Christer Bergström
BBC
History Magazine, 29/10/2015
Um teste de resistência entre a Força
Aérea Alemã (Luftwaffe) e a Força Aérea Real (RAF), a Batalha da Inglaterra
aconteceu entre julho e outubro de 1940. Foi a primeira grande campanha militar
na história a ser travada no ar.
Mito 1: O comandante da Luftwaffe,
Göring, era incompetente
De
acordo com a percepção popular, o comandante da Luftwaffe, Herrmann Göring era
um comandante totalmente incompetente, cujas decisões infelizes colocaram a
Luftwaffe em uma posição desnecessariamente difícil. Certamente, ele era um
nazista impiedoso que eventualmente alcançou um grande número de crimes contra
a humanidade. Entretanto, a imagem difundida dele como um comandante aéreo
totalmente incapaz precisa ser corrigida.
No
começo da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe, a força aérea mais eficiente do
mundo, era, acima de tudo, uma criação pessoal de Göring. É claro, nem tudo da
Luftwaffe surgiu de sua cabeça, mas ele teve a habilidade de colocar o homem
certo no lugar certo, e ele era mais aberto a ideias novas e revolucionárias do
que muitos de seus subordinados.
Göring
percebeu desde cedo os benefícios de novos tipos de aviação de combate, tais
como caça-bombardeiros e escolta de caças para longo alcance. Como um dos
primeiros comandantes de força aérea no mundo, ele também tomou a iniciativa de
criar uma força especializada de caças noturnos: logo no começo da guerra, ele
ordenou que um par de unidades de caça começassem experiências de voos noturnos. O bimotor Messerschmitt
Bf110 provou ser a melhor aeronave para esta missão e, em junho de 1940, Göring
decidiu reprojetar o esquadrão de caça I./ZG do capitão Wolfgang Falck tornando-se
a primeira unidade regular de caças noturnos, a NJG 1 (Nachtjagdgeschwader).
Herrmann
Göring também tinha um efeito inspirador sobre seus subordinados. Hans Jürgen
Stumpff, que comandou a Luftflotte 5 durante a Batalha da Inglaterra, descreveu
Göring como um homem “com uma resistência formidável; ele era cheio de ideias
brilhantes. Após cada encontro com ele você se sentia fortemente motivado e
cheio de energia.”
Mito 2: Herrmann Göring arruinou as
possibilidades alemãs de vencer a batalha ao voltar a atenção sobre Londres
É
um fato de que quando o comando de caças da RAF estava no limiar da destruição
em consequência das missões alemãs contra sua organização em solo, os alemães
desviaram o foco e começaram a bombardear, ao invés disso, Londres. Isto
aconteceu em 7 de setembro de 1940, e deu à RAF uma “folga”, que foi usada para
reparar suas instalações danificadas. Quando o comando de caças encontrou a
Luftwaffe com força renovada, em 15 de setembro, o resultado foi a decisiva
vitória que levou Hitler a cancelar a invasão planejada da Grã-Bretanha.
Herrmann
Göring recebeu constantemente a culpa por esta mudança na tática. Ma um estudo
de fontes de primeira mão mostram que ninguém se opôs mais a isto do que ele,
isto é, desviar a ofensiva aérea para Londres.
Mito 3: O Comando de Bombardeiros teve
um papel pequeno na Batalha da Inglaterra
O
discurso de Winston Churchill no parlamento britânico em 20 de agosto de 1940 é
bem conhecido: “Nunca, no campo do conflito humano, tantos deveram a tão pouco.
Todos os corações agradecem aos pilotos de caça, cujas ações brilhantes vemos
com nossos próprios olhos dia após dia.”
Contudo,
precisamente o que Churchill imediatamente em seguida pediu-nos para não
esquecer foi grandemente omitido na historiografia da Batalha da Inglaterra: “Mas
não devemos jamais esquecer que todo tempo, noite após noite, mês após mês,
nossos esquadrões de bombardeiros viajam pelo interior da Alemanha, encontram
seus alvos na escuridão pela mais alta habilidade navegacional, alvejam seus
ataques, mesmo sob fogo cerrado, frequentemente com perdas sérias, com
discriminação deliberada cuidadosa, e inflige explosões arrasadoras sobre toda
a estrutura técnica e bélica do poder nazista.”
De
fato, não fosse o bombardeio britânico de Berlim do final de agosto de 1940 em
diante, a Batalha da Inglaterra poderia ter terminado de forma bem diferente.
As missões de pequena escala em Berlim em 1940 que foram executadas por um
punhado de bombardeiros com equipamento de navegação totalmente inadequado, têm
sido relegadas ao segundo plano. Mas isto ignora o principal objetivo da
estratégia militar: destruir o espírito de luta do inimigo. Em 1º. de setembro
de 1940, o correspondente Americano William Shirer (na época, os EUA ainda eram
um país neutro) escreveu em seu diário em Berlim: “O principal efeito de uma
semana de bombardeio constante britânico foi difundir grande desilusão entreo
povo aqui e, sem dúvida, em seu espírito. Um me disse hoje: “Jamais acreditarei
no que eles dizem. Se eles mentiram sobre o resto dos ataques no resto da
Alemanha como eles fizeram aqui em Berlim, então a situação deve estar preta
lá.”
O
efeito direto destas missões “curtas” foi fazer Hitler ordenar a interrupção dos
ataques da Luftwaffe às instalações terrestres do comando de caças da RAF e, ao
invés disso, iniciar o bombardeio de Londres. É aceito universalmente que isto
foi o que salvou o comando de caças da aniquilação.
Mas
o comando de bombardeiros da RAF contribuiu para a vitória de outras formas
também. Através de incessantes ataques noturnos, os bombardeiros da RAF
atrapalharam o sono dos pilotos alemães, que – de acordo com os relatórios
alemães – tiveram graves consequências. Os bombardeiros da RAF também conseguiram
provocar sérios estragos nos barcos que compunham a frota de invasão alemã e,
não menos, ajudaram a elevar os espíritos entre a estressada população
britânica.
Mito 4: O bimotor Messerschmitt Bf 110
era inútil como caça
Começando
no início de setembro de 1940, algumas unidades aéreas alemãs equipadas com o
caça bimotor Messerschmitt Bf 110 foram desviadas do Canal da Mancha para serem
usadas como caças noturnos. Algumas vezes, isto tem sido lembrado como uma “degradação”
do Bf 110.
De
fato, sob pressão constante de Hitler e da população alemã para por um fim aos
ataques noturnos contra Berlim e outras cidades alemãs, Göring escolheu usar
seu melhor caça, o Bf 110.
Isto
poderia ser uma surpresa para muitos, pois uma noção muito comum é a de que o
Bf 110 não era bom como caça diurno; que ele tinha um péssimo desempenho em
combate; e por causa disso ele deveria ser planejado com a escolta de caças
monomotores Bf 109. Entretanto, nenhuma dessas ideias sobrevive a uma análise
mais profunda.
O
caça bimotor de longo alcance Bf 110 foi o resultado de jogos de guerra
conduzidos sob a supervisão de Göring no inverno de 1933/34. Estes mostraram
que a visão aceita de que “os bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos” – a noção
de que independente dos caças de interceptação e das baterias de defesa aérea,
um número suficiente de bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos
predeterminados, onde eles deveriam provocar danos enormes – era incorreta.
No
verão de 1934, a liderança da ainda secreta Luftwaffe apresentou um estudo que
sugeria o que na época era totalmente revolucionário: um caça bimotor, armado
fortemente com canhões automáticos assim como metralhadoras, parra proteger os
bombardeiros contra a interceptação de caças inimigos. A ideia era despachar
estes caças bimotores antes, a uma alta altitude sobre a área visada para
bombardeio para limpar o ar dos caças inimigos antes que os bombardeiros
chegassem.
De
fato, quando usado deste modo, o Messerschmitt Bf 110 foi altamente bem
sucedido. Na verdade, o Bf 110 parece ter tido uma melhor razão de abate de
aeronaves inimigas em relação a perdas próprias do que qualquer outro tipo de
caça durante a Batalha da Inglaterra. Mesmo assim, na maioria dos relatos da
Batalha da Inglaterra, os feitos do Bf 110 foram quase totalmente
negligenciados (apesar disso ser em grande parte resultado da inacessibilidade
dos dados sobre essa aeronave). Investigações do material disponível permitiu
uma completa reavaliação do papel do Bf 110 durante a Batalha da Inglaterra. As
unidades de caça Bf 110 sustentaram pesadas perdas em várias ocasiões. Na
maioria dos casos, contudo, isto aconteceu porque foi ordenado que os Bf 110
voassem em missões lentas e de aproximação com os bombardeiros alemães.
Naqueles casos,não havia diferença entre o que o Bf 110 sofria e o que o Bf 109
sofria. Há inúmeros casos onde unidades do Bf 109 foram absolutamente
destruídas pelos caças da RAF porque elas tinham que voar em missões de escolta
tolamente lentas. Assim, a unidade I./ZG 26 equipada com o Bf 110 perdeu seis
aeronaves no Mar do Norte em 15 de agosto de 1940, assim como a unidade I./JG
77 equipada com o Bf 109 perdeu cinco aeronaves em 31 de agosto de 1940,
tomando dois exemplos.
Mito 5: Göring desprezava os caças
alemães.
Göring
tem sido acusado de defender estas missões lentas e de aproximação com os
bombardeiros. Na realidade, como os protocolos das conferências da Luftwaffe
mostram, as coisas ocorreram de forma totalmente contrária. Ninguém defendeu
que os caças alemães fossem liberados para uma caçada livre – onde eles eram
mais eficientes – mais fortemente que Herrmann Göring. As pessoas que ordenaram
os caças a voar estas missões de escolta próximas foram os comandantes no Canal
da Mancha. Göring, de fato, favoreceu os pilotos de caça, contrariamente do que
muitos deles afirmaram após a guerra, e ele encheu-os de medalhas e
condecorações em relação a outros pilotos.
Mito 6: os pilotos alemães do Bf 109
eram absolutamente superiores aos pilotos de caça da RAF
Em
anos recentes, tem sido comum revisar a Batalha da Inglaterra de um modo que dá
a impressão de que os pilotos alemães do Bf 109 eram absolutamente superiores
aos pilotos de caça britânicos. É claro, alguns dos pilotos da Luftwaffe mais
experientes – tais como Adolf Galland e Werner Mölders – possuíam uma experiência
bem maior do que a maioria dos pilotos da RAF. Mas uma comparação entre o
treinamento dos pilotos britânicos e alemães mostra que eles tinham um preparo
semelhante.
O
que, contudo, é bem claro quando comparamos os pilotos de caça da RAF com os
pilotos alemães durante a Batalha da Inglaterra é que os pilotos da RAF
geralmente lutavam com mais vigor do que seus oponentes. Enquanto que não era
incomum ver uma dúzia de pilotos da RAF subir para inteceptar uma formação
alemã muitas vezes maior em seus relativamente obsoletos Hurricanes, formações
completas de bombardeiros alemães poderiam lançar suas bombas quando os caças
da RAF surgiam, ou pilotos de caça alemães ficavam satisfeitos com uma rajada
de tiros sobre a formação britânica. Também houve muitos casos quando pilotos
da RAF deliberadamente abordavam uma aeronave inimiga.
Comparando
as perdas de caça da RAF com o número de Bf 109 perdidos, alguns autores têm
chegado em épocas recentes à conclusão errada de que as unidades de Bf 109 em
média derrubavam dois aviões da RAF para cada perda sua. Ao revelar o número de
aeronaves da RAF que foram derrubadas pelos Bf 110, esta conclusão prova ser
altamente falsa.
A
versão “revisionista” da Batalha da Inglaterra, de acordo com a qual a coragem
e os esforços feitos pelos pilotos da RAF é “exagerada”, também não sobrevive a
uma análise. Está para além de qualquer dúvida que sem a coragem ímpar e esforço
dos “Poucos”, e a contribuição feita pelas tripulações de bombardeiros da RAF,
a Batalha da Inglaterra não teria sido ganha.
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