Vejo
que os jornais de hoje estão repletos de relatos sobre Gudrun Burwitz, a filha
de Heinrich Himmler, e sua organização Stille
Hilfe (Ajuda Silenciosa), que é acusada de ajudar nazistas no exílio.
Presumivelmente, as reportagens mencionam como a Stille Hilfe coopera com a Odessa, a rede clandestina nazista de
fuga. Não estou qualificado para discutir as atividades da Stille Hilfe, mas sei uma coisa ou duas sobre a “Odessa”, e acredito
que esta organização é mais o produto de fantasia do que realidade. Peço
desculpas pela postagem longa, mas é um assunto próximo da minha vida
profissional, e nada me deixa mais furioso do que ver pessoas que falam sem
conhecimento algum sobre a “Odessa”.
O
problema mais óbvio com a Odessa é o próprio nome. Se você está organizando uma
rede super secreta de fuga para membros da SS, você realmente a nomearia com um
acrônimo que significa Organização de Ex-Membros da SS (Organisation der ehemaligen SS-Angehörigen)? Acho que não.
A
verdade sobre as organizações de fuga nazistas, sob nuvens de cogumelos de
fumaça, é que elas eram muito semelhantes à uma organização filantrópica, ou
talvez mesmo a uma rede de células terroristas chamada Al-Qaeda. Após a guerra,
havia incontáveis organizações que ajudavam na fuga de nazistas, e alguns
destes grupos tinham nomes – tais como “Konsul”, “Scharnhorst”, “Sechsgestirn”,
“Leibwache”, “Lustige Brüder” – e outros não. Ao invés de um grande incêndio
sob a fumaça, havia vários pequenos, a combinação de suas emissões múltiplas e
tóxicas sugerindo um único grande incêndio. Assistência também seria fornecida
em uma base específica, algumas vezes por um único indivíduo ou por um grupo de
pessoas ao invés de um único grupo coordenado.
Contudo,
os registros mostram que havia algo chamado “Odessa”. Longe de ser o monstro de
tentáculos globalizado da imaginação popular, pareceu começar como pouco mais
que uma palavra de ordem, e tornar-se-ia um termo vagamente atribuído ao grupo
que levou fugitivos da Alemanha e Áustria para Roma e Genova, e de lá para a
Espanha e Argentina. Uma das primeiras menções documentadas da “Odessa” está
num memorando do Corpo de Contrainteligência dos EUA (CIC) datado de 31 de
julho de 1946, no qual uma organização clandestina em um campo de prisioneiros
da SS em Auerbach foi identificada. Ela não era chamada “Odessa”, mas a palavra
era empregada como uma senha na ordem para ganhar privilégios e considerações
especiais de alimentação da Cruz Vermelha em Augsburg.
O
termo também valia em outros lugares, em cidades como Kempten, Rosenheim,
Mannheim e Berchtesgaden, onde foi aplicado a pequenas células de membros
impenitentes da SSno sentido de dar-lhes um sentimento de solidariedade. Como
estes grupos careciam de qualquer forma de organização e liderança, o CIC não
se preocupou com eles.
Entretanto,
em novembro, os tchecos informaram aos americanos que eles souberam de rumores
sobre uma organização chamada “ODESSA” que estava operando na zona britânica de
ocupação, e que ela teve seu primeiro encontro em Hamburgo em setembro. Em
janeiro do ano seguinte, o CIC enviou um agente a um campo de internamento em
Dachau, que relatou que havia uma organização de fuga operando lá sob o nome de
“ODESSA” e organizada pelo tenente-coronel da SS Otto Skorzeny, ele próprio um
prisioneiro.
“Isto
é feito com a ajuda de guardas poloneses,” relatou o agente, “que os estão
ajudando a receber ordens de Skorzeny para escapar.” O informante revelou que a
organização era “mundial” e que ela fornecia documentos portugueses para
aqueles que queriam viajar para a Argentina. Para aqueles que decidiram
permanecer na Alemanha, o grupo forneceria emprego e documentação. Entretanto,
nem os americanos nem os britânicos foram capazes de verificar quaisquer das
afirmações do informante. “Personagens-chaves têm sido vigiadas atentamente,”
relatou o CIC, “mas nenhuma de suas atividades tem se estendido além do
estabelecimento de contato com antigos membros da SS em seus locais.” O CIC
também achava que o nome de Skorzeny era usado apenas como “suporte e
prestígio”.
A
ideia de que Otto Skorzeny bolou uma sociedade secreta é fantasiosa, até porque
quase todo movimento que ele fazia era monitorado pelos americanos, e
provavelmente, por outras nações. Skorzeny também não era, sendo franco,
inteligente ou discreto o suficiente para gerenciar uma rede clandestina de
fuga.
Ao
longo dos meados dos anos 1940, os serviços de inteligência aliados receberiam
uns poucos relatórios sobre a “Odessa”, mas eles sugeriam que a organização era
um pouco mais do que um bote salva-vidas para antigos nazistas que queriam
continuar lutando. Além disso, a natureza da Odessa parecia mudar dependendo de
quem estava sendo interrogado. Em dezembro de 1947, o CIC em Donauwörth
interrogou um antigo oficial da SS chamado Robert Markworth, que foi preso por
uma tentativa de suborno. Markworth afirmou que ele estava em uma missão
secreta para a Odessa, missão que era infiltrar-se no governo militar russo e
não tinha nada a ver com fuga.
No
começo daquele ano, os americanos ficaram sabendo por um informante que o modo
de contatar a organização era simplesmente se misturar com a multidão em
estações ferroviárias principais até que alguém fosse abordado por uma pessoa
dizendo a palavra ODESSA. O informante, que os americanos não conheciam e que
havia se apresentado como voluntário, tentou a sorteem Hanover, onde ele
encontrou um tal de “Herbert Ringel”, que afirmou que o objetivo da Odessa era
o planejamento de uma “eventual revolução”. A informação atravessou o grupo e
foi espalhada por uma rede de contatos, nenhum dos quais conhecia o nome da
próxima pessoa na cadeia. O método de identificação era a presença de três
pequenas marcas na forma de um triângulo na base do polegar e do dedo indicador
da mão direita. “Ringel” também mostrou ao informante sua carteira de
identificação (Odessa Ausweis), que mostrava o suposto símbolo da Odessa em sua
frente: duas flechas cruzadas sobre as letras “ODESSA”. Os americanos
classificaram o informante como F3, que indicava que sua falta de fiabilidade
não poderia ser julgada e que a informação era possivelmente verdade.
De
fato, o que ele havia relatado tinha todo jeito de desinformação, e uma
tentativa amadora de fazer isso. A noção de que a Odessa forneceria aos seus
membros documentos de identificação era absurda, e a presença das três marcas
era igualmente improvável. Também parecia improvável que um membro da Odessa
ofereceria tais segredos a um estranho em uma estação ferroviária em Hanover.
No
mesmo ano, outra organização se autodenominando Odessa foi descoberta em
Rosenheim pelo CIC, apesar de parecer consistir de pouco mais de uma dúzia de
homens, alguns dos quais tendo sido aprisionados previamente por roubo e
possessão de armas. O CIC relatou que tinha se infiltrado no grupo e notou que
a palavra Odessa era usada como uma espécie de senha. O líder do grupo, Hans
Schuchert, foi descrito como um “soldado SS fanático que sempre saudava seus
colegas com um ‘Hail Odessa’.” Em um baile dançante no Gasthaus Plestkeller em
Ziegelberg nos arredores de Rosenheim, Schuchert reuniu um número de membros da
SS. “Agora vem a dança pela Odessa,” disse ele. “Isto significa muito para a
SS.” Apesar de alguns convidados ficarem chocados, ninguém – incluindo alguns
policiais presentes – registraram qualquer queixa.
Uma
pessoa que ficou interessada na Odessa foi Simon Wiesenthal. Em 3 de abril de
1952, Wiesenthal escreveu uma longa carta ao jornalista alemão Ottmar Katz
sobre ouro nazista e como o tesouro
estava sendo supostamente usado para financiar a fuga dos nazistas. Na carta,
uma cópia vagabunda da qual está guardada nos Arquivos Nacionais em Washington,
Wiesenthal diz a Katz sobre várias sociedades secretas nazistas, tais como a
Scharnhorst, Sechsgestirn, Edelweiss, Spinne e PAX. Wiesenthal também escreve
sobre a Odessa, a qual, ele informa Katz, é uma organização de fuga que
transportava fugitivos para Bispo Hudal em Roma e de lá eles partiam para Madri
e América do Sul.
A
fonte de Wiesenthal para seu conhecimento sobre a Odessa era Wilhelm Hoettl, um
antigo membro da SD que estava administrando redes altamente duvidoss para os
americanos até que eles o dispensaram em setembro de 1949[1]. A informação que
ele reuniu tinha sido avaliada como pobre e o CIC o considerou desonesto. Também
havia uma suspeita que ele leiloava informação a quem pagasse mais alto, não
importando de que lado da Cortina de Ferro o dinheiro viesse.
Também
não deve haver dúvidas de que muito do que Wiesenthal disse a Katz em sua carta
era ainda mais idiotice fornecida a ele por Hoettl. É interessante que a carta
para Katz tenha terminado no arquivo de Hoettl nos Arquivos Nacionais dos EUA.
Consequentemente, é extremamente difícil confiar em qualquer coisa que o
ingênuo Wiesenthal apresentaria mais tarde ao mundo relativo à Odessa e como os
nazistas escaparam.
Mesmo
nazistas como Reinhold Kops, que escreveu um conjunto de memórias sinceras em
1987, negaram a existência de tal organização chamada Odessa. Alfred Jarschel,
cujo livro fantasioso Fugindo de Nuremberg
está repleto das estórias mais ultrajantes dobre as fugas nazistas – incluindo a
“escapada” de Martin Bormann – era cético em relação a Odessa, e a via mais
como uma forma de Wiesenthal vender material a jornalistas.
Além
disso, Erich Priebke, o antigo capitão da Gestapo preso em Roma, me disse que a
Odessa é um mito. “Sempre digo que Odessa é uma invenção dos ingleses,” diz
ele, se referindo a Frederick Forsyth. “Teria sido sortudo se alguém tivesse me
ajudado, mas não havia tal Odessa.” Priebke citou a falta de assistência
financeira que ele sofreu como evidência de que o grupo não existia.
Frederick
Forsyth ouviu sobre a estória em um artigo do Sunday Times escrito por Antony
Terry em julho de 1967, na qual a função da Odessa era descrita, e como seu
grande golpe foi o resgate de – quem mais? – Martin Bormann. A fonte de Terry
para a estória era ninguém menos que Simon Wiesenthal. Tivesse o editor de
Terry sabido que a fonte principal de tal informação era um antigo membro do SD
chamado Wilhelm Hoettl, então ele teria descartado o artigo.
Ou
talvez não. Acima de tudo, a Odessa, como Frederick Forsyth a concebeu, é uma
grande estória de ficção.
Nota:
[1]
Wilhelm Hoettl, uma fonte comprovadamente desonesta, foi usado no Julgamento de
Nuremberg como testemunha de acusação, afirmando que tivera uma conversa com
Adolf Eichmann, quando então o seu chefe na Questão Judaica teria confirmado que
4 milhões de judeus tinham sido mortos em vários campos de concentração e cerca
de 2 milhões morreram de outras formas, totalizando o famoso número do
Holocausto, 6 milhões.
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