segunda-feira, 2 de novembro de 2015

[SGM] Seis Mitos da Batalha da Inglaterra

Christer Bergström

BBC History Magazine, 29/10/2015


Um teste de resistência entre a Força Aérea Alemã (Luftwaffe) e a Força Aérea Real (RAF), a Batalha da Inglaterra aconteceu entre julho e outubro de 1940. Foi a primeira grande campanha militar na história a ser travada no ar.

Mito 1: O comandante da Luftwaffe, Göring, era incompetente

De acordo com a percepção popular, o comandante da Luftwaffe, Herrmann Göring era um comandante totalmente incompetente, cujas decisões infelizes colocaram a Luftwaffe em uma posição desnecessariamente difícil. Certamente, ele era um nazista impiedoso que eventualmente alcançou um grande número de crimes contra a humanidade. Entretanto, a imagem difundida dele como um comandante aéreo totalmente incapaz precisa ser corrigida.

No começo da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe, a força aérea mais eficiente do mundo, era, acima de tudo, uma criação pessoal de Göring. É claro, nem tudo da Luftwaffe surgiu de sua cabeça, mas ele teve a habilidade de colocar o homem certo no lugar certo, e ele era mais aberto a ideias novas e revolucionárias do que muitos de seus subordinados.

Göring percebeu desde cedo os benefícios de novos tipos de aviação de combate, tais como caça-bombardeiros e escolta de caças para longo alcance. Como um dos primeiros comandantes de força aérea no mundo, ele também tomou a iniciativa de criar uma força especializada de caças noturnos: logo no começo da guerra, ele ordenou que um par de unidades de caça começassem experiências  de voos noturnos. O bimotor Messerschmitt Bf110 provou ser a melhor aeronave para esta missão e, em junho de 1940, Göring decidiu reprojetar o esquadrão de caça I./ZG do capitão Wolfgang Falck tornando-se a primeira unidade regular de caças noturnos, a NJG 1 (Nachtjagdgeschwader).

Herrmann Göring também tinha um efeito inspirador sobre seus subordinados. Hans Jürgen Stumpff, que comandou a Luftflotte 5 durante a Batalha da Inglaterra, descreveu Göring como um homem “com uma resistência formidável; ele era cheio de ideias brilhantes. Após cada encontro com ele você se sentia fortemente motivado e cheio de energia.”

Mito 2: Herrmann Göring arruinou as possibilidades alemãs de vencer a batalha ao voltar a atenção sobre Londres

É um fato de que quando o comando de caças da RAF estava no limiar da destruição em consequência das missões alemãs contra sua organização em solo, os alemães desviaram o foco e começaram a bombardear, ao invés disso, Londres. Isto aconteceu em 7 de setembro de 1940, e deu à RAF uma “folga”, que foi usada para reparar suas instalações danificadas. Quando o comando de caças encontrou a Luftwaffe com força renovada, em 15 de setembro, o resultado foi a decisiva vitória que levou Hitler a cancelar a invasão planejada da Grã-Bretanha.

Herrmann Göring recebeu constantemente a culpa por esta mudança na tática. Ma um estudo de fontes de primeira mão mostram que ninguém se opôs mais a isto do que ele, isto é, desviar a ofensiva aérea para Londres.

Mito 3: O Comando de Bombardeiros teve um papel pequeno na Batalha da Inglaterra

O discurso de Winston Churchill no parlamento britânico em 20 de agosto de 1940 é bem conhecido: “Nunca, no campo do conflito humano, tantos deveram a tão pouco. Todos os corações agradecem aos pilotos de caça, cujas ações brilhantes vemos com nossos próprios olhos dia após dia.”

Contudo, precisamente o que Churchill imediatamente em seguida pediu-nos para não esquecer foi grandemente omitido na historiografia da Batalha da Inglaterra: “Mas não devemos jamais esquecer que todo tempo, noite após noite, mês após mês, nossos esquadrões de bombardeiros viajam pelo interior da Alemanha, encontram seus alvos na escuridão pela mais alta habilidade navegacional, alvejam seus ataques, mesmo sob fogo cerrado, frequentemente com perdas sérias, com discriminação deliberada cuidadosa, e inflige explosões arrasadoras sobre toda a estrutura técnica e bélica do poder nazista.”

De fato, não fosse o bombardeio britânico de Berlim do final de agosto de 1940 em diante, a Batalha da Inglaterra poderia ter terminado de forma bem diferente. As missões de pequena escala em Berlim em 1940 que foram executadas por um punhado de bombardeiros com equipamento de navegação totalmente inadequado, têm sido relegadas ao segundo plano. Mas isto ignora o principal objetivo da estratégia militar: destruir o espírito de luta do inimigo. Em 1º. de setembro de 1940, o correspondente Americano William Shirer (na época, os EUA ainda eram um país neutro) escreveu em seu diário em Berlim: “O principal efeito de uma semana de bombardeio constante britânico foi difundir grande desilusão entreo povo aqui e, sem dúvida, em seu espírito. Um me disse hoje: “Jamais acreditarei no que eles dizem. Se eles mentiram sobre o resto dos ataques no resto da Alemanha como eles fizeram aqui em Berlim, então a situação deve estar preta lá.”

O efeito direto destas missões “curtas” foi fazer Hitler ordenar a interrupção dos ataques da Luftwaffe às instalações terrestres do comando de caças da RAF e, ao invés disso, iniciar o bombardeio de Londres. É aceito universalmente que isto foi o que salvou o comando de caças da aniquilação.

Mas o comando de bombardeiros da RAF contribuiu para a vitória de outras formas também. Através de incessantes ataques noturnos, os bombardeiros da RAF atrapalharam o sono dos pilotos alemães, que – de acordo com os relatórios alemães – tiveram graves consequências. Os bombardeiros da RAF também conseguiram provocar sérios estragos nos barcos que compunham a frota de invasão alemã e, não menos, ajudaram a elevar os espíritos entre a estressada população britânica.

Mito 4: O bimotor Messerschmitt Bf 110 era inútil como caça

Começando no início de setembro de 1940, algumas unidades aéreas alemãs equipadas com o caça bimotor Messerschmitt Bf 110 foram desviadas do Canal da Mancha para serem usadas como caças noturnos. Algumas vezes, isto tem sido lembrado como uma “degradação” do Bf 110.

De fato, sob pressão constante de Hitler e da população alemã para por um fim aos ataques noturnos contra Berlim e outras cidades alemãs, Göring escolheu usar seu melhor caça, o Bf 110.

Isto poderia ser uma surpresa para muitos, pois uma noção muito comum é a de que o Bf 110 não era bom como caça diurno; que ele tinha um péssimo desempenho em combate; e por causa disso ele deveria ser planejado com a escolta de caças monomotores Bf 109. Entretanto, nenhuma dessas ideias sobrevive a uma análise mais profunda.

O caça bimotor de longo alcance Bf 110 foi o resultado de jogos de guerra conduzidos sob a supervisão de Göring no inverno de 1933/34. Estes mostraram que a visão aceita de que “os bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos” – a noção de que independente dos caças de interceptação e das baterias de defesa aérea, um número suficiente de bombardeiros sempre chegarão aos seus alvos predeterminados, onde eles deveriam provocar danos enormes – era incorreta.


No verão de 1934, a liderança da ainda secreta Luftwaffe apresentou um estudo que sugeria o que na época era totalmente revolucionário: um caça bimotor, armado fortemente com canhões automáticos assim como metralhadoras, parra proteger os bombardeiros contra a interceptação de caças inimigos. A ideia era despachar estes caças bimotores antes, a uma alta altitude sobre a área visada para bombardeio para limpar o ar dos caças inimigos antes que os bombardeiros chegassem.

De fato, quando usado deste modo, o Messerschmitt Bf 110 foi altamente bem sucedido. Na verdade, o Bf 110 parece ter tido uma melhor razão de abate de aeronaves inimigas em relação a perdas próprias do que qualquer outro tipo de caça durante a Batalha da Inglaterra. Mesmo assim, na maioria dos relatos da Batalha da Inglaterra, os feitos do Bf 110 foram quase totalmente negligenciados (apesar disso ser em grande parte resultado da inacessibilidade dos dados sobre essa aeronave). Investigações do material disponível permitiu uma completa reavaliação do papel do Bf 110 durante a Batalha da Inglaterra. As unidades de caça Bf 110 sustentaram pesadas perdas em várias ocasiões. Na maioria dos casos, contudo, isto aconteceu porque foi ordenado que os Bf 110 voassem em missões lentas e de aproximação com os bombardeiros alemães. Naqueles casos,não havia diferença entre o que o Bf 110 sofria e o que o Bf 109 sofria. Há inúmeros casos onde unidades do Bf 109 foram absolutamente destruídas pelos caças da RAF porque elas tinham que voar em missões de escolta tolamente lentas. Assim, a unidade I./ZG 26 equipada com o Bf 110 perdeu seis aeronaves no Mar do Norte em 15 de agosto de 1940, assim como a unidade I./JG 77 equipada com o Bf 109 perdeu cinco aeronaves em 31 de agosto de 1940, tomando dois exemplos.

Mito 5: Göring desprezava os caças alemães.

Göring tem sido acusado de defender estas missões lentas e de aproximação com os bombardeiros. Na realidade, como os protocolos das conferências da Luftwaffe mostram, as coisas ocorreram de forma totalmente contrária. Ninguém defendeu que os caças alemães fossem liberados para uma caçada livre – onde eles eram mais eficientes – mais fortemente que Herrmann Göring. As pessoas que ordenaram os caças a voar estas missões de escolta próximas foram os comandantes no Canal da Mancha. Göring, de fato, favoreceu os pilotos de caça, contrariamente do que muitos deles afirmaram após a guerra, e ele encheu-os de medalhas e condecorações em relação a outros pilotos.

Mito 6: os pilotos alemães do Bf 109 eram absolutamente superiores aos pilotos de caça da RAF
         
Em anos recentes, tem sido comum revisar a Batalha da Inglaterra de um modo que dá a impressão de que os pilotos alemães do Bf 109 eram absolutamente superiores aos pilotos de caça britânicos. É claro, alguns dos pilotos da Luftwaffe mais experientes – tais como Adolf Galland e Werner Mölders – possuíam uma experiência bem maior do que a maioria dos pilotos da RAF. Mas uma comparação entre o treinamento dos pilotos britânicos e alemães mostra que eles tinham um preparo semelhante.


O que, contudo, é bem claro quando comparamos os pilotos de caça da RAF com os pilotos alemães durante a Batalha da Inglaterra é que os pilotos da RAF geralmente lutavam com mais vigor do que seus oponentes. Enquanto que não era incomum ver uma dúzia de pilotos da RAF subir para inteceptar uma formação alemã muitas vezes maior em seus relativamente obsoletos Hurricanes, formações completas de bombardeiros alemães poderiam lançar suas bombas quando os caças da RAF surgiam, ou pilotos de caça alemães ficavam satisfeitos com uma rajada de tiros sobre a formação britânica. Também houve muitos casos quando pilotos da RAF deliberadamente abordavam uma aeronave inimiga.

Comparando as perdas de caça da RAF com o número de Bf 109 perdidos, alguns autores têm chegado em épocas recentes à conclusão errada de que as unidades de Bf 109 em média derrubavam dois aviões da RAF para cada perda sua. Ao revelar o número de aeronaves da RAF que foram derrubadas pelos Bf 110, esta conclusão prova ser altamente falsa.

A versão “revisionista” da Batalha da Inglaterra, de acordo com a qual a coragem e os esforços feitos pelos pilotos da RAF é “exagerada”, também não sobrevive a uma análise. Está para além de qualquer dúvida que sem a coragem ímpar e esforço dos “Poucos”, e a contribuição feita pelas tripulações de bombardeiros da RAF, a Batalha da Inglaterra não teria sido ganha.
     

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