sexta-feira, 27 de junho de 2014

[POL] O Cristianismo no Terceiro Reich: A Busca pelo Jesus Ariano

André dos Santos Falcão Nascimento

 



O estudo sobre a pessoa de Jesus Cristo remonta aos primórdios da igreja. Ao longo da história, inúmeros questionamentos foram levantados a respeito de quem foi o carpinteiro de Nazaré, sempre buscando responder a demandas levantadas pelos fieis em suas épocas. No processo, várias ideias foram apresentadas, com algumas perdurando até os dias de hoje e outras tantas sendo apagadas pela força do tempo.

Uma dessas ideias, levantada a partir do final do séc. XIX e fundamental para a divisão da igreja alemã durante o governo nazista na década de 1930, foi a visão de que Jesus Cristo não poderia ter sangue judeu. Tal interpretação foi motivada pelo profundo sentimento de repúdio e medo que os europeus, em especial os alemães na época pré-Segunda Guerra Mundial, sentiam do povo judeu, além da visão de que a raça ariana seria superior à raça judaica.

Uma das iniciativas tomadas para realizar este intento foi reinterpretar a figura de Jesus Cristo, analisando sua vida e ministério, separando-os do panorama judaico que a Bíblia apresenta no relato de sua vida. Para chegar à conclusão de que Jesus não poderia ser judeu, os estudiosos analisaram o relato de seu nascimento, seu local de origem, seu ministério duplo de ensino e sinais, seu relacionamento com a liderança judaica e sua constituição divina. Em todos os casos, tais estudiosos buscaram filtrar qualquer traço judaico e místico da figura de Jesus, desta forma “purificando” o pilar sobre o qual o Cristianismo foi construído.

Desconstruindo o nascimento de Jesus

A teoria de que Jesus seria de origem ariana foi difundida no final do séc. XIX pelo escritor Houston Stewart Chamberlain, porém foi a influência de Wagner que motivou as crenças de Hitler. Antissemita radical, Wagner afirmava que Jesus Cristo nascera com sangue ariano, conforme uma revelação que tivera, e que não se tratava do Cristo judeu do Novo Testamento, mas “de um Cristo que derramara sangue ariano e que lideraria a Alemanha de volta à grandeza que era sua por direito”. Paul de Lagarde, um dos grandes acadêmicos semitas, também rejeitou a visão cristã tradicional de que Jesus era judeu, afirmando que isso era uma “distorção intolerável”.

Para se chegar a esta conclusão, os estudiosos e teólogos da época se apoiaram em duas teorias a respeito da origem de Jesus: A primeira, de que Jesus não teria nascido de uma virgem, e a segunda, de que a região da Galileia possuía quase nenhum vínculo sanguíneo em relação a região da Judeia.

Para eliminar totalmente a possibilidade de origem judaica de Jesus, os estudiosos alemães precisavam determinar que ele não tinha sangue judeu em suas veias. Relacionando a sua origem paterna a um soldado romano, eles conseguiram alcançar metade do objetivo. A outra metade, porém, precisava trabalhar a origem de Maria, mãe de Jesus. Para tal, os estudiosos afirmaram que o local de nascimento de Maria, a Galileia, não possuía traços sanguíneos judaicos.

Desconstruindo a origem de Jesus

Segundo Steigmann-Gall, o conceito de um Jesus ariano teria surgido nos escritos de Ernest Renan, francês católico estudioso de linguística e religião e na disciplina científica desenvolvida por ele, a filologia. Nas discussões desta matéria, teriam surgido os conceitos de Semita e Ariano, inicialmente para descobrir o local das línguas indo-europeias no momento originário do cristianismo, buscando estudar suas características essenciais em conjunto com as características do idioma semita judeu, e posteriormente sendo utilizados para assinalar características essenciais para as pessoas que as falavam.

Segundo Cornelia Essner, o antropólogo alemão Felix Von Luschan teria concluído, em uma assembleia de especialistas em 1892, que “o povo judeu moderno é oriundo ‘primeiramente dos Amoritas arianos, em segundo lugar de Semitas autênticos, final e principalmente dos descendentes dos antigos Hititas’”. Segundo Steigmann-Gall, o próprio conceito de Houston Stewart Chamberlain da arianidade de Jesus teria surgido com esta disciplina, da qual Renan era um dos expoentes, e segundo a própria Heschel, para Renan, durante sua carreira, “idioma, raça, cultura e religião se tornaram intercambiáveis”.

A ideia da formação racial diferenciada do povo galileu já era conhecida no séc. XIX. Friedrich Delitzsch, segundo Heschel, já havia sugerido que, após a conquista assíria, a Galileia havia sido reassentada com babilônios de origem mestiça ariana. Segundo Heschel, vários assiriólogos atestaram que a população da Galileia teria origem gentílica nos séculos imediatamente anteriores aos de Jesus, apesar de se basearem muito mais em mito do que provas.

Desconstruindo o discurso de Jesus

A questão da mensagem de Jesus Cristo como sendo opositora à mensagem do judaísmo seria muito difundida pelo Movimento Cristão Alemão. Em abril de 1939, segundo Bergen, um grupo de líderes assinou um documento, a Declaração de Godesberg, onde afirmaram categoricamente que o cristianismo era o oposto religioso irreconciliável do judaísmo. Um mês depois, um grupo de Cristãos Alemães moderados e pessoas de fora do movimento assinaram seu próprio documento em resposta, mas reafirmando que a raça era o único princípio sob o qual o Cristianismo na Alemanha poderia ser organizado e que “não há oposição maior do que a mensagem de Jesus Cristo e a religião judaica da legalidade com sua esperança por um Messias político”.

Uma obra muito popular que questionava a origem de Jesus através de seu discurso foi publicada em 1921, conforme aponta Édouard Conte, por Artur Dinter: o romance, chamado O Pecado Contra o Sangue. Nesse livro, o protagonista, Hermann Kampfer,  afirma que Jesus não poderia ser judeu, por dividir o seu pensamento do pensamento e da sensibilidade judaicos. Segundo o protagonista, por pregar interioridade, desinteresse e sinceridade, a ideia de um Jesus judeu era incoerente, já que os judeus pregavam exteriorização, egoísmo e fraude. Esse conflito de ideias só poderia ser explicado pela diferença racial entre Jesus e os judeus.

Desconstruindo o ministério de Jesus

Esta oposição de fé entre Jesus e os judeus foi muito trabalhada ao longo dos anos finais do séc. XIX e começo do séc. XX. Segundo vários estudiosos, “a originalidade da fé de Jesus” só poderia ser restaurada removendo-a do contexto do judaísmo que deturpou a sua mensagem, e apresentando a Cristo como “uma figura heroica com uma fé audaz em Deus que o levou a se posicionar descompromissadamente contra a falsa piedade do seu tempo”.

Após analisar essas questões, fica a pergunta: quais eram as influências na configuração desse novo Jesus, distinto do movimento judaico? Além da influência assíria, alguns estudiosos começaram a teorizar, ao comparar os textos sagrados de outras religiões com o cristianismo, que haveriam correlações entre ambas que provariam que o relato bíblico de um Jesus judeu não poderia ser verdadeiro. Heschel cita vários estudiosos que tentaram fazer paralelos entre a vida de Jesus e a vida de Buda, como Arthur Schopenhauer, que afirmava uma correlação entre os dois personagens porque ambos “pregavam ascetismo”. Outros estudiosos, segundo ela, teriam começado a analisar o Zoroastrismo para encontrar pontos de encontro com os ensinamentos de Jesus que demonstrassem a sua raça.

Entretanto, segundo Heschel, o povo do leste era muito remoto e efeminado, segundo alguns alemães nacionalistas, para ser aceito como total orientador da origem de Jesus Cristo. Nesse sentido, a partir dos anos 1890, Jesus começou a ser descrito como uma combinação da “imanência do Ariano do Leste com a forma e pureza racial do alemão, como exemplificado nos mitos teutônicos”. Esta teoria mostrou-se extremamente perigosa, segundo Heschel, pois, com base na teoria de um pastor da época - de que Jesus marcou a transição de um Deus transcendente para um Deus imanente dentro de nós, sendo esta presença prova da identidade germânica de Jesus – o foco da preocupação cristológica passou da incarnação de Deus para a divinização do homem, abrindo caminho para a identificação de Hitler e do povo alemão como divinos ou até mesmo como a personificação de Cristo.

A pergunta que resta, então, é sobre a teoria dos autores para o fato do cristianismo ter se rejudaizado nos anos seguintes à morte de Jesus. Legarde, segundo Heschel, joga a culpa em Paulo, judeu declarado no próprio texto bíblico, que teria reconfigurado a imagem de Cristo de um herói antissemita para um niilista, que negava a identidade racial do homem ao clamar que “não há judeu nem grego”. Já Walter Grundmann joga a culpa não em Paulo, mas nos autores judeus dos evangelhos.

A questão da origem antijudaica de Jesus, porém, não era unanimidade. Segundo Hershel, Ernest Renan, em sua famosa obra de 1863, Life of Jesus, Jesus é caracterizado como um galileu que transformou-se de judeu em cristão, descrevendo o cristianismo como uma forma religiosa purificada de qualquer judaísmo. Desta forma, Renan diverge de seus sucessores, ignorando a questão racial na origem galileia de Jesus e partindo para um viés mais religioso.

Conclusão

De qualquer forma, seja qual for o motivo, o fato é que o movimento cristão-alemão adotou como uma de suas premissas a noção de que Jesus Cristo não poderia ser judeu, adotando-o como um campeão ariano que lutou contra aquele grupo. Como a intenção do movimento era desvincular o cristianismo do judaísmo, é fácil perceber que o movimento não se deteria apenas na desjudaização de Jesus, mas sim que ele partiria para uma estratégia maior: Desjudaizar a religião cristã como um todo.


 
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