sexta-feira, 4 de novembro de 2016

[POL] Higiene Racial: A Medicina segundo os Nazistas

Margaret Lincoln


Quando falamos de genética humana hoje, tendemos a pensar em um campo muito complexo de estudo que possui muitas promessas e variadas possibilidades. O potencial para melhoramento da raça humana em termos de compreensão da origem de doenças, tendo a habilidade de corrigir características físicas defeituosas no útero, a possibilidade de criar traços desejáveis ou selecionar o sexo de uma criança são todos parte das promessas que o mundo encontrou no campo da genética humana. Grandes universidades pelo mundo têm tentado liderar as pesquisas nesta área ao desenvolver e abrir vários cursos dentro do campo da genética e da biologia molecular. Ao construir este ser humano “melhor”, esperamos construir um mundo “melhor” com a profissão médica liderando a ação. O que muitos parecem ter esquecido é que a ciência legítima de hoje tem muita de suas origens na ciência, cientistas e médicos existentes na Alemanha entre o final do século XIX até 1945. Neste período, a profissão médica alemã vendeu sua alma ao Partido Nazista e a Hitler em um esforço para se recuperar o que era percebido como prestígio perdido e experimentar a liberdade de praticar e expandir as fronteiras da ciência da época. O resultado final tinha como objetivo salvar a Alemanha e a cultura alemã e a purificação da raça alemã. Esta purificação resultaria nos alemães assumindo seu “lugar de direito como senhores da Europa e do mundo.”

A profissão médica alemã ficou virtualmente calada em relação ao papel executado na Alemanha de Hitler após a guerra. Mesmo que médicos tenham sido julgados por crimes que eles tenham cometido em nome da saúde racial e da preservação da Alemanha, a maioria dos médicos que foi igualmente cúmplice nos crimes cometidos acabou ficando impune e continuou livre exercendo sua profissão. Experimentação, morte misericordiosas, reprodução selecionada e tratamento especial foram todos parte da área médica durante o reinado de Hitler. Sob inspeção mais próxima, o que realmente ocorreu foi tudo menos esforços nobres baseados no juramento de Hipócrates. A experimentação não era frequentemente autorizada e se tratava de esforços sádicos para “avançar o conhecimento científico”. Os assassinatos por misericórdia eram eutanásias conduzidas somente com fins econômicos ou políticos. A “reprodução seletiva” e “tratamento especial” eram eufemismos para a esterilização forçada de deficientes físicos e mentais e extermínio dos indesejáveis, particularmente os judeus. Quem fez o quê e por quê é examinado no livro Higiene Racial: A Medicina segundo os Nazistas. O autor, Dr. Robert Proctor, tenta explorar o papel das áreas médica e sanitária em criar e sustentar o “Reich de Mil Anos”.
  
Proctor inicia seu estudo examinando as origens da higiene racial. Um pioneiro-chave neste campo foi Arthur Comte Gobineau. Seu trabalho, escrito entre 1853 e 55, Ensaio sobre a Desigualdade da Raça Humana, ofereceu a premissa de que raça era a força principal que movia toda a história. A partir desta perspectiva, a vitalidade racial resultou na ascensão e queda de todas as grandes civilizações ou raças. Como tal, ele tomou a posição que sua história racial era de fato uma ciência.

À medida que a ciência continuou a avançar na última metade do século XIX, as pessoas começaram a olhar para ela como um meio de explicar tudo, desde as origens da personalidade humana até o modo como as coisas são. Com estes novos meios de olhar o mundo e a sociedade, vários grupos ideológicos adotaram teorias científicas que tentavam oferecer meios de controle social e reformas. A publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1859, provou ser um divisor de águas no campo do determinismo biológico. Ele defendeu a ideia de que as raças divergiram enquanto elas se adaptavam às condições ambientais locais. Suas ideias foram distorcidas sociologicamente quando Sir Francis Galton aplicou as ideias de Darwin à sociedade criando o que foi chamado de “Darwinismo Social”. Desde a ascensão do movimento social-democrata na Alemanha, os darwinistas sociais alemães tinham pouca confiança que a evolução pudesse levar a Alemanha à grandiosidade. Rejeitando o liberalismo e a mentalidade de laissez-faire abraçada pelos social-democratas, os cientistas sociais alemães optaram pela intervenção estatal como o único meio de interromper o que eles viam como a “degeneração” da espécie humana.
Esta temida “degeneração” deu surgimento ao movimento eugênico na Alemanha, que foi baseado em duas hipóteses-chave no final do século XIX:

(1)   O campo da medicina havia desequilibrado o “equilíbrio natural” ao permitir que os “fracos” sobrevivessem.
(2)   Os pobres e deficientes estavam se reproduzindo a uma taxa que excedia a taxa de nascimento de grupos mais habilitados na Alemanha.

Em resposta a esses temores, o movimento eugênico alemão, ou higiene racial, surgiu. Liderado pelo trabalho de Alfred Plötz, um alerta foi dado de que o cuidado médico indiscriminado permitia ao “fraco” sobreviver à custa dos “saudáveis”. Ele conclamou por uma visão mais ampla na sociedade em termos de fazer o que era bom para a raça ao invés de realizar as necessidades ou desejos individuais. Ele sentia que um “pensamento de higiene racial” poderia eliminar a luta pela sobrevivência. A reprodução humana deveria ser controlada até que as características raciais degenerativas fossem identificadas e eliminadas. Esta ideia deu origem ao movimento eugênico negativo. Assim, Plötz advogou o “melhoramento biológico da espécie humana”. Para promover suas ideias, ele, ao lado de três pensadores que se identificavam com essas ideias, fundou a Sociedade para Higiene Racial em 1905.  A associação a esta sociedade só era permitida se os indivíduos prometessem abster-se de casamento com pessoas não qualificadas. Filiais dessa organização começaram a surgir por toda a Alemanha.

Após 1910, o campo da higiene racial começa a popularizar-se na Alemanha. Com sua principal preocupação centralizada na degeneração da raça, numerosas organizações e revistas especializadas foram iniciadas e artigos foram escritos explicando a necessidade de fazer algo para aumentar os nascimentos de qualificados e a limitação da gestação de indesejáveis recebeu grande atenção, além do medo associado com a queda da taxa de nascimentos na Alemanha. Muito desta queda foi associada ao liberalismo e ao movimento feminista que desvalorizava a maternidade e compelia as mulheres a trabalhar fora do lar. Nos anos 1920, o crescimento da população estava equiparado à “aptidão racial” e à força nacional. A vida familiar estava sendo destruída pelo feminismo e pelos efeitos do pós-guerra. A higiene racial propunha um modo de reverter essa destruição.

Enquanto a Alemanha lutava contra as condições duras aplicadas pelo Tratado de Versalhes e um governo de Weimar ineficiente, a higiene racial ganhou uma nova vida dentro do movimento eugênico enquanto suas ideias também tornaram-se parte das plataformas políticas de partidos emergentes de direita e esquerda. Os questionamentos de a condição social ser um produto do ambiente ou da hereditariedade começaram a mover-se mais solidamente para o campo daqueles que defendiam o papel da hereditariedade. Como tal, o movimento eugênico era visto como um movimento progressista e tornou-se um veículo para resolver os problemas sociais. Um ponto-chave a reconhecer é que muitos daqueles que se consideravam progressistas eram, de fato, totalmente favoráveis aos argumentos nativistas[1] ou protofascistas. Já em 1895, Plötz considerava o homem branco a raça superior na Terra. Assim, a supremacia nórdica tornou-se um elemento-chave de muitas instituições emergentes criadas nos primeiros anos do século XX que anteviam o povo alemão como a salvação da raça nórdica.

Entre esses cientistas estavam Jean-Baptiste Lamarck (a herança das características adquiridas) e August Weismann (o estudo de características adquiridas e a habilidade de passa-las adiante). Os higienistas raciais nazistas aceitaram a visão de Weismann que material genético era passado adiante independentemente da socialização. Com a indicação de Weismann para membro honorário da Sociedade para Higiene Racial, ele ganhou destaque nacional. Mais tarde, ele tornou-se associado a muitas figuras-chave (eles eram seus estudantes) na politização do movimento de higiene racial: Eugene Fischer, Fritz Lenz, Wilhelm Schallmayer e Heinrich Ernst Ziegler. É importante ressaltar que as ideias da higiene racial foram estabelecidas na Alemanha pelo corpo médico muito tempo antes de Hitler chegar ao poder. De fato, este movimento tornou-se institucionalizado no governo de Weimar com a criação do Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (KWIA) em 1927.

O KWIA tinha como missão principal conduzir pesquisa para combater a “degradação física e mental do povo alemão”. Para este fim, foi decidido:

(1)   Conduzir uma avaliação antropológica do povo alemão;
(2)   Pesquisar os efeitos do álcool e de doenças venéreas no plasma germinativo[2].
(3)   Análise das tendências demográficas e genealogias; e
(4)   Investigação da transmissão genética da deficiência mental, comportamento criminoso, desordens nervosas, etc.

O apoio a este instituto veio do mais alto nível da política de saúde alemã. Eugen Fischer, um dos primeiros diretores do KWIA e chefe da Sociedade para Higiene Racial, caiu nas graças dos nazistas no início de 1933 quando ele promoveu a ideia de que a mistura racial entre nórdicos não era contraproducente. De fato, nesta época, ele defendeu que isto enriquecia a raça e a cultura. Visto como moderado, os nazistas o substituíram na Sociedade para Higiene Racial por Ernst Rüdin, porém ele permaneceu chefe do KWIA. Em julho de 1933, Fischer recuperou sua confiança com os nazistas ao declarar que eles foram os primeiros a perceber que a cultura de um povo é o produto das qualidades da raça. Portanto, era importante identificar e lidar com “doenças” dentro do campo genético. Para este fim, ele criou seu próprio instituto. Até 1940, Fischer e seus colegas haviam publicado 550 artigos sobre higiene racial e campos relacionados de estudo. Seus colegas cientistas e médicos tornaram-se “especialistas raciais” que forneciam testemunho em tribunais relacionados a esterilização obrigatória, pureza racial e paternidade. Estes “especialistas” também eram escalados para ensinar professores, médicos e médicos da SS.     

Em 1936 e 1937, o Dr. Kurt Gottschaldt começou o estudo com gêmeos sob os auspícios do Instituto Fischer. Campos para gêmeos especiais foram criados ao longo do Mar do Norte onde gêmeos eram exclusivamente estudados. O objetivo dos cientistas do instituto residindo lá era estudar se os traços comportamentais eram inerentes ou adquiridos. Financiado generosamente pelo Terceiro Reich, o estudo dos gêmeos foi conduzido em um esforço para demonstrar de forma definitiva que a hereditariedade era a chave para o talento e imperfeição humanas. Os nazistas também investiram altas somas em 30 institutos para provar sua linha de pensamento. A maioria do financiamento era conseguida através do Conselho de Pesquisa Alemão (DFG).

Um contribuinte importante nesta pesquisa em higiene racial foi Otmar von Verschuer, que substituiu Fischer como diretor do KWIA em 1942. Entre 1943 e 44, ele recebeu fundos para conduzir uma análise do banco de dados sobre gêmeos mantidos em campos de concentração. Este trabalho foi coordenado pelo Dr. Josef Mengele, um antigo estudante de Verschuer que o ajudou no trabalho no KWIA. Mengele forneceu ao instituto “material científico” que ele adquiriu em Auschwitz. Este “material científico” incluía:

(1)   Corpos de ciganos assassinados;
(2)   Órgãos internos de crianças mortas; e
(3)   Esqueletos de judeus mortos.
(4)   Amostras de sangue de gêmeos infectados com tifo por Mengele; e
(5)   Olhos.
(6)   Membros (braços e pernas)

Proctor muda de uma análise das origens da higiene racial para a luta que garantiu a transformação da medicina da higiene racial em ciência racial no Terceiro Reich. Esta luta manifestou-se nas arenas regional, religiosa e política, particularmente na questão da supremacia nórdica. A comunidade científica da higiene racial dentro da Alemanha tornou-se dividida neste tema na metade dos anos 1920. Apesar de a disputa ter sido resolvida em 1931, grandes movimentos raciais varreram o país, particularmente na forma de Nacional Socialismo. Ainda em 1930, muitos dos principais eugenistas identificaram-se com o movimento nazista. Um dos principais eugenistas que carregaram a bandeira nazista e o movimento racial nazista foi Fritz Leng.

Indicado primeiro professor de ciência racial na Alemanha em 1923, ele ajudou a escrever importantes livros alemães sobre genética e higiene racial durante os anos entreguerras. Com o início da Segunda Guerra Mundial, ele solicitou participar do Departamento de Raça e Reassentamento alegando ter conhecimento para o Plano Geral do Leste[3]. Ele foi um dos primeiros a defender a “eugenia negativa” para eliminar falhas genéticas e sofrimento humano. Sua influência em colegas da área médica foi extensa e incluiu várias figuras-chave no futuro, como Eugen Fischer (mencionado previamente) e Erwin Baur, que publicou uma obra de dois volumes (Elementos de Genética Humana e Higiene Racial) que influenciou fortemente o pensamento biomédico alemão patrocinado pelos nazistas.

Lenz escreveu o último capítulo do livro de Baur. Algumas de suas ideias-chave eram:

(1)   As diferenças mentais eram genéticas e podiam ser observadas entre os sexos e raças;
(2)   Uma pessoa com boa herança genética pode ser reconhecida;
(3)   Negros e mulheres sofrem retardo no desenvolvimento após a puberdade;
(4)   Judeus são reconhecíveis;
(5)   Judeus imitam outros povos para infiltrar-se;
(6)   A raça nórdica é a campeã da humanidade e foi decisiva em todas as descobertas e conquistas graças ao seu intelecto superior;
(7)   Os judeus tiveram um certo papel construtivo na história;
(8)   O valor absoluto da raça sobre o individual;
(9)   Os objetivos sociais podem ser alcançados por meios raciais (higiene racial);
(10)Hitler foi o primeiro político a reconhecer a importância da higiene racial como parte da política de Estado; e
(11)Nunca houve raças puras e devemos distinguir entre raça e Povo (Volk).

Consequentemente, Lenz assumiu o que foi considerado uma visão “objetiva e neutra cientificamente” da higiene racial. Sua higiene racial estava disfarçada de ciência, o que, por sua vez, legitimou muitas das percepções e preconceitos da época. Simultaneamente, esta neutralidade e objetividade abriram as portas para a classificação e distinção entre as raças. Assim, a ciência usada por Lenz defendeu o preconceito e estabeleceu a visão de mundo sobre mulheres e judeus que era central à ciência racial nazista. Hitler, enquanto “médico do povo alemão”, ministrava essa ciência.

Os médicos na causa nazista foram o próximo assunto abordado por Proctor. Os médicos foram alguns dos primeiros entusiastas do Nacional Socialismo. Em 1929, um grupo de médicos alemães formou a Liga Nacional Socialista de Médicos Alemães (NSDÄB) durante o congresso do partido em Nuremberg.

Seu propósito era coordenar as políticas médicas nazistas e eliminar a influência do bolchevismo judaico na comunidade médica alemã. O NSDÄB ficou responsável de fornecer ao Estado e ao Partido especialistas em todas as áreas da biologia racial e saúde pública. Os médicos foram o primeiro grupo profissional a se associar em grande número ao partido nazista. De fato, cerca de 45% de todo corpo médico alemão era filiado ao NSDAP; destes, 26% eram membros da SA (Tropa de Assalto) e 7% da SS. Os médicos aderiram entusiasticamente ao nazismo pelos seguintes motivos:

(1)   Oportunismo profissional;
(2)   A crença que o NSDAP era um partido conservador e nacionalista;
(3)   Problemas profissionais eram colocados sob responsabilidade de judeus e marxistas;
(4)   A promessa nazista de melhorar o estoque genético alemão;
(5)   A crença de que os nazistas interviriam nas companhias de seguros, que estavam restringindo a escolha do médico pessoal pelos associados; e
(6)   O NSDAP daria uma posição especial para eles dentro do partido.

Não foi muito tempo após a tomada de poder por Hitler que a profissão médica foi coordenada ou unificada em uma estrutura que estava subordinada ao NSDAP. De fato, em abril de 1933, a profissão médica estava totalmente incorporada ao Estado nazista. Em agosto do mesmo ano, todo o corpo médico fez juramento de lealdade a Hitler. O líder da profissão médica era Gerhard Wagner, que respondia somente a Hitler.

As perspectivas médicas mudaram uma vez que o corpo profissional ficou alinhado com os nazistas. Temas como cuidados com a saúde, medicina curativa e higiene individual ficaram de lado. Eles foram substituídos por liderança saudável, medicina preventiva e higiene racial, respectivamente. Tornou-se necessário distinguir entre vida valiosa e vida “inútil”. Cuidado com a saúde estava focada agora tanto no forte quanto no fraco. Sob a liderança nazista, a imprensa médica especializada transformou-se, assim como as ofertas nas faculdades de medicina e as prioridades na pesquisa médica. Mais significativo ainda foi o controle do NSDAP na profissão determinando quem poderia e quem não poderia exercer o ofício.

Fundamental para a disseminação da nova ideologia racial foram as revistas especializadas e as faculdades. Com cerca de 200 revistas à sua disposição, os nazistas decidiram usá-las inicialmente como um meio de “voltar com o pensamento e sentimento alemães”. Em 1933, isto começou com a retirada dos judeus da profissão e do meio acadêmico. Assim, as revistas foram usadas para promover a visão de mundo nazista e informar seus assinantes a respeito da política racial onde o sangue tornou-se a base da raça.

Sob ordens diretas de Goebbels, o currículo das faculdades de medicina foram alterados para incorporar o estudo de higiene racial dentro dos campos de antropologia e psiquiatria. Todos os estudantes de medicina alemães eram obrigados a frequentar as academias de Berlim e Munique onde esses novos cursos eram ministrados. O número de estudantes matriculados em cursos de ciência racial continuou a crescer até 1944. Para garantir que os futuros médicos da SS receberam treinamento ideológico apropriado, todos os possíveis candidatos eram obrigados a estudar na Escola Médica do Führer em Alt-Rehse, que foi criada em 1935. Seu objetivo era fornecer “treinamento moral, mental e manual para potenciais jovens médicos, enfermeiros e parteiras.”

Os médicos alemães deveriam tornar-se os líderes do Povo. Como tais, eles deveriam ser capazes de se identificar com as pessoas. Logo, além dos estudos, eles seguiam um regime de exercício e trabalho manual para liga-los ao “solo e sangue”. A higiene racial era vista como uma atitude espiritual baseada na ciência (Weltanschauung). Com efeito, ciência e política estavam unidas entre si. Com a criação do Departamento de Política Racial em maio de 1934, toda propaganda e educação para o povo e higiene racial estava coordenada. Chefiado pelo Dr. Walter Gross, este departamento foi responsável pelos programas raciais do Terceiro Reich, incluindo a Lei de Esterilização, a esterilização dos Bastardos da Renânia (n. do T.: crianças mestiças resultante do cruzamento de mulheres alemãs com soldados africanos a serviço da França), as Leis de Nuremberg e a educação do povo para a necessidade das políticas raciais. Estes programas receberam total apoio financeiro da Fundação Rockfeller.

Para convencer os médicos alemães da causa nazista, o NSDAP tomou medidas para assegurar sua lealdade. O primeiro passo foi lidar com os “elementos inapropriados e não confiáveis” na profissão médica alemã. Não era uma referência nada sutil aos judeus. Os judeus perfaziam cerca de 13% de todo o corpo médico na Alemanha. Em Berlim, eles compunham cerca de 60% e na Áustria eram cerca de 67%. Isto era um fator brutalmente desproporcional tendo em vista que na época os judeus eram cerca de 1% da população. Os judeus eram acusados de enfraquecer a profissão e o sangue alemão. Com a aprovação da Lei para a Restauração do Serviço Público em 7 de abril de 1933, os judeus foram expulsos do funcionalismo estatal. Eles não poderiam participar de programas de seguridade social nem ensinar em escolas de medicina ou qualquer outra faculdade. Com a Regulamentação dos Médicos do Reich aprovada em 13 de dezembro de 1935, os médicos judeus que estavam trabalhando em clínicas particulares ou como profissionais liberais após terem sido expulsos do serviço público foram novamente obrigados a deixar a profissão. Os médicos judeus só poderiam agora exercer a profissão se seus clientes fossem judeus. Isto permitiu que médicos “alemães” finalmente pudessem ascender na carreira. Estes médicos apoiaram os nazistas, os quais, por sua vez, deram a eles prestígio e poder.

Proctor usa o capítulo quatro para examinar a Lei de Esterilização. Em junho de 1933, um Comitê especializado em Questões da População e Política Racial foi formado pelo Ministro do Interior, Wilhelm Frick, para planejar o futuro da política racial nazista. Uma nova política racial era desesperadamente necessária pelos seguintes motivos:

(1)   Havia um declínio da taxa de nascimentos que impactava, por sua vez, na quantidade e qualidade dos nascimentos;
(2)   O tamanho da população idosa estava crescendo;
(3)   A propensão para uma família com apenas dois filhos;
(4)   O aumento da população judaica;
(5)   O aumento do número de crianças mestiças; e
(6)   O aumento dramático do número de indivíduos apresentando algum tipo de deficiência, cerca de 20% da população.

Em julho de 1933, a Lei para Prevenção de Prole com Doenças Genéticas foi aprovada autorizando a esterilização de um indivíduo se na opinião de uma comissão de saúde genética um indivíduo sofresse de uma doença genética severa. Nesta época, doença genética incluía tudo desde retardamento mental, esquizofrenia, insanidade maníaco-depressiva até cegueira, surdez e alcoolismo.

A primeira lei de esterilização foi aprovada nos Estados Unidos em 1907. Outras nações seguiram. Em 1917, a Alemanha ainda estava sem uma lei de esterilização e muitos higienistas raciais temiam que a Alemanha pudesse ficar atrás daquelas nações que estavam regulando suas populações. A Alemanha olhou em direção dos EUA e o conhecimento necessário para provar os resultados terríveis da reprodução pobre. A Alemanha também invejava os EUA por sua política imigratória restritiva. Com o tempo, houve uma tremenda colaboração entre os eugenistas americanos e alemães. Com os nazistas chegando ao poder, uma série de campanhas midiáticas surgiu para conscientizar a população sobre a importância da higiene racial. Pelo fato de os nazistas anteverem uma lei de esterilização sendo implantada em grande escala, eles realçaram os benefícios que a Lei de Esterilização teria sobre a raça e a economia. Tribunais de Saúde Genética e uma burocracia associada foram criados para determinar não apenas quem seria esterilizado, mas também quem poderia se casar. Advogados e médicos frequentavam esses tribunais e eram os responsáveis pelas decisões. Professores eventualmente eram chamados para dar sua opinião.

Entre 1933 e 45, oito grandes leis raciais foram aprovadas no sentido de restringir os fracos, fortalecer a raça e aumentar a taxa de nascimentos. Aqueles designados para esterilização eram obrigados a acatar a decisão da corte ou seriam enviados para campos de concentração. Médicos pesquisavam meios rápidos e indolores de esterilização dos pacientes. No período mencionado acima, cerca de 400 mil alemães foram esterilizados. Dentre eles, cerca de 500 Bastardos da Renânia (Rheinlandbastarde) em 1937. Com o início da Segunda Guerra, a esterilização foi substituída pelo Programa de Eutanásia T-4, aproximadamente 70 mil deficientes físicos e mentais foram executados em nome da saúde e da economia.

Uma discussão da política social nazista e o papel das mulheres foi o próximo passo. Os nazistas queriam as mulheres em casa e cuidando das crianças. Incentivos financeiros e reconhecimento público eram oferecidos às mulheres que tivessem filhos, sendo uma família com quatro filhos o ideal. Em 1938, funcionários públicos tinham que ser casados, aqueles casados por cinco anos sem filhos eram multados e mulheres inférteis poderiam ser ter o divórcio decretado. O aborto só era permitido se a vida da mãe corresse risco. Durante a guerra, mesmo mulheres não-alemãs, mas que tivessem traços germânicos, eram proibidas de praticar o aborto. Em um esforço desesperado de aumentar a população, chegou-se ao ponto de incentivar as mulheres a ter relações sexuais extraconjugais. Para manter as mulheres em casa, elas não tinham direito a estabilidade no emprego, seguro desemprego, a menos que tivessem 35 anos de idade ou mais, e a cota para estudantes femininos era de 10%.

Os nazistas mandaram as mulheres para casa para reduzir o desemprego e enfraquecer o movimento feminista. Para Hitler, o lar era o campo de batalha da mulher. Para um professor, os ovários de uma mulher eram uma fonte de recursos e propriedade do Estado alemão. Como resultado do retorno das mulheres ao seu papel tradicional, houve um aumento na taxa de nascimentos (entre 15 e 20%).

Contudo, ideologia e realidade não casaram quando o Plano Quadrienal foi iniciado objetivando a preparação do país para o que viria a ser a Segunda Guerra Mundial. Em 1938, 36% das mulheres alemãs recebiam salário. Apesar dos incentivos e da propaganda, o número de mulheres trabalhadoras naquele ano era mais do que o dobro de 1929. As razões para isso foram a reintrodução do serviço militar compulsório, a necessidade de aumentar a produção industrial e a aceitação de salários mais baixos. Pela importância que elas tinham na economia e a necessidade do rearmamento, os nazistas acabaram tolerando sua presença fora do lar. Em virtude disso, foram criadas creches dentro das fábricas para garantir o interesse da mulher na maternidade.

O número de mulheres atuando na profissão médica também aumentou, mesmo que não fosse permitida a prática. Após a lei de julho de 1938 ter sido aprovada e os judeus excluídos de exercer medicina, pareceu lógico as mulheres preencherem o vazio deixado por eles. Quando a guerra iniciou, as mulheres obtiveram autorização de praticar medicina e mesmo médicos judeus foram recontratados.

O papel do antissemitismo na comunidade médica alemã é analisado a seguir. Os médicos tiveram um papel fundamental na implantação das Leis de Nuremberg. Essas leis criavam uma distinção entre cidadão e residente. Judeus e mulheres solteiras eram classificados como residentes e, assim, estavam excluídos das garantias da cidadania plena, isto é, judeus não tinham direitos políticos. Casamento e sexo com um judeu estavam proibidos e os judeus eram classificados de acordo com sua ancestralidade judaica, ou seja, em relação ao número de avós judeus que a pessoa tinha.

A Lei de outubro de 1935 para Proteção da Saúde Genética do Povo Alemão (Lei da Saúde Conjugal) proibia casamentos entre pessoas se havia potencial para dano racial. Aqueles possuindo doenças genéticas poderiam se casar somente se fossem esterilizados. Qualquer tipo de “tráfico sexual” com um judeu era ilegal já que isso era visto como “poluição racial”.

A profissão médica assumiu a dianteira em promover e explicar estas leis e justificar sua importância. As revistas médicas eram usadas para publicar gráficos explicando as várias classificações da raça definidas pelas leis. Eles demonstravam com estes gráficos e outras mídias e anúncios o impacto danoso que a mistura racial teria no sangue alemão e na Alemanha. A profissão médica defendia as leis como ferramentas necessárias para “ajudar a proteger o ‘corpo’ alemão contra a invasão de ‘elementos raciais estrangeiros’” e ajudar a “limpar o ‘corpo’ do Povo”. Logo, no sentido de ter os vários trechos da legislação antissemita aprovada pelos nazistas, vários especialistas defenderam “políticas raciais positivas” (e.g., a dissolução de casamentos inter-raciais) para compensar “políticas raciais negativas” (e.g., Lei da Esterilização). Estas políticas positivas foram planejadas para proteger a herança genética e, consequentemente, separar arianos de não-arianos. O que complicou para os nazistas foi o fato de que muitos judeus converteram-se ao Cristianismo como uma forma de burlar a lei. Desde que a ancestralidade judaica não seguia mais uma “linha confessional” médicos como Walter Gmelin, chefe da Secretaria de Saúde de  Schäbisch-Hall (n. do T.: cidade localizada no estado de Baden-Württemberg) defendeu que os médicos especializados em genética estabelecessem uma base científica para as políticas raciais nacionais. Para Gmelin, isto significava o estabelecimento de um registro genético, as pessoas obrigadas a carregar um passe de saúde e a criação de escritórios raciais.

A miscigenação racial tornou-se uma preocupação importante. Na Alemanha, onde os judeus eram muito assimilados e geralmente não tinham uma “aparência judaica”, isso criou uma grande preocupação entre os puristas raciais. Os estudos de Fischer e Lenz haviam mostrado “conclusivamente” o impacto negativo da mistura racial. Prevenir isso tornou-se uma obsessão para os nazistas e a SS assumiu o comando. Ainda em 1931, a SS exigiu que seus membros seguissem regras específicas para prevenir que se casassem com mulheres que não estivessem dentro dos padrões raciais estabelecidos. O Departamento Racial (Rasseamt) da SS foi criado para observar todos os casamentos envolvendo membros da organização. Os regulamentos previam que todos os casamentos ou relacionamentos deveriam ser analisados e aprovados por médicos da SS. Mais tarde, o Rasseamt também se envolveu em casamentos civis. Além disso, centros de aconselhamento foram estabelecidos e panfletos foram publicados para promover escolhas saudáveis no casamento baseadas na higiene racial.

O poder desses centros aumentou significativamente com a aprovação das Leis de Nuremberg já que eles emitiam certificados de aptidão racial. Consequentemente, o papel dos médicos que faziam parte desses centros também cresceu. Era esperado que a informação coletada nesses centros pudesse fornecer, finalmente, a base de dados genética do povo alemão.
Com o aumento de poder dos médicos, tornou-se ainda mais premente a expulsão dos judeus dessa profissão. O antissemitismo na profissão médica também já tinha uma longa história que tinha raízes sociais e econômicas. Muitos médicos judeus fugiram da Rússia após a Revolução Bolchevista de 1917 e emigraram para a Alemanha, causando uma superlotação na atividade. Sob Bismarck, a profissão médica viu uma burocratização, socialização e cientização. A burocratização da profissão presenciou o desenvolvimento de salas de espera, agendamento de consultas e serviços centralizados. Em outras palavras, a medicina tornou-se um negócio. Com o crescimento das companhias de seguros, a medicina foi “socializada” de modo que práticas individuais foram substituídas por ações garantidas por seguros. A cientização da profissão ocorreu devido à criação de grandes clínicas dotadas de laboratórios especializados desenvolvidos por universidades e indústrias. Para muitos médicos alemães, essas mudanças não eram bem-vindas e eram resultado da influência crescente dos judeus na profissão. Assim, organizações como a Hartmannbund foram criadas para fortalecer a posição dos médicos particularmente vis-à-vis as seguradoras dominadas por judeus.

Os nazistas exploraram a tradicional relação médico/paciente em extinção ao criar propaganda que apresentava o médico judeu como um “explorador” e um “perigo especial” para o povo alemão. As revistas médicas eram usadas para firmar a posição que os judeus mantinham uma hegemonia não-natural no campo que precisava de uma retificação. Uma vez que os nazistas tomaram o controle das universidades e organizações médicas, passos dramáticos foram dados para “retificar o problema”. Leis como a Lei Contra a Superlotação das Escolas Alemãs (abril de 1933) e a Lei do Funcionalismo Público (abril de 1933) foram aprovadas. Entretanto, esforços nesta época para usar o tipo sanguíneo para identificar a ascendência judaica foram inconclusivos. Mesmo assim, os judeus foram expulsos da vida acadêmica em grande número à medida que os nazistas implantavam seus controles raciais. De 1933 a 39 quase 70% dos judeus alemães deixaram o país. Aqueles que permaneceram não possuíam os meios necessários para ir embora, particularmente após o pogrom de novembro de 1938 (Kristallnacht). Este ano foi marcado pelo antissemitismo extremo. Houve pelo menos 15 medidas legais contra os judeus emitidas. Entre essas leis estava a revogação de todas as licenças médicas dos judeus, sua expulsão dos consultórios, perda da aposentadoria e benefícios de pensão e a absoluta proibição de médicos judeus tratarem pessoas de sangue alemão. Ao todo, de 1933 a 1941, foram aprovadas mais de 250 leis e decretos excluindo os judeus da vida pública.

O Capítulo oito apresenta a “visão orgânica” da ciência racial nazista. Esta visão “orgânica” era essencialmente um retorno mais natural à terra e tipo de existência. Seus objetivos eram escapar dos problemas e complexidades da civilização moderna. Com o crescimento dos médicos formados em universidade a partir de meados do século XIX, um conflito cresceu entre a “nova prática” e a “medicina rural popular”. Nos anos 1920 e 30, a medicina tornou-se cientificamente embasada e especializada. Simultaneamente, aparentemente surgiu uma crise na saúde por um aumento na taxa de doenças. Portanto, a eficácia da nova medicina foi colocada em dúvida e o apoio nazista à velha medicina ganhou força. Os nazistas reviveram e regularam essas antigas práticas. Para garantir que os métodos naturais se encaixavam na visão nacional socialista do mundo, eles foram associados ao Darwinismo Social, higiene racial e à supremacia da raça nórdica.

Os nazistas pretendiam substituir o tratamento químico moderno por métodos orgânicos naturais de vida e tratamento. Já que os judeus dominavam a profissão e a nova medicina, os nazistas apresentaram isso como uma substituição pela medicina alemã natural. Assim, consumir pão integral ao invés do pão comercial, abster-se de álcool e fumo e evitar toxinas ambientais promovia um estilo de vida mais saudável. O novo estilo de vida natural abriu muitas oportunidades para a SS, enquanto organização econômica, desde sucos de frutas até água mineral embalada. De fato, no final da Segunda Guerra Mundial, a SS controlava cerca de 75% da produção de água mineral na Alemanha. Portanto, o objetivo final da medicina nazista era abandonar a medicina corretiva e estimular a medicina preventiva.

A atitude nacional socialista em relação à taxa de nascimentos é um bom exemplo do quão longe eles apoiavam esse movimento “orgânico”. A obstetrícia recebeu um novo estímulo e completo apoio, tanto ideologica quanto financeiramente. O nascimento era um evento natural e a intervenção médica somente ocorreria como último recurso. Para estimular a amamentação, as mulheres recebiam pagamento. Se suas crianças não precisassem mais de leite, elas eram encorajadas a doá-lo.

Novamente, política e realidade entraram em rota de colisão. Isto ficou óbvio quando os nazistas foram incapazes de reconciliar o movimento natural com o movimento para criar uma raça melhor. Muitos dos médicos que apoiavam o Nacional Socialismo o fizeram porque esperavam que pudessem se sobrepor aos praticantes da medicina natural. Os nazistas também encontraram resistência nas seguradoras, na burocracia médica e na indústria farmacêutica. O primeiro passo tomado em direção de consertar esse desarranjo foi dado em fevereiro de 1939, quando foi exigido que todos os curandeiros fossem registrados no sentido de praticar o ofício. A mesma lei dissolveu todas as escolas de curanderia e proibiu a criação de novas. Aprendizes não poderiam ser treinados. Nesta época, contudo, os nazistas fizeram o que eles esperavam apoiar a medicina natural. Eles ligaram de forma bem sucedida este naturalismo com as glórias passadas e, assim, deram esperança para o futuro. De uma perspectiva militar, o movimento naturalista ajudou a preparar o povo alemão para a escassez que resultaria uma vez iniciada a “guerra da sobrevivência” que Hitler anteviu.

Uma questão óbvia que Proctor busca em seguida é se houve resistência ao plano nazista por parte dos profissionais da saúde na Alemanha. Grupos comunistas forneceram a resistência mais  sistemática e sustentada. Estes grupos ajudaram os judeus com passaportes falsos e certificados de identidade ariana. Formas impressas de resistência estavam geralmente na forma religiosa. Outros protestos vieram daqueles que reclamaram da perda de erudição que ocorreu com a exclusão dos judeus da vida acadêmica e profissional alemãs. Porém, as condições econômicas após a Primeira Guerra Mundial colocou solidamente a classe médica a favor do Nacional Socialismo. Hiperinflação, fome, pobreza, guerra civil e uma crise na saúde pública provocaram o alinhamento político da comunidade médica.


Notas:

[1] Nativismo: atitude ou política de favorecer os habitantes nativos de um país (p.ex., em detrimento dos imigrantes).

[2] Teoria de que “Plasma Germinativo” (Células germinativas, particularmente seus cromossomos) é separado e inteiramente imune a qualquer influência do “soma” (o resto do corpo), que meramente transmite o plasma germinativo através das gerações.

[3] O Generalplan Ost (GPO) foi um plano secreto da Alemanha Nazista de genocídio e limpeza étnica, concebido para ser realizado nos territórios ocupados pela Alemanha no Leste Europeu durante a Segunda Guerra Mundial.

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