Alexandria calou-se em silêncio
tumular. Depois, foi possível ouvir da ilha de Faros – onde brilhava o famoso
Farol – aos corredores da Biblioteca boatos de que o deus Dionísio abandonara
os governantes da cidade. Cleópatra e Marco Antônio banquetearam com fartura
pela última vez. Mas o fim deles estava próximo. Foi assim, melancolicamente,
que os contemporâneos do casal descreveram o trágico desfecho da Batalha de
Ácio, em 31 a.C., e a espera pela inevitável invasão romana ao Egito.
Naquela época, o poderio de Roma
estendia-se por quase todo o Mediterrâneo. O Egito não pontificava mais como a
potência de outrora, embora ainda fosse a nação mais rica da região. Era
governado por Cleópatra, filha do faraó Ptolomeu XII. Até então, o que
mantivera o Egito livre da dominação romana foi a diplomacia. Entretanto, no
conturbado reinado do pai de Cleópatra, a tática da neutralidade gradualmente
foi perdendo a eficácia e acabou substituída pelo suborno. Expulso do Egito em
58 a.C., após uma revolta na capital, o faraó só retornou ao poder três anos
depois, protegido por legiões de Júlio César. Abrir os cofres para o general
romano pareceu uma boa idéia, mas deixou o protetorado à beira da falência. A
dívida era tão grande que o banqueiro Rabírio veio de Roma e assumiu o cargo de
ministro das Finanças em Alexandria para garantir o pagamento. “Foi durante o
reinado do pai de Cleópatra que o Egito perdeu, de uma vez por todas, a
soberania”, diz a egiptóloga brasileira Márcia Severina Vasques, especializada
no período.
A caminho da
guerra
Em 34 a.C., o Senado romano
indignou-se ao descobrir que, por meio das “Doações de Alexandria”, o general
Marco Antônio, governador da porção oriental dos domínios de Roma, entregara de
bandeja a Cleópatra, então sua consorte, e aos dois filhos que teve com ela, o
correspondente a um terço do território romano. O “presente” incluía a Líbia, a
Fenícia, a Armênia, a ilha de Chipre e até territórios ainda não conquistados
por Roma. E não ficou só nisso. Em evento na capital do Egito, Marco Antônio
declarou publicamente que Ptolomeu Cesário, filho primogênito de Cleópatra com Júlio
César (assassinado em 44 a.C. por um grupo de senadores), era o herdeiro
legítimo do finado general. E mais: Marco Antônio divorciou-se da esposa
oficial, Otávia, e uniu-se à rainha do Nilo segundo as tradições orientais,
beneficiando-a em seu testamento.
Ultrajado, o general Otaviano – irmão
de Otávia, sobrinho de Júlio César e comandante da Roma Ocidental – respondeu à
provocação com uma agressiva campanha. No Senado, explorou o fato de terras
conquistadas pelos romanos terem sido entregues a uma mulher, o que era uma
“afronta imperdoável”. Segundo o historiador Dio Cássio (155-229 d.C.), os
senadores, temerosos de que Marco Antônio, se vencesse a disputa, transferiria
o poder para Alexandria, destituíram-no de suas atribuições. Naquele momento,
cunhou-se a imagem depreciativa da soberana egípcia. “Essa visão distorcida do
Oriente, terra de luxúria e lascívia, proporcionou uma visão de Cleópatra como
a rainha feiticeira, ambiciosa e sedutora, uma visão negativa para a cultura
tradicional romana, que se pautava pela sobriedade e moralismo de caráter”, diz
Márcia.
A guerra civil era inevitável e dela
só poderia sair um vencedor. Assim, ambos os lados, que dispunham de fortes
alianças em diversos estados, mobilizaram recursos que tornariam aquele o maior
conflito bélico até então registrado. Otaviano contava com o apoio da Gália, da
Espanha, da Sardenha, do norte da África e das ilhas no oeste do Mediterrâneo,
entre outros aliados. Todo esse apoio traduzia-se em pelo menos 400 navios de
guerra e cerca de 80 mil homens. Por sua vez, Marco Antônio tinha as forças do
Egito, da Ásia continental, da Grécia, da Macedônia, de partes da Trácia, de
Cirenaica, de todas as ilhas ao leste e da maior parte dos reinos e
protetorados que faziam fronteira com a porção oriental de Roma. Eram 500
navios de batalha, 70 mil soldados de infantaria e 12 mil cavaleiros.
Deserção e
isolamento
Os dois exércitos encontraram-se na
costa oeste de Épiro, ao norte da Grécia. Em seguida, montaram acampamento em
Ácio, onde permaneceram durante quase quatro meses. O primeiro sinal de ataque
só aconteceu quando Agripa, general de Otaviano com larga experiência em
conflitos navais, capturou as ilhas próximas. Segundo relatos do historiador
Plutarco (46-127 d.C.), esse controle interrompeu o fluxo de provisões e deixou
o exército de Marco Antônio isolado. Para agravar a situação, ocorreu uma
epidemia de malária e baixas por causa do calor escaldante. Mas o pior ainda
estava por vir: tornaram-se freqüentes as deserções para o lado de Otaviano. Primeiro,
foram Titius e Planco, dois dos melhores generais de Marco Antônio, que
protestavam contra a influência de Cleópatra no planejamento da campanha.
Depois, foi a vez de Ahenobarbus, dos reis Amyntas e Deiotarus, e dos soberanos
da Trácia e Paphlagonia. Por fim, Délio, um oficial da coalizão, passou a
apoiar Otaviano, levando com ele os planos de guerra do antigo comandante.
Rejeitando um apelo de seu general
Canídio, que comandava as forças em terra, Marco Antônio insistiu que a guerra
fosse resolvida por mar. Em 2 de setembro de 31 a.C., sua esquadra moveu-se em
direção à de Otaviano. Marco Antônio postou-se na asa direita, com seu
co-comandante Publicola. Manteve o associado Coelius à esquerda, e Marco Otávio
e Marco Insteius no centro. Do lado oposto, estava o adversário Agripa, que
dobrou a linha para que ele não conseguisse atacá-lo de flanco. A estratégia de
Marco Antônio era tirar proveito da maior tonelagem de seus navios, carregá-los
e bombardear o inimigo. Mas os barcos de Agripa eram mais leves e ágeis e
conseguiram se safar. Após uma manobra de Agripa, Publicola moveu-se em
perseguição, deixando o fronte central – lento e menos treinado – disperso e
confuso, incapaz de manter a formação original. Agripa aproveitou a chance e,
em vez de abalroar os inimigos, colocou suas embarcações ao lado das de Marco
Antônio, para invadi-las pelos lados. A luta, a partir daí, deu-se homem a
homem, enquanto arqueiros e atiradores disparavam de longe. Otaviano, que
observava a ação a distância, enviou incendiários.
Embora a batalha naval não estivesse
decidida, para a surpresa de todos, a nau capitânea de Cleópatra subitamente
içou as velas, aproveitou-se da confusão para romper o bloqueio e retirou-se do
conflito, partindo com cerca de 60 navios em direção ao Egito. Segundo relatos
da época, Marco Antônio, perplexo, tomou um barco menor e foi atrás da rainha,
para o desespero de seus soldados, que ficaram abandonados à própria sorte, sem
saber o que fazer em plena batalha.
As razões para a decisão de Cleópatra de
levantar as velas – e a subseqüente reação de Marco Antônio – ainda hoje
dividem os historiadores. Alguns dizem que a rainha fugiu precipitadamente.
“Como mulher e como egípcia, ela se torturava com a agonia do longo suspense”,
afirma Dio. Mas estudos recentes sugerem que o gesto fora previamente
calculado. Ao chegar a Ácio, a frota real trazia consigo suas velas, algo
incomum em guerras da Antigüidade. A saída estratégica já devia estar
programada. Pesquisadores modernos afirmam que a intenção de Cleópatra era que
toda a frota a seguisse, o que não teria acontecido por razões climáticas.
O fim de uma
era
A Batalha de Ácio terminou em desastre
para Marco Antônio. As baixas chegaram a 5 mil soldados e quase 300 navios
foram capturados. Ao aportar em Alexandria, Marco Antônio caiu em depressão.
Cleópatra, que ainda não considerava a guerra perdida, reuniu as embarcações
remanescentes e providenciou que fossem transportadas por terra até o Mar
Vermelho. Sua idéia era escapar para a Índia e, com o tesouro egípcio, fundar
um novo reino. Entretanto, no meio do caminho, tribos do deserto, antes
subjugadas pelos Ptolomeus, queimaram a frota, e a rainha teve de desistir do
plano.
Não havia escapatória. Ao saber que
Otaviano rumava para capturá-la em Alexandria, Cleópatra despachou o filho
Cesário para a cidade de Coptos, com ordens para que o tutor do menino o
retirasse do país em segurança. Sua cavalaria, unida a legiões de Marco
Antônio, a princípio conseguiu conter o avanço das forças inimigas. Mas o
general, acreditando nos boatos de que a parceira estava morta, decidiu se
suicidar. Foi nesse momento que Cleópatra finalmente percebeu que tudo estava
perdido. Para não se submeter à humilhação de ser levada acorrentada para Roma,
ela também preferiu a morte, deixando-se picar por uma serpente venenosa – um
dos suicídios mais célebres de todos os tempos.
A Batalha de Ácio teve importante
significado para a História. Foi o conflito que encerrou o período de 3 mil
anos de reinado dos faraós no Egito, que depois disso se transformou em
província romana. Ali acabou a independência do país que fora unificado por
Menés em 3100 a.C. – liberdade que só seria reconquistada pelo presidente Gamal
Abdel Nasser, em 1952 da nossa era. Em Ácio, também morreu a própria República
romana. Após o grande triunfo, Otaviano ampliou seus poderes. Mudou de nome
para César Augusto e tornou-se o único senhor de Roma e seu primeiro imperador.
Em sua homenagem, o sexto mês do calendário romano, antes denominado sextilis,
foi rebatizado de augustus – agosto, no calendário gregoriano.
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