“Finalmente eu digo, deixem os
demagogos e salvadores da pátria arrotar seu discurso vazio a ouvidos vazios;
ser enganado duas vezes é demais.”
Robinson
Jeffers
A
fumaça mal havia desaparecido de Pearl Harbor quando jornalistas conservadores,
poetas mal-humorados e alguns políticos republicanos começaram a suspeitar de
que Pearl Harbor foi uma armação. Desde então, historiadores revisionistas têm
afirmado que FDR tanto provocou quanto saudou a guerra; e alguns chegaram mesmo
a dizer que ele sabia do ataque com antecedência. Historiadores do relato
oficial e funcionários do governo rebateram estas críticas insistindo que o
ataque foi de fato uma surpresa devido a uma falha da inteligência americana e
incompetência no alto comando naval. Stinnett cita o historiador Stephen E. Ambrose
que afirmou, tão recentemente quanto um editorial do Wall Street Journal de 1999, que “o problema real era que a
inteligência americana era terrível.” De acordo com Ambrose (que repete a
história oficial), a Marinha não tinha decifrado os códigos navais japoneses e
que a força-tarefa japonesa manteve silêncio radiofônico total em seu caminho
para o Havaí. Consequentemente, “no final de novembro, a inteligência ‘perdeu’
a frota de porta-aviões japonesa.” [1] Outros historiadores têm afirmado que os
japoneses nos pegaram de surpresa devido a falhas na análise de boa
inteligência, excesso de burocracia entre os oficiais de alta patente em
Washington, subestimação da ameaça e capacidade japonesas e expectativa de que
o ataque aconteceria contra possessões holandesas ou britânicas na Ásia
Oriental, não contra o Havaí. Stinnett expõe cada uma dessas teorias como sendo
falsas. Por exemplo, ele demonstra exaustivamente que a frota de porta-aviões
japonesa realizava transmissões diárias de comunicação via rádio com o alto
comando no Japão, comandos militares no Pacífico Central e entre si. Stinnett
descobriu a verdade ao ler as interceptações de rádio das transmissões
japonesas pela inteligência naval americana. A inteligência americana NÃO
perdeu os porta-aviões.
Como
Stinnett conseguiu descobrir a verdade quando investigações congressionais
(tanto em 1945-46 quanto em 1995) falharam em fazer isso? A resposta está na
inteligência, integridade e esforço incansável de Stinnett (algo que consumiu
17 anos), qualidades que sabemos da experiência faltaram nas investigações
congressionais. Mas também está em um pedido feito pelo autor em 1983
aproveitando o Ato para a Liberdade de Informação (FOIA, em inglês). Naquele
ano, Stinnett soube da existência dos arquivos de inteligência de comunicação
da Guerra do Pacífico da Marinha dos Estados Unidos (um arquivo ultra-secreto
contendo mais de um milhão de documentos relacionados com a inteligência de
comunicação antes e durante a guerra). O pedido do autor foi inicialmente negado,
mas em 1994, a Marinha decidiu desclassificar os registros, ou pelo menos uma
parte deles. Como Stinnett logo descobriu, interceptações-chaves e documentos
permaneceram secretos, alguns estavam faltando dos registros e outros foram
adulterados para esconder informação vital. Entretanto, informação suficiente
foi liberada, talvez inadvertidamente, de modo a permitir a Stinnett juntar as
peças do quebra-cabeças da verdade.
As
operações de comunicação de inteligência americana no teatro do Pacífico foi
basicamente uma operação naval. A rede de inteligência era composta de 21 estações
de interceptação de rádio localizadas ao longo da costa norte-americana do
Panamá até o Alasca e nas ilhas do Pacífico do Havaí até as Filipinas. Como
Stinnett demonstra, mais de 90% de todas as transmissões de rádio japonesas
foram interceptadas por uma ou mais dessas estações. Uma vez interceptadas,
estas mensagens eram enviadas para um dos três centros de controle regionais,
dois dos quais eram também centros de criptografia, e a partir daí elas eram
enviadas para a Estação EUA em Washington, o quartel-general da comunicação de
inteligência naval. É claro, todas as comunicações japonesas estavam em código.
As mensagens diplomáticas eram enviadas nos códigos Púrpura, Tsu ou Oite; as
comunicações navais em um dos 29 códigos chamados Kaigun Ango, o mais importante
dos quais eram o 5-Num (operações navais), SM (movimento naval), S (marinha
mercante) e o Yobidashi Fugo (sinal de chamada de rádio). Stinnett
conclusivamente demonstra que os criptologistas americanos (violadores de
código) haviam decifrado todos os quatro códigos navais em outubro de 1940. A
inteligência americana decifrou os códigos diplomáticos japoneses mesmo antes:
o Tsu nos anos 1920, o Oite em 1939 e o Púrpura em setembro de 1940.
Consequentemente, os criptologistas puderam interceptar, decifrar e traduzir
quase todo o tráfego de rádio diplomático e japonês em questão de horas após
recebê-los. A decodificação e tradução era feita em três centros
criptográficos: a Estação CAST em Corregidor nas Filipinas; a Estação HYPO em
Oahu; e a Estação EUA em Washington.
A
informação de inteligência resultante era então enviada para funcionários de
alto escalão das forças armadas e do gabinete, incluindo o presidente (cerca de
36 indivíduos ao todo). Entretanto, como Stinnett meticulosa e amplamente
demonstra, a informação crucial que indicava um ataque japonês em Pearl foi
deliberadamente retida pelo General Walter Short, comandante do Exército no
Havaí, e pelo Almirante Husband E. Kimmell, comandante da frota do Pacífico.
Roosevelt e seus conselheiros haviam escolhido estes dois oficiais distintos
para serem os bodes expiatórios pela catástrofe em Pearl. A estória de sua
traição pelos amigos e colegas no alto comando naval, todos sabendo do ataque
iminente e da estratégia de provocação de Roosevelt, é comovente.
Além
da interceptação e decodificação das transmissões de radio, a maioria das estações
de interceptação de rádio eram equipadas com localizadores de direção via rádio
(RDF, sigla em inglês), que permitia a operadores experientes estabelecer o
local exato de navios de guerra japoneses uma vez seu sinal de chamada de rádio
individual ser identificado. Através do RDF, especialistas de inteligência
naval eram capazes de rastrear o movimento da força de porta-aviões japonesa
enquanto ela se aproximava de Pearl Harbor. As descobertas de Stinnett
confirmam a veracidade da afirmação feita pelo adido naval holandês nos Estados
Unidos, o capitão Johan Ranneft, que enquanto visitava o Departamento de
Inteligência Naval em Washington em 2 e 6 de dezembro, ele viu mapas de
inteligência rastreando o movimento dos porta-aviões japoneses a leste em
direção do Havaí. Analogamente, suas descobertas dão apoio ao testemunho de
Robert Ogg, que afirma que enquanto em serviço no 12º. Distrito Naval em São
Francisco, ele localizou (por meio da inteligência RDF) a frota japonesa ao
norte do Havaí três dias antes do ataque.
Talvez
o único e mais importante documento descoberto por Stinnett é um memorando de 7
de outubro de 1940 escrito pelo Tenente-Comandante Arthur H. McCollum, chefe da
secretaria do Oriente Distante do Departamento de Inteligência Naval. O
memorando de McCollum estabelece uma política estratégica criada para induzir
os japoneses a cometer “um ato público de guerra” contra os Estados Unidos.
McCollum escreve que tal estratégia era necessária porque “não é possível pelo
estado atual da opinião política que os Estados Unidos sejam capazes de
declarar guerra contra o Japão sem mais barulho.” McCollum sugere oito “ações”
específicas que os Estados Unidos deveriam tomar para conseguir este resultado.
A principal é a “Ação F” que diz para manter “a força principal” da Frota do
Pacífico “nas vizinhanças das Ilhas do Havaí.” McCollum conclui seu memorando dizendo que “se
por estes meios o Japão puder ser levado a cometer um ato público de guerra,
melhor ainda.” Stinnett tem pouco trabalho em demonstrar que a estratégia
definida neste memorando tornou-se a política oficial da administração
Roosevelt. Não somente foi o memorando endossado pelo Capitão Dudley Knox, um
dos conselheiros militares mais confiáveis de Roosevelt, mas os registros da
Casa Branca mostram que Roosevelt recebeu o memorando; e ao longo do ano
seguinte, Roosevelt colocou cada uma das oito ações sugeridas em prática. Ele
implementou a última (Ação H) em 26 de julho de 1941, quando ordenou um embargo
completo de todos os negócios com o Japão.
O
embargo de verão de Roosevelt foi o auge de outra política muito esperta da
administração, qual seja ajudar os japoneses a armazenar petróleo para suas
reservas militares apenas para encorajá-los a atacar os Estados Unidos, mas não
o suficiente para mantê-los em guerra por muito tempo. No verão de 1940,
Roosevelt realizou duas ações criadas para implementar seu verdadeiro plano
maquiavélico. Primeiro, ele assinou um decreto autorizando a construção de uma
grande marinha de dois oceanos. Segunda, ele exigiu das companhias americanas a
obter licenciamento governamental antes de vender derivados de petróleo ou
metal bruto para o Japão. Pelos próximos 12 meses, a administração prontamente
garantiu a exportação de matérias primas de companhias americanas para o Japão,
e os navios-tanques e de transporte puderam ser vistos carregando minério de
ferro e petróleo nos portos da costa oeste americana. Enquanto isso, a
inteligência naval americana, usando o RDF rastreava os navios-tanques para o depósito
de petróleo naval japonês em Tokuyama. Os estrategistas de Roosevelt calcularam
que ajudar os japoneses a estabelecer uma reserva de dois anos seria o correto.
Neste caso, se a guerra estourasse na segunda metade de 1941, os japoneses
ficariam sem petróleo em meados ou final de 1943, na época em que a produção
industrial de guerra estaria atingindo o seu pico e sua grande frota de
porta-aviões (100 unidades planejadas) estaria pronta para ir ao contra-ataque.
Em julho de 1941, Roosevelt deu o passo final e, junto com os britânicos e
holandeses, impôs um embargo à venda de petróleo, ferro e aço ao Japão (Ação H
de McCollum). A armadilha estava então montada, e os japoneses não demoraram
para cair nela.
Stinnett
não ignora as dimensões morais da estratégia de Roosevelt. Como aqueles que
sabiam que o ataque estava para acontecer justificariam o sacrifício de três
mil vidas americanas? Um comentário de arrepiar os cabelos feito pelo
Tenente-Comandante Joseph J. Rochefort, comandante da Estação HYPO em Pearl
Harbor, dá a resposta. Em uma avaliação no pós-guerra do ataque realizado a um
historiador naval, ele lembrou que Pearl Harbor “foi um preço muito baixo a
pagar pela unificação do país.” Então é isso. Fraude maciça, mentiras, o
sacrifício de carreiras militares, a traição de amigos e colegas oficiais, e a
morte de milhares de soldados americanos – tudo justificado para incitar um
povo pacífico à guerra. O próprio Stinnett está longe de ser contra à
estratégia de Roosevelt. Ele concorda com os intervencionistas do pré-guerra
que a América precisava ir à guerra contra as potências do Eixo. De acordo com
Stinnett, Roosevelt e seus conselheiros “enfrentaram um dilema terrível”. O
público em sua maioria se opunha à entrada na guerra e em uma democracia o povo
supostamente manda. Mesmo assim, Roosevelt acreditava que esta guerra era
necessária e justa. O que fazer? No final, eles decidiram que “algo tinha que
ser feito para parar um mal maior.”
Aqui
temos outro exemplo de americanos fazendo uso da doutrina que os fins
justificam os meios. Os americanos são rápidos em negar a legitimidade ética
desta doutrina quando ela é apresentada a eles como uma proposta nua, ainda que
não exista nenhuma doutrina que eles se voltam mais rapidamente para justificar
práticas moralmente questionáveis. Aqueles que defendem o holocausto nuclear de
Hiroshima e Nagasaki argumentam como sua
primeira linha de defesa que ele foi moralmente justificado porque salvou
vidas americanas? E não podemos
esperar para ouvir no futuro
próximo daqueles que não podem
mais negar a verdade, “A duplicidade de Roosevelt
foi justificada porque era necessário parar Hitler.” A resposta cristã a esta
questão foi feita por paulo dois mil anos atrás: “E por que não dizer ‘Façamos
o mal que o bem virá’? - como somos blasfemados e como alguns dizem que dizemos. Sua condenação é justa.” (Romanos 3:8 Novo
Testamento)
Nota:
[1]
Ambrose (1936 – 2002) era historiador na Universidade de Nova Orleans e é
conhecido por seus relatos patrióticos em Band
of Brothers, Soldados Cidadãos, O Dia-D e outros trabalhos. Como biógrafo
do ex-presidente Dwight Eisenhower, se opôs veementemente ao envolvimento deste
com o extermínio de prisioneiros alemães após a guerra em campos sem quaisquer
condições sanitárias. Ambrose, no entanto, “não é flor que se cheire” e esteve
envolvido em casos de plágio, falsificação e erros históricos grosseiros.
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