Marcus Willensky
Impacto do IMTFE
Em
4 de junho de 1946, o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente
(IMTFE, sigla em inglês) reuniu-se no antigo prédio do Ministério do Exército
Japonês. Durante o discurso inicial, o Promotor-Chefe Joseph B. Keenan
pronunciou o seguinte:
A evidência mostrará que sociedades secretas
ultranacionalistas e a camarilha militarista recorreram a crimes e, assim,
exerceram grande influência em favor da agressão militar. Os assassinatos e
ameaças de revolta permitiram aos militares maior dominação sobre o governo
civil e a indicação de novas pessoas favoráveis a eles e suas políticas. Esta
tendência tornou-se maior e mais entrincheirada até 18 de outubro de 1941,
quando os militares assumiram o controle completo e total de todos os órgãos do
governo, tanto civis como militares.
A
acusação de Keenan continua a alimentar o debate dentro dos círculos acadêmicos
a respeito do Japão pré-guerra e a natureza de seu governo imperial. A alegação
da promotoria de que o governo japonês participou de uma conspiração para
iniciar uma guerra declarada ou não ou guerras de agressão... em violação à lei
internacional... com o objetivo de assegurar o domínio militar, naval, político
e econômico do Extremo Oriente... e no final a dominação mundial” implica em
todos os japoneses da era pré-guerra como cúmplices desse plano sinistro.
Esta
análise, embora baseada em elementos verdadeiros, infelizmente esconde a cadeia
de eventos e seu contexto mais amplo global e histórico, impedindo uma
compreensão mais profunda do que aconteceu no Japão. Historiadores, jornalistas
e escritores ocidentais, estando conscientes ou não das especificidades da
acusação do IMTFE, têm respondido a elas de uma forma ou de outra por aproximadamente
60 anos (n. do T.: artigo escrito em 2005). Para estas pessoas, o IMTFE tem
tido um impacto duradouro completamente desproporcional ao seu efeito no resto
do mundo.
Em
1946, a ideia de que o Japão Imperial, como a Alemanha Nazista e a Itália
Fascista, era uma nação criminosa que se envolveu numa conspiração para
controlar o mundo era, logo após o lançamento de duas bombas atômicas, um
argumento definitivo para os Aliados vitoriosos. Em 2005, contudo, a acusação
do IMTFE não precisa dominar as discussões sobre o Japão Imperial. O acesso
atual aos documentos nos Arquivos Nacionais nos EUA e na Biblioteca Nacional e
Instituto Nacional para Estudos de Defesa no Japão dão aos estudiosos atuais
uma vasta gama de informações, tudo isso livre da mácula da justiça dos vencedores
e da necessidade de transformar os líderes do Japão na guerra em culpados de
crimes contra a humanidade.
Um
aspecto crítico do legado do IMTFE que nunca foi entendido satisfatoriamente é
a questão do fascismo no Japão pré-guerra. Uma análise mais recente destas
questões e o estabelecimento de um diálogo através do qual o assunto pode ser
visto de uma forma mais moderna, sem os preconceitos do IMTFE ou da Guerra
Fria, é dolorosamente necessário devido à realidade criada pelo mundo fechado e
isolado dos estudiosos ocidentais do Japão Imperial.
Japão Imperial, Fascismo e Extrema
Direita
No
final dos anos 1920, 30 e 40 a imprensa japonesa estava envolvida completamente
em discussões sobre o fascismo e centenas de livros foram escritos antes e após
a Segunda Guerra Mundial discutiram sua aplicabilidade, tanto pró como contra,
ao Japão Imperial. Para o IMTFE e os Aliados vitoriosos não havia dúvidas de
que o Japão Imperial era uma nação “fascista” forjada segundo os moldes da
Alemanha Nazista e da Itália Fascista. Foi somente na era pós-julgamento que
autores japoneses, como Maruyama Masao, começaram a discutir seriamente as
implicações para os historiadores em rotular a era pré-guerra como fascista.
Nos 50 anos seguintes, o consenso equilibrou-se na questão e hoje há tantos
estudiosos que usam o termo quanto aqueles que o recusam, tanto no Japão como
no Ocidente.
O
fascismo foi um tópico importante e controverso no período inicial Showa[1]. A
ala direita reformista, kakushin uyoku,
exibia mais do que um fascínio passageiro com o conceito e muitos de seus
membros, em especial Nakano Seigo, não escondiam sua admiração por Mussolini e
pelos sucessos de seu Partido Fascista, o Fascio
di Combattimento. A direita idealista, kannen
uyoku, por outro lado, rejeitava o fascismo assim como rejeitavam todas as
coisas de clara origem ocidental. Grandes áreas cinzentas existiam, por
exemplo, a Grande Partido da Produção do Grande Japão, Dai Nippon Seisan To, proeminente partido autodeclarado fascista,
foi criado com a ajuda de Toyama Mitsuru – sem dúvida o membro mais poderoso da
direita idealista. Estudiosos atuais são frequentemente esquerda em relação à
tarefa ingrata de apenas concluir que a direita estava ciente da, ou
influenciado pela, existência do Fascismo na Itália.
O que é Fascismo?
Qualquer
leitura mais atenta dos jornais, tratados políticos, diários e periódicos
japoneses do pré-guerra confirma o uso comum do termo fashizumu. Um aspecto importante deste fenômeno foi o debate
acalorado sobre o significado de fascismo na Europa e as implicações para sua
ascensão no Japão que enfureceu a mídia japonesa no pré-guerra. Começando no
início dos anos 1930, autores japoneses progressivamente deram vazão a um medo
atormentador de que o fascismo já poderia ter chegado ao Japão. Um exemplo é um
artigo de 1932 da Trans-Pacífico intitulado “O Conflito entre o Fascismo e o
Parlamentarismo”, o que dizia:
O Japão está desordenadamente temeroso do que
implica o termo Fascismo, mas na verdade muito dele já chegou. O próprio
governo Saito pode ser considerado um já que ele suspendeu muitas das funções
do Parlamento como uma máquina para a discussão dos planos nacionais.
A
discussão japonesa do pós-guerra sobre o Japão Imperial engloba esses receios e
geralmente considera a aplicabilidade do termo fascista no período. Este não é
o caso com os estudiosos ocidentais e talvez nenhum tópico simples – com a
possível exceção do Massacre de Nanquim[2] – divida de forma tão honesta a
pesquisa dos atuais historiadores e cientistas sociais no Japão e no Ocidente.
Em geral, estudiosos ocidentais rejeitam o uso do termo, enquanto que suas
contrapartes japonesas largamente o aceitam.
Na
era pré-guerra, a situação era quase exatamente o reverso; escritores
ocidentais sentenciaram majoritariamente que o Japão Imperial era uma nação
fascista e os escritores japoneses frequentemente o negavam, preferindo a
descrever os eventos em ermos de japanismo ou nipponshugi. Membros da direita eram rotineiramente acusados de ser
fascistas, mesmo pela imprensa japonesa, mas por motivos que permanecem
obscuros eles negavam qualquer conexão. Por que os estudiosos modernos
negligenciam este fenômeno interessante?
Uma
tendência em pesquisa, especialmente no Ocidente, é diluir o assunto e falar de
exemplos isolados de fascismo tendo existido, assim evitando a grande questão
de se o sistema japonês de governo era, ele próprio, fascista. Reconhecendo a
existência do fascismo no Japão pré-guerra, contudo, é diferente e muito menos
complicada do que dizer que o governo do Japão Imperial era fascista. Nesta
questão, existe uma dúvida razoável e isto justifica uma análise mais cuidadosa
do governo imperial. Também exige uma definição precisa do termo fascismo.
Em
qualquer tentativa de explicar o fascismo, cuidado deve ser tomado para
diferenciar entre as definições teórica, política e governamental. Uma coisa é
dizer que as instituições, grupos ou mesmo a burocracia japonesas do pré-guerra
estavam praticando uma forma de fascismo e totalmente diferente é dizer que
eles estavam praticando o fascismo tal como o entendemos ter sido aplicado na
Itália e na Alemanha. Existem grandes diferenças entre o que Mussolini e Hitler
fizeram antes de chegarem ao poder e o que geralmente é reconhecido ter sido as
políticas de seus governos na prática. Logo, para começar, gostaria de postular
que fascismo como teoria e o fascismo na prática podem ser tão disparates que
se podem considera-los sem relação entre si.
Quando
Ivan Morris escreve que “o fascismo perdeu muito do seu valor semântico desde
que foi transformado como um termo pejorativo para descrever pessoas ou ideias
impopulares”, ele inconscientemente determina o grande problema com muitas
discussões pós-guerra do termo. Em 2005, “fascista” é frequentemente um epíteto
para quaisquer grupos vistos como reacionários ou autoritários. Assim, vemos
grupos de esquerda se referindo ao governo americano como fascista ao mesmo
tempo que vemos membros do governo se referindo a grupos extremistas como Nação
Ariana e Ku Klux Klan como fascistas.
Esta
situação resultou na necessidade de analisar o fascismo através de fontes
primárias, especificamente o artigo de 1932 de Mussolini, “A Doutrina do
Fascismo” e ao trabalho de 1925 do Ministro da Justiça fascista, Alfredo Rocco,
“A Doutrina Política do Fascismo”. Ambos são conceitos esquecidos do fascismo e
ambos pretendem ser definições do fascismo teórico. Podemos assumir então que é
possível ligar a teoria fascista à forma de governo, e Mussolini parece fazê-lo
quando ele escreve:
O fascismo é hoje claramente definido não somente
como um regime, mas como uma doutrina. E quero dizer com isso que o fascismo
hoje, autocrítico assim como crítico de outros movimentos, tem um ponto de
vista inequívoco de si mesmo, um critério e, portanto, um objetivo em face de
todos os problemas materiais e intelectuais que oprimem os povos do mundo.
Não
obstante, este artigo pode ter sido uma fonte de confusão mais tarde ao nível
teórico e jamais conecta a doutrina fascista com seu próprio regime. Ao invés disso,
o artigo limita-se a definições bombásticas e dramáticas para o fascismo
teórico.
Apesar
deste problema, o uso do trabalho de Mussolini – como fundador do movimento
fascista e criador do termo fascismo
– é, sem dúvidas, válido. A Doutrina
Política do Fascismo de Rocco é citado porque é um dos primeiros trabalhos
publicados a tentar decifrar o termo e também porque Mussolini aprovou
totalmente o conteúdo como apresentando “de uma forma brilhante a doutrina do
Fascismo”. O fascismo, em sua forma original, era um movimento de ação e não fórmulas
- o primeiro slogan do regime foi: “Sem dogma! A Disciplina é suficiente!”
Consequentemente, confusão sobre o significado de fascismo existiu desde o
início. Angelo Tasca, um marxista italiano do pré-guerra, na tentativa de
definir fascismo descobriu a impossibilidade da tarefa e finalmente concluiu
que “Fascismo é uma ditadura; tal é o ponto de partida de todas as definições
que até o presente têm sido tentadas. Além disso não há consenso... Nosso modo
de definir o fascismo é escrever sua história.”
Escrevendo
no início da história do fascismo, Mussolini e Rocco não precisavam se
preocupar com a consistência entre teoria e prática se na Itália ou em qualquer
outro lugar. Eles foram, portanto, capazes de evitar uma das maiores perguntas
mais irritantes, que agora atormenta os estudiosos – como definir fascismo de
modo que ele possa ser usado como termo comparativo.
Rocco
começa identificando os pontos salientes encontrados nas doutrinas políticas
contra os quais o fascismo se posicionaria e, então, as contrastaria com sua
visão do movimento:
O fascismo jamais levanta a questão de métodos,
usando em sua prática política agora métodos liberais, meios democráticos e,
algumas vezes, dispositivos socialistas. Esta indiferença com o método
frequentemente expõe o fascismo à acusação de incoerente em relação a
observadores superficiais, que não veem que o que conta para nós são os fins e
que, assim, mesmo quando empregamos os mesmos meios agimos com um espírito
radicalmente diferente e aspiramos resultados totalmente diferentes.
Fica
claro desta passagem que Rocco abraça a ideia de que o fascismo era
multifacetado e, às vezes, contraditório e isto tem implicações mais
abrangentes para o debate atual.
Se
aceitarmos a confissão de Rocco que para o fascismo os fins e não os meios são
a chave para qualquer entendimento do termo, então aceitamos a ideia de que o
fascismo pode assumir muitas formas em diferentes países e situações. O
objetivo final que Rocco e Mussolini estavam perseguindo era a criação de um
Estado todo-poderoso que teria um papel central na organização das vidas de
todos os cidadãos. Como isto seria atingido era menos importante para eles do
que sua realização. Isto afasta muitas das afirmações ubíquas sobre a aplicação
do termo fascismo ao Japão Imperial, qual seja, que as realidades políticas da
Alemanha Nazista, Itália Fascista e Império Japonês desafiam uma definição
comum. A posição de muitos estudiosos japoneses que “algumas vezes as
diferenças acidentais são somadas para formar uma diferença essencial” é uma
falha em entender as intenções dos criadores do fascismo.
Giovanni
Gentile, Ministro da Educação de Mussolini e um proeminente teórico fascista,
comentou que o Fascismo “pela virtude de sua repugnância ao ‘intelectualismo’
prefere não perder tempo construindo teorias abstratas sobre si próprio.” Dada
esta reticência, estudiosos modernos são mal conduzidos quando eles tentam uma
definição que depende da especificidade dos métodos políticos e estruturas.
Parece claro que o governo da Itália Fascista exibia uma preferência por ação
política pragmática livre de princípios políticos. François Furet, conhecido
historiador francês, escreve em “A Morte de uma Ilusão” sobre a natureza
maquiavélica do fascismo e mesmo vai longe fazendo comparações com o Comunismo
Soviético – seu opositor político e intelectual – quando ele diz que ambos
abraçaram o “conceito que qualquer coisa que servia à causa era boa.”
Se
os fascistas viam seu movimento como aquele que estava livre em copiar outras
fontes políticas e aplica-las a situações específicas, então parece razoável
aceitar que o fascismo poderia assumir diferentes formas nos países europeus e
asiáticos. Apesar de Gentile insistir que o fascismo “...não é uma teoria
política que pode ser definida em uma série de fórmulas,” analistas modernos
geralmente entendem o fascismo em aplicação ser “...a organização totalitária
de governo e sociedade de uma ditadura de partido único, intensamente
nacionalista, racialista, militarista e imperialista.” Obviamente, isso está
extremamente simplificado, mas esta definição certamente aplica-se à Itália
Fascista; analogamente, escritores japoneses nos anos 1930 parecem ter
compreendido o fascismo sob esta luz. Escrevendo em 1932, o mesmo ano que o
artigo de Mussolini foi publicado, Yoshino Sakuzo escreveu,
Definir o Fascismo é uma tarefa extremamente
difícil. Podemos, contudo, dizer, em termos gerais, que ele implica no governo
de uns poucos disciplinados e decididos sobre a maioria indisciplinada e
indecisa. É antidemocrático, e particularmente antiparlamentarista; é nacional
ao invés de internacional; e tende a adorar o Estado ao invés do indivíduo, ou
qualquer grupo de indivíduos, exceto, é claro, o grupo decidido em cujas mãos o
poder está concentrado. Estas são as ideias que animam os vários grupos no
Japão [...] e, portanto, apesar de seu repúdio ocasional do título, eles podem
ser tranquilamente chamados de fascistas.
O
comentário de Yoshino apresenta uma questão interessante: por que era
necessário para os japoneses do pré-guerra, não somente os membros do uyoku, mas os membros das forças
armadas, a burocracia e mesmo os partidos políticos – notavelmente o Seiyukai – negar que eles eram
fascistas? E se estes grupos e indivíduos não eram fascistas, por que tantos
escritores os descrevem como tais? O que motivou a mídia pré-guerra discutir a
dinâmica política japonesa em termos de fascismo? Em 1936, a Trans-Pacific fez
uma entrevista com o coronel Hashimoto Kingoro com o título “Chefe do Partido
Novo nega que ele seja fascista”:
Algumas pessoas dizem que eu sou fascista ou um
tipo de Hitler feito no Japão, eles não entendem minhas intenções. Não sou um
simples soldado aposentado... Olhem para a bandeira de nosso partido. É um sol
branco contra um fundo vermelho. Na cabeça branca do sol, estamos aqui para
servir ao imperador com patriotismo vermelho de sangue. Apenas me observe!
Hashimoto não é homem de ficar sentado e falando.
Excluindo-se
a negação veemente de Hashimoto, contemporâneos dele frequentemente o
descreviam como nacional-socialista e fascista. Seu Partido dos Jovens do
Grande Japão, Dai Nippon Seinen To,
copiou a imagem dos camisas negras de Mussolini com versões negras dos
uniformes do Exército Imperial e uma bandeira que era um pouco mais do que uma
cópia da bandeira nazista de Hitler sem a suástica. Além disso, a política de
Hashimoto focava em um governo altamente centralizado interno e uma política
externa agressiva. Deveríamos acreditar nas negações de Hashimoto? Qual
qualidade outra que o fato dele ser japonês, e não italiano ou alemão,
distinguia sua agenda da do fascismo?
O Império do Japão era Fascista?
O
Japão pré-guerra exibia muitas das condições que os estudiosos modernos
descrevem como fascismo. O Japão no início da Era Showa era intensamente
nacionalista, racialista (incluindo a crença arraigada de que os japoneses eram
racialmente superiores aos ocidentais e outros povos asiaticos), militarista e
também imperialista. O que parece estar faltando é, nas palavras de Ebenstein,
uma “organização totalitária de governo e sociedade por uma ditadura de um
único partido.”
Se,
contudo, aceitarmos que em 1940, seguindo o banimento do Minseito, do Seiyukai
e de outros partidos políticos, a Associação para Assistência do Governo
Imperial (IRAA, sigla em inglês), ou Taisei Yokusan Kai, era o único partido
político existente, e se considerarmos que a Constituição Meiji deu ao
Imperador poderes discricionários e garantiu-lhe de facto o status de comandante-em-chefe sobre todo o Exército e
Marinha Imperiais, além de premiá-lo com o poder de criar e modificar leis,
logo a estrutura básica do fascismo parece ter firmemente acontecido no Japão
Imperial no período imedianto pré-guerra.
Alguns
autores, em especial John Holiday em seu estudo marxista do capitalismo japonês
argumentou mesmo que não devemos focar no período imediatamente anterior ao
início da Segunda Guerra Mundial concluindo que, “se o Japão era ‘fascista’ em
1941, ele talvez devesse ser chamado ‘fascista’ em 1915.” E ainda, o consenso
de que o Japão Imperial não era fascista inclui virtualmente todo autor
ocidental sobre o tema, incluindo Gorden Berger, James Crowley, Peter Duus e
mesmo os autores de história geral do Japão.
Qual
característica do fascismo tal como praticado em outros países era tão
notoriamente diferente que os estudiosos ocidentais a rejeitaram de forma
universal quando aplicada ao Japão Imperial? Poderia ser simplesmente uma falha
em entender o espírito do fascismo; uma falha em compreender que o fascismo na
teoria e na prática podem ser totalmente diferentes; uma falha em perceber a
natureza maquiavélica do fascismo? Abe Horozumi diz na conclusão do seu livro Introdução
à Pesquisa do Fascismo Japonês (Nihon Fashizumu Kenkyu Josetsu):
Ninguém pode fugir à impressão de que a pesquisa
sobre o fascismo japonês é muito dividida e confusa ao nível teórico. A
confusão na teoria fascista não está confinada ao japão, mas... desde o final
dos anos 1960 é um fenômeno mundial.
Este
não precisa ser o caso. Se voltarmos às fontes primárias, torna-se claro que a
visão de Mussolini existia no Japão Imperial em diversos níveis.
As
forças armadas japonesas e a burocracia colocava grande ênfase ao pertencimento
coletivo e a um passado comum. Iniciando no Meiji, Taisho e certamente no
começo da Era Showa não havia falta de
propaganda mantida pelo governo planejada para ajudar o cidadão médio japonês a
ver seu lugar em termos de “família”, “lar”, “nação” e sua relação com o
Imperador em uma linha inquebrável através da história. Este processo garantiu
a importância sagrada da língua japonesa, cultura e história. Parte desta
doutrinação era uma ênfase na importância do kokutai, literalmente “o corpo do Estado”, no qual o conceito do
indivíduo deve ser subsumido. Isto é um elemento importante do Fascismo tal
como Mussolini o via:
Para o fascista, tudo é o Estado e nada humano ou
espiritual existe, nada tem valor fora do Estado. Neste sentido, o fascismo é
totalitário e o Estado Fascista, a síntese e unidade de todos os valores,
interpreta, desenvolve e dá força à toda vida do povo.
Os
líderes da burocracia imperial japonesa, notavelmente Hiranuma Kiichiro, viu a
relação entre o cidadão japonês e o kokutai
em termos muito semelhantes e pode ser argumentado que isto é o que o
Primeiro-Ministro Konoye Fumimaro estava tentando fazer, ao instigar as forças
armadas, com a aprovação da Lei de Mobilização Geral Nacional, Kokka Sodoin Ho. Esta lei objetivava não
somente criar uma economia de guerra sintonizada, mas também transformar os
cidadãos japoneses em súditos obedientes e inspirados do Estado. E o que o kokutai supostamente representava a não
ser a soma total de tudo o que existia no Japão – um Estado que incluía todo
cidadão do Império sob o jugo divino do Imperador? Não apenas um monarca
absoluto, o Imperador era um governante divino e seu desejo era a raison d´etre da nação japonesa. Isto é
o fascismo tal como Mussolini o via:
Indivíduos de classes de acordo com a semelhança
de seus interesses, eles formam sindicatos de acordo com as atividades
econômicas diferenciadas dentro destes interesses; mas eles formam primeiro, e
acima de tudo, o Estado... não uma raça, nem uma determinada região geográfica,
mas uma comunidade historicamente se perpetuando, uma multidão unificada por
uma única idéia, que é o desejo de existência e poder.
No
caso do Japão Imperial, este desejo à existência e poder era entendido como o
desejo do Imperador e o kokutai que
ele incorporava. Tivesse Mussolini escrito “A Doutrina do Fascismo” no século
XIX, os oligarcas Meiji poderiam bem tê-lo usado como um esboço de sua visão do
Japão Imperial, já que ele contém idéias paralelas ao que eles tentavam fazer.
Eles não viam o Império sob a luz das democracias européias, não sob a luz de
uma nação de indivíduos como os Estados Unidos, mas uma nação de um coração e
mente. Como Hiranuma Kiichiro escreveu em 1932:
Nossa nação é constituída de um único governante,
em uma linha inquebrável de descendência imperial, e seus súditos. É uma nação
baseada na centralização da Família Imperial, com o povo inteiro ajudando seu governante
na realização dos ideais nacionais. Em outras palavras, é o dever do povo, sob
o comando do Imperador, exercer seus melhores esforços no sentido da realização
das tarefas designadas a ele.
Não
interessa que, como marionetistas, os oligarcas Meiji dissessem ao Imperador
qual sua visão deveria ser; o que importa é que eles criaram uma cornucópia
particular de mitos e valores modernos que, com a passagem do tempo, criou a
fundação para uma nação “fascista”. O Japão Imperial era fascista não porque
ele copiou de forma bem sucedida o que estava acontecendo na Itália e na
Alemanha, mas porque era o que os oligarcas Meiji pretendiam acontecer, apesar
de que na época eles não tinham uma palavra particular para descrevê-lo.
Notas:
[1] O período Showa
(literalmente "período iluminado de paz/harmonia), ou Era Showa, é o
período da história do Japão correspondente ao reinado do Imperador Showa,
Hirohito, de 25 de dezembro de 1926 até 7 de janeiro de 1989. O período Showa
foi o mais longo período de todos os reinados dos Imperadores japoneses
anteriores.
[2] O Massacre de Nanquim,
também conhecido como o Estupro de Nanquim, foi um
episódio de assassinato em massa e estupros em massa cometidos por tropas do
Império do Japão contra a cidade de Nanquim, na China, durante a Segunda Guerra
Sino-Japonesa, na Segunda Guerra Mundial. O massacre ocorreu durante um período
de seis semanas a partir de 13 de dezembro de 1937, o dia em que os japoneses
tomaram Nanquim, que na época era a capital chinesa. Durante este período,
dezenas de milhares, se não centenas de milhares de civis chineses e
combatentes desarmados foram mortos por soldados do Exército Imperial Japonês.
Estupros e saques também ocorreram.
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