Wagner Gutierrez Barreira
O Rubicão é um pequeno rio de águas
vermelhas (seu nome vem de rubi). Tem 80 km, nasce nos Montes Apeninos e
deságua no Mar Adriático. O direito romano estabeleceu que ele marcava o limite
em que os generais poderiam chegar com suas tropas – a fronteira entre a Gália
Cisalpina e a Itália. Os 250 km de distância até Roma tinham de ser percorridos
sem as legiões. Era uma forma de proteger o Senado e a República de um golpe.
Nas primeiras horas do dia 10 de janeiro de 49 a.C., o grande general Júlio
César, conquistador da Gália, estava ao norte do Rubicão. Sabia que
atravessá-lo seria uma declaração de guerra. Que o Senado romano o trataria
como inimigo público.
Cercado por um pequeno grupo de colaboradores, César
hesitou. De acordo com o historiador Plutarco, ele estava “muito perturbado com
a grandeza e a audácia de seu empreendimento”. Discutiu com seus conselheiros,
pesou os prós e os contras. “Ainda há tempo de voltar atrás”, disse ao amigo
Asínio Polião. De repente, narra outro historiador romano, Suetônio, um homem
alto e bonito apareceu, sentado a pouca distância do grupo, e começou a tocar
sua flauta.
Logo, soldados e pastores o cercaram. O homem, então,
tomou a trombeta de um dos soldados e a tocou forte, alto, enquanto caminhava
até o outro lado da ponte. César convocou seu grupo e explicou o que tinham
testemunhado. “Vamos para onde nos chamam a voz dos deuses e a injustiça de
nossos inimigos”, disse ele, segundo Suetônio, e, em um gesto que Plutarco
classificou como “um abandono dos conselhos da razão”, cruzaram o Rubicão. Para
resumir, a frase do general que entrou para a história: Alea
jacta est (“a
sorte está lançada” ou “os dados estão lançados”). Foi o primeiro ato da guerra
civil que mudou o destino do maior império do planeta na época, jogado em uma
batalha que se espalhou pelo Mediterrâneo, da Espanha ao Egito – e mudou a face
do mundo ocidental.
Amor e ódio
Do outro lado do Rubicão, Júlio César enfrentaria o
popular general Cneu Pompeu. A vida dos dois próceres de Roma era uma relação
literal de amor e ódio. Pompeu fora casado com a filha de César, Júlia, que
morreu durante o parto do primeiro filho do casal. A criança também não
sobreviveu. Dez anos antes, César e Pompeu juntaram-se ao homem mais rico de
Roma, Marco Licínio Crasso, na formação de um triunvirato informal que
pretendia dividir as possessões romanas.
O erro de Crasso foi imaginar que seu dinheiro seria
suficiente para equilibrar a balança de poder. “César e Pompeu eram vistos como
os generais mais hábeis e mais ilustres, não apenas entre os romanos como
também entre todos os homens de seu tempo”, escreveu sobre a dupla o
historiador Díon Cássio. Pompeu era um general muito popular por causa da
conquista da Hispânia, da guerra que moveu contra os piratas no Mediterrâneo e
por acabar com a revolta do gladiador Espártaco.
César era adorado pela plebe e por seus soldados. O trio
usou o poder em Roma em benefício próprio. César, que era o cônsul na ocasião,
criou leis que ajudaram os negócios de Crasso e garantiram terras para os
soldados de Pompeu – que, em troca, conseguiu apoio político para que César
conquistasse e governasse a rica Gália. Mas Crasso morreu em campanha na Ásia,
e as diferenças entre Pompeu, que defendia o Senado, e César, que o esnobava,
começaram a crescer.
Até que os políticos exigiram que o general deixasse suas
tropas e voltasse para Roma. Cícero, o grande tribuno, inimigo de César, previu
o risco que ameaçava as instituições republicanas. “Hoje, é a ambição de dois
homens que põe tudo em perigo”, escreveu ao amigo Ático. “É da paz que
precisamos. Sou dos que pensam que mais vale aceitar tudo o que César pede do
que apelar às armas.” Era tarde demais.
“Se César se puser em marcha, basta que eu bata o pé no
chão para encher de legiões a Itália”, disse Pompeu em pleno Senado. Era uma
bravata. À medida que César avançava rumo à Roma com suas tropas, mais Pompeu
se enchia de preocupação. “Bate então com o pé no chão”, zombou o senador Marco
Favônio. O plano de Pompeu tinha alguma sensatez, mas mostrou-se infeliz. Ele pretendia
ir para Brindisi, no Adriático, e de lá partir para Dirráquio, a atual cidade
de Durrës, na Albânia, para organizar seus partidários na Grécia e na
Ásia.
Com ele, embarcaram 200 senadores. “A tática de Pompeu é
uma das mais claras e das mais engenhosas: recrutar no Oriente numerosas
tropas; fazer o bloqueio da Itália com sua frota, a fim de impedir o
abastecimento da península e de Roma; provocar a fome; e apresentar-se como um
salvador ao qual o conjunto dos romanos se aliariam”, escreveu Joël Schmidt em
Júlio César. Não funcionou. O plano faria sentido numa guerra tradicional. Mas
quem passaria fome se ele funcionasse seria seu próprio povo. Que, logicamente,
começou a se bandear para o lado de César.
No dia 1º de abril de 49 a.C., Júlio
César estava no Campo de Marte, nas aforas de Roma, para encontrar os poucos
senadores que permaneceram na cidade. Era uma forma de mostrar que respeitava a
legalidade, ao não entrar na capital com suas tropas. Ali mesmo foi aclamado
pela população. Mandou seus aliados para a Sardenha, Sicília e África e partiu
para a Península Ibérica, o território fiel a Pompeu. O temor de César era que,
a partir da Hispânia, os inimigos levassem a rebelião à Gália, que ele
pacificara pouco antes de a guerra civil eclodir. “Vou combater um exército sem
general, para em seguida combater um general sem exército”, afirmou. Depois de
um duro cerco à Marselha, César venceu a guerra na Hispânia e voltou para Roma
em outubro.
Poder absoluto
Em Roma, César foi aclamado ditador – um cargo que existia
para momentos de crise, com duração máxima de seis meses. “O que Júlio César
pretendia era tornar-se rei, segundo nos dizem autores como Plutarco”, afirma
Pedro Paulo Funari, professor da Unicamp e coordenador do Centro de Estudos
Avançados da universidade. “Uma realeza seria algo muito diferente. O modelo
romano seria outro, ao estilo de Alexandre, o Grande, e seus sucessores.”
Passados seis meses, César renunciou ao posto de ditador,
mas conservou todas as suas prerrogativas – o Senado estava esfacelado e a
administração pública de Roma funcionava precariamente por falta de gente.
Enquanto isso, Pompeu, em Tessalônica, preparava suas tropas. “Sua frota podia
ser considerada invencível, com 500 navios. Sua cavalaria era a flor de Roma e
da Itália: sete mil cavaleiros”, escreveu Plutarco em Pompeu. “A guerra
travou-se em locais tão distantes quanto a Espanha, o Egito e o norte da
África, onde quer que o Senado encontrasse legiões e generais, com destaque
para Pompeu, dispostos a resistir à rebelião de César”, descreveu o historiador
inglês John Keegan em Uma História da Guerra.
A despeito da grande frota de Pompeu, César cruzou o
Adriático sem ser incomodado. Enfim, em abril de 48 a.C., os dois exércitos se
enfrentaram. Os revoltosos cercaram as forças do Senado em Dirráquio, mas a
batalha não teve vencedores. Os soldados de Pompeu, esfomeados, escaparam da
cidade. Os dois lados cantaram vitória, mas o confronto decisivo ocorreria um
mês depois, em Farsália.
César tinha 22 mil legionários, 1,8 mil homens na
cavalaria e cerca de 10 mil aliados. As forças de Pompeu contavam com 60 mil
legionários e entre 5 mil e 8 mil homens na cavalaria. Apesar da desproporção,
a vitória coube a César. Ele conteve e depois massacrou a cavalaria de Pompeu,
que deveria ser o fator decisivo do combate. Depois, tratou de massacrar o
inimigo. Metade das forças de Pompeu foi morta. E o velho general fugiu vestido
em trajes civis.
Daí em diante, a guerra se transformou em perseguição
implacável. “César foi um grande estrategista. Basta dizer que lutou na Gália
por oito anos, uma eternidade hoje, mas muito mais na Antiguidade, quando as
pessoas morriam cedo”, afirma Funari. “Como general, ele arriscou muito mais a
vida do que qualquer comandante atual”, diz o professor da Unicamp, chamando a
atenção para o fato de César ser um líder popular entre os soldados por não
temer nenhuma tarefa, mesmo as braçais.
Pompeu, sempre com as tropas de César em seu encalço,
passou por Mitilene, na ilha grega de Lesbos, vagou pela Ásia Menor até chegar
a Chipre, de onde embarcou para Alexandria. Ali, foi morto por seus próprios
soldados, por ordem do rei Ptolomeu, que temia a fúria de César. A guerra
prosseguiu por mais algum tempo, até que os filhos de Pompeu foram finalmente
derrotados na Hispânia, na Batalha de Munda. Roma agora pertencia a César.
Populares e optimates
Os partidos na guerra civil romana
O último rei romano foi
Tarquínio, o Soberbo, que morreu em 509 a.C. As famílias mais antigas da cidade
fundaram então a República para evitar que novos tiranos pudessem governar
Roma. O Senado era uma oligarquia conduzida por patrícios, que no século 2 a.C.,
com o crescimento de Roma, não conseguia mais dar conta do sectarismo da
população. Havia uma complexa sociedade militar, novos povos que eram
incorporados ao império e, principalmente, a plebe – a população que deixava o
campo para ocupar a cidade, e que não parava de crescer. Com o tempo muitos
plebeus tornaram-se ricos, especialmente por causa do comércio e do exército. E
passaram a exigir participação nos rumos da política romana. Alguns patrícios,
como os irmãos Tibério e Caio Graco, passaram a apoiar as demandas dos plebeus,
especialmente a votação de leis agrárias. Foram considerados inimigos do povo e
mortos por causa disso no final do século 2 a.C. Em 107 a.C., o general Caio
Mário, tio de Júlio César, tornou-se líder dos populares, o partido da plebe,
que se opunha aos optimates, que defendiam os patrícios. Ele foi o protagonista
da primeira guerra civil, em oposição a Sila.
Sila
invadiu Roma em 83 a.C. e eliminou todos os seus adversários. Mas a divisão
entre populares e optimates, plebe e patrícios permaneceu no coração da cidade
até a ascensão de César. “Ele fazia parte dos populares por razões familiares,
bem antes das guerras civis”, afirma Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Ainda
assim, o projeto político de César ia além das divisões entre os dois partidos.
Ele buscava seu próprio espaço: o poder absoluto. Até ser assassinado no Senado
em 44 a.C., manteve o controle do poder romano. E sua morte, mais tarde vingada
por Marco Antonio, foi mais uma pá de cal na República. O primeiro imperador romano,
Caio Júlio César Augusto, que chegou ao poder em 27 a.C., era sobrinho-neto de
César.
Tópicos Relacionados
Nenhum comentário:
Postar um comentário