sábado, 20 de abril de 2013

[POL] O Preço da Destruição

Alex Harrowell

 

Resenha do livro The Wages of Destruction, Adam Tooze.

 
Em seu novo longo livro, o historiador de Cambridge Adam Tooze apresenta o Terceiro Reich como uma engrenagem destinada a destruir-se em pedaços não como Albert Speer (Ministro dos Armamentos) disse, por causa das guerras internas burocráticas e pelos hábitos administrativos caóticos de Hitler, mas por causa de seus próprios defeitos de nascimento. Resumindo: a Alemanha de Hitler foi sempre muito afetada pela escassez de matérias primas, particularmente petróleo bruto e borracha, mas também minério de ferro e carvão, ração animal e fertilizante, moeda estrangeira e mesmo mão de obra, para conseguir a independência comercial e industrial em paz, e deixar de lado uma campanha de conquista europeia. Apesar de toda a ingenuidade de oportunistas cínicos como Hjalmar Schacht, no Reichsbank até 1939, e Speer, nos Armamentos após 1942, a Alemanha atravessou uma sucessão de crises financeiras e de recursos graves que prejudicaram seus exércitos e resultaram no colapso final.

A originalidade do livro, e que o torna uma leitura atual, é o papel esmagador que Tooze dá aos Estados Unidos como um espectro para os medos e imaginação de Hitler. Em seu segundo livro (N. do T.: os rascunhos foram encontrados após a guerra e publicados recentemente em inglês), Hitler utiliza o discurso anacrônico anti-americano à la Chavez ou Bin Laden. “Devido à moderna tecnologia,” escreve Hitler, “e as comunicações tornam isso possível, as relações internacionais entre os povos tornaram-se tão próximas que os europeus, mesmo sem ser totalmente conscientes disso, aplicam como padrão de referência de sua existência as condições de vida americana...”

Confrontados com esse desejo por gentilezas americanas, mas sem a vasta escala da massa de terras ou mercado americano para ajudar-lhes, os estados europeus devem ser reduzidos ao estado de uma “Suíça ou Holanda”. Uma união cooperativa dos estados europeus, tal como aquela que foi promovida após a guerra, não era compatível com as obsessões raciais de Hitler. Ao invés disso, ele encontrou outra justificativa para a conquista do leste – conhecida como Lebensraum – na escala do mercado interno americano.

Continuando a partir disto, e de modo mais controverso, Tooze argumenta que dada a disposição de poder industrial no mundo e sua ideologia racial, Hitler estava certo em agir como agiu. Ciente de que era apenas uma questão de tempo antes que o gigante americano se agitasse, Hitler foi sábio em agir com tal precipitação, lançar a corrida armamentista, anexar a Áustria e os Sudetos, explorar a oportunidade diplomática repentina de invadir a Polônia, partir para cima do Ocidente em 1940, e mesmo invadir a União Soviética no ano seguinte. “Uma vez que analisamos,” escreve Tooze, “a escala dos acontecimentos internacionais que Hitler iniciou em 1938, é possível reconstruir uma lógica estratégica inteligível e consistente por trás das ações de Hitler.”

Tooze começa com uma discussão dos problemas econômicos e a posição relativa no mundo da Alemanha enquanto esta atravessava a Depressão. Ele fornece um relato excelente da política de Stresemann (N. do T.: Gustav Stresemann, Ministro do Exterior 1923-29) em termos de uma relação especial com os Estados Unidos, importando capital americano para desenvolver a indústria alemã e ajudar a cobrir o valor das reparações para a França e Grã-Bretanha. Simultaneamente, ele argumenta, laços econômicos mais fortes com os EUA também eram uma forma de forçar o governo americano a pressionar os aliados europeus em relação às reparações de guerra; a França e o Reino Unido insistiam no pagamento no sentido de cobrir seus próprios débitos de guerra junto aos EUA, portanto estando tão próximo quanto possível dos EUA significava que a Alemanha poderia contar com o apoio dos EUA em uma crise, baseando-se no princípio de ser muito grande para falhar.

A América aos olhos alemães é o tema principal do livro, e um subtema do discurso nazista pouco lembrado geralmente. Não somente os líderes nazistas estavam preocupados com o poder potencial dos EUA, eles também assimilaram o que eles acharam ser a eficiência única dos anos 1920 da indústria americana, e demonizavam o que eles consideravam ser a decadência e miscigenação da sociedade americana. Era a época de Josephine Baker, Al Capone e Henry Ford e os três ícones foram assimilados pela cultura de Weimar, assim como os banqueiros americanos circularam papéis de curto prazo pela indústria de Weimar. Stresemann e seus colegas liberais e os social-democratas achavam que a resposta com a América era no sentido de preservar a estrutura política e comercial internacional; talvez com a comunidade europeia no futuro distante.

A resposta nazista era abalar a estrutura até que ela desmoronasse; a história econômica dos anos 1930 na Alemanha é uma de crises de mudança estrangeira contínua, mitigadas por uma sucessão de expedientes gradativamente inconsistentes. Hjalmar Schacht, como presidente do Reichsbank, é a figura mais associada com isto – é interessante notar que ele próprio era meio americano, mas não usava seus outros dois sobrenomes (Horace Greeley) muito frequentemente. Um detalhe a ser contado é que, quando cada crise passava, o Banco e os ministros da área financeira e econômica se convenciam que desta vez, as coisas poderiam voltar ao normal. Memorandos para um retorno ao comércio multilateral, um relaxamento dos controles administrativos e uma redução dos gastos militares seriam esboçados e imediatamente ignorados por Hitler, e os vários grupos tanto trabalhando com o Führer quanto tentando levar vantagens em seus interesses, concluíram que sua sobrevivência à crise confirmava a exatidão de suas medidas.

De acordo com Tooze, que fornece uma considerável quantidade de evidência estatística para esta afirmação, o programa de criação de empregos criou pouco trabalho; acima de tudo, o gasto real em autobahns e projetos de obras públicas não era assim tão grande e a demanda total por operários de construção civil era limitada. Os novos métodos de construção por concreto reforçado de Fritz Todt exigiam muito capital e habilidades específicas, ao invés de multidões de trabalhadores. O que colocou a Alemanha de volta ao trabalho foi o rearmamento, e Tooze argumenta que muito do que é pensado como investimento civil era na verdade mais como investimento militar disfarçado, ou investimento na indústria de suprimentos de guerra. É bem importante salientar aqui que Tooze é muito bom no mundo corporativo da Alemanha Nazista, e especialmente na influência e poder crescentes de altos executivos técnicos da grande indústria (especialmente química e engenharia aeronáutica) os quais criaram algo como um lobby tecnocrático independente particular. A tecnoestrutura de J. K. Galbraith vem à cabeça; isto pode ter sido a manifestação mais malévola disso. Mesmo os grandes homens do carvão e aço, que geralmente concordavam, ficavam frequentemente horrorizados pela política nazista; não eram somente a Junkers, BASF, Bosch ou IG-Farben que lucravam com a venda de armas, mas se beneficiavam do investimento de capital estatal maciço nas últimas tecnologias em suas divisões de pesquisa.

Geralmente, aço e mercado de câmbio eram os fatores limitantes, e por este motivo balançavam de forma conservadora; química e engenharia eram convencidas de que tudo poderia ser conseguido com orçamento suficiente, desejo e aço. Mas não era seu trabalho encontrar aço ou a libra esterlina, de modo que suas ambições alcançaram proporções perigosas. Na época da crise de Munique em 1938, a Alemanha estava quase falida – após um verão de crise de moeda, o Reichsbank foi capaz de se livrar de uma sucessão de títulos que estavam para vencer, mas ficou na parede quando o mercado se recusou a fazer um quarto empréstimo. Somente pagando os fornecedores 40% de seus preços contratuais em créditos tributários pôde o Reich rolar suas dívidas de curto prazo; simultaneamente, o vasto consumo de aço pelas indústrias militares significou que as Ferrovias Estatais estavam lutando para se manter vivas. A questão do mercado de câmbio entrou na questão do anti-semitismo; até a guerra, o Reichsbank tinha que, até por seus próprios procedimentos, converter os marcos de qualquer um que emigrasse da Alemanha em moeda estrangeira. E mesmo que a riqueza total que podia ser tomada dos judeus fosse risivelmente pequena, mesmo assim ela excedeu o dinheiro disponível. Tooze argumenta que um dos motivos para a Kristallnacht era assustar os judeus para mandá-los embora, porém deixando suas economias; mesmo isso era um problema, já que muitas placas de vidro tinham que vir da Bélgica, significando que elas tinham que ser pagas em moeda forte e à vista.

Em 1939, o Reichsbank foi reduzido a realizar estudos secretos para estimar a taxa de câmbio do marco; os economistas que os conduziram concluíram que o conceito era agora inútil à luz das dezenas de acordos multilaterais incompatíveis com os parceiros comerciais da Alemanha. A Alemanha pagava 72% acima do preço mundial pelo algodão peruano, e 10% a mais pelo petróleo da mesma fonte; 63% a mais pela manteiga holandesa, mas a manteiga dinamarquesa era paga com o preço do mercado mundial (deveria haver muita manteiga se movendo da Dinamarca para a Holanda...).

O resultado foi que a decisão pela guerra, e então a decisão de realizar a ofensiva contra o Ocidente, e finalmente a decisão de atacar a Rússia foram feitas passo a passo segundo uma lógica de interesse econômico. A guerra, e a consequente perda do mercado mundial, teve um impacto sério inicial na economia alemã; a inflação ameaçava ficar fora de controle, havia uma constante luta entre os interesses sobre os ativos de fornecimento limitado, e uma característica fundamental da economia alemã causou profundo descontentamento. Isto era o subdesenvolvimento; Tooze argumenta fortemente que o aparente poder econômico da Alemanha ocultava uma longa cauda de pobreza, não apenas entre a classe trabalhadora urbana, mas também entre o campesinato.

Os camponeses eram um constituinte fundamental nazista, assim como ocupavam uma posição importante na ideologia; infelizmente, esta imagem de virtude não se traduzia na produção de grãos. A produtividade agrícola era baixa, com um coquetel tóxico formado por propriedades de latifundiários ausentes e baixa renda que mal sustentava seus inquilinos. A maioria das soluções nazistas para isto partia da ideia de uma classe de fazendeiros com posse de terras grandes o suficiente para ter uma vida decente, mas queria que o excesso de camponeses permanecesse na terra por questões de mitologia. Assim, a resposta era colocá-los na terra dos outros. Aqui, a figura terrível de Herbert Backe, Secretário de Estado e mais tarde Ministro da Agricultura, aparece; Backe escreveu uma tese de doutorado anos antes de entrar no negócio dos grãos russos, na qual ele explicava que um povo superior sem espaço deve se livrar dos russos no sentido de garantir a colheita da Ucrânia e assentar o suficiente de sua classe trabalhadora para superar as tendências apátridas e degeneradas criadas pelos nômades modernos, ou seja, os judeus.

Ironicamente, a banca examinadora rejeitou este manifesto pelo genocídio; tragicamente, ele a reimprimiu e a editou como parte da formação dos comandantes da Wehrmacht para a invasão da Rússia. Tooze argumenta que a elevação de Backe ao ministério no início de 1942 foi um catalisador importante na decisão de lançar a Operação Reinhard, o extermínio da judiaria europeia; é bem conhecido que uma força encorajadora da guettotização no ano anterior tinha sido a tendência dos governadores nazistas de arrebanhar os inimigos de sua raça no Governo Geral da Polônia, a qual havia sido programada para ter sua população reduzida. Entretanto, um fato até agora subestimado é que as alocações revisadas de grão de Backe ao mesmo tempo previam uma mudança dramática; ao invés de se tornar um importador de alimentos, o feudo de Hans Frank deveria tornar-se um grande exportador.

A razão disto ser tão importante é simples; apesar da conquista da Europa Ocidental tornar uma posição econômica muito ruim em uma tolerável com potencial considerável, a Europa estava mais globalizada do que os economistas nazistas supunham. O petróleo é o exemplo canônico, mas a Europa também importava muita ração animal, e também carvão britânico. Problemas com transporte e a inabilidade dos planejadores de chegar a um acordo sobre o fornecimento de carvão entre os grupos poderosos de interesse preocupados, exacerbou o problema dos alimentos. À medida que a produtividade agrícola caía, também caía a produtividade das minas; provavelmente, teria acontecido de qualquer maneira, os comunistas franceses não parecendo suscetíveis a virar as costas aos fascistas alemães, mas a fome é suficiente para explicar a queda na produção de carvão por hora. O Ministério do Exterior colocou em práticas esquemas para uma comunidade europeia, mas no clima existente de radicalismo isto jamais teria alguma chance; o governo de longe preferia uma opção mais exploradora, o sistema de acerto de contas centralizado (N. do T.: processo que serve de mecanismo para o estabelecimento de obrigações entre os membros de um grupo, tal como os bancos)sob o qual os exportadores da Alemanha eram pagos por seus próprios bancos centrais, os quais então cobravam do Reichsbank. As exportações alemãs na outra direção deveriam ser imputadas a este; entretanto, os alemães simplesmente recorreram permanentemente ao limite do cheque especial.

Isto permitiu um roubo substancial de bens, serviços e ativos; isso também criou um incentivo poderoso para não se produzir. O resultado foi uma economia europeia operando maciçamente abaixo da capacidade e uma economia alemã rodando no vermelho, com uma grande escassez de elementos essenciais. O comércio soviético, sob o pacto Molotov-Ribbentrop, compensou parte da diferença, mas o governo soviético determinou o preço, especialmente em termos de transferência de tecnologia. O comércio com aliados e neutros, enquanto isso, tinha a séria desvantagem de um ponto de vista nazista pelo fato de ser justamente um comércio; isto exigia exportações correspondentes, o que, por razões políticas, era uma reivindicação prioritária em relação aos recursos.

Então, a crise; com os territórios ocupados sendo somente um benefício marginal, e muito capital de investimento ainda não produzindo, a Alemanha enfrentou o rápido crescimento da produção americana. Aonde ir para a próxima etapa de crescimento antes que o poder americano tivesse efeito? A Rússia, decerto. O livro de Tooze pode ser uma demonstração final para a visão “funcionalista” do nazismo, dominante desde os anos 1980, que afirma que a política interna do regime, suposições compartilhadas e a radicalização gradativa causada por uma sucessão de crises conduziram a Alemanha à guerra e ao genocídio, ao invés de um projeto racional claro. As decisões independentes, tomadas por causa de razões diferentes, reforçaram-se mutuamente.

Isto não é mais controverso, mas há muito no livro que é. Por exemplo, Tooze critica vigorosamente a ideia comum de que a Alemanha jamais atingiu o mesmo nível de mobilização civil que a Grã-Bretanha, que o governo nazista “protegeu” os padrões de vida civil às custas do esforço de guerra e ocupou-se com a declaração de “Guerra Total” em 1943. De fato, ele argumenta, havia pouca negligência na economia; se qualquer coisa estava sendo atrasada para a produção de guerra, era porque os anos iniciais de guerra foram anos de maciço investimento de capital. Este investimento, ele afirma, explica a explosão na produção de armamentos a partir de 1942, que geralmente é creditada a Albert Speer. Foi a dinâmica pré-guerra espantosamente grande entre a Luftwaffe, o Führer e os tecnocratas industriais, combinada com uma nova postura do empreendedor como líder.

Parte disto foi desperdiçada, é claro. Havia a fabulosa Flugmotorenwerke Ostmark, um esquema para construir uma planta aeronáutica gigantesca na Áustria para igualar a produção da nova planta da Ford próxima a River Rouge (ela poderia também ter rivalizado com a planta da Rolls-Royce em Barnoldswick, mas tinha que ser americana); ela nunca produziu mais do que 198 motores por mês, comparado aos 1.000 projetados. Mas no mesmo ramo, a Daimler-Benz foi capaz de atualizar uma de suas fábricas de 300 motores DB605 por mês para 1.200, a uma fração do custo. (A economia de guerra da Grã-Bretanha teve uma experiência semelhante com fábricas financiadas pelo governo; a Rover and Vauxhall nunca realmente conseguiu o domínio dos motores aeronáuticos, especialmente para o programa de aviões a jato, mas as coisas melhoraram imensamente quando a coisa toda foi deixada para os especialistas verdadeiros da Rolls-Royce.) E quem sabe que a planta de borracha sintética Buna próximo de Auschwitz ainda produz cerca de 5% da borracha sintética do mundo? A fábrica, nunca concluída durante a guerra, foi primeiramente desmontada pelos russos e depois reabilitada pelos poloneses; mesmo que não tenhamos um Hitler in uns selbst, pode haver algum Hitler em seus pneus.

De modo que não deveria haver surpresa quando a economia de guerra alemã engrenou após a crise de Moscou no inverno de 1941; foi a formação de capital que conseguiu isso. Tooze possui amplos dados estatísticos para sustentar esta tese, mas estou menos convicto de suas conclusões a respeito de outra controvérsia clássica. Em quase todos os relatos britânicos da Segunda Guerra Mundial, os autores tomam partido de uma ou mais reflexões sobre a moralidade, eficiência e inteligência da ofensiva de bombardeio estratégico da RAF (Força Aérea Real) contra a Alemanha; é uma decisão particular de qualquer historiador britânico. AJP Taylor é o líder da oposição; ele argumentava, com base nos resultados da pesquisa do bombardeio estratégico americano feito por J. K. Galbraith e George Ball, que não somente era errado, mas também incrivelmente dispendioso, sugando quase um quarto da produção industrial da Grã-Bretanha e falhando seriamente em interromper o esforço de guerra alemão.  Ainda menos por ter esmagado o moral como os teóricos do poder aéreo prometiam. E nenhum outro departamento do serviço militar oferecia a seus membros um prazo de vida tão curto.

Tooze argumenta, contra Galbraith, que o bombardeio era de fato eficiente. Especificamente, ele cita a "Batalha do Ruhr” na primavera de 1943 como sendo essencialmente suficiente para interromper o crescimento da produção de armamentos alemã; e ele tem um gráfico que apoia isto, com uma pequena explosão no ponto de inflexão (presumivelmente não há um corpo carbonizado de um operário no arquivo de clipart do MS Excel). Ele também cita várias reações de pessoas à destruição de Hamburgo com um regozijo levemente detestável, portanto explicando o sarcasmo da minha última sentença. De fato, ele vai tão longe a ponto de confundir o Ruhr com Hamburgo, apesar de Hamburgo não ser o ponto-chave pois não é uma cidade siderúrgica e nunca foi. E, de qualquer modo, os bombardeiros não ganharam a guerra em 1943, nem em 1944 ou 1945. O que aconteceu de errado? Tooze argumenta que o erro foi o Comando dos Bombardeiros – apesar de não falar isso diretamente. Mas foi o Comando, e particularmente o “Bombardeiro” Harris que desviou o alvo do Ruhr para Hamburgo e então para Berlim. Harris e sua equipe não queriam interromper a indústria; eles queriam “desalojar a classe trabalhadora alemã”, a qual eles acreditavam conduziriam uma revolução ou pelo menos o caos. Logo, esta situação contrafactual teria exigido um Comando de Bombardeiro diferente; um que não acreditasse na teoria do poder aéreo e, portanto, provavelmente não teria existido. Isto não é mencionado, apesar de Tooze repetidamente aprovar o termo “desalojar”.

Mais importante, ele argumenta que o Comando de Bombardeiro da RAF poderia simplesmente ter continuado o bombardeio do Ruhr à mesma taxa de 1943 indefinidamente; mas há uma razão por que a Batalha de Berlim foi interrompida em fevereiro de 1944. Muito simples, os Nachtjäger haviam vencido e a taxa de perda da RAF estava subindo permanentemente bem acima da infraestrutura projetada para suportar. Mesmo a batalha do Ruhr teve uma taxa de perda agregada de 4,71%; a missão em Oberhausen (N. do T.: cidade alemã localizada na região da Renânia) em 14 de junho atingiu 8,37% e nada poderia ser mais um alvo do tipo Ruhr do que Oberhausen. O Departamento de História Aérea da RAF achava que “o Comando de Bombardeiro estava aproximando-se perigosamente do número insustentável de baixas sofrido, ou perto da uma taxa do insuportável durante a Batalha do Ruhr”; é bom lembrar que cada tripulação enfrentava aquela taxa média toda vez que ele saía para combate, para um grupo de trinta missões. Não era uma questão de encontrar aeronaves em número suficiente, e sim pessoas. O número de 30 representava o ponto em que o risco de morte individual atingia 50%, e uma vez que a taxa de perda ultrapassava o número crítico, esta linha demarcatória, como era sabido, aproximava-se cada vez mais perto. E a taxa começou a subir progressivamente com o tempo; a batalha de Berlim teve uma média de 6,44%, e a última missão sobre a cidade alcançou 8,88%, a missão sobre Nüremberg seis dias depois causou um impacto de 11,94%.

Algo mudou, e não foi a pontaria; a Luftwaffe redesenhou completamente sua tática, comando e controle e equipamento entre a primavera de 1943 e o outono. O sistema altamente centralizado “Zahme Sau” (Porco Domado)[1] foi substituído pelo sistema “livre de rédeas” “Wilde Sau” (Porco Selvagem) [2]; novas estações de radar significavam que os caças noturnos começaram a surgir na metade do caminho do Mar do Norte para interceptar a frota de bombardeiros. É claro, este é o tipo de assunto com o qual os historiadores econômicos não se interessariam; mas temos que pensar que os custos são um conceito muito importante na economia. Além disso, o Comando de Bombardeiro competia por recursos com o Comando Costeiro da RAF, em sua luta contra os submarinos alemães; mas não temos nada disso aqui.

Tooze retorna aos bombardeiros mais tarde, quando estes voltam a ser utilizados; aparentemente, no outono de 1944, “a frota aérea da vitória estava agora pronta”. Parece ter sido muito tarde; e lemos “a correlação entre a área bombardeada das cidades da Alemanha e o colapso de sua produção industrial militar estava indefinida na melhor das hipóteses... a destruição maciça das cidades alemãs poderia interromper a produção, mas não levá-la ao colapso completo.” Entre estas sentenças, tomamos conhecimento que longe de se submeter ao “estrangulamento operacional” estabelecido para o Ruhr em 1943, a fábrica da Krupp em Essen continuou trabalhando até que seu fornecimento de energia elétrica foi cortado em outubro de 1944; de fato, uma vitória. Além disso, ele argumenta que foi na verdade os ataques maciços sobre a rede ferroviária neste período que tiveram importância; o que não é a mesma coisa que bombardear siderúrgicas dois anos atrás.

Concluindo, o que realmente importa é que o Terceiro Reich era fascinado pelos Estados Unidos, talvez muito mais do que pela União Soviética. Hitler falava do Volga como sendo o Mississipi da Alemanha e a SS tratando os habitantes locais como “índios peles-vermelhas”. O tamanho do império concebido era frequentemente comparado ao Canadá ou Austrália. É claro que um fator principal motivador para muitos líderes nazistas era um desejo de fugir de uma economia mundial cada vez mais integrada, e um desejo paralelo de ter uma comunidade (Grossraumwirtschaft) que controlasse a economia mundial. O livro de Tooze deixa a sensação perturbadora de que isto nos representa hoje.                                             


Texto adicional


Notas:

[1] Esse sistema era uma tática de interceptação introduzida em 1943. Quando da indicação da presença de uma frota de bombardeiros, os caças eram colocados em voo e reunidos em torno de um dos vários sistemas de rádio espalhados pela Alemanha, prontos para serem direcionados em massa para a frota e quando a alcançavam, os caças localizavam bombardeiros individuais por radar, permanecendo em combate enquanto tivessem munição e combustível.

[2] Neste sistema, os caças não eram direcionados usando o guiamento tático por estações de rádio em solo; ao invés disso, a interceptação era baseada simplesmente (após guiamento por rádio em direção da área geral da frota de bombardeiros) na visão do piloto e no seu próprio julgamento.

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