Deutschewelle, 28/01/2015
Oded Breda aponta para um pedaço amarelado de papel. Ele
conhece essas linhas escritas quase de cor, são as anotações de um prisioneiro
de 13 anos, que descreve no seu diário um jogo de futebol no campo de
concentração de Theresienstadt, em 1944.
Só que esse não foi um jogo que se prestava à
diversão, mas à propaganda nazista. A SS colocou prisioneiros saudáveis, com
roupas limpas, nas primeiras fileiras dos assentos, bem perto das câmeras.
Idosos e doentes foram escondidos. "Temos que ver a propaganda de forma
crítica", diz Breda. "Caso contrário, o jogo parece um acampamento de
verão."
Breda, um israelense de 60 anos, especialista
em computação, é diretor da Beit Theresienstadt, a Casa Theresienstadt, um
memorial em Givat Haim, um kibutz ao norte de Tel Aviv. A casa é inspirada nos
muros angulosos da Fortaleza de Theresienstadt.
Breda caminha até a frente da sala e passa a
mão sobre fotos emolduradas em preto e branco: são fotos daquele filme de
propaganda. Nelas há prisioneiros aparentemente felizes na biblioteca ou na
sáuna. Eles aparecem como escultores, músicos de orquestra, metalúrgicos. E
como jogadores de futebol num pátio de quartel, cercados por milhares de
espectadores. O filme se tornou um mito. Seu título não oficial: "O führer presenteia os judeus com uma
cidade".
Uma das fotos mostra um homem jovem, loiro e forte. Ele
entra no campo empoeirado de Theresienstadt, sua camisa branca tem, bordada,
uma estrela amarela. "Esta foto me tira o sono", diz Breda. A imagem
é do seu tio Pavel. Sorrindo.
O pai dele, Moshe, foi um dos poucos membros da família que conseguiram escapar para a Palestina, em 1939. Breda perguntou a ele o que havia acontecido com o tio Pavel em Theresienstadt, mas não obteve resposta. Um dia, Breda não aguentou mais, largou o emprego e se dedicou à pesquisa sobre Theresienstadt, sua família, suas raízes. E – o que no início jamais imaginaria – sobre jogos de futebol no campo de concentração.
O pai dele, Moshe, foi um dos poucos membros da família que conseguiram escapar para a Palestina, em 1939. Breda perguntou a ele o que havia acontecido com o tio Pavel em Theresienstadt, mas não obteve resposta. Um dia, Breda não aguentou mais, largou o emprego e se dedicou à pesquisa sobre Theresienstadt, sua família, suas raízes. E – o que no início jamais imaginaria – sobre jogos de futebol no campo de concentração.
Campo "modelo"
Os nazistas usaram Theresienstadt, perto de
Praga, como um campo de trânsito, antes de os prisioneiros serem enviados para
os campos de extermínio, como Auschwitz. No final de 1943, 450 judeus foram
deportados para lá, vindos da Dinamarca. O governo dinamarquês fez questão que
inspetores avaliassem o local. Antes disso, os presos tiveram que renovar as
casas.
Em 23 de junho de 1944, uma delegação da Cruz
Vermelha Internacional visitou o gueto, e foi ludibriada pelas "medidas de
embelezamento". O comandante do campo ordenou que fosse feito um filme de
propaganda, mostrando os internos trabalhando em jardinagem, famílias jogando
cartas e um jogo de futebol entre os trabalhadores da "câmara de
roupas" e da "assistência à juventude". A maioria dos jogadores
e espectadores morreu algumas semanas mais tarde em Auschwitz. Das 157 mil
pessoas que passaram por Theresienstadt, só 4 mil sobreviveram.
As imagens do filme nem sempre são nítidas. Assim, por
muito tempo, Breda não teve certeza se seu tio Pavel havia participado no jogo.
Breda pesquisou em Brünn e Praga, em arquivos e sinagogas. Oito anos atrás,
visitou a Casa Theresienstadt, construída pelos sobreviventes na década de
1970.
Lá conheceu Peter Erben, o último daqueles
jogadores de futebol ainda vivo. Erben, com 94 anos, confirmou que Pavel
participara da partida, jogando no time da "assistência à juventude".
Quatro semanas depois da filmagem, Pavel foi enviado a Auschwitz, onde morreu
de inanição, aos 20 anos.
Breda coletou notas, desenhos, memórias e
rascunhos de planos de jogos. Com amigos, reconstruiu a Liga Terezin: no pátio
do quartel, no chamado "Barracão de Dresden", foram realizados, entre
1942 e 1944, dezenas de jogos. As equipes eram divididas conforme as profissões
dos internos: cozinheiros contra eletricistas, jardineiros contra alfaiates.
Outros jogadores quiseram prestar homenagem a seus times favoritos, unindo-se
em equipes, chamadas Fortuna Colônia ou Fortuna Viena. "O futebol
proporcionava um pouco de solidariedade", diz Breda.
Novas maneiras de transmitir a história
Há seis anos, Breda inaugurou a exposição Liga Terezin,
como sala para juventude do memorial em Givat Haim. Todo outono é realizado um
torneio em memória da época, em que jovens jogam vestidos com reproduções das
camisas das equipes do campo de concentração.
"A geração mais jovem vive numa
sociedade de bem-estar, e refletir sobre o Holocausto é, muitas vezes, encarado
como uma tarefa obrigatória para eles", diz Breda, acrescentando que,
através do futebol, ele pode falar para jovens que não alcançaria de outra
forma.
Breda produziu um filme de 50 minutos, em cooperação
com os jornalistas Mike Schwartz e Avi Kanner. Breda e Schwartz vão exibir a
obra a partir desta segunda-feira (26/01) em sete cidades alemãs, 70 anos
depois da libertação de Auschwitz, incluindo Berlim, Munique e Stuttgart.
Segundo estimativas, vivem ainda 350 mil
sobreviventes do Holocausto. Essa geração provavelmente não existirá dentro de
15 anos. Por isso, museus e memoriais precisam pensar em novas maneiras de
transmitir a história. Breda quer resgatar velhos exemplos através do futebol.
Pavel Mahrer, por exemplo, participou dos
Jogos Olímpicos de 1924 pela Tchecoslováquia. Ele jogou nos Estados Unidos e,
durante a crise econômica, foi para a Europa. Mahrer foi deportado para
Theresienstadt, onde jogou pela equipe dos açougueiros.
Quando Breda recebe os jovens em seu
memorial, menciona não só o elevado número de mortes do Holocausto. Ele também
conta histórias pessoais, como as de seu tio e de Pavel Mahrer.
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