Emerson Paubel
Os historiadores têm sido mais relutantes em
estudar a legislação de proteção animal nazista do que a ciência no Terceiro
Reich. Ela foi primeiro examinada no trabalho de Boria Sax e Arluke, “Compreendendo
a Protação Animal Nazista e o Holocausto,” em 1992 na Anthrozoos, o periódico da
Sociedade Internacional de Antrozoologia (ISAZ). A ISAZ é uma organização
acadêmica dedicada ao estudo da relação humano/animal. O ensaio resultou em
controvérsia e acusação, a mais perturbadora das quais sendo a acusação de que
os autores estavam banalizando o que é visto geralmente como o centro da
atividade nazista – o Holocausto e a tentativa de extermínio dos judeus
europeus e outros não-arianos sob o pretexto da pureza racial e a limpeza
étnica e racial – pelo foco em animais não-humanos. Como Sax concluí em “Animais no Terceiro Reich”:
O fato de os
nazistas terem sido capazes de criar uma legislação humanista era uma ideia tão
desconcertante que mesmo o estilo acadêmico destacado de nosso trabalho não
pôde torná-lo aceitável a muitas pessoas. O tópico dos animais, como o do
próprio Holocausto, evoca paixões de grande intensidade e confusão.
O termo “ecologia” foi originalmente criado
nos anos 1860 pelo biólogo alemão Ernst Haeckel e “em 1934, a Alemanha
tornou-se a primeira nação na era moderna a colocar o lobo sob proteção.” Tão
exemplares e eficientes foram a gestão florestal nazista e o programa da “protação
natural” (Naturschultz) que em 1935, Aldo Leopold (professor e cientista americano
especialista em meio ambiente) foi à Alemanha para estudar seus métodos e
políticas. A Sociedade da Vida Selvagem de Leopold e a “ética da terra”
refletem “em parte... o exemplo germânico”. Como ele, os nazistas viam a terra
não como um commodity mas como uma
comunidade para a qual humanos, como todas as outras criaturas, pertencem.
Na verdade, no ensaio assim como neste
estudo, Sax faz duas afirmações. Primeiro, “que os nazistas, quaisquer que
fossem seus motivos, estavam certos em muito de sua legislação animal. Eles
estavam certos também em protegem os predadores como o lobo.” E segundo, que
uma compreensão da natureza complexa e paradoxal das relações dos nazistas com
os animais dá uma noção no que aconteceu com humanos durante o regime nazista
assim como nossa própria relação com animais e humanos.
Ao final do século XIX, a prática kosher[1] e a vivisseção[2] eram as
maiores preocupações em relação à proteção animal na Alemanha. Estas
preocupações continuaram entre os nazistas. De acordo com Sax, os nazistas rejeitaram motivos
antropocêntricos para a proteção animal – os animais não deveriam ser
protegidos para interesses humanos – mas para eles próprios. Em 1927, um
representante nazista do Reichstag pediu ações contra a crueldade em animais na
prática kosher.
Em 1931, o partido nazista propôs um
banimento da vivisseção. No início de 1933, representantes do partido nazista no
parlamento prussiano realizaram uma
reunião para oficializar esse banimento. Em 21 de abril de 1933, quase
imediatamente após a chegada ao poder dos nazistas, o parlamento começou a
aprovar leis para a regulação do sacrifício animal. No mesmo dia, ela foi
aprovada. Em 24 de abril, um Decreto do Ministro Prussiano do Interior foi promulgado
referente ao sacrifício de poiquilotérmicos[3]. A Alemanha foi a primeira nação
a banir oficialmente a vivisseção. Uma lei impondo o banimento total dessa
prática foi promulgada em 16 de agosto de 1933 por Hermann Göring, enquanto
Primeiro-Ministro da Prússia. Ele anunciou um fim para a “tortura e sofrimento
insuportáveis na experimentação animal” e disse que aqueles que “ainda pensam
que podem continuar a tratar os animais como propriedade não-viva” serão
enviados a campos de concentração. As leis contra vivisseção eram, contudo,
usadas como pretexto para perseguir cientistas judeus.
Em 24 de novembro de 1933, a Alemanha Nazista
promulgou outra lei chamada “Ato de Proteção Animal no Reich” (Reichstierschutzgesetz
), para proteção deanimais. Esta lei listava muitas proibições contra o uso de
animais, incluindo seu uso na indústria cinematográfica e outros eventos públicos
que causassem dor ou ferimentos, alimentação forçada de aves e a extração das
coxas de rãs vivas.
Em 23 de fevereiro de 1934, um decreto foi
promulgado pelo Ministro Prussiano do Comércio e Emprego que introduzia a
educação das leis de proteção animal ao nível fundamental, médio e
universitário. Em 3 de julho de 1934, a Lei de Caça do Reich (Das
Reichsjagdgesetz ) foi promulgada limitando a caça esportiva. Em 1º. De julho de 1935, outra lei, o “Ato de Conservação da
Natureza do Reich” (Reichsnaturschutzgesetz ) foi aprovada para proteger
a natureza. De acordo com um artigo publicado na Kaltio, uma das principais
revistas culturais da Finlândia, a Alemanha Nazista era a primeira nação do
mundo a colocar o lobo sob proteção.
Em 1934, a Alemanha Nazista patrocinou uma
conferência mundial sobre proteção animal em Berlim. Em 27 de março de 1936, um
decreto sobre sacrifício de peixes vivos e outros poiquilotérmicos foi
promulgada. Em 18 de março do mesmo ano, um decreto foi aprovado sobre
reflorestamento e proteção da vida selvagem. Em 9 de setembro de 1937, um
decreto foi publicado pelo Ministro do Interior que especificava orientações
para o transporte de animais. Em 1938, a proteção animal foi aceita como
assunto a ser ensinado nas escolas públicas e universidades da Alemanha.
Em 1940, uma discussão foi iniciada dentro da
administração sobre proibir animais de estimação, no sentido de conservar
alimentos para consumo humano em virtude da guerra. Mas a interferência pessoal
de Hitler não levou adiante essa proposta. Eventualmente, um decreto foi
publicado pela administração contra os animais de estimação, mas somente
aqueles que estivessem sob controle de cidadãos não-arianos. Em 15 de fevereiro
de 1942, um decreto foi publicado proibindo os judeus de manter animais de
estimação.
O cão conhecido hoje como Pastor Alemão
desenvolveu-se no começo do século XX para reintroduzir o que se acreditava ser
“o cão original alemão”. Pretendia-se que ele incorporasse as virtudes do povo
alemão, e “antecipasse as tentativas nazistas de selecionar humanos de volta ao
estoque genético ariano original.” Ao enfatizar sua “descendência lupina”, os
geneticistas quiseram criar não um animal de estimação, mas um animal cujos
instintos predatórios serviriam ao Estado na questão militar e, como acabou
acontecendo, seu uso nos campos de concentração. Assim foi que os nazistas
criaram seus conceitos de pureza racial a partir dos ideais dos programas de
melhoramento genético de animais, de modo que Sax, assim como provavelmente
seus leitores, reconhecem o potencial para abuso nos atuais programas de
melhoramento genético, talvez especialmente aqueles envolvendo manipulação de
DNA ou mistura de genes de espécies diferentes. Como alerta Sax, “as forças em
nossa cultura que uma vez produziram... a higiene racial nazista poderiam, se
não as vigiarmos, novamente produzir os mesmos desenvolvimentos.” Para reforçar
este ponto, Sax lembra seus leitores que o eminente biólogo Francis Crick (que
ganhou o Prêmio Nobel em 1962 por sua descoberta conjunta com James Watson da
estrutura molecular do DNA) uma vez propôs “que todas as pessoas estejam sujeitas
a esterilização reversível através de produtos químicos... colocados na comida,
deixando às Autoridades... liberar aqueles que sejam considerados geneticamente
ótimos para tomar um antídoto e ter crianças.”
Boria Sax argumenta em seu livro que os
nazistas manipularam atitudes em relação à proteção animal para se adaptarem ao
seu próprio sistema simbólico. Presumivelmente, ao igualar o Partido Nazista à
Natureza, os nazistas reduziram preocupações éticas a questões biológicas.
Consequentemente, animais predadores eram frequentemente honrados junto com
suas contrapartes humanas, isto é, líderes e funcionários do NSDAP, e os
adversários eram identificados como ovelhas destinadas a serem mortas.
Notas
[1] Na prática kosher judaica, a carne bovina passa por um processo de retirada do
sangue – isto é, o animal é sangrado até morrer através de um corte em sua
garganta - onde as peças (quartos dianteiros) são imergidas em água gelada,
retiradas para serem salgadas com sal grosso e, após isso, são imergidas
novamente em água gelada para retirar totalmente o excesso de sal.
[2]
A vivissecção é
o ato de dissecar um animal vivo com o propósito de
realizar estudos de natureza anatomo-fisiológica.
No seu sentido mais genérico, define-se como uma intervenção invasiva num
organismo vivo, com motivações científico-pedagógicas.
[3] Poiquilotermia: Variação passiva da
temperatura interna do corpo de um animal de acordo com a temperatura do meio
ambiente que o rodeia. Com exceção das aves e mamíferos, todos os animais são
poiquilotérmicos. Nas zonas de clima quente, os poiquilotérmicos podem entrar
em letargo para escapar ao calor.
Lei
de Proteção Animal de 1933:
Tópicos Relacionados
“Contra
sua Vontade” olha para as crianças usadas em testes nos EUA
Nenhum comentário:
Postar um comentário