerra é a continuação da política
por outros meios”
“O conquistador é sempre amante da paz.
Preferia sem dúvida subjugar nosso país sem ter de combater”
“Em assuntos tão perigosos como a
guerra, as idéias falsas, inspiradas no sentimentalismo, de modo algum têm a
cooperação da inteligência”
“A guerra é um ato de força, e não há
limite para a aplicação dessa força”
“Destruir ou desarmar o inimigo deve
ser sempre o propósito da ação militar. Enquanto o adversário não estiver
derrotado, plenamente derrotado, é preciso temer que possa nos destruir”
POLÍTICA POR
OUTROS MEIOS: CARL VON CLAUSEWITZ
Roberto Simon
Friedrich Engels costumava chamá-lo de “gênio puro”.
Vladimir Lênin, de “um dos maiores historiadores militares”. Em 1914, a
Alemanha colocou em prática seu plano de guerra. Extensos trechos de sua
obra-prima eram citados nos discursos de Adolf Hitler. E até Colin Powell,
ex-secretário de Estado americano, disse ter se baseado nele para formular sua
estratégia contra o Iraque, em 2003. Afinal, por que Carl von Clausewitz, um
general prussiano que atuou na passagem do século 18 para o 19, foi capaz de
influenciar tantas personalidades?
A resposta está em um livro. Com Da
Guerra, Clausewitz foi o primeiro teórico a explicar os conflitos militares
modernos. Seus conceitos estão sintetizados em uma máxima: “A guerra é a
continuação da política por outros meios”. Para ele, a vitória se materializa
na destruição física e moral do inimigo. “Guerra é um ato de violência
destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, ele afirma.
Como o desejo de submissão é mútuo, a rivalidade levará as batalhas a seus
extremos.
Clausewitz foi capaz de teorizar essa mudança para o
conflito absoluto porque ele mesmo foi protagonista dos conflitos militares de
sua época. Nascido em 1780 em uma família nobre da Pomerânia, Clausewitz
ingressou no Exército prussiano com apenas 12 anos. Aos 13, conheceu o campo de
batalha pela primeira vez. Depois, voltou-se para a teoria militar, até que as
guerras napoleônicas o lançaram novamente na guerra. Em 1806, na batalha de
Auerstadt, foi derrotado pelas forças de Napoleão e enviado preso a Paris. De
volta às salas de aula prussianas, em 1815 tornou-se diretor da Escola de
Guerra alemã. Reconhecido como intelectual, foi incumbido da educação militar
do príncipe herdeiro Frederico Guilherme IV. Quando a coroa da Prússia resolveu
se aliar à França, o general se juntou às forças do imperador russo, o czar
Alexandre I. Em Moscou, acompanhou de perto a retirada das tropas de Napoleão.
Ao morrer de cólera, em 1831, aos 51
anos, Clausewitz deixou uma pilha de manuscritos teóricos inacabados. No ano
seguinte, sua viúva, Marie von Brühl (1779-1836), reuniu esses fragmentos e os
publicou. O aspecto fragmentário de Da Guerra (publicado no Brasil pela Martins
Fontes) não diminui sua importância. Como o general afirmara antes de morrer,
“mesmo incompleta, a obra pode provocar uma revolução na teoria da guerra”.
Clausewitz tinha razão.
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