sábado, 6 de abril de 2013

[POL] Hitler, Mussolini, Roosevelt

O que FDR tem em comum com os outros grandes coletivistas dos anos 30

David Boaz

Resenha do livro  Three New Deals: Reflections on Roosevelt’s America, Mussolini’s Italy, and Hitler’s Germany, 1933 – 1939, de Wolfgang Schivelbusch

 
Em 7 de maio de 1933, apenas dois meses após o início do mandato de Franklin Delano Roosevelt, a repórter do New York Times Anne O´Hare McCormick escreveu que o clima em Washington era “estranhamente parecido com o de Roma nas primeiras semanas após a marcha dos camisas negras, de Moscou no começo do Plano Quinquenal... a América hoje pede literalmente por ordens.” A administração Roosevelt, ela acrescentou, “busca uma federação da indústria, trabalho e governo após a onda do Estado Corporativo como existe hoje na Itália.”

Este artigo não é citado em Three New Deals, um estudo fascinante do historiador cultural alemão Wolfgang Schvielbusch. Mas ele mantém seu argumento central: que há semelhanças surpreendentes entre os programas de Roosevelt, Mussolini e Hitler.

Quando Roosevelt assumiu o governo em março de 1933, ele recebeu do Congresso uma delegação de poderes extraordinária para acabar com a Depressão. “Os poderes de longo alcance dados a Roosevelt pelo Congresso, antes que a instituição entrasse em recesso foram sem precedentes em épocas de paz. Por meio desta ‘delegação de poderes’, o Congresso tinha, com efeito, se tornado o braço legislativo do governo. O único poder de oposição remanescente ao executivo era a Suprema Corte. Na Alemanha, um processo semelhante permitiu a Hitler assumir poder legislativo após o Reichstag (Parlamento alemão) ter sido queimado em caso suspeito de incêndio culposo em 28 de fevereiro de 1933.”

A imprensa nazista entusiasticamente saudou as novas medidas do New Deal (N. do T.: “Novo Acordo”, o programa econômico de FDR): a América, como o Reich, havia decididamente rompido com “o delírio desinibido da especulação financeira.” O jornal do partido nazista, o Völkisher Beobachter (N. do T.: Observador Popular), “sublinhou a adoção por Roosevelt das linhas de pensamento nacional-socialistas em suas políticas econômicas e sociais, elogiando o estilo de liderança do presidente como sendo compatíveis com o Führerprinzip ditatorial de Hitler.”

Até mesmo Hitler elogiou sua contraparte americana. “Ele disse ao embaixador Americano William Dodd que ‘estava de acordo com o presidente na visão de que a virtude da missão, a prontidão para o sacrifício e a disciplina contaminariam o povo inteiro.’ ‘Estas demandas morais que o presidente coloca diante de cada cidadão dos Estados Unidos também são a quintessência da filosofia do estado alemão, que é expressa no lema ‘O interesse público transcende o interesse individual.’” Uma Nova Ordem em ambos os países havia substituído uma ênfase obsoleta nos direitos.

Mussolini, que não permitiu que seu trabalho como ditador interferisse em seu jornalismo prolífico, escreveu uma crítica positiva sobre o livro de Roosevelt Looking Forward (N. do T.: Olhando Adiante). Ele o considerou “reminiscente do fascismo... o princípio no qual o Estado não deixa mais a economia sem regulação”; e, em outra crítica, desta vez do livro New Frontiers (N. do T.: Novas Fronteiras) de Henry Wallace, o Duce considerou o programa do Secretário da Agricultura semelhante ao seu próprio Corporativismo.

Roosevelt nunca simpatizou com Hitler, mas Mussolini era outra estória. “Não me importo em te dizer em segredo,” disse Roosevelt a um correspondente da Casa Branca, “que estou mantendo contato com aquele admirável cavalheiro italiano.” Rexford Tugwell, um conselheiro experiente do presidente tinha dificuldades em conter o entusiasmo do presidente pelo programa de Mussolini para modernizar a Itália: “É o mais limpo... mais eficiente plano operacional de engenharia social que eu vi. Tenho inveja.” [1]

Schivelbusch faz um paralelo nas ideias, estilo e programas dos três regimes diferentes – e mesmo sua arquitetura. “Monumentalismo neoclássico,” ele escreve, “é o estilo arquitetônico no qual o estado visualmente manifesta seu poder e autoridade.” Em Berlim, Moscou e Roma, “o inimigo que deveria ser erradicado era o legado arquitetônico do laissez-faire do liberalismo do século XIX, uma mixórdia de estilos e estruturas não planejada.” Washington ergueu vários monumentos neoclássicos nos anos 1930, apesar de utilizar menos destruição como a que ocorreu nas capitais europeias. Pense nas esculturas “O Homem controla o Comércio” em frente à Comissão Federal do Comércio, com um homem musculoso segurando um enorme cavalo[2]. Elas teriam um lugar certo na Itália de Mussolini.

“Comparando,” esclarece Schivelbusch, “isto não é o mesmo que igualar. A América durante o New Deal de Roosevelt não tornou-se um estado de partido único; ela não tinha uma polícia secreta; a Constituição permaneceu ativa e nunca houve campos de concentração[3]; o New Deal preservou as instituições do sistema liberal democrático que o Nacional Socialismo aboliu.” Mas durante os anos 1930, intelectuais e jornalistas notaram “áreas de convergência entre o New Deal, Fascismo e Nacional Socialismo.” Todos os três eram vistos como transcendendo o “liberalismo anglo-francês clássico” – individualismo, mercados livres e poder descentralizado.

Desde 1776, o liberalismo transformou o mundo ocidental. Como o jornal A Nação comentou em 1900, antes dele mesmo abandonar o velho liberalismo, “livres da intromissão vexatória dos governos, os homens se dedicaram à sua tarefa natural, qual seja o melhoramento de sua condição, com os resultados maravilhosos que nos cercam.” – indústria, transporte, telefones e telégrafos, saneamento, comida em abundância, eletricidade. Mas o editor preocupou-se que “seu conforto material fechou os olhos da geração atual para a causa que tornou isso possível.” Os velhos liberais morreram, e os jovens começaram a pensar se o governo não poderia ser uma força positiva, algo a ser usado ao invés de ser limitado.

Outros, não obstante, começaram a rejeitar o próprio liberalismo. Em seu romance dos anos 1930, O Homem sem Qualidades, Robert Musil escreveu, “O infortúnio decretou que... o humor dos tempos se afastariam das velhas ideias do liberalismo que favoreceram Leo Fischel – os grandes ideais orientadores de tolerância, dignidade do homem e mercado livre – e a razão e progresso no mundo ocidental seria determinada por teorias raciais e lemas urbanos.”

O sonho de uma sociedade planificada infectou tanto a direita quanto a esquerda. Ernst Jünger, um militarista influente de extrema direita na Alemanha, demonstrou sua reação à União Soviética: “Disse a mim mesmo: beleza, eles não têm constituição, mas têm um plano. Isto pode ser ótimo.” Ainda em 1912, o próprio FDR elogiou o modelo alemão-prussiano: “Eles ultrapassaram a liberdade do indivíduo enquanto dono de sua própria propriedade e acharam necessário comparar esta liberdade com o benefício da liberdade do povo inteiro,” disse ele em um discurso para o Fórum Popular de Tróia, em Nova York.

Progressistas americanos estudaram em universidades alemãs, escreve Schivelbusch, e “chegaram a apreciar a teoria hegeliana de um estado forte e o militarismo prussiano como o modo mais eficiente de organizar as modernas sociedades que não podiam mais ser governadas pelos princípios liberais anárquicos.” O ensaio influente “O Equivalente Moral da Guerra” de 1910 do filósofo pragmático William James sublinha a importância da ordem, disciplina e planificação.  

Intelectuais preocupavam-se com a desigualdade, a pobreza da classe trabalhadora e da cultura comercial criada pela produção em massa. (Eles não parecem ter notado a contradição entre a última afirmação e as duas primeiras.) O liberalismo parecia inadequado para lidar com tais problemas. Quando a crise econômica apareceu – na Itália e na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, e nos EUA durante a Grande Depressão – os anti-liberais aproveitaram a oportunidade, argumentando que o mercado tinha falhado e que o tempo para uma experimentação firme havia chegado.

Na revista North American Review em 1934, o escritor progressista Roger Shaw descreveu o New Deal como “meios fascistas para atingir fins liberais.” Ele não estava enlouquecendo. O consultor de FDR Rexford Tugwell escreveu em seu diário que Mussolini “fez muitas coisas que para mim são necessárias.” Lorena Hickok, uma amiga íntima de Eleanor Roosevelt, que viveu por um tempo na Casa Branca, escreveu com a aprovação de um funcionário local que disse, “Se (o presidente) Roosevelt fosse realmente um ditador, poderíamos chegar a algum lugar.”[4] Ela acrescentou que se fosse mais jovem gostaria de liderar “o movimento fascista nos Estados Unidos.” Na Administração Nacional de Reconstrução (NRA), a agência cartelista no coração do New Deal, um relatório declarou sinceramente, “Os princípios fascistas são muitos semelhantes àqueles que estamos implantando aqui na América.”

Em Roma, Berlim e Washington D.C. havia uma infinidade de metáforas militares e estruturas militares. Fascistas, nacional socialistas e new dealers foram todos jovens durante a Primeira Guerra Mundial e olhavam com saudades as experiências no planejamento militar. Em seu primeiro discurso oficial, Roosevelt conclamou à nação: “Se tivermos que ir adiante, devemos nos mover como um exército treinado e leal desejando sacrificar-se pelo bem de uma disciplina comum. Estamos, eu sei, prontos e desejosos de submeter nossas vidas e propriedades para tal disciplina, pois isto torna possível uma liderança que objetiva um bem maior. Assumo sem hesitar a liderança deste grande exército... Peço ao Congresso um instrumento antigo para enfrentar a crise – o poder executivo estendido para empreender uma guerra contra a emergência, tão grande quanto o poder que seria dado a mim se estivéssemos de fato sendo invadidos por um inimigo estrangeiro.”

Isto era uma nova imagem para um presidente da república americana. Schivelbusch argumenta que “Hitler e Roosevelt eram ambos líderes carismáticos que faziam as massas seguir suas ideias – e sem este tipo de liderança, nem o nacional socialismo nem o New Deal teriam sido possíveis.” Este estilo plebiscitário estabeleceu uma conexão direta entre o líder e as massas. Schivelbusch argumenta que os ditadores dos anos 1930 diferiam dos “déspotas da velha guarda, cujo poder era baseado grandemente na força coerciva de sua força pretoriana.” Reuniões de multidões, conversas ao rádio – e em nossa própria época – televisão podem levar o governante diretamente às pessoas de um modo que nunca foi possível antes.

Para este fim, todos os novos regimes dos anos 1930 empreenderam esforços propagandísticos. “Propaganda,” escreve Schivelbusch, “é o meio pelo qual uma liderança carismática, circunavegando instituições sociais e políticas intermediárias como parlamentos, partidos e grupos de interesse, ganha controle direto sobre as massas.” A campanha Águia Azul da NRA, na qual negócios que se submetiam ao código da agência eram permitidos mostrar um símbolo, uma “águia azul”, que era um meio de reunir as massas e convocar qualquer um a mostrar um símbolo visível de apoio. O chefe da NRA, Hugh Johnson, deixou claro sua proposta: “Aqueles que não estão conosco, estão contra nós.”

Os pesquisadores ainda estudam aquela propaganda. No começo deste ano, um museu de Berlim montou uma exibição chamada de “Arte e Propaganda: O Choque entre as Nações, 1939 – 1945.” De acordo com o crítico David D´Arcy, ela mostra como os governos alemão, italiano, soviético e americano “encomendavam e financiavam a arte quando a construção de imagem servia à construção da nação em seu extremo... Os quatro países reuniram seus cidadãos com imagens de renascimento e regeneração.” Um pôster americano de um martelo trazia o lema “O trabalho te mantém livre,” que D´Arcy considerou “extraordinariamente parecido com ‘Arbeit Macht Frei’, o slogan que saudava os prisioneiros em Auschwitz.” Analogamente, uma reedição de um documentário clássico do New Deal, The River (1938), levou o crítico do Washington Post, Philip Kennicott a escrever que “assistindo-o 70 anos depois em um DVD Naxos sinto um calafrio na espinha... Há momentos, especialmente envolvendo tratores (o grande fetiche dos propagandistas do século XX), quando você está certo que este filme poderia ter sido muito bem produzido por um dos estados totalitários da Europa.”

Programa e propaganda se misturaram nos trabalhos públicos em todos os três sistemas. A Autoridade do Vale do Tenesse, a autobahn, a reestruturação dos pântanos de Pontine nos subúrbios de Roma foram todos projetos de exibição, outro aspecto da “arquitetura de poder” que mostrava o vigor e a vitalidade do regime.

Você pode perguntar, “Onde está Stalin nesta análise? Por que este livro não chama-se Quatro New Deals?” Schivelbusch não menciona Moscou repetidamente, como McCormick em seu texto para o New York Times. Mas Stalin tomou o poder dentro de um sistema já totalitário; ele foi o vencedor em um golpe. Hitler, Mussolini e Roosevelt, cada qual ao seu modo, chegaram ao poder como líderes fortes em um processo político. Eles, portanto, compartilham a “liderança carismática” que Schivelbusch considera tão importante.

Schivelbusch não é o primeiro a notar tais semelhanças. B. C. Forbes, o fundador da revista homônima, denunciou o “fascismo exagerado” em 1933. Em 1935, o antecessor de Roosevelt, Herbert Hoover, estava usando frases como “arregimentação fascista” ao discutir o New Deal. Uma década depois, ele escreveu em suas memórias que “o New Deal introduziu os americanos ao espetáculo do controle fascista nos negócios, trabalho e agricultura,” e que medidas como o Ato de Ajuste Agrícola, “em suas consequências de controle de produtos e mercados, estabeleceu um paralelo americano estranho com o regime agrícola de Mussolini e Hitler.” Em 1944, no livro “O Caminho para a Escravidão”, o economista F. A. Hayek alertou que a planificação econômica poderia levar ao totalitarismo. Ele alertou os americanos e ingleses a não pensar que havia algo de unicamente mau na alma alemã. O nacional socialismo, ele disse, abraçou as ideias coletivistas que permearam o mundo ocidental por uma geração ou mais.

Em 1973, um dos historiadores americanos mais distintos, John A. Garraty, da Universidade de Columbia, causou tumulto com seu artigo “O New Deal, o Nacional Socialismo e a Grande Depressão.” Garraty era um admirador de Roosevelt, mas não pôde ajudar ao notar, por exemplo, os paralelos entre o Corpo de Conservação Civil e programas similares na Alemanha. Ambos, ele escreveu, “foram essencialmente projetados para manter os jovens fora do mercado de trabalho. Roosevelt descreveu os campos de trabalho como um meio de manter a juventude ‘fora das ruas,’ enquanto Hitler pensava numa forma de afastá-la da ‘desesperança cruel das ruas.’ Em ambos os países, muito foi feito dos resultados sociais benéficos de misturar milhares de jovens de diferentes classes nos campos. Além disso, ambos estavam organizados em linhas semimiltares com propostas secundárias de melhorar o condicionamento físico de soldados em potencial e estimular o comprometimento público com o serviço nacional no caso de uma emergência.”

E em 1976, o candidato presidencial Ronald Reagan provocou a ira do senador Edward Kennedy (Democrata, Massachussets), do historiador pró-Roosevelt Arthur M. Schlesinger Jr., e do New York Times quando ele disse aos jornalistas que “o fascismo era realmente a base do New Deal.”

Mas Schivelbusch explorou estas conexões em grande detalhe e segundo uma distância histórica maior. À medida que a memória viva do nacional socialismo e do Holocausto retrocedem, os pesquisadores – talvez especialmente na Alemanha – estão gradualmente começando a aplicar ciência política normal aos movimentos e eventos dos anos 1930. Schivelbusch ocasionalmente especula, como quando escreve que Roosevelt certa vez se referiu a Stalin e Mussolini como seus “irmãos de sangue.” (De fato, parece claro na fonte de Schivelbusch – o livro “A Era de Roosevelt”, de Schlesinger – que FDR estava dizendo que o comunismo e o fascismo eram irmãos de sangue entre si, não com ele.) Mas, no geral, este é um trabalho de pesquisa acadêmica formidável.[5]

Ele conclui o livro lembrando o grande panfleto de John T. Flynn de 1944, “Enquanto Marchamos.” Flynn, comparando o New Deal com o fascismo, anteviu um problema que ainda nos confronta hoje. “Mas desejando ou não, Flynn argumentou, o New Deal colocou-se na posição de precisar de um estado de crise permanente ou, de fato, de guerra permanente para justificar suas intervenções sociais. ‘Nasceu na crise, vive em crise e não pode sobreviver à era de crise’... a estória de Hitler é a mesma coisa.’ O prognóstico de Flynn para o regime de seu inimigo Roosevelt parece mais aplicável hoje do quando ele o fez em 1944... ‘Devemos ter inimigos,’ escreveu ele em Enquanto Marchamos, ‘Eles tornar-se-ão uma necessidade econômica para nós.’”

 
http://www.cato.org/publications/commentary/hitler-mussolini-roosevelt

Os trechos em itálico foram extraídos do texto que David Gordon escreveu para o The Mises Review, Volume 12, Número 3 (2006).


 
Notas:

[1]  Lembrando que Churchill também era um grande fã de Mussolini. Isto talvez explique a razão pela qual a Itália tenha sido poupada da vingança dos Aliados após a derrota do Eixo em 1945.


Existe ainda um prédio da Marinha americana, construído nos anos 1960, com o formato de uma suástica. Após clamor popular, a Marinha decidiu gastar U$ 600 mil para corrigir o prédio de formato ofensivo.


[3] Até a entrada na guerra, quando então foram criados campos para os cidadãos americanos de ascendência japonesa.

[4] Lorena Hickok foi amante da primeira-dama Eleanor Roosevelt, que tinha vida sexual bem ativa com homens e mulheres. Entre seus amantes estão Harry Hopkins e Earl Miller, funcionários de FDR. Em relação à afirmação “se Roosevelt fosse um ditador”, vale lembrar que ele governou os EUA de 1933 a 1945, foi o único presidente a ter quatro mandatos seguidos e, evidentemente, só largou o osso porque morreu um pouco antes da guerra terminar.

[5] Roosevelt chamava carinhosamente o genocida Stalin de “Tio Joe”.

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