sábado, 12 de novembro de 2016

[POL] O Fascismo Japonês Revisitado

Marcus Willensky


Impacto do IMTFE

Em 4 de junho de 1946, o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (IMTFE, sigla em inglês) reuniu-se no antigo prédio do Ministério do Exército Japonês. Durante o discurso inicial, o Promotor-Chefe Joseph B. Keenan pronunciou o seguinte:

A evidência mostrará que sociedades secretas ultranacionalistas e a camarilha militarista recorreram a crimes e, assim, exerceram grande influência em favor da agressão militar. Os assassinatos e ameaças de revolta permitiram aos militares maior dominação sobre o governo civil e a indicação de novas pessoas favoráveis a eles e suas políticas. Esta tendência tornou-se maior e mais entrincheirada até 18 de outubro de 1941, quando os militares assumiram o controle completo e total de todos os órgãos do governo, tanto civis como militares.

A acusação de Keenan continua a alimentar o debate dentro dos círculos acadêmicos a respeito do Japão pré-guerra e a natureza de seu governo imperial. A alegação da promotoria de que o governo japonês participou de uma conspiração para iniciar uma guerra declarada ou não ou guerras de agressão... em violação à lei internacional... com o objetivo de assegurar o domínio militar, naval, político e econômico do Extremo Oriente... e no final a dominação mundial” implica em todos os japoneses da era pré-guerra como cúmplices desse plano sinistro.

Esta análise, embora baseada em elementos verdadeiros, infelizmente esconde a cadeia de eventos e seu contexto mais amplo global e histórico, impedindo uma compreensão mais profunda do que aconteceu no Japão. Historiadores, jornalistas e escritores ocidentais, estando conscientes ou não das especificidades da acusação do IMTFE, têm respondido a elas de uma forma ou de outra por aproximadamente 60 anos (n. do T.: artigo escrito em 2005). Para estas pessoas, o IMTFE tem tido um impacto duradouro completamente desproporcional ao seu efeito no resto do mundo.

Em 1946, a ideia de que o Japão Imperial, como a Alemanha Nazista e a Itália Fascista, era uma nação criminosa que se envolveu numa conspiração para controlar o mundo era, logo após o lançamento de duas bombas atômicas, um argumento definitivo para os Aliados vitoriosos. Em 2005, contudo, a acusação do IMTFE não precisa dominar as discussões sobre o Japão Imperial. O acesso atual aos documentos nos Arquivos Nacionais nos EUA e na Biblioteca Nacional e Instituto Nacional para Estudos de Defesa no Japão dão aos estudiosos atuais uma vasta gama de informações, tudo isso livre da mácula da justiça dos vencedores e da necessidade de transformar os líderes do Japão na guerra em culpados de crimes contra a humanidade.

Um aspecto crítico do legado do IMTFE que nunca foi entendido satisfatoriamente é a questão do fascismo no Japão pré-guerra. Uma análise mais recente destas questões e o estabelecimento de um diálogo através do qual o assunto pode ser visto de uma forma mais moderna, sem os preconceitos do IMTFE ou da Guerra Fria, é dolorosamente necessário devido à realidade criada pelo mundo fechado e isolado dos estudiosos ocidentais do Japão Imperial.

Japão Imperial, Fascismo e Extrema Direita

No final dos anos 1920, 30 e 40 a imprensa japonesa estava envolvida completamente em discussões sobre o fascismo e centenas de livros foram escritos antes e após a Segunda Guerra Mundial discutiram sua aplicabilidade, tanto pró como contra, ao Japão Imperial. Para o IMTFE e os Aliados vitoriosos não havia dúvidas de que o Japão Imperial era uma nação “fascista” forjada segundo os moldes da Alemanha Nazista e da Itália Fascista. Foi somente na era pós-julgamento que autores japoneses, como Maruyama Masao, começaram a discutir seriamente as implicações para os historiadores em rotular a era pré-guerra como fascista. Nos 50 anos seguintes, o consenso equilibrou-se na questão e hoje há tantos estudiosos que usam o termo quanto aqueles que o recusam, tanto no Japão como no Ocidente.

O fascismo foi um tópico importante e controverso no período inicial Showa[1]. A ala direita reformista, kakushin uyoku, exibia mais do que um fascínio passageiro com o conceito e muitos de seus membros, em especial Nakano Seigo, não escondiam sua admiração por Mussolini e pelos sucessos de seu Partido Fascista, o Fascio di Combattimento. A direita idealista, kannen uyoku, por outro lado, rejeitava o fascismo assim como rejeitavam todas as coisas de clara origem ocidental. Grandes áreas cinzentas existiam, por exemplo, a Grande Partido da Produção do Grande Japão, Dai Nippon Seisan To, proeminente partido autodeclarado fascista, foi criado com a ajuda de Toyama Mitsuru – sem dúvida o membro mais poderoso da direita idealista. Estudiosos atuais são frequentemente esquerda em relação à tarefa ingrata de apenas concluir que a direita estava ciente da, ou influenciado pela, existência do Fascismo na Itália.

O que é Fascismo?

Qualquer leitura mais atenta dos jornais, tratados políticos, diários e periódicos japoneses do pré-guerra confirma o uso comum do termo fashizumu. Um aspecto importante deste fenômeno foi o debate acalorado sobre o significado de fascismo na Europa e as implicações para sua ascensão no Japão que enfureceu a mídia japonesa no pré-guerra. Começando no início dos anos 1930, autores japoneses progressivamente deram vazão a um medo atormentador de que o fascismo já poderia ter chegado ao Japão. Um exemplo é um artigo de 1932 da Trans-Pacífico intitulado “O Conflito entre o Fascismo e o Parlamentarismo”, o que dizia:

O Japão está desordenadamente temeroso do que implica o termo Fascismo, mas na verdade muito dele já chegou. O próprio governo Saito pode ser considerado um já que ele suspendeu muitas das funções do Parlamento como uma máquina para a discussão dos planos nacionais.

A discussão japonesa do pós-guerra sobre o Japão Imperial engloba esses receios e geralmente considera a aplicabilidade do termo fascista no período. Este não é o caso com os estudiosos ocidentais e talvez nenhum tópico simples – com a possível exceção do Massacre de Nanquim[2] – divida de forma tão honesta a pesquisa dos atuais historiadores e cientistas sociais no Japão e no Ocidente. Em geral, estudiosos ocidentais rejeitam o uso do termo, enquanto que suas contrapartes japonesas largamente o aceitam.

Na era pré-guerra, a situação era quase exatamente o reverso; escritores ocidentais sentenciaram majoritariamente que o Japão Imperial era uma nação fascista e os escritores japoneses frequentemente o negavam, preferindo a descrever os eventos em ermos de japanismo ou nipponshugi. Membros da direita eram rotineiramente acusados de ser fascistas, mesmo pela imprensa japonesa, mas por motivos que permanecem obscuros eles negavam qualquer conexão. Por que os estudiosos modernos negligenciam este fenômeno interessante?

Uma tendência em pesquisa, especialmente no Ocidente, é diluir o assunto e falar de exemplos isolados de fascismo tendo existido, assim evitando a grande questão de se o sistema japonês de governo era, ele próprio, fascista. Reconhecendo a existência do fascismo no Japão pré-guerra, contudo, é diferente e muito menos complicada do que dizer que o governo do Japão Imperial era fascista. Nesta questão, existe uma dúvida razoável e isto justifica uma análise mais cuidadosa do governo imperial. Também exige uma definição precisa do termo fascismo.

Em qualquer tentativa de explicar o fascismo, cuidado deve ser tomado para diferenciar entre as definições teórica, política e governamental. Uma coisa é dizer que as instituições, grupos ou mesmo a burocracia japonesas do pré-guerra estavam praticando uma forma de fascismo e totalmente diferente é dizer que eles estavam praticando o fascismo tal como o entendemos ter sido aplicado na Itália e na Alemanha. Existem grandes diferenças entre o que Mussolini e Hitler fizeram antes de chegarem ao poder e o que geralmente é reconhecido ter sido as políticas de seus governos na prática. Logo, para começar, gostaria de postular que fascismo como teoria e o fascismo na prática podem ser tão disparates que se podem considera-los sem relação entre si.

Quando Ivan Morris escreve que “o fascismo perdeu muito do seu valor semântico desde que foi transformado como um termo pejorativo para descrever pessoas ou ideias impopulares”, ele inconscientemente determina o grande problema com muitas discussões pós-guerra do termo. Em 2005, “fascista” é frequentemente um epíteto para quaisquer grupos vistos como reacionários ou autoritários. Assim, vemos grupos de esquerda se referindo ao governo americano como fascista ao mesmo tempo que vemos membros do governo se referindo a grupos extremistas como Nação Ariana e Ku Klux Klan como fascistas.

Esta situação resultou na necessidade de analisar o fascismo através de fontes primárias, especificamente o artigo de 1932 de Mussolini, “A Doutrina do Fascismo” e ao trabalho de 1925 do Ministro da Justiça fascista, Alfredo Rocco, “A Doutrina Política do Fascismo”. Ambos são conceitos esquecidos do fascismo e ambos pretendem ser definições do fascismo teórico. Podemos assumir então que é possível ligar a teoria fascista à forma de governo, e Mussolini parece fazê-lo quando ele escreve:

O fascismo é hoje claramente definido não somente como um regime, mas como uma doutrina. E quero dizer com isso que o fascismo hoje, autocrítico assim como crítico de outros movimentos, tem um ponto de vista inequívoco de si mesmo, um critério e, portanto, um objetivo em face de todos os problemas materiais e intelectuais que oprimem os povos do mundo.

Não obstante, este artigo pode ter sido uma fonte de confusão mais tarde ao nível teórico e jamais conecta a doutrina fascista com seu próprio regime. Ao invés disso, o artigo limita-se a definições bombásticas e dramáticas para o fascismo teórico.

Apesar deste problema, o uso do trabalho de Mussolini – como fundador do movimento fascista e criador do termo fascismo – é, sem dúvidas, válido. A Doutrina Política do Fascismo de Rocco é citado porque é um dos primeiros trabalhos publicados a tentar decifrar o termo e também porque Mussolini aprovou totalmente o conteúdo como apresentando “de uma forma brilhante a doutrina do Fascismo”. O fascismo, em sua forma original, era um movimento de ação e não fórmulas - o primeiro slogan do regime foi: “Sem dogma! A Disciplina é suficiente!” Consequentemente, confusão sobre o significado de fascismo existiu desde o início. Angelo Tasca, um marxista italiano do pré-guerra, na tentativa de definir fascismo descobriu a impossibilidade da tarefa e finalmente concluiu que “Fascismo é uma ditadura; tal é o ponto de partida de todas as definições que até o presente têm sido tentadas. Além disso não há consenso... Nosso modo de definir o fascismo é escrever sua história.”

Escrevendo no início da história do fascismo, Mussolini e Rocco não precisavam se preocupar com a consistência entre teoria e prática se na Itália ou em qualquer outro lugar. Eles foram, portanto, capazes de evitar uma das maiores perguntas mais irritantes, que agora atormenta os estudiosos – como definir fascismo de modo que ele possa ser usado como termo comparativo.

Rocco começa identificando os pontos salientes encontrados nas doutrinas políticas contra os quais o fascismo se posicionaria e, então, as contrastaria com sua visão do movimento:

O fascismo jamais levanta a questão de métodos, usando em sua prática política agora métodos liberais, meios democráticos e, algumas vezes, dispositivos socialistas. Esta indiferença com o método frequentemente expõe o fascismo à acusação de incoerente em relação a observadores superficiais, que não veem que o que conta para nós são os fins e que, assim, mesmo quando empregamos os mesmos meios agimos com um espírito radicalmente diferente e aspiramos resultados totalmente diferentes.

        
Fica claro desta passagem que Rocco abraça a ideia de que o fascismo era multifacetado e, às vezes, contraditório e isto tem implicações mais abrangentes para o debate atual.

Se aceitarmos a confissão de Rocco que para o fascismo os fins e não os meios são a chave para qualquer entendimento do termo, então aceitamos a ideia de que o fascismo pode assumir muitas formas em diferentes países e situações. O objetivo final que Rocco e Mussolini estavam perseguindo era a criação de um Estado todo-poderoso que teria um papel central na organização das vidas de todos os cidadãos. Como isto seria atingido era menos importante para eles do que sua realização. Isto afasta muitas das afirmações ubíquas sobre a aplicação do termo fascismo ao Japão Imperial, qual seja, que as realidades políticas da Alemanha Nazista, Itália Fascista e Império Japonês desafiam uma definição comum. A posição de muitos estudiosos japoneses que “algumas vezes as diferenças acidentais são somadas para formar uma diferença essencial” é uma falha em entender as intenções dos criadores do fascismo.

Giovanni Gentile, Ministro da Educação de Mussolini e um proeminente teórico fascista, comentou que o Fascismo “pela virtude de sua repugnância ao ‘intelectualismo’ prefere não perder tempo construindo teorias abstratas sobre si próprio.” Dada esta reticência, estudiosos modernos são mal conduzidos quando eles tentam uma definição que depende da especificidade dos métodos políticos e estruturas. Parece claro que o governo da Itália Fascista exibia uma preferência por ação política pragmática livre de princípios políticos. François Furet, conhecido historiador francês, escreve em “A Morte de uma Ilusão” sobre a natureza maquiavélica do fascismo e mesmo vai longe fazendo comparações com o Comunismo Soviético – seu opositor político e intelectual – quando ele diz que ambos abraçaram o “conceito que qualquer coisa que servia à causa era boa.”

Se os fascistas viam seu movimento como aquele que estava livre em copiar outras fontes políticas e aplica-las a situações específicas, então parece razoável aceitar que o fascismo poderia assumir diferentes formas nos países europeus e asiáticos. Apesar de Gentile insistir que o fascismo “...não é uma teoria política que pode ser definida em uma série de fórmulas,” analistas modernos geralmente entendem o fascismo em aplicação ser “...a organização totalitária de governo e sociedade de uma ditadura de partido único, intensamente nacionalista, racialista, militarista e imperialista.” Obviamente, isso está extremamente simplificado, mas esta definição certamente aplica-se à Itália Fascista; analogamente, escritores japoneses nos anos 1930 parecem ter compreendido o fascismo sob esta luz. Escrevendo em 1932, o mesmo ano que o artigo de Mussolini foi publicado, Yoshino Sakuzo escreveu,

Definir o Fascismo é uma tarefa extremamente difícil. Podemos, contudo, dizer, em termos gerais, que ele implica no governo de uns poucos disciplinados e decididos sobre a maioria indisciplinada e indecisa. É antidemocrático, e particularmente antiparlamentarista; é nacional ao invés de internacional; e tende a adorar o Estado ao invés do indivíduo, ou qualquer grupo de indivíduos, exceto, é claro, o grupo decidido em cujas mãos o poder está concentrado. Estas são as ideias que animam os vários grupos no Japão [...] e, portanto, apesar de seu repúdio ocasional do título, eles podem ser tranquilamente chamados de fascistas.

O comentário de Yoshino apresenta uma questão interessante: por que era necessário para os japoneses do pré-guerra, não somente os membros do uyoku, mas os membros das forças armadas, a burocracia e mesmo os partidos políticos – notavelmente o Seiyukai – negar que eles eram fascistas? E se estes grupos e indivíduos não eram fascistas, por que tantos escritores os descrevem como tais? O que motivou a mídia pré-guerra discutir a dinâmica política japonesa em termos de fascismo? Em 1936, a Trans-Pacific fez uma entrevista com o coronel Hashimoto Kingoro com o título “Chefe do Partido Novo nega que ele seja fascista”:

Algumas pessoas dizem que eu sou fascista ou um tipo de Hitler feito no Japão, eles não entendem minhas intenções. Não sou um simples soldado aposentado... Olhem para a bandeira de nosso partido. É um sol branco contra um fundo vermelho. Na cabeça branca do sol, estamos aqui para servir ao imperador com patriotismo vermelho de sangue. Apenas me observe! Hashimoto não é homem de ficar sentado e falando.

Excluindo-se a negação veemente de Hashimoto, contemporâneos dele frequentemente o descreviam como nacional-socialista e fascista. Seu Partido dos Jovens do Grande Japão, Dai Nippon Seinen To, copiou a imagem dos camisas negras de Mussolini com versões negras dos uniformes do Exército Imperial e uma bandeira que era um pouco mais do que uma cópia da bandeira nazista de Hitler sem a suástica. Além disso, a política de Hashimoto focava em um governo altamente centralizado interno e uma política externa agressiva. Deveríamos acreditar nas negações de Hashimoto? Qual qualidade outra que o fato dele ser japonês, e não italiano ou alemão, distinguia sua agenda da do fascismo?

O Império do Japão era Fascista?

O Japão pré-guerra exibia muitas das condições que os estudiosos modernos descrevem como fascismo. O Japão no início da Era Showa era intensamente nacionalista, racialista (incluindo a crença arraigada de que os japoneses eram racialmente superiores aos ocidentais e outros povos asiaticos), militarista e também imperialista. O que parece estar faltando é, nas palavras de Ebenstein, uma “organização totalitária de governo e sociedade por uma ditadura de um único partido.”

Se, contudo, aceitarmos que em 1940, seguindo o banimento do Minseito, do Seiyukai e de outros partidos políticos, a Associação para Assistência do Governo Imperial (IRAA, sigla em inglês), ou Taisei Yokusan Kai, era o único partido político existente, e se considerarmos que a Constituição Meiji deu ao Imperador poderes discricionários e garantiu-lhe de facto o status de comandante-em-chefe sobre todo o Exército e Marinha Imperiais, além de premiá-lo com o poder de criar e modificar leis, logo a estrutura básica do fascismo parece ter firmemente acontecido no Japão Imperial no período imedianto pré-guerra.

Alguns autores, em especial John Holiday em seu estudo marxista do capitalismo japonês argumentou mesmo que não devemos focar no período imediatamente anterior ao início da Segunda Guerra Mundial concluindo que, “se o Japão era ‘fascista’ em 1941, ele talvez devesse ser chamado ‘fascista’ em 1915.” E ainda, o consenso de que o Japão Imperial não era fascista inclui virtualmente todo autor ocidental sobre o tema, incluindo Gorden Berger, James Crowley, Peter Duus e mesmo os autores de história geral do Japão.

Qual característica do fascismo tal como praticado em outros países era tão notoriamente diferente que os estudiosos ocidentais a rejeitaram de forma universal quando aplicada ao Japão Imperial? Poderia ser simplesmente uma falha em entender o espírito do fascismo; uma falha em compreender que o fascismo na teoria e na prática podem ser totalmente diferentes; uma falha em perceber a natureza maquiavélica do fascismo? Abe Horozumi diz na conclusão do seu livro Introdução à Pesquisa do Fascismo Japonês (Nihon Fashizumu Kenkyu Josetsu):

Ninguém pode fugir à impressão de que a pesquisa sobre o fascismo japonês é muito dividida e confusa ao nível teórico. A confusão na teoria fascista não está confinada ao japão, mas... desde o final dos anos 1960 é um fenômeno mundial.

Este não precisa ser o caso. Se voltarmos às fontes primárias, torna-se claro que a visão de Mussolini existia no Japão Imperial em diversos níveis.

As forças armadas japonesas e a burocracia colocava grande ênfase ao pertencimento coletivo e a um passado comum. Iniciando no Meiji, Taisho e certamente no começo da Era Showa não havia  falta de propaganda mantida pelo governo planejada para ajudar o cidadão médio japonês a ver seu lugar em termos de “família”, “lar”, “nação” e sua relação com o Imperador em uma linha inquebrável através da história. Este processo garantiu a importância sagrada da língua japonesa, cultura e história. Parte desta doutrinação era uma ênfase na importância do kokutai, literalmente “o corpo do Estado”, no qual o conceito do indivíduo deve ser subsumido. Isto é um elemento importante do Fascismo tal como Mussolini o via:

Para o fascista, tudo é o Estado e nada humano ou espiritual existe, nada tem valor fora do Estado. Neste sentido, o fascismo é totalitário e o Estado Fascista, a síntese e unidade de todos os valores, interpreta, desenvolve e dá força à toda vida do povo.

Os líderes da burocracia imperial japonesa, notavelmente Hiranuma Kiichiro, viu a relação entre o cidadão japonês e o kokutai em termos muito semelhantes e pode ser argumentado que isto é o que o Primeiro-Ministro Konoye Fumimaro estava tentando fazer, ao instigar as forças armadas, com a aprovação da Lei de Mobilização Geral Nacional, Kokka Sodoin Ho. Esta lei objetivava não somente criar uma economia de guerra sintonizada, mas também transformar os cidadãos japoneses em súditos obedientes e inspirados do Estado. E o que o kokutai supostamente representava a não ser a soma total de tudo o que existia no Japão – um Estado que incluía todo cidadão do Império sob o jugo divino do Imperador? Não apenas um monarca absoluto, o Imperador era um governante divino e seu desejo era a raison d´etre da nação japonesa. Isto é o fascismo tal como Mussolini o via:

Indivíduos de classes de acordo com a semelhança de seus interesses, eles formam sindicatos de acordo com as atividades econômicas diferenciadas dentro destes interesses; mas eles formam primeiro, e acima de tudo, o Estado... não uma raça, nem uma determinada região geográfica, mas uma comunidade historicamente se perpetuando, uma multidão unificada por uma única idéia, que é o desejo de existência e poder.

No caso do Japão Imperial, este desejo à existência e poder era entendido como o desejo do Imperador e o kokutai que ele incorporava. Tivesse Mussolini escrito “A Doutrina do Fascismo” no século XIX, os oligarcas Meiji poderiam bem tê-lo usado como um esboço de sua visão do Japão Imperial, já que ele contém idéias paralelas ao que eles tentavam fazer. Eles não viam o Império sob a luz das democracias européias, não sob a luz de uma nação de indivíduos como os Estados Unidos, mas uma nação de um coração e mente. Como Hiranuma Kiichiro escreveu em 1932:

Nossa nação é constituída de um único governante, em uma linha inquebrável de descendência imperial, e seus súditos. É uma nação baseada na centralização da Família Imperial, com o povo inteiro ajudando seu governante na realização dos ideais nacionais. Em outras palavras, é o dever do povo, sob o comando do Imperador, exercer seus melhores esforços no sentido da realização das tarefas designadas a ele.

Não interessa que, como marionetistas, os oligarcas Meiji dissessem ao Imperador qual sua visão deveria ser; o que importa é que eles criaram uma cornucópia particular de mitos e valores modernos que, com a passagem do tempo, criou a fundação para uma nação “fascista”. O Japão Imperial era fascista não porque ele copiou de forma bem sucedida o que estava acontecendo na Itália e na Alemanha, mas porque era o que os oligarcas Meiji pretendiam acontecer, apesar de que na época eles não tinham uma palavra particular para descrevê-lo.   



Notas:

[1] O período Showa (literalmente "período iluminado de paz/harmonia), ou Era Showa, é o período da história do Japão correspondente ao reinado do Imperador Showa, Hirohito, de 25 de dezembro de 1926 até 7 de janeiro de 1989. O período Showa foi o mais longo período de todos os reinados dos Imperadores japoneses anteriores.

[2] O Massacre de Nanquim, também conhecido como o Estupro de Nanquim, foi um episódio de assassinato em massa e estupros em massa cometidos por tropas do Império do Japão contra a cidade de Nanquim, na China, durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, na Segunda Guerra Mundial. O massacre ocorreu durante um período de seis semanas a partir de 13 de dezembro de 1937, o dia em que os japoneses tomaram Nanquim, que na época era a capital chinesa. Durante este período, dezenas de milhares, se não centenas de milhares de civis chineses e combatentes desarmados foram mortos por soldados do Exército Imperial Japonês. Estupros e saques também ocorreram.

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