Elizabeth
Wiskemann
History
Today, Vol. 17, nº 12, dez/1967
Filippo Tommaso Marinetti
A
palavra fascismo foi há muito tempo roubada pelos comunistas e usada por eles
para designar seu inimigo mais mortal, obviamente amaldiçoado pela destruição.
Mas a palavra era italiana e não tinha um significado básico – somente um
associado, exceto na Itália. Em italiano, um fascio significa um feixe ou grupo, um fascio di Fiori sendo um buquê de flores.
O
primeiro fascio político registrado
foi o Fascio Operario criado por
Garibaldi em Bolonha em 1871, uma organização vagamente socialista. Muitos
outros fasci políticos se seguiram,
sempre significando um tipo de agrupamento esquerdista.
Quando,
no outono de 1914, o dissidente socialista Mussolini foi expulso do Partido
Socialista Italiano porque ele desejava que a Itália atuasse do lado aliado,
ele imediatamente criou seu próprio Fascio
di Azione Rivoluzionaria (Grupo de Ação Revolucionária). No final do ano,
esta foi unida a uma entidade semelhante chamada Fasci, organizada por
sindicalistas pró-guerra. Os membros de todos estes fasci consideravam-se revolucionários esquerdistas.
Como
este tipo de fascismo tornou-se um Estado Corporativo de Partido Único de
direita no período fascista? Há muitas respostas para esta questão, mas a
primeira é D´Annuzio. Gabriele D´Annuzio, que nasceu em Pescara no Adriático em
1863, fez sua fama como poeta e teatrólogo nos anos 1880. Ele escreveu material
flagrantemente Art-Nouveau, um tanto
espalhafatoso mas não sem esplendor.
Ele
simpatizava com o sindicalismo e, ao mesmo tempo, sonhava em reviver a glória
passada romana e veneziana. Ele desprezava o Estado liberal de Giolitti,
acusando-o de transformar a Itália em nada, numa Italietta. De certo modo, o primeiro manifesto futurista de Marinetti,
publicado em fevereiro de 1909, foi uma reação contra o poema dramático de D´Annuzio,
La Nave, sobre a fundação de Veneza, que foi publicado com ilustrações lascivas
de Art-Nouveau em 1908.
Um
carro em movimento, afirmou Marinetti, era mais bonito que a Vitória de
Samotrácia[1]. “Glorificamos a guerra,” ele declarou, como “a única forma de
higienização do mundo.” Assim, o fascismo nasceu do casamento turbulento da
influência destes dois homens e de suas persuasões combinadas entre muitos
jovens italianos, incluindo o agitado jornalista Mussolini.
A
coisa que ligava D´Annuzio, Marinetti e Mussolini era um amor pela violência e
o desprezo pelos direitos individuais; somente homens heroicos e violentos,
eles acreditavam, tinham direito ao poder.
Acontece
que o primeiro congresso do Partido Nacionalista ocorreu em Florença em
dezembro de 1910. A maioria das pessoas que fundaram esse partido eram
socialmente conservadoras, algumas delas representando a indústria pesada; mas
eles, também, eram autoritários; eles também pensavam em termos de violência,
apesar de chamarem isso de educação da nação para a guerra. A ambição que a
Itália deveria se expandir para a África era comum naquela época; ela era
conhecida além dos membros do Partido Nacionalista.
O
terremoto em Messina em 1908 fez com queo resto da Itália conhecesse a pobreza
extrema do sul; o escritor nacionalista Corradini cunhou a frase de que a
Itália era uma nação “proletária”. Mas isto poderia ser corrigido com a
conquista da Líbia.
“Lá
em Trípoli milhões de homens poderiam viver felizes,” escreveu Corradini,
somente o barbarismo turco e a obstrução interna na Itália atrapalhariam a
conquista da Terra prometida que resolveria o problema do sul e encerraria a
hemorragia da emigração. Quando a guerra líbia foi lançada, D´Annuzio, cujas
dívidas o levaram para a França, compôs sua “Canções das Façanhas no Exterior”
(Canzoni delle gesta d’oltre mare)
homenageando-a: elas foram publicadas no respeitado Corriere della Sera.
Nesta
época, Mussolini ainda estava atrasado em relação a D´Annuzio e Marinetti, já
que em 1911 ele era um pacifista radical, e em Forli uniu-se ao republicano
Nenni ao incitar as pessoas a demonstrações antiguerra. No outono de 1914, ele
tornou-se um intervencionista em oposição à política de neutralidade anunciada
pelo governo Salandra em 2 de agosto e apoiou o partido socialista. A
neutralidade era igualmente odiada por D´Annuzio, Marinetti e Mussolini: ela os
unia.
A
expansão italiana na Líbia foi somente uma possibilidade, apesar de que era uma
chance para a colonização. As guerras balcânicas anunciaram o colapso do
Império Otomano e muitos italianos estavam ansiosos em ganhar território,
preferencialmente na Albânia ou mesmo na Ásia Menor[2].
O
futuro da Península Balcânica estava ligado a toda questão do Adriático e isto,
por sua vez, conectado com o irredentismo[3], o futuro dos italianos que viviam
na Áustria-Hungria, em Zara, Fiume, Pola, Trieste e Trento.
A
pressão nacionalista alemã contra os italianos no Trentino-Alto Ágide (Tirol do
Sul) era forte localmente; e os italianos se resentiam da falta de uma
universidade italiana na Áustria. Era sabido que o Comandante em Chefe
austríaco, general Conrad Von Hotzendorf, era a favor de uma guerra preventiva
contra a Itália; era sussurrado que ele sugerira um ataque logo após o
terremoto em Messina quando o Exército italiano estava envolvido com trabalho
de resgate.
Como
aliado da Itália na Tríplice Aliança, isto parecia uma estranha atitude por
parte do Comandante em Chefe da Áustria; Conrad sem dúvida achou conveniente
que as mãos italianas deveriam ser parcialmente amarradas pela Aliança[4].
O
pedido italiano em relação a Trieste era etnicamente justificado; era
particularmente irritante aos patriotas italianos que o grande mundo comercial
de Trieste, na maioria nas mãos de judeus, tenha tido pouco entusiasmo em se
unir a Itália, mantendo suas oportunidades comerciais na Áustria-Hungria por
ser comercialmente mais favorável. Contudo, o desenvolvimento que tornou-se
mais crítico para a Itália foi o sentimento nacionalista eslavo do sul.
Os
camponeses eslovenos e croatas da Ístria (região em direção ao sul de Trieste)
e da Dalmácia foram frequentemente italianizados no passado. Após 1900, esta
tendência acabou. Ao invés disso, muitos deles sentiam-se eslavos do sul em
termos de lealdade; particularmente os croatas da Dalmácia que tornaram-se
defensores fervorosos de algum tipo de união iugoslava entre eslovenos, croatas
e sérvios.
Quando
eleições livres foram introduzidas na Áustria em 1907, foi revelado que a
Ístria e a Dalmácia eram mais eslavas do que italianas. Isto coincidiu com o
período quando D´Annuzio estava inculcando todos os italianos suscetíveis com
nostalgia do antigo Império Veneziano; tudo aquilo que outrora pertenceu a
Veneza deve retornar à Itália, ele afirmava. Assim, a rivalidade racial
tornou-se amarga e a cruz era a Dalmácia.
Foi
particularmente infeliz que no tratado secreto de Londres, as potências da
Entente, para o desgosto da Rússia, prometeram uma grande parte da Dalmácia
para a Itália. Era uma promessa que os Estados Unidos não poderiam aceitar; mas
quando o presidente Wilson proibiu essa injustiça aos iugoslavos, os italianos
puderam sentir que eles uniram-se às potências da Entente em troca de uma
promessa quebrada. Isto tornou a frase de D´Annuzio de uma “vitória mutilada”
tão plausível.
Após
a declaração de Salandra da neutralidade italiana, todos os tipos de
intervencionistas começaram a protestar. As Repúblicas Mazzinianas[5] estavam
ansiosas em ajudar a França e quatro mil voluntários se dirigiram para lá sob a
liderança do neto de Garibaldi. O grupo de futuristas estavam desde o início em
cena. Suas demonstrações resultaram na prisão de Marinetti, o do pintor
futurista Boccioni e de outros: destemidos, eles lançaram sua “Síntese
futurista da Guerra” (Sintesi futurista della guerra) na prisão.
A
contribuição de Mussolini chegou tarde quando em novembro de 1914 ele começou a
publicar seu próprio jornal, o Popolo
d´Italia, que recebia contribuições de todos os intervencionistas.
Mussolini e Marinetti, que havia sido libertado, uniram-se em demonstrações
intervencionistas. Quando a primavera chegou e o Tratado de Londres foi
assinado, o “maio radiante” de 1915 foi o mês do retorno de D´Annuzio do
exílio.
Em
5 de maio, ele falou em Quarto, onde Garibaldi havia partido em 1860; em 12 do
mesmo mês, ele chegou e, Roma e saudou multidões excitadas do balcão de seu
hotel; “Se é um crime incitar os cidadãos à violência, então devo ser culpado
deste crime,” ele gritou. O clímax chegou em 17 de maio no Congresso, onde
D´Annuzio beijou a espada do herói garibaldiano Nino Bixio. Em 24 de maio, a
guerra foi declarada contra a Áustria-Hungria.
Marinetti
apresentou-se como voluntário na hora; ele foi ferido e duas vezes condecorado.
Boccioni apresentou-se como voluntário e foi morto em 1916. D´Annuzio
apresentou-se imediatamente e superou sua própria retórica. Ele pilotou seu
próprio avião, naqueles dias pioneiros, e lançou panfletos políticos em Trieste
e Trento em agosto e setembro de 1915.
Após
um pouso forçado, ele perdeu um olho e ficou em repouso por um mês. Em 1917 ele
foi mais dinâmico do que nunca; sua carreira de guerra culminou em um voo sobre
Viena em 9 de agosto de 1918. Mussolini também se apresentou como voluntário;
ele foi ferido e retornou ao seu jornal em julho de 1917 sem nenhum desempenho
espetacular: sua vida nas trincheiras o tornou ainda mais nacionalista.
Para
os amantes da violência, a derrota em Caporetto em novembro de 1917 foi uma
prova clara da incompetência do controle parlamentar. Violência ainda maior era
necessária. Treinamento especial foi dado a homens escolhidos, frequentemente
escolhidos entre jovens universitários; estas tropas especiais eram chamadas arditi e vestiam camisas negras.
Quando
a guerra terminou, estes homens estavam mais perdidos do que os camponeses que
voltaram para casa. Eles ficaram chocados e desanimados quando as notícias
chegaram informando que o tratado de paz daria à Itália a fronteira Brenner, Trieste
e a Ístria, mas não a Dalmácia.
Uma
das mais estranhas anomalias na Áustria-Hungria era o corpus separatum de Fiume: este era o porto da Hungria no
Adriático, administrado de Budapeste separadamente da Croácia autônoma, que
governava a costa estéril ao sul de Fiume. Fiume era italiana na população,
apesar de seu subúrbio, Susak, e seu interior, serem croatas. Ele não foi
mencionado no Tratado de Londres.
Após
a guerra, ele foi ocupado pelas forças aliadas; os iugoslavos, que esperavam
alegremente por Trieste e Ístria, prepararam-se para assumir o controle, Rijeka
para eles. Para os italianos parecia absurdo que a Ístria não devesse incluir
Fiume; eles pensavam que isso era uma conspiração francesa contra eles. Com a
conveniência das forças armadas italianas, D´Annuzio, com menos de trezentos arditi, tomou Fiume em setembro de 1919.
Este
golpe foi saudado como uma vitória gloriosa contra os eslavos e um triunfo da
violência. De Fiume, D´Annuzio proclamou que ele marcharia sobre Roma e a
livraria de seu liberalismo: os arditi aplaudiram o discurso. Assim fez
Giulietti, o chefe sindical da união dos marinheiros e um admirador de
D´Annuzio. Em Fiume, D´Annuzio introduziu um sistema sindicalista de acordo com
o estatuto de sua “regência” lá.
Seis
meses antes, Mussolini, com Marinetti, cujo lar serviu de quartel-general dos
arditi milaneses, fundou seu “Grupo Italiano de Combate” (Fasci Italiani di Combattimento) para lutar por um programa
fortemente esquerdista, porém nacionalista. Pouco tempo antes, Mussolini e
Marinetti conduziram um ataque violento sobre o orador socialista moderado
Bissolati e debelaram seu encontro em Milão.
Bissolati
clamava pelo velho ideal mazziniano de simpatia e apoio ao nacionalismo eslavo.
Os mazzinianos, homens como Sforza e Salvemini, assim como Bissolati,
acreditavam que a Itália somente estaria segura se ela fizesse amizade com os
eslavos e, consequentemente, tomasse o lugar da Áustria como seu líder. Tal
liberalismo, a expressão dos objetivos de guerra dos aliados e particularmente
dos Estados Unidos, era um anátema para os apóstolos da violência.
Após
a representação proporcional ter sido votada, a Câmara italiana foi dissolvida
e uma eleição fixada para 16 de novembro de 1919. O resultado foi
surpreendente. Dois meses após a tomada de Fiume por D´Annuzio, o novo partido
dos Fascisti, liderado por Mussolini
e Marinetti, não conseguiu nenhuma cadeira.
Pelo
contrário, seus principais oponentes, os socialistas e o novo partido católico
do Popolari, ganhaam 156 e 100
cadeiras, respectivamente, de um total de 508. A maioria dos socialistas,
contudo, eram extremistas, embalados por entusiasmo leninista e compartilhando
o desprezo dos fascistas pelo Parlamento; provavelmente, muitos sindicalistas
que flertaram com os fascistas foram atraídos em virtude desta mostra de
violência.
Giolitti
chegou ao poder no verão de 1920 com Sforza como Ministro do exterior e, pelo
final do ano, D´Annuzio foi obrigado a deixar Fiume e quase toda a Dalmácia foi
reconhecida como Iugoslávia.
Este
período oi caracterizado por dificuldades econômicas que intensificaram os
problemas trabalhistas. Os líderes revolucionários dos socialistas encorajaram
greves em uma grande escala: elas deveriam de ser a ponta do iceberg de uma
grande evolução socialista. Os empresários ficaram apreensivos e em 30 de
agosto de 1920, a Alfa Romeo em Milão ordenou o fechamento da fábrica. Logo a
seguir, a associação dos engenheiros ordenou a ocupação de trezentas fábricas
em Milão.
Em
setembro, este estado de coisas espalhou-se para outras cidades.
Simultaneamente, houve greves agrárias em larga escala em Emilia e a colheita
foi abandonada para apodrecer. Giolitti vivia no passado. Ele tinha sempre
deixado os arruaceiros sozinhos até que eles percebessem que estavam fazendo papel
de idiotas.
Mas
agora era diferente; os grevistas nas cidades tinham armas e chegaram para
dominar o poder político. No último segundo, a Confederação Geral do Trabalho
os dissuadiu da ideia. Na teoria, 1920 trouxe sucesso para os trabalhadores,
tanto industriais quanto do campo. Mas quase todas as outras categorias sociais
estavam irritadas. Se o Estado não fazia nada, por que não usar os arditi ou fascisti armadas?
Outro
nome foi dado à violência italiana contra os eslovenos em Trieste em julho de
1920; os jovens do Fascio que
queimaram o quartel-general esloveno foram chamados de squadristi. Em Emilia, também, os esquadrões fascistas entraram em
ação contra grevistas agrários. Mussolini estava ansioso em não ficar do lado
dos empresários quando as fábricas fossem ocupadas.
Mas,
de fato, ele foi obrigado a fazer uso da ansiedade e irritação de todos os
adversários dos sindicatos; isto era irresistível para um homem sedento de
poder e inescrupuloso. Ele conseguiu roubar os louros de D´Annuzio, o qual
tinha reduzido Fiume ao caos; ele encontrou apoio pelos manifestantes antigreve
em Emilia.
Muitos
sindicalistas e futuristas, incluindo Marinetti, agora o abandonavam
parcialmente, pois Mussolini, antes um ateu radical, estava começando a dar
gestos conciliadores para a Igreja.
Nos
próximos dois anos, Mussolini manipulou com habilidade. Ele derrotou D´Annuzio
e Marinetti ao ser menos honrado e mais ambicioso do que eles. Em 1921, ele
entusiasticamente se uniu ao bloco nacionalista de Giolitti. Seus fascistas receberam
carta branca para aterrorizar algumas áreas – “nossos Black and Tans”, disse Giolitti[6] – e eles ganharam 35 cadeiras na
Câmara na eleição de maio de 1921.
Agora,
os comunistas saíram do partido socialista. Mussolini estava impressionado como
Giolitti tirou D´Annuzio de Fiume e, após as extravagâncias da campanha
eleitoral, no início de agosto ele achou melhor fazer um “pacto de pacificação”
com os líderes sindicais, abandonando os métodos violentos por enquanto. No
outono de 1921, Mussolini transformou seu Fasci
em um partido político que possuía sua própria força paramilitar, o Squadre.
Contudo,
não foi até setembro de 1922 que Mussolini atravessou seu Rubicão[7] ao aceitar
a Monarquia, um passo essencial se sua sede de poder fosse satisfeita sem uma
guerra civil. Ele foi o mais ardente dos republicanos; e a tradição republicana
era forte na Itália.
Essa
renúncia foi seu passo final em direção da respeitabilidade. Isto foi tornado
possível pelo Rei, após o congresso fascista em Nápoles e outra mostra de força
chamada “A Marcha sobre Roma”, para revogar o estado de sítio que havia
declarado; ele, então, convidou Mussolini para comandar um governo de coalizão.
Mussolini
insistiu em presidir, mas seu gabinete incluía quatro liberais de pensamentos
diferentes, dois direitistas do Popolari,
um nacionalista, assim como quatro outros fascistas, os dois chefes de serviço
e o filósofo Gentili. O que o fascismo significava estava mais obscuro do que
antes; algumas pessoas pensaram que ele tornar-se-ia uma forma de Giolittismo, só que menos protecionista.
Quando
indicou Mussolini, o Rei se recusou a dissolver o Parlamento. Isto deu a
Mussolini tempo de abolir a representação proporcional e aprovar a Lei
eleitoral Acerbo que garantia ao maior partido dois terços das cadeiras na
Câmara. Novas eleições foram fixadas em abril de 1924.
Na
campanha eleitoral os fascistas ganharam impiedosamente dos socialistas e dos
Popolari. De fato, o fascismo tornou-se identificado com propaganda mentirosa e
vitória sobre os adversários. Apesar da intimidação fascista, um terço do
eleitorado votou contra Mussolini.
Entre
os socialistas eleitos em 1924 esta o moderado e habilidoso Giacomo Matteoti.
Em 30 de maio, seis dias após o encontro da Câmara, entre interrupções furiosas
dos fascistas, Matteotti descreveu, por mais de uma hora, em detalhes o reino
de terror fascista durante a campanha eleitoral, e exigiu que a eleição fosse
declarada inválida.
Mussolini
ordenou que a vida fosse “tornada difícil” para os adversários como Amendola e
Gobetti, que mais tarde sofrerão agressões físicas. O Popolo d´Italia, após o discurso de Matteotti, declarou que ele
merecia mais do que lágrimas de indignação.
Em
10 de junho, uma gangue de ex-squadristi atacou Matteotti e o assassinou,
apesar de não ser provável que sua morte imediata tenha sido planejada. Seu
assassinato teve um efeito devastador na opinião pública, que ficou
profundamente chocada. O fascismo parecia ser reconhecido pelo que ele era, e
Mussolini perdeu apoio de forma sensacional.
Assim,
não havia razão para o Rei não demiti-lo como instigador do crime. Em nenhum
outro país uma ditadura nasceu de tal situação. Então, os inimigos de Mussolini
cometeram o erro catastrófico de abandonar o parlamento rumo ao seu Aventino[8]
e de falhar em acabar com suas
diferenças. A fuga permitiu ao Rei, que detestava a maioria dessas pessoas como
republicanos, condená-los como subversivos.
Suas
desavenças obrigaram os industrialistas a se sentirem mais confiantes em
Mussolini; o Papa, surpreendentemente, tomou o lado de Mussolini. No final de
1924, Mussolini percebeu que ele poderia converter a situação após o
assassinato de Matteotti a seu favor.
Em
3 de janeiro de 1925, ele fez um discurso na Câmara aceitando responsabilidade
pessoal por tudo o que havia acontecido e estabeleceu um governo plenamente fascista.
Talvez isto tenha sido o seu Rubicão.
Uma
após outra, todas as liberdades foram destruídas na Itália. Parecia uma
eternidade desde o impulso original Adriático e futurista até o
Estado-policial, com o Rei e o Senado vivendo à sombra do Grande Conselho
Fascista.
Alguns
anos após o assassinato de Matteotti, o elemento corporativista ou sindicalista
foi introduzido no sistema; este processo culminou em 1939 quando a Assembleia
das Corporações finalmente assumiu o lugar do antigo Parlamento eleito.
Notas:
[1]
A Vitória de Samotrácia,
também conhecida como Nice de Samotrácia, é uma escultura que representa a deusa grega Nice.
[2] Anatólia ou península anatoliana, também conhecida como Ásia Menor, denota a protrusão ocidental da Ásia,
que compõe a maior parte da República
da Turquia. A
região é banhada pelo mar
Negro ao norte, o mar
Mediterrâneo ao sul, e do mar
Egeu, a oeste.
[3] O termo irredentismo indica a aspiração de um povo a
completar a própria unidade territorial nacional, anexando terras sujeitas ao
domínio estrangeiro ("terras irredentas") com base em teorias de uma
identidade étnica ou de uma precedente posse histórica, verdadeira ou suposta.
[4] A Tríplice Aliança foi uma
aliança militar entre Alemanha, Áustria-Hungria e Itália. Ela durou de 20 de
maio de 1882 até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Cada membro
prometia apoio mútuo no caso de um ataque por outra grande potência, ou, no
caso da Alemanha e Itália, de um ataque somente da França.
[5] O Mazzinianismo é uma escola
de pensamento que apoia as ideias políticas de Giuseppe Mazzini, patriota,
filósofo político e italiano, e significa a ideia de que a libertação da Itália
só poderia ser feita através do estabelecimento de um Estado republicano
unitário e a redenção nacional só poderia ser alcançada pelas pessoas animadas
por uma profunda fé religiosa (uma espécie de religião secular da Pátria).
[6] Os Black and Tans foram
uma força de combate de elite composta em sua maioria por veteranos britânicos da Primeira
Guerra Mundial, empregados pela Royal Irish Constabulary (a Real Polícia Irlandesa) como uma força especial entre
os anos de 1920 e 1921 para reprimir as
rebeliões na Irlanda. Apesar de ter sido constituído com o objetivo de
combater os membros do Exército
Republicano Irlandês (IRA), eles foram constantemente usados para reprimir
outros movimentos populares. Eles ficaram conhecidos por, em várias ocasiões,
brutalizar e abrir fogo à queima roupa contra civis irlandeses.
[7] Esta expressão significa tomar uma decisão que se
traduzirá numa perigosa empresa, pensar em grande, ou ainda, ultrapassar
fronteiras, defrontando-se com um caminho duvidoso e potencialmente perigoso.
Rubicão era o nome antigamente utilizado para designar um curso de água na
Itália Setentrional, que corria para o mar Adriático. Na época do império
romano, este rio tinha uma importância notável: a lei romana proibia que o rio
Rubicão fosse atravessado por qualquer legião do exército romano; dessa forma,
a lei assim protegia a República de ameaça militar interna. No dia 11 de
Janeiro de 49 a.C., o general e estadista romano Caio Júlio César tomou uma
decisão radical: atravessar o rio Rubicão, seguido pelo seu exército. Nessa
ocasião, segundo o historiador Suetonius, Júlio César terá proferido a também
famosa frase latina “alea jacta est”, significando: a sorte está lançada!
[8] Segundo
a mitologia, foi no monte
Aventino que Hércules matou Caco. Durante a época do fascismo italiano, vários deputados da oposição refugiaram-se nesta colina
após o assassinato de Giacomo
Matteotti, aqui terminando — pela designada Secessão Aventiniana — a sua presença no Parlamento e, consequentemente, a sua atividade
política. Atualmente constitui uma zona residencial de Roma.
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